segunda-feira, maio 20, 2013

A revolução e o papel higiênico - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA

A revolução falou grosso, na semana passada, na Venezuela. O ministro do Comércio, Alejandro Fleming, cobriu-se da mais heróica das faces, ajustou a mais resoluta das vozes, e anunciou: "A revolução trará ao país o equivalente a 50 milhões de rolos de papel higiênico!". Depois do açúcar, dos laticínios, das carnes, da farinha de milho (com a qual se faz a sagrada arepa, o pão de cada dia na mesa do venezuelano), do sabonete e da pasta de dentes, a crise de desabastecimento que assola o país chegara ao vaso sanitário. Não se alvorocem os imprudentes, porém. La revolución, enérgica e vigilante, fará chover papel higiênico, abarrotará com ele as prateleiras, fartará o mais exigente intestino, "para que nosso povo se tranquilize"" — acrescentou o ministro — "e compreenda que não se deve deixar manipular pela campanha mediática de que há escassez". Faltar papel higiênico não é de chamar atenção, na quadra que atravessa a Venezuela. Também não surpreendem nem o anúncio de que haverá importação do produto, nem o vezo de negar o desabastecimento. Digno de nota é o ministro invocar o santo nome da "revolução". Não é o simples e reles "governo" que vai importar papel higiênico. É la revolución!

Já faz dois séculos e meio que a palavra "revolução" paira, como sonho ou como pesadelo, sobre os processos políticos, mundo afora. Os eventos fundadores do fenômeno são a Revolução Americana e, principalmente, a Francesa. Com os franceses, "revolução" virou sinônimo de refundação do mundo. Tanto eles acreditaram nisso que revogaram o antigo calendário e instituíram um novo. Impunha-se que o tempo começasse de novo, do zero. O caráter refundador da "revolução" radicalizou-se com as revoluções comunistas, no século XX, a começar da Bolchevique. E ganhou acentos místicos com a promessa de criação de um mundo novo, marcado pela paz, pela generosidade e pela fraternidade, e povoado por um "homem novo". "Revolução" passava a equivaler a purgação dos pecados e renascimento. O marxismo ateu irmanava-se às religiões ao prometer um futuro de bem-aventurança, e ganhava delas ao localizá-lo não no Céu, mas na Terra mesmo.

O problema é que as revoluções, segundo indicaram os fatos, nestes últimos dois séculos e meio, abrigam em si o germe da destruição. Não demorou e os franceses retornaram ao velho e bom calendário gregoriano. Era o reengate com o tempo antigo. Dali para a frente, a história da França é uma contínua demonstração de que a força da continuidade supera a da ruptura. Nas décadas finais do século XX veio o colapso dos regimes comunistas, expondo a fragilidade das revoluções que prometiam. Avançaram de modo mais consistente, inclusive na direção da igualdade, regimes que, em vez de prometer uma nova aurora, operaram na rotina realista das miudezas do dia a dia e das medidas tópicas, no quadro favorável que só o respeito à lei e a solidez das instituições proporcionam.

Para voltar à ideia de calendário, o germe que destrói as revoluções é a ambição de atalhar o tempo. As revoluções socialistas, ao se proporem a revogar o capitalismo, investem contra um tempo histórico que é o do capitalismo. Não é de admirar que o "processo revolucionário" da Venezuela, assim como outros, antes dele, tenha resultado em desabastecimento. Produção de bens é algo que o capitalismo sabe fazer. O socialismo, como o comprova o legado dos países que o experimentaram, não sabe. La revolución, na Venezuela, boicota a iniciativa privada e demoniza o modo de produção capitalista. Tudo bem se houvesse algo para pôr no lugar. Não há.

Por essas e outras o conceito de "revolução" soçobra, neste século XXI. Menos na América Latina, e em especial nesta Venezuela surrealista, onde os pajariios trazem recados dos mortos. O ministro do Comércio informou que o consumo mensal de papel higiênico no país é de 125 milhões de rolos. Não há "deficiência na produção", acrescentou, mas sim um momento de "sobre demanda" que, para ser satisfeita, exige "uns 40 milhões adicionais". Impressiona o rigor estatístico, num país em que poucas estatísticas funcionam, mas o ministro não esclarece o que teria determinado a tal "sobredemanda". Uma súbita aceleração dos processos digestivos do povo venezuelano? Seja como for, la revolución cuidará disso. E assim o conceito de revolução, graças à contribuição venezuelana, passa de um sentido a outro, tão diferentes, da palavra "escatologia" — do sentido de aurora de um profético tempo novo ao de estudo dos excrementos.

O dinheiro é nosso - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 20/05

Depois dos R$ 2,8 bi arrecadados com o leilão de blocos de petróleo da ANP, na terça-feira passada, a primeira estimativa, dentro do governo, é que o leilão de novembro despeje perto de R$ 6 bilhões nos cofres públicos.

Calma, gente
Amanhã, às 18h, na Igreja de Santa Rita, em Búzios, cidade que abriga uma grande comunidade de argentinos, haverá Missa de Sétimo Dia da morte do ditador Jorge Videla.

Trata-se, na verdade, de um ato político de vítimas da ditadura no país vizinho, convocado pelo jornal “Perú Molhado”, cujo diretor, Marcelo Sebastian Lartigue, ficou quase três anos preso na Argentina.

Aluguel de índios
Um carioca que luta contra a demolição do prédio do QG da PM na Evaristo da Veiga, onde D. Pedro II presidiu seu último ato público como imperador, brinca que precisa arranjar uns índios para fortalecer a causa:

— O prédio tem importância histórica maior que a do Museu do Índio, no Maracanã. Mas, aqui, causa sem índio parece não chamar atenção.

Faz sentido.

Quem quer dinheiro?
Depois de Coty e L’Oréal, agora é a Avon que tenta comprar a Jequiti, de Silvio Santos. Corre na Rádio Cosméticos que a proposta é de uns R$ 500 milhões.

A conferir.

No mais
Quem não conhece Eduardo Suplicy pode achar que ele sofre de Síndrome de Estocolmo, aquela que faz a vítima se apaixonar pelo agressor.

É que na Virada Cultural em São Paulo ele, depois de ser furtado, apelou todo doce: “O dinheiro pode ficar. Mas, se puderem devolver meu celular e meu cartão de crédito, eu agradeço.” Não é fofo?

Zico virtual
Veja que legal. Nosso Zico virou personagem central de um jogo para celular.

Os modelos Samsung, à venda no Japão e na Coreia, passarão a vir com o joguinho com o ex-craque. O lançamento é da 213, braço de marketing esportivo da Binder.

O filho autista
A editora Zahar comprou os direitos do livro de Kristine Barnett sobre seu filho autista, Jake, que faz sucesso nos EUA.

“Brilhante: A inspiradora história de uma mãe e seu filho gênio e autista” será lançado aqui em agosto. Jake recebeu o diagnóstico de autismo aos dois anos.

Hoje, aos 14, é considerado um prodígio em física.

Viva Tom!
O Prêmio da Música Brasileira, no dia 12 de junho, terá uma homenagem especial a Tom Jobim.

Na abertura, Caetano Veloso lerá em off um texto escrito por Francisco Bosco. No telão, serão exibidas ilustrações criadas por Vik Muniz.

PÉ NO FREIO - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 20/05

O Índice de Confiança do Empresário do Comércio de SP caiu 0,9% de março para abril e passou de 121,8 para 120,6 pontos, em escala que varia de 0 (pessimismo total) a 200 (otimismo total). Segundo a Fecomercio, que faz a aferição, a cautela se deve às vendas abaixo do esperado e à "persistência da inflação".

PÉ NO FREIO 2
Um dos subíndices que puxaram a confiança para baixo foi o do otimismo em relação ao futuro, que apresentou queda de 2,8%.

RELÓGIO
Lula nunca demorou tanto para apontar o candidato de sua preferência para a disputa de um cargo como ocorre agora em relação ao governo de SP. Dilma Rousseff foi a sua "eleita" dois anos antes de 2010. Fernando Haddad, no começo de 2011, já era o seu escolhido. Até agora, o ex-presidente já lançou três balões de ensaio: Aloizio Mercadante, Alexandre Padilha e Guido Mantega. Não se decidiu por nenhum.

DEIXA FALAR
Em reunião há alguns dias em SP, dirigentes e parlamentares do PT concluíram que, embora remota, ainda não está descartada a possibilidade de o próprio Lula ser candidato. O balão de ensaio foi lançado publicamente em 2012 pelo marqueteiro do PT, João Santana.

DEIXA FALAR 2
Na análise de petistas, seria a forma de Lula compensar em SP eventual perda de votos de Dilma Rousseff no Nordeste caso Eduardo Campos saia candidato. O ex-presidente, no entanto, descarta taxativamente a hipótese todas as vezes que alguém aborda o assunto com ele.

SOU CONTRA
Silas Malafaia vai atacar o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que obrigou os cartórios do país a registrar casamentos gays, na manifestação que promoverá em Brasília em 5 de junho em defesa da família tradicional, da vida e da liberdade religiosa. "Vou descer a mamona, bater com muita vontade nesse absurdo. Onde já se viu o Judiciário querer legislar?", diz o pastor, que espera reunir 100 mil pessoas no evento.

MURO
E Malafaia afirma que Marina Silva "faz um jogo dúbio" quando fala que não se pode atacar o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) por ele ser pastor, mas sim pelas "posições políticas equivocadas" dele. "Ela quer agradar aos evangélicos e à turma do politicamente correto." Malafaia descarta apoiar a ex-senadora à Presidência porque ela não teria "competência para dirigir o Brasil".

PEQUENA DIFERENÇA
O bengalês Muhammad Yunus, prêmio Nobel da Paz, dará palestra na Câmara Municipal de SP no dia 29. Ele é conhecido como "banqueiro dos pobres" por ser o mentor do microcrédito às pessoas de baixa renda. A entrada é franca.

DE VOLTA AO PASSADO
José de Abreu retornará após 45 anos a Ibiúna (interior de SP), onde foi preso no congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes) de 1968. O ator será o apresentador da abertura do Congresso da União Estadual dos Estudantes de SP, em 14 de junho. "Vai ser muito emocionante. Nunca mais fui à cidade, nem passei perto", diz.

PASSAPORTE
E Abreu vai encerrar um mês antes do previsto a temporada da peça "Bonifácio Bilhões" em SP, porque viajará no início do mês para a Suíça. Vai fazer pesquisas para compor seu personagem na nova novela das seis da Globo, "Joia Rara" --um joalheiro descendente de suíços. A última apresentação será no dia 2.

OLHO NA PARCELA
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor lança no dia 25 um projeto na favela de Heliópolis, em SP. O Idec Social pretende levar a comunidades carentes orientações sobre direitos do consumidor. Segundo a organização, 40 milhões de pessoas passaram a fazer parte do mercado consumidor e, por desinformação, cresceram os casos de superendividamento e de abusos nas relações de consumo.

CANARINHOS
O grupo inglês One Direction, que fará seu primeiro show no Brasil no ano que vem, autografou algumas camisas da seleção brasileira para serem sorteadas entre as fãs do país.

EXISTE AMOR
Paolla Oliveira, Juliano Cazarré e Malvino Salvador, protagonistas da novela "Amor à Vida", estiveram na festa de lançamento do folhetim da Globo, anteontem. Os atores Susana Vieira, Marcelo Antony, Leona Cavalli, Tatá Werneck, Danielle Winits, Bruna Linzmeyer e Eliane Giardini, o autor Walcyr Carrasco, o diretor Wolf Maya e o deputado federal Gabriel Chalita (PMDB-SP) também foram ao evento, no Leopolldo, no Itaim.

CURTO-CIRCUITO
O filme "Faroeste Caboclo" tem pré-estreia para convidados hoje, no Cinemark Iguatemi. Classificação etária não informada.

A Agência Aids comemora dez anos com uma sessão solene na Câmara Municipal, hoje, às 19h.

Marcos Brízido lança "Dinheiro Que Dorme a Onda Leva", hoje, às 18h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.

Laura Pires comandam jantar ayurvédico no Quattrino, no Jardim Paulista.

Andreia Dias se apresenta na volta do projeto Cedo e Sentado, no Grazie a Dio!, às 22h. 18 anos.

A escritora Noemi Jaffe assina o prefácio e organiza o livro "336 Horas" (editora Casa da Palavra), resultado do curso de Escrita Criativa da Casa do Saber, que sai neste mês.

As multidões e a multidinha - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 20/05

RIO DE JANEIRO - Entre 23 e 28 de julho, o Rio receberá de 1,5 milhão a 2 milhões de pessoas para a Jornada Mundial da Juventude. Uma delas, o papa Francisco. O qual não é um ser uno e indivisível, mas uma comitiva de eclesiásticos de diversas patentes. Sendo Francisco o papa -que, em dois meses no cargo, conquistou mais adeptos do que seu antecessor Bento 16 em sete anos-, por todo lado teremos multidões.

Vindos do país inteiro e dos países vizinhos, os peregrinos chegarão ao Rio em 20 mil ônibus fretados, que ocuparão estacionamentos-monstros em áreas afastadas da cidade. Serão recebidos por 60 mil voluntários e já têm à sua disposição, por enquanto, 500 mil leitos e 6.000 estabelecimentos credenciados com tíquete-restaurante. Sim, ainda faltam leitos, mas a hospitalidade do carioca promete suprir o deficit.

Os deslocamentos do papa serão feitos de helicóptero e papamóvel, cobertos por 50 seguranças pessoais, daqueles que se jogam contra as balas em caso de atentado, e por outros 4.000 espalhados pelos trajetos. A jornada em si contará com a proteção de 1.700 agentes da Força Nacional de Segurança Pública e 12,5 mil homens das Forças Armadas e da PM.

Para a vigília e missa do papa, nos dias 27 e 28, apogeu do evento, preparou-se um terreno em Guaratiba, o Campus Fidei, com 3,5 milhões de metros quadrados, equipado com 16 mil bebedouros e 7.200 banheiros químicos. Os fiéis estenderão uma bandeira de 8.000 m², feita com 5.700 km de tecido, pesando 700 kg e contendo 1, 2 milhão de mensagens.

Os números são impressionantes e a festa não o será menos. Mas o que mais me fala particularmente será um modesto encontro no dia 21, véspera da abertura da JMJ: uma multidinha de 200 jovens de fé católica, judaica e muçulmana se reunirá na PUC-RJ para trocar ideias e impressões. Dialogar.

Guerra Fria do cotidiano - LÚCIA GUIMARÃES

O Estado de S.Paulo - 20/05

NOVA YORK - O presidente Obama revelou uma fantasia sua numa entrevista ao New York Times. Ele diz a assessores que, às vezes, fica tão frustrado com Washington, que pensa em "go Bulworth". A esmagadora maioria dos americanos não entendeu patavina. Bem, a esmagadora maioria dos americanos não lê o Times ou, sejamos francos, nenhum jornal diário. O The Nation, que é semanal, disse, na última edição, que 90% dos americanos consomem notícias apenas via mídia social. Uau. Alguma relação entre este fato e a qualidade dos políticos eleitos para as duas câmaras do Congresso? Deixemos de lado as digressões.

Como mesmo o mais prosaico comentário de um homem poderoso é reproduzido ad nauseam online, foi divertido ler os postings de blogueiros e articulistas explicando às massas que raio de "virar Bullworth" é este, proferido por Obama.

A história do senador Jay Billington Bulworth, vivido por Warren Beatty, num filme de 1998 que ele dirigiu e foi um fracasso de público, teve recepção morna da crítica. A julgar pela bilheteria no exterior, foi ignorado. Assisti ao filme várias vezes e acho que, graças à eternidade digital, Bulworth tem alguma chance de virar cult para uma outra geração.

Embora esteja farejando um certo cabotinismo em Obama por invocar a coragem do senador Bulworth, sou grata a ele por colocar em circulação a figura fictícia do político profissional que tem basicamente um surto psicótico e começa a dizer o que pensa, contrariando seus assessores e marqueteiros. Sua aliada é a estonteante Halle Berry, no papel de uma assassina de aluguel contratada para matar o senador.

Como se trata de uma fantasia de Obama, não vou entrar no mérito de como ele interpreta o filme e o que gostaria de dizer aos americanos. O que me interessa é a referência a um ataque de nervos como ponte para a sinceridade.

Dois escândalos de violação de privacidade dominaram os últimos dias. O Departamento de Justiça de Obama conseguiu que operadoras telefônicas entregassem secretamente registros de telefonemas de 20 jornalistas da agência Associated Press, inclusive ligações feitas de telefones particulares. Segundo o que circula aqui, a AP teria exposto, em 2012, um agente duplo, ao relatar a história de um atentado à bomba - uma nova bomba na roupa de baixo, como a da cueca do nigeriano que não explodiu em 2009 - num avião a caminho dos Estados Unidos.

No outro escândalo, ainda sob investigação, jornalistas da Bloomberg obtiveram informações sobre clientes dos terminais financeiros da empresa. Estamos falando de todos os bancos de Wall Street, corporações, agências do governo, clientes que pagam $ 20 mil por ano para alugar os terminais.

Nos dois casos, funcionários - do governo e de uma corporação - usaram os recursos a seu alcance, sem monitoramento da sociedade, para obter uma vantagem de inteligência ou pecuniária, na forma de informações privadas.

Assistindo a outra fantasia, o seriado de TV com maior audiência do momento nos Estados Unidos, em que os principais personagens traem uns aos outros graças, em grande parte, à tecnologia digital, penso o que será da confiança, este vínculo que distinguia amigos de estranhos.

Num mundo em que a maior parte do que dizemos, geralmente via e-mails e SMS's, fica suspenso no para sempre digital e o que fazemos em público, possivelmente capturado via câmeras de vigilância eletrônica e smartphones, está em oferta e à disposição dos escrúpulos nem sempre presentes, como saber em quem confiar? Quando anfitriões pedem a convidados de uma festa de casamento para entregar seus celulares na chegada, há algo errado com a amizade que gerou o convite. O amigo querido de hoje pode ser o ressentido acumulador de mensagens fora de contexto amanhã.

O mundo "aberto" da vida online está cada vez mais parecido com o mundo paranoico do Big Brother. Falo do original literário.

Nas profundezas da internet - LULI RADFAHRER

FOLHA DE SP - 20/05

Para muita gente é ali que os tais hackers pedófilos neonazistas traficam drogas e órgãos de bebês chineses


Sou usuário da "deep web". E não vejo problema algum nisso. Faço muitas pesquisas em bases de dados e bibliotecas específicas, daquele tipo em que o Google Acadêmico só agora começa a entrar. Na USP, muitos dos trabalhos de alunos não estão prontos para irem a público, por isso protejo seu conteúdo do acesso por mecanismos de busca.

Hoje fala-se muito nessa internet "escondida", inacessível pelos browsers comuns. Como acontece com todo ambiente novo, ela ganhou uma mitologia própria, tornando-se o habitat do que há de mais perverso na mente humana. Para muita gente é ali que os tais hackers pedófilos neonazistas traficam drogas e órgãos de bebês chineses, invisíveis aos olhos da lei.

Como tudo no mundo, nada é tão simples. A "deep web" nada mais é do que a parte da internet que não foi indexada pelo Google e seus concorrentes, cerca de 99% da rede.

Todo mundo já acessou documentos dela, mesmo que nunca tenha baixado um filme, aplicativo ou música ilegal. Boa parte do tráfego de informações financeiras, comerciais, estratégicas, científicas e administrativas se dá escondido do público. Não são conspirações nem lavagem de dinheiro, mas transações como extratos bancários e exames laboratoriais que, apesar de usarem a internet, não são públicos.

Também há repositórios privados, redes militares, fóruns estratégicos, intranets e laboratórios de pesquisa cujos dados, estratégicos, valem uma nota e precisam ser restritos a assinantes.

Se imaginarmos a web como espaço público cheio de bibliotecas, bancos, museus e shoppings, a "deep web" é composta por seus bastidores, em que estranhos não são bem-vindos.

Quem vai atrás deles corre o mesmo risco de quem entra na favela para comprar maconha, temendo igualmente a polícia e o ladrão. Um rapaz arrumado em um prédio na Cracolândia é mais suspeito do que seus moradores, muitos deles inocentes.

No mundo digital as aparências não são tão claras. Por isso browsers específicos, como o Tor, garantem o anonimato de seus usuários por meio de conexões distribuídas. O acesso é mais lento, recomendado apenas para quem pretende driblar firewalls, consciente do risco que isso representa. Repórteres o utilizam para escapar das restrições de censura em regimes fechados. Usando o mesmo canal, várias operações ilegais são conduzidas em anonimato, pagas em bitcoins.

Dentro desse mercado negro existem fóruns e wikis, cheios de links para orientar os turistas. Boa parte são golpes descarados ou arapucas. Imagine sua reação a uma plaquinha dizendo "vendem-se metralhadoras" em um barraco de favela e fica fácil entender que, como no mundo físico, quem pretende entrar na legalidade o faz por indicação, não por cliques em links.

Infelizmente muitos jovens não são tão espertos. Imbuídos de espírito de aventura e transgressão, animados com os resultados de seus experimentos com sexo, drogas e rock, muitos não têm uma percepção da realidade ampla o suficiente para distanciá-la da ficção. Como quem joga um novo game, se entusiasmam com o que encontram, se divertindo em chocar os colegas com novas perversidades. É tudo muito fascinante, até que alguém se machuque. Aí só resta torcer para que não seja sério.

Não acredito que grupos neonazistas os recrutem porque essas associações, como qualquer outra, precisam de dinheiro. É possível que alguns percam a noção do limite e do aceitável, mas o mais provável é que tudo isso seja esquecido. Minha geração cresceu exposta a "Faces da Morte" e não criou mais psicopatas do que estaria destinada. O grande perigo é ter seus computadores --e os de seus familiares-- invadidos, gerando um prejuízo bastante palpável.

A internet, profunda ou na superfície, não é a Disneylândia. Como toda associação humana, tem coisas boas e ruins. É preciso conhecê-la e desmistificá-la, tirando dela o que há de melhor.

Uma aberração - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 20/05
"Nunca foi tão difícil ser oposição ao maior canalha deste país."
Marconi Perillo, PSDB, governador de Goiás, sobre Lula



Tarde da noite da última terça-feira, Renan Calheiros (PMDB-AL) conversava com amigos na residência oficial do presidente do Senado, no Lago Sul, em Brasília, e ainda atendia ou disparava telefonemas. Àquela altura parecia convencido em definitivo de que só lhe restava a opção de empurrar goela abaixo do Senado a Medida Provisória 595, que estabelece um novo marco regulatório para o setor portuário.

VEZ POR OUTRA porém, interessado em sondar o estado de ânimo do seu interlocutor , comentava como se ainda hesitasse sobre o que fazer: "Se eu rasgar o acordo, estarei expondo o Senado à desmoralização". Havia um acordo firmado em 2003 pelos líderes de todos os partidos sob as bênçãos do então presidente do Senado, José Sarney. Qualquer Medida Provisória só seria aprovada ali depois de pelo menos duas sessões de discussão.

SEM TRUQUES, duas sessões equivalem a dois dias. Não é o suficiente para que se examinem assuntos complexos e que envolvam muitos e poderosos interesses. Mesmo assim é melhor do que votar no escuro. Medida Provisória é instrumento por meio do qual o presidente da República legisla e obriga o Congresso a agir com rapidez. Ela entra em vigor de imediato . Cabe ao Congresso referendá-la ou não.

O ACORDO DE 2003 fora quebrado uma semana antes para a aprovação de medidas que beneficiariam os inscritos no Bolsa Família. "A oposição não pode ficar contra os pobres", argumentou José Agripino Maia (DEM -RN). Os líder es de todos os partidos concordaram. E os do PMDB e do governo se apressaram em garantir: "Isso jamais significará a abertura de prece-dente". O acordo só seria quebrado daquela vez.


NADA MAIS FALSO. Mais falso somente o ar de pesar de Renan quando, perto do meio-dia da quinta-feira, duas horas depois de a Câmara dos Deputados ter encerrado a votação da Medida Provisória 595, e a12 horas do fim do prazo para que ela caducasse se não fosse votada pelo Senado, ele disse como se sua palavra valesse de fato alguma coisa: "Esta será a última vez que sob a minha presidência procede-remos assim ".

VOCÊ COMPACTUARIA com algo que julgasse de público uma "aberração"? No Dicionário do Aurélio , aberração que dizer anomalia, distorção, desatino . E com algo simplesmente "deplorável", você compactuaria? Deplorável é igual a detestável, lamentável, abominável. Só mais uma: e com algo "constrangedor"? Constranger tem a ver com tolher a liberdade, coagir , violentar , compelir , obrigar pela força.

FOI RENAN que chamou de "aberração" o ato de o Senado votar o novo marco regulatório dos portos sem discuti-lo pelo tempo necessário. Foi Renan que tachou de "deplorável" o que ele mesmo se dispôs a patrocinar . Por fim, foi Renan que reconheceu o "constrangimento " do Senado em se comportar não como manda a lei, mas como queria a presidente da República. O Senado rendeu-se e covardemente abdicou dos seus poderes. Por que o fez?

POUCOS, ENTRE os 81 senadores, são homens decentes. A política corrompeu-se, virou negócio. Sobre isso, Lula deu testemunho em dois momentos - há 30 anos, quando acusou o Congresso de abrigar 300 picaretas; e há uma semana, ao falar aos moços: "O político ideal que vocês desejam, aquele cara sabido, aquele cara probo, irretocável do ponto de vista do comportamento ético e moral, aquele político que a imprensa vende que existe, mas que não existe... " E completou: "Quem sabe esteja dentro de vocês". Porque dentro dele também não está.

O método da raposa - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 20/05

O "sentido da realidade" é a pluralidade desta, sem nenhuma unidade última descritível


Para que servem os cientistas políticos? Para muita coisa talvez, mas não para prever fatos que deveriam ser da sua alçada, nos diz o artigo "Sobre Raposas e Porcos-Espinhos", de Nate Silver, na "Ilustríssima" de 12/5/2013. Neste terreno, pessoas menos obcecadas com sua própria "verdade" teriam mais sucesso.

O autor cita a derrocada da União Soviética como exemplo de fracasso dessa classe. Nenhum "especialista" foi capaz de prever o fim do "socialismo real". O texto aponta o risco de irrelevância da ciência política, pelo menos quando pautada por concepções de como o mundo deveria ser, ou, dito de outra forma, quando pautada por ideologias, praga comum no mundo acadêmico.

Não se trata de dizer que cientistas políticos não servem para nada, mas de perceber, entre outras coisas, o problema que se esconde por detrás de tal fracasso. Logo voltarei a este problema.

O estranho termo que dá título ao artigo citado vem do ensaio de Isaiah Berlin "O Porco-Espinho e a Raposa", da coletânea "Pensadores Russos", entre nós publicado pela Cia. das Letras em 1988. O ensaio não visa a falar da irrelevância dos cientistas políticos, mas sim dos diferentes modos como se constituem o pensamento e a vida de um grande autor. Ele mesmo, Berlin, podendo ser elencado entre as raposas.

Shakespeare, Montaigne e Aristóteles seriam raposas (eu acrescentaria o grande crítico Carpeaux a este grupo), Freud, Hegel e Marx, porcos-espinhos; portanto, para Berlin, não se trata de reduzir estes à nulidade.

Para o ensaísta britânico (judeu do Leste Europeu), raposas são flexíveis, não precisam de coerência ou unidade interna entre os elementos e teorias manipuladas pelo pensamento (ou vividas no dia a dia) porque não operam a partir de uma visão de mundo que supõe "um centro de sentido" do mundo.

O "sentido da realidade", título de um dos seus maiores ensaios, é a pluralidade desta, sem nenhuma unidade última descritível por uma teoria da realidade ou da história. Eu posso, por exemplo, concordar com a teoria da mercadoria de Adorno e ao mesmo tempo achar que ela não esgota o entendimento do mundo. O "método" da raposa é não ter método.

O porco-espinho trabalha com a ideia de que ele descobriu o conjunto de teorias que explica o mundo (a "unidade do mundo" foi descoberta por ele), como o inconsciente de Freud, a dialética de Hegel ou o capital de Marx.

Mas, voltando ao problema que leva ao fracasso do modo de agir do porco-espinho (este, segundo Nate Silver, é menos eficaz na análise do mundo, e eu concordo com Silver aqui), é que, como diz Berlin, "os professores simplesmente tendem a exagerar a importância de suas atividades pessoais, como se fossem a força' central que impele o mundo".

Portanto, não se trata de negar o valor de porcos-espinhos (como negar o inconsciente, a dialética ou o capital como formas válidas de pensar o mundo?), mas, sim, de revelar o risco quando professores se fazem oráculos da verdade do mundo a partir de sua sala de aula, negando tudo mais que contradiga suas teorias de mundo. O que Silver aponta é este vício na mídia e como ele fica ridículo quando especialistas recusam o mundo em favor de "seu mundinho ideológico".

Outro livro essencial para pensarmos as causas da irrelevância das ciências humanas na lida com o mundo "que desencoraja especulações" (Gertrude Himmelfarb, historiadora americana) é "Envolvimento e Alienação" (ed. Bertrand Brasil, 1998), do sociólogo Nobert Elias.

Neste livro, Elias opõe o envolvimento à alienação como modo de ação dos cientistas sociais e defende a alienação como sendo o mais eficaz, e dá uma razão para as ciências sociais não serem capazes de evitar um único massacre étnico.

Claro, alienação, aqui, não é alienação marxista, mas o distanciamento que o cientista social deveria ter de suas preferências teóricas e "afetivas" quando investiga a realidade a sua volta. O envolvimento, seu contrário, infelizmente, é a atitude mais comum em minha casta intelectual: tornar-se oráculo de um "mundinho", aquele que eu tenho na minha cabeça.

Quem cedo madruga - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 20/05

O presidente da OAB nacional, Marcus Vinícius Furtado, vai requerer nesta semana ao STF (Supremo Tribunal Federal) celeridade no julgamento de ações que tratam do horário de funcionamento dos 27 Tribunais de Justiça. A entidade defende o funcionamento do Judiciário em dois turnos, sem restrição de horário ao atendimento de advogados. A iniciativa é uma resposta ao presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, que ironizou defensores por só ''acordarem'' após as 11h.

Fusos... O ministro Luiz Fux, relator de ação proposta pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), suspendeu liminarmente resolução do Conselho Nacional de Justiça que obriga o Judiciário a atender o público de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h. Hoje, os tribunais funcionam em meio expediente.

... trocados Segundo a OAB, Fux alegou ter suspendido os efeitos provisoriamente para não onerar, até o julgamento da ação, os tribunais, que seriam obrigados a ampliar imediatamente o horário de atendimento.

No telhado A dificuldade na aprovação da MP dos Portos deve atrasar o lançamento do Código da Mineração. O texto em estudo aumenta de 2% para 4% os royalties para as mineradoras e não reajusta os valores de participação especial.

Lobby de peso Além da Vale do Rio Doce, principal interessada na proposta, o código afeta os negócios de dois empresários que se digladiaram na MP dos Portos, Eike Batista e Daniel Dantas.

Efeito Dilma Com a viagem oficial do prefeito Gustavo Fruet ao Japão, nesta semana, Curitiba vai viver situação inédita: a vice Mirian Gonçalves será a primeira petista e a primeira mulher a assumir o comando da cidade.

Ampulheta Termina em duas semanas o prazo que Márcio Lacerda, prefeito de Belo Horizonte ligado ao senador Aécio Neves, recebeu para dizer ao PSB se será candidato ao governo de Minas.

Come quieto O deputado Leonardo Quintão (PMDB), que foi derrotado na eleição de 2010, está disposto a trocar de partido para dar palanque a Eduardo Campos no Estado do tucano.

Café Aécio cedeu parte das inserções nacionais de TV do PSDB em São Paulo a Geraldo Alckmin. O engajamento do governador é considerado fundamental para o mineiro ganhar densidade eleitoral no Estado e quebrar resistências internas à sua postulação à Presidência.

Leite Dada a importância de São Paulo em 2014, o discurso que mais agradou Aécio na convenção foi justamente o de Alckmin. O senador considerou contundente a fala do governador, que se dispôs a ser "o mais paulista dos mineiros" para ajudá-lo.

Um mesmo... O marqueteiro Renato Pereira, que quase não faz jingles e usa músicas consagradas nas campanhas que comanda, selecionou "Coração Civil", de Milton Nascimento, como trilha sonora da convenção.

... coração Outra canção de Milton, "Coração de Estudante'', virou hino das Diretas Já e da campanha do avô de Aécio, Tancredo Neves, à Presidência e da comoção que se seguiu à sua morte antes de tomar posse, em 1985.

Muita calma O presidente nacional do MD, Roberto Freire, explica que não anunciou apoio ao tucano ao discursar no ato do partido.

Mesmo barco Ele explica que, ao afirmar que estará com o PSDB em 2014, quis dizer que ficará "junto das oposições". Seu recém-criado partido negocia aliança com o PSB de Eduardo Campos.

tiroteio
Canalha é quem loteia o próprio governo entre amigos como o bicheiro Carlinhos Cachoeira e o ficha-suja Demóstenes Torres.
DO PRESIDENTE NACIONAL DO PT, RUI FALCÃO, sobre o governador de Goiás, Marconi Perillo, ter xingado o ex-presidente Lula durante convenção do PSDB.

Contraponto


Xarás em conflito
Em audiência pública no Senado na semana passada, diante do ministro Aloizio Mercadante (Educação), o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) criticou decisão do Executivo de editar medida provisória sobre a área com teor semelhante a projeto de lei que ele já havia apresentado.

Quando o ministro começou a justificar a medida, seu telefone celular tocou.

Apesar de ser um assessor da presidente Dilma Rousseff na linha, o petista pediu para falar mais tarde:

-Se eu parar para atender o Executivo, o Aloysio vai me criticar de novo! -justificou.

Nem Eduardo, nem Marina - RENATO JANINE RIBEIRO

Valor Econômico - 20/05

Não entram aqui minhas simpatias pessoais. Mas, à fria análise, parece que, no ano que vem, a Presidência da República irá para o PT e o PSDB, sem chances para outros pretendentes. Isso pela simples razão de que só esses dois partidos se prepararam para governar o país, para exercer a hegemonia em nossa política.

Proponho sair da pequena crônica, que beira a fofoca. Sim, está difícil Marina obter as 500 mil assinaturas que viabilizariam seu partido, a Rede. Sim, interessa ao governo dificultar sua criação, e à oposição facilitá-la. Sim, o governo não quer que novos partidos ampliem seu horário na televisão, e a oposição o quer. Sim, para 2014 palanques nos Estados e minutos na TV valem muito. Sim, Eduardo Campos e Marina Silva são nomes que abrilhantam qualquer disputa eleitoral.

Mas nenhum deles representa, hoje, um projeto articulado para o Brasil.

Construir uma hegemonia política não é trivial. (Aprendi a usar esta expressão, "não é trivial", com os cientistas. Ela não quer dizer só o óbvio - que é algo difícil, exigente e que sai do usual. Quer dizer, também, algo que faz brilharem seus olhos, que eles desejam, em que apostam as fichas). O PSDB e o PT têm anos de estrada nesta tarefa. Suas trajetórias foram distintas, mas ambos dispõem de algo importante: capilaridade. Estão representados no Brasil inteiro. Têm militantes e simpatizantes em todos os municípios. Eventualmente, podem atuar por procuração, por partidos interpostos. O PMDB gaúcho já ocupou o lugar que seria o dos tucanos no Rio Grande do Sul. O antigo PFL ajudava o PSDB a captar votos à direita. Por sua vez, o PT conta com o PCdoB e outros pequenos partidos de esquerda, e contou com o apoio ou a intermediação do PSB para aumentar seus eleitores. Mas a liderança dos dois partidos que nos deram os três mais recentes presidentes da República é inconteste.

É claro que aí alguém perguntará: e o PMDB? Está em toda a parte. Sua capilaridade é a mais longeva que temos. Mas não basta deitar raízes pelo Brasil inteiro. É preciso - além disso - ter propostas. Os dois partidos hegemônicos têm o que dizer, concretamente, a qualquer grupo social ou político do País. Outros, não. Podem usar seus votos populares e suas bancadas para negociar o poder. Não conseguem, porém, disputá-lo. O PMDB é o gigante de nossos pequenos partidos. Tem capilaridade porque renunciou a ter projeto - ao contrário de PT e PSDB que, sem projetos, perderiam os cabelos. Nossa política se assenta neste sábio tripé: dois partidos amplos com projetos, que disputam o poder, mais um partido amplo sem projeto e que dá governabilidade ao vitorioso.

A construção dos dois partidos tomou tempo. O PT foi mais demorado. Nasceu em 1981, começou com poucos deputados, em 1989 já disputava a presidência da República mas só chegou a essa esfera de poder aos 21 anos, em 2002. O PSDB foi mais rápido. Criado em 1988, em 1994 já elegia o presidente do Brasil. Compreende-se. O Partido dos Trabalhadores representava uma iniciativa diferente, praticamente inédita, até em termos mundiais: quantos são, hoje, os grandes partidos trabalhistas, empenhados em mudanças sociais maiores e que não sejam marxistas? O Labour Party britânico se moderou, o Partido do Congresso indiano não é essencialmente dos trabalhadores. Num país conservador, em que nos primeiros anos da Nova República eram frequentes crimes contra trabalhadores do campo, o PT teve uma dura missão. Ainda mais porque o PSDB dava todos os sinais de que sempre venceria, em capilaridade, o PT. Era surpreendente como, no governo FHC, o partido do governo tinha um discurso, um projeto para praticamente cada grupo social - enquanto o PT falava a poucos, dos inúmeros setores em que se divide a sociedade. Hoje, parece que se inverteu a situação. O melhor exemplo disso é a recente cooptação do campeão da pequena empresa, velho adversário do PT, parceiro dos tucanos no governo do Estado mais rico do país, pelo governo federal. Um ano atrás, por sinal, eu dizia nesta coluna que o empreendedorismo, que deveria ser uma causa importante de um novo liberalismo, estava em mãos do PT. Pois é. Um novel aliado do PT vai lidar com o projeto de espirito empreendedor para todos. O desafio de Aécio é recuperar a capilaridade, com proposta, que o PSDB teve, em tempos de Fernando Henrique.

Há riscos num presidente sem partido forte, sem capilaridade? Collor que o diga; ou melhor, o Brasil, que viveu os resultados negativos de sua eleição. Foi um pleito solteiro, em que o desconhecido governador de Alagoas pôde aparecer em sucessivos programas eleitorais e granjear, do nada, grande popularidade. Hoje, já não há eleição solteira. Elas se dão em dois lotes, um presidencial-estadual, outro municipal. Não há como disputar a presidência sem se aliar a candidatos ao Congresso e aos governos estaduais. Isso requer capilaridade. Isso fortalece as instituições. Podemos ter um sistema eleitoral difuso e até confuso, mas ele restringe a disputa presidencial a quem tenha, se vitorioso, condições de governar. O que não está errado. Pois, sem alianças políticas, sem parceiros claros na sociedade, como se há de governar? É essa a dificuldade de Eduardo Campos e Marina Silva. A diferença, hoje, é que essa dificuldade, em vez de prejudicar o futuro governo de um deles, já prejudica suas candidaturas. Estar bem espalhado pelo país e ter o que dizer ao país todo. Ter cabelos longos (e ideias também longas) é condição para se eleger, não só para governar. Precisarão ainda comer muito feijão, Eduardo e Marina, para se tornarem competitivos.

Gás de xisto, uma nova revolução energética? - JOSÉ GOLDEMBERG

ESTADÃO - 20/05

A Revolução Industrial teve início no fim do século 18 e foi baseada no uso do carvão. A Inglaterra, com suas amplas reservas desse mineral, liderou a revolução. Com o correr do tempo, contudo, o petróleo começou a substituir o carvão por causa de suas características mais atraentes, como ser líquido e mais fácil de transportar. Finalmente, em meados do século 20, o gás natural, que é mais limpo, começou a dominar o cenário energético.

O que vemos aqui é a confirmação do malicioso comentário atribuído ao secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) de que "a Idade da Pedra não acabou por falta de pedras", mas pela descoberta de que metais eram melhores para fazer machados (ou lanças) do que pedras.

Hoje, no mundo, o carvão representa 26% do consumo de energia; o petróleo, 32%; e o gás natural, 20%. O petróleo é ainda dominante, mas a produção mundial está se concentrando no Oriente Médio porque nos Estados Unidos (o maior consumidor mundial) e na maioria dos demais países ela está caindo.

Os Estados Unidos importam do Oriente Médio metade do petróleo que consomem (cerca de 10 milhões de barris por dia), a um custo de mais de US$ 300 bilhões por ano, e não são poucos os que acreditam que as guerras naquela região do mundo (principalmente no Iraque) têm que ver com a necessidade de obter garantias de fornecimento por governos mais amistosos.

Daí a importância que discussões sobre "independência energética" tem nos Estados Unidos e que é prometida por todos os governos desde os tempos de John Kennedy e Richard Nixon, por volta de 1960. Essa independência nunca foi alcançada e, ao contrário, o que aumentou foi a dependência das importações de petróleo do Oriente Médio.

Eis que desenvolvimentos tecnológicos nos últimos dez anos estão mudando drasticamente esse cenário, com a exploração do gás de xisto. A possibilidade técnica de usar esse gás é conhecida há muito tempo, mas o custo de exploração só a tornou viável nos últimos anos. A partir do ano 2000 houve uma "explosão" no aumento da produção: em 2000 o gás de xisto representava 1% do gás natural produzido nos Estados Unidos, em 2010 eram 20% e existem previsões de que em 2035 serão quase 50%.

Com isso os Estados Unidos, que até recentemente importavam gás, estão começando a exportar. Além disso, os preços do gás caíram drasticamente nesse país, que está importando menos petróleo, uma vez que aquele combustível vem substituindo derivados do petróleo tanto na indústria quanto no transporte.

Havendo mais petróleo disponível no mundo, os seus preços tenderão a cair, tornando inviáveis projetos para sua produção, muito caros. Até a exploração do pré-sal no Brasil poderia ser afetada por essa queda de preços.

Estamos, pois, diante do que poderá ser uma nova revolução energética e da ascensão de uma "era do gás", como foi a do carvão no século 19.

Quão realista, todavia, é essa possibilidade?

Xisto é uma camada de mineral situada a três ou quatro quilômetros abaixo da superfície do solo, na qual gás se encontra aprisionado. É preciso "fraturar" o xisto para libertar o gás, o que é feito com jatos de água a alta pressão, a qual se adicionam certas substâncias químicas. É nessa área que muitos progressos tecnológicos ocorreram entre os anos de 1980 e 2000. Existem camadas de xisto no subsolo em muitos países do mundo, o Brasil incluído.

Há, porém, problemas para a sua utilização, que são de diversos tipos:

Viabilidade econômica, que depende do tamanho da reserva de gás;

duração da produção de gás, uma vez que os depósitos de xisto são finitos;

problemas regulatórios na autorização para perfurar poços;

e problemas ambientais.

Nos Estados Unidos houve uma combinação favorável de fatores que permitiu o rápido sucesso da exploração. Em primeiro lugar, naquele país o subsolo é propriedade do dono da terra e a decisão de perfurar é dele; no Brasil, por exemplo, o subsolo é da União e a exploração exige autorização do governo federal. Em segundo lugar, as exigências ambientais eram poucas no início da exploração e existiam grandes depósitos de xisto.

É essa combinação que explica por que num curto período de dez anos foram abertos cerca de 20 mil poços de gás de xisto nos Estados Unidos. Mas é pouco provável que todas essas condições favoráveis se repitam tanto na Europa como em outras partes do mundo. Problemas ambientais já levaram até os Estados de Nova York, da Pensilvânia e do Texas a introduzir regulamentações mais exigentes. Na França a exploração de gás de xisto foi proibida.

Os problemas ambientais originam-se no fato de que grande quantidade de água tem de ser usada, misturada com areia e um "coquetel" de substâncias químicas (cuja composição tem sido mantida confidencial pelas empresas) para "fraturar" o xisto. Cerca de 50% a 70% da água injetada é recuperada e trazida de volta para a superfície, onde é colocada em lagoas que podem poluir o lençol freático. Além disso, o gás liberado do xisto não é metano puro, vem acompanhado de nitrogênio (que não queima) e de várias impurezas, como sulfato de hidrogênio (que é tóxico e corrosivo), tolueno e outros solventes.

Outro problema que lança dúvidas sobre a realidade de uma revolução na área de gás, causada pelo uso de gás de xisto, é que a produção de cada poço não deve ultrapassar 15 ou 20 anos. Se esse for realmente o caso, não estamos de fato diante de uma "revolução", mas talvez de uma "bem organizada campanha de relações públicas", como declarou recentemente Alexei Miller, presidente da Gazprom, a empresa russa que é a maior produtora mundial de gás.

Espírito animal - GABRIEL LEAL DE BARROS

O GLOBO - 20/05
A importante e contínua desaceleração do crescimento econômico, identificada de forma mais evidente no final de 2011, fez com que o governo retomasse a vigorosa expansão da política fiscal. Isto foi feito através de muitos e diferentes canais, sendo alguns já conhecidos à época do aprofundamento da crise internacional. Apesar da quantidade e da intensidade das medidas anunciadas para reanimar a economia e manter inflamado o espírito animal dos investidores, os resultados alcançados até agora são desanimadores.

Além do volume superior a R$ 46 bilhões (mais de 1% do PIB) de incentivos e desonerações fiscais conferidos apenas em 2012, chama também a atenção o discutível conteúdo estratégico destas medidas. A situação fiscal deteriorou-se no período pós-crise, pela combinação de despesa concentrada em gastos primários correntes com o fraco desempenho da arrecadação, em parte causado pelas desonerações. Houve ainda a perda de credibilidade com as operações contábeis atípicas e questionáveis no fim do ano passado.

Uma larga parcela de R$ 20 bilhões das desonerações será descontada das metas de superávit fiscal primário do governo, o que significa flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que pode ser considerada o "Plano Real" das contas públicas.

Nota-se um acúmulo de iniciativas na área tributária e fiscal, que se soma ao festival de desonerações, complicando a agenda do governo e dificultando o bom gerenciamento nestas áreas. Há, por exemplo, a grande discussão sobre as relações políticas e socioeconômicas entre União, estados e municípios. É um debate que envolve a reforma do ICMS interestadual, a mudança dos critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE), os royalties do petróleo, a ampliação dos limites de endividamento e a mudança dos indexadores de dívida dos governos subnacionais.

O congestionamento cria problemas. A relação estreita entre a mudança do FPE e a definição dos royalties, em vez de acelerar as negociações, está, na verdade, bloqueando o debate franco que é essencial para que as discussões dos diferentes assuntos avancem.

Da mesma forma, a lenta e penosa questão da reforma do ICMS arrasta-se simultaneamente às negociações dos indexadores das dívidas estaduais e da criação do fundo de compensação e desenvolvimento regional. Este último, aliás, visa justamente a compensar as perdas decorrentes das mudanças planejadas para o ICMS.

Apesar de toda essa carregada agenda de reformas e os mais de R$ 100 bilhões em novas desonerações previstas para este e o próximo ano, o investimento não decola, a inflação permanece elevada e preocupante, a deterioração das contas fiscais é aguda e o PIB segue em marcha lenta. Não há, na área tributária, uma diretriz clara que acelere as discussões e norteie as expectativas de empresários e investidores. Fica evidente que o desafio de montar uma estratégia de crescimento a curto, médio e longo prazos ainda não foi vencido.

Crise global em seus últimos capítulos - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Valor Econômico - 20/05

Hoje, com mais clareza, posso afirmar ao leitor do Valor que estamos vivendo os últimos capítulos da crise que domina a economia americana - e mundial - há mais de cinco anos. Dois eventos recentes reforçaram essa minha percepção e tornou mais crível a observação que fiz neste espaço há alguns meses: não apostem contra o capitalismo. Em primeiro lugar, a informação de que o ajuste fiscal em curso nos Estados Unidos está sendo mais profundo do que o previsto, com o déficit no primeiro trimestre do ano reduzindo-se para 4% do PIB, em comparação aos 6% ocorrido em 2012. Nesse ritmo de ajuste, já em 2014, o desequilíbrio fiscal americano ficará abaixo dos 3% do PIB.

O presidente Obama está conseguindo fazer esse movimento com a ajuda decisiva de duas instituições de fora do governo: o Partido Republicano na Câmara dos Representantes, que fez aprovar uma Lei que obriga a redução compulsória de gastos, principalmente no orçamento da Defesa e o Federal Reserve [Fed], que com sua política monetária agressiva está permitindo que a economia cresça acima dos 2% ao ano apesar do ajuste nos gastos do governo.

Essa é a combinação dos sonhos de qualquer economista que siga o pensamento Keynesiano em situações como essa por que passa o gigante capitalista americano. As limitações políticas eleitorais, nas democracias de massa modernas, normalmente reduzem a probabilidade de se chegar a essa combinação. Por isto a importância - já percebida pelo presidente Obama - de manter a direita americana clamando por menos despesas e engessando principalmente o orçamento militar.

O segundo evento, que reforçou o meu viés otimista, foi a mudança recente na governança de outra economia importante na cena mundial - o Japão. Depois de mais de duas décadas de uma postura política covarde em relação à deflação, a nova liderança japonesa decidiu ir à luta com todas as armas disponíveis para sair dessa armadilha. É preciso entender que isso só foi politicamente possível depois que o Fed deu o exemplo nos Estados Unidos.

Veio da ação corajosa e agressiva do Banco Central americano a legitimidade das ações recentes do Banco do Japão. Isso ficou claro na última reunião do G-"7 quando, sob pressão dos Estados Unidos, a política de combate à deflação, via emissão maciça do yen, foi sancionada pelos países mais ricos do mundo. Apenas ficaram de fora, reclamando das ações japonesas, os alemães com sua eterna fixação na hiperinflação, a China e outros países asiáticos que usaram a força do yen japonês, nas últimas décadas, como instrumento de industrialização.

A história nos ensinou que as economias de mercado criam, em intervalos variáveis, ciclos de desajustes conjunturais que acabam por interromper os períodos de crescimento e bem estar econômicos. Mas não podemos esquecer que o normal é o crescimento - e não crise e recessão - e a história nos mostra isso de maneira clara. Por razões quase sempre ligadas aos defeitos do ser humano ao lidar com as questões econômicas - ambição e ideologia sendo as mais importantes delas - algumas dessas crises se apresentam com um grau de complexidade maior. Entre estas, em função principalmente de erros de gestão da política econômica dos países centrais, algumas se transformam em situações recessivas mais graves.

Nessa verdadeira escala Richter de crises econômicas, a grande Depressão dos anos 30 figura em primeiro e destacado lugar. Afinal ela marcou o início de um desastre político de proporções gigantescas que foi o nascimento do nazismo e da Segunda Guerra Mundial.

A crise de agora tinha tudo para seguir o padrão da grande Depressão. Mas dois fatos principais evitaram que isso acontecesse. O primeiro é que a crise dos anos 30 ensinou a um grande grupo de economistas como se deve lidar com essas situações. O segundo é que, por um acidente histórico, estava no comando do Fed um especialista em situações como a vivida nos Estados Unidos a partir do colapso do mercado subprime de hipotecas. Talvez deva mencionar um terceiro fator, de natureza política, que permitiu a ação do Fed no período que se seguiu à quebra do Banco Lehman Brothers em 2008: a derrota do Partido Republicano e a eleição de um político democrata para a Casa Branca. Com esse movimento, o Tesouro americano tornou-se, na primeira fase do enfrentamento da crise, um parceiro necessário do Fed.

Por isso a importância que dou à redução do déficit americano nos últimos dois anos e a estabilização, que agora pode ser vista a olho nu, da dívida pública dos Estados Unidos. Este ajuste é que cria a ponte entre o presente e o futuro, elemento fundamental para que possamos entrar em um novo ciclo de crescimento sustentável na maior economia do mundo.

Com a economia americana deslanchando novamente tudo fica mais fácil. O crescimento chinês se consolida, criando um segundo pólo de fortalecimento da economia mundial. Se a eles adicionarmos a economia japonesa com algum grau de expansão sustentada chegaremos a um alinhamento de astros que nos levará com certeza a um novo período de dinamismo no mundo global de hoje.

Neste mundo novo talvez o governo da presidente Dilma erre menos na condução de sua política econômica e permita que a economia brasileira saia do marasmo em que se meteu nos últimos dois anos.

Estratégia para um novo sistema tributário - FRANCISCO DORNELLES

O GLOBO - 20/05
A tributação de um país deveria apoiar-se em poucos impostos, com bases tributadas sólidas, fatos geradores bem definidos, quando indiretos, que sejam não cumulativos, e quando diretos, que sejam progressivos, sempre que possível.

Este objetivo foi perseguido na proposta por mim relatada e aprovada por subcomissão no Senado Federal em 2008, que define uma estratégia para a gradual construção de um novo sistema tributário para o Brasil.

Entre as inovações, a proposta promove a fusão do IPI, do PIS, do Cofins e outras contribuições da União, mais o ICMS estadual e o ISS municipal, de modo a gestar um amplo e autêntico imposto sobre o valor adicionado, com legislação nacional, cadastro federal, fiscalização estadual e municipal e a arrecadação compartilhada automaticamente entre os três níveis de governo.

Sempre atentei que não se muda um sistema tributário com facilidade. Além das dificuldades naturais a qualquer reforma estrutural, há um agravante no Brasil que são as implicações federativas. As dificuldades de mudanças do sistema fiscal do Brasil são mais de natureza federativa do que de natureza tributária. Isso reforça minha concordância com a iniciativa do governo federal de identificar alguns problemas mais prementes, com reflexos sobre o chamado Custo Brasil, e buscar soluções pontuais.

Considero, assim, oportuna a iniciativa do governo federal visando à desoneração da folha de salários. Esta base antiga e própria da previdência social acabou sendo explorada à exaustão. Para financiar um regime geral tão abrangente, foi preciso elevar e exigir nas contribuições patronais alíquotas superiores às praticadas por outros países, em especial aqueles contra os quais mais concorremos no mercado internacional. Os diferenciados e pesados encargos sociais impõem um ônus aos produtores brasileiros superiores aos suportados pelos empregadores dos países concorrentes.

Para reduzir o custo da mão de obra brasileira há cerca de dois anos o governo federal adotou, no âmbito do plano Brasil Maior, a substituição da folha salarial, taxada à alíquota de 20%, por uma contribuição sobre a receita bruta com alíquotas de 1% a 2%. A medida foi adotada em caráter temporário e focada naqueles ramos da indústria que, ao mesmo tempo, são mais intensivos de mão de obra e mais expostos à concorrência externa - como era o caso clássico da têxtil, vestuário e calçados. A mudança foi expandida para outras atividades.

A desoneração da folha salarial é uma iniciativa que está sendo perseguida por outras economias emergentes. O Brasil não pôde seguir a mesma tendência internacional de trocar a folha salarial por um imposto sobre o valor adicionado por não existir, de fato, o IVA no país. Entretanto, os benefícios de reduzir o custo do trabalho e de estimular o emprego formal, através da substituição da contribuição sobre a folha de salários por uma contribuição sobre a receita bruta, mais do que compensam a cumulatividade decorrente da adoção da nova base tributária.

O freio da ignorância - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 20/05

SÃO PAULO - O século 21 avança depressa, e o período de alta vigorosa do PIB no final da década passada parece cada vez mais a exceção num longo período de quase 35 anos de desempenho rasteiro. Mas por que o Brasil está há tanto tempo nesse labirinto da renda média, sem perspectiva de encontrar logo a saída?

Haverá decerto mais de uma resposta correta, e a melhor delas conjugará um feixe de fatores preponderantes. Dívida externa, experimentos macroeconômicos desastrosos e desestímulo à poupança e ao investimento estão entre eles.

A vizinhança tampouco ajudou. No entorno da China estão Japão, Coreia do Sul e várias nações dinâmicas da Ásia, todos comprometidos com a economia de mercado e obsessivos competidores globais nas cadeias de alto valor industrial.

No entorno do Brasil está provavelmente a maior concentração mundial de bravateiros nacionalistas. Abundam regimes populistas de nações especializadas na produção de comida, pedra e óleo.

Mas o Brasil possui dimensões de continente. Teria condições plenas de conectar-se ele próprio ao circuito global do conhecimento, da inovação e da eficiência.

Se não fez isso, foi também porque, geração atrás de geração, nossas lideranças negligenciaram o investimento profundo e maciço em educação. Nesse quesito, curiosamente, o nacional-desenvolvimentismo, de direita ou de esquerda, costuma exibir desempenho péssimo.

Tem sido pródigo em distribuir regalias a empresários, criar amarras contra a competição externa, fabricar oligopólios domésticos e manipular preços. Relegou, porém, a nota de rodapé as necessidades de criar conhecimento e de elevar depressa a instrução e, assim, a produtividade dos brasileiros.

Sem plano ambicioso para a educação, a expectativa de acelerar a economia num horizonte visível continuará prejudicada.

O sorriso de Renan (e o de Dilma) - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 20/05

Enquanto o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, vislumbra crise atrás de crise para o governo Dilma Rousseff, no Senado, ela pode se preparar para uma boa temporada, semelhante à que obteve na semana passada para aprovar a Medida Provisória dos Portos. O motivo de tanto apoio é proporcional à quantidade de pré-candidatos a governador de olho na presença dela e de Lula no palanque estadual em 2014. Se não para o próprio senador, para algum aliado dele.

A lista de candidatos ainda não está fechada, mas há nomes certos, a começar pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas. Dois dias antes da votação, um senador comentava que ele não tinha outra alternativa senão votar a MP dos Portos. Afinal, era o tema de maior relevância para a popular presidente Dilma Rousseff e um candidato a governador não poderia desprezar essa ajuda ao governo.

Renan ou será candidato a governador de Alagoas ou lançará o deputado federal Renan Filho, seu primogênito. Hoje, a perspectiva é de Renan concorrer ao governo estadual, mas não se pode desconsiderar que a tentadora possibilidade de disputar a reeleição no Senado resulte numa mudança de planos. Independentemente do que ele decidir, o apoio do governo federal ao palanque dos Calheiros está fechado desde já.

O rol de senadores candidatos inclui ainda o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, do Ceará. Ele hoje tem um corredor estreito para encorpar sua pré-candidatura. O desejo do governador Cid Gomes é lançar um candidato da sua confiança — especula-se, inclusive, o nome do Secretario Especial de Portos, Leônidas Cristino. E o do PT, bem, o do PT sempre é o de lançar um nome da sua própria lavra. Isso só muda quando o partido tem a vice e com ela a perspectiva de ficar com o cargo no futuro.

No Ceará, o PT ainda não definiu o que fazer, uma vez que Cid Gomes também aguarda os movimentos do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, para desenhar o seu tabuleiro estadual. Com os dois parados, Eunício tem optado por ajudar o governo, de olho no apoio que pode receber dos petistas logo ali na frente, caso Eduardo Campos seja candidato a presidente da República. Dois dias antes da votação da MP dos Portos, o senador cearense avisava a seus liderados aliados ao Planalto que, se a medida provisória chegasse ao Senado antes da meia-noite de quinta-feira, seria votada e a perspectiva era de aprovação.

O quadro de pré-candidatos a governador no PMDB tem ainda o líder do governo, Eduardo Braga, do Amazonas. Com o atual chefe do estado, Omar Aziz, fora do páreo, Braga planeja uma pré-candidatura de forma a não perder terreno para os adversários. Na eleição para prefeito de Manaus, o PMDB apoiou a candidatura da senadora Vanessa Grazziotin, do PCdoB, e terminou perdendo para o PSDB do senador Arthur Virgílio Neto. Se prosseguir com a candidatura, Braga não perderá nem mesmo o mandato de senador, uma vez que a primeira suplente é a mulher dele, Sandra Backsmann Braga.

Enquanto isso, na Câmara…
Essas candidaturas ajudam a explicar a ajuda crucial que o governo recebeu da maioria dos senadores do PMDB, em especial de Renan Calheiros, para aprovar a MP dos Portos em menos de 24 horas, sem dar aos integrantes daquela Casa nem sequer tempo de entender o que havia saído da Câmara. A atitude de Renan, diametralmente oposta à dos peemedebistas na Câmara, foi registrada no Planalto como um alento. Não por acaso, a presidente Dilma era toda sorrisos com o aliado no fim de semana, durante a inauguração do estádio Mané Garrincha em Brasília.

Para os deputados do PMDB, entretanto, o semblante de Dilma se manterá fechado. E ainda não há a menor perspectiva de tudo voltar ao normal. Até porque a presidente acha que, como na semana passada, conseguirá vencer os congressistas pelo cansaço. Se continuar assim, talvez, Eduardo Cunha esteja certo: será crise atrás de crise. Só não piora porque os senadores servem de rede, antes de os projetos do governo atingirem o solo. Mais um sinal de que Lula estava certo quando orientou o PT a priorizar a eleição de senadores em 2010. Afinal, depois da derrota a CPMF em 2007, ele disse que não perderia mais nenhuma batalha por ali. Realmente, quando o assunto é importante, senadores não faltam ao governo. E, assim, o Congresso já tem até apelido: Casa do morde-assopra. O que Cunha morde, Renan assopra.

Com tantos candidatos a governador em gestação no Senado, a perspectiva é de se repetir outras vezes o grande apoio da Casa ao governo

Dificuldades e facilidades - DENIS LERRER ROSENFIELD

ESTADÃO - 20/05

A Polícia Federal executou imensa operação no Rio Grande do Sul, prendendo o atual e o ex-secretário estadual do Meio Ambiente, o secretário municipal do Meio Ambiente da capital, além de funcionários de órgãos ambientais, entre eles um dirigente, vários empresários e "despachantes ambientais". Como sempre, a operação foi montada para produzir muito estardalhaço, embora até agora as provas tenham sido escassas - ainda não dá para ver com precisão se os supostamente envolvidos são efetivamente culpados.

Os elementos mais probatórios parecem ser os de licenças de mineração, particularmente de areia, a cargo do governo estadual. No que concerne a Porto Alegre, o que veio a público até o momento parece indicar a ausência de corrupção ou atos ilícitos, apesar de o secretário ter amargado, com os outros secretários, cinco dias no Presídio Central. O castigo veio antes do suposto crime.

Interessa aqui, contudo, não somente o caso particular do Estado ou da capital, como também seu significado nacional, na medida em que as questões de licenças ambientais impactam, por exemplo, diretamente a construção civil e os shopping centers. Empresários desses ramos são submetidos a uma verdadeira via-crúcis para a obtenção de licenças ambientais e viárias para seus empreendimentos. Diante de dificuldades de tal monta, não deveria surpreender o aparecimento de vendedores de facilidades.

Um ponto que merece especial destaque é o fato de os empresários terem sido imediatamente acusados de corruptores. Houve um nítido viés antiempresarial, como se o lucro fosse um ilícito potencial e o privado, algo de certa maneira nocivo por princípio. Nesse sentido, a iniciativa privada é tomada por responsável pelos supostos crimes, como se a inclinação ao "crime" fosse própria de sua natureza. Aliás, algumas das incriminações são simplesmente ridículas, como o fato de o funcionário público X ter tirado da fila determinado processo a pedido do empresário Y, de modo que pudesse ser analisado com prioridade. Qual o crime nisso?

Note-se que esses processos se encontram em filas intermináveis, que se arrastam por vários anos - um processo que leve um ou dois anos é considerado rápido, pois outros podem tardar de quatro a seis, talvez mais. A pergunta que cabe é a seguinte: que negócio pode aguardar tanto tempo por uma licença? Anormal seria que os empresários não tentassem acelerar os processos de licenciamento, por uma razão muito clara: o prejuízo daí resultante.

Isso não significa, evidentemente, que as regras não devam ser seguidas. Acontece que as regras e seus procedimentos são formulados como se visassem à criação de um sem-número de obstáculos, como se empreender fosse uma atividade que, de certo modo, deveria ser punida.

A situação é kafkiana, com empresários perdidos nos labirintos burocráticos. Para um processo andar, só com contatos nos órgãos ambientais e em outros departamentos, porque por si mesmos não tendem a caminhar. O "despachante ambiental" torna-se, assim, uma figura necessária, pois, em sentido estrito, os processos não andam. Se existem "despachantes ambientais" e imobiliários, isso se deve à própria natureza do processo. Brotam lá onde as dificuldades florescem.

As regras de licenciamento ambiental e de construção em geral são elaboradas de forma a não facilitar a vida dos interessados, seja para um edifício, um shopping ou a simples reforma de uma casa. Desaparece a ideia do servidor público, cuja função deveria ser precisamente servir ao cidadão, que paga impostos e, desse modo, paga os salários de toda a máquina estatal. Muitos municípios estão justamente procurando resgatar essa ideia, orientando, inclusive, a atual administração da cidade de Porto Alegre.

Foi noticiado que mais de 60% dos atuais processos ambientais no governo estadual nem sequer foram analisados. Ou seja, a maioria está literalmente parada. A ineficiência burocrática é de tal ordem que as pessoas envolvidas terminam utilizando os mais diferentes recursos para que suas demandas possam ser analisadas.

Note-se que a ineficiência burocrática pode bem significar, no que parece ser o caso estadual, a ausência de meios - por exemplo, um número muito pequeno de computadores em relação à quantidade de funcionários. Equipar Secretarias de Meio Ambiente - quiçá até com doações privadas - é uma necessidade incontornável.

A corrupção, quando ocorre, é fruto de um certo tipo de regras, de burocracia e de meios. Quando tudo é feito para dificultar os projetos empresariais e particulares, surgem os mais diferentes tipos de "oportunidades". Fosse outra a situação, as oportunidades não surgiriam e os vendedores de facilidades não teriam a quem oferecer os seus serviços.

Seria muito simples resolver o problema da corrupção na burocracia pública, e na ambiental em particular. As compensações viárias, por sua vez, não poderiam ser de um montante que tornasse o empreendimento inviável ou pouco atrativo. Um limite deveria ser estabelecido.

Bastaria, no geral, que as regras ambientais fossem claras, precisas e transparentes. Os processos, seguindo regras exequíveis, seriam encaminhados por meio eletrônico e respondidos também eletronicamente. Cada parte se responsabilizando por suas ações, conforme as competências respectivas.

Em caso de resposta negativa, as razões deveriam ser claramente formuladas, para que outro encaminhamento fosse possível, na observância das leis. Mais importante ainda, a burocracia teria um prazo máximo e breve de resposta, com os funcionários e departamentos envolvidos sendo responsabilizados, até juridicamente se for o caso, por seu não cumprimento. Sem prazos curtos que sejam obedecidos, abrem-se as portas para a corrupção.

Política? - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 20/05

Começo a semana diferente, com a responsabilidade de dirigir o maior partido de oposição do Brasil.

Ninguém desconhece as enormes dificuldades da representação política no país. Embalado pela profusão de cerca de três dezenas de legendas e pela lógica do modelo de governança de coalizão, o quadro partidário é anêmico: sofre de forte descrédito, movido por denúncias graves de apropriação e manejo indevido de recursos e um sem-número de outras incongruências.

Faltam nitidez programática e posicionamento. No lugar das ideias, prevalece a sobrevivência eleitoral, à reboque de alianças contraditórias. Algumas inexplicáveis.

O aliciamento político, a partilha de cargos e os interesses em extensas áreas da administração pública enfraqueceram o debate nacional e tornaram o exercício do contraditório cada vez mais raro, quase uma excentricidade. Para impedi-lo, lança-se mão do expediente de tentar transmudar cobranças legítimas, críticas e questionamentos em antipatriotismo, como se governo e país fossem um só.

A política de alianças e a composição de uma base congressual extensa e heterogênea, como a atual, só se justificam quando se constituem em ferramenta política para fazer mudanças estruturais necessárias, enfrentar corporativismos ou garantir viabilidade de reformas. É o preço que se paga para fazer o que precisa ser feito, o que, muitas vezes, requer medidas impopulares, que deveriam superar a conveniência da hora ou das urnas futuras.

O descrédito com a atividade política se amplia mais com o descompasso existente no país entre promessa e compromisso. O que, em política, deveria ser sinônimo, na prática são termos que não guardam nenhuma relação entre si.

Recordo, uma vez mais, apenas um dentre inúmeros exemplos, a promessa não cumprida da presidente da República na campanha de 2010 de desonerar as empresas de saneamento como forma de acelerar os investimentos na área.

Temos governos que não se sentem obrigados a cumprir o que pactuaram com a população nas urnas e uma população que, já amortecida por sucessivas frustrações, parece achar isso natural, a ponto de abrir mão de justas cobranças.

E, com isso, reveste de triste verdade a famosa frase de Apparício Torelly, o Barão de Itararé, adaptada à política: de onde menos se espera, daí mesmo é que não sai nada

Nesse ambiente de descrédito, onde todos perdem, os partidos precisam retomar a responsabilidade que lhes cabe na representação da sociedade.

Para nós, do PSDB, uma das principais tarefas nesse campo tem sido buscar formas de impedir que a política perca, aos olhos da população, a sua legitimidade como instrumento transformador da realidade.

Agruras do presidencialismo - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 20/05

Até ingressar na magistratura e desquitar-me da atividade partidária que exerci desde estudante durante 40 anos, tive ensejo de conhecer perfis, almas, procedimentos relativos a candidatos que, em sua variedade, iam do ridículo ao heroico, do paspalho ao astuto, do grotesco ao falso, do honrado desambicioso leal, em uma palavra, exemplar, um arco de variadas cores. E, diante de tal riqueza, sempre eu perguntei como essa personagem não fora aproveitada como figura central de um romance preparado por um escritor de talento, a revelar a multiplicidade e riqueza, a pequenez e a grandeza dessa figura, capaz de mostrar uma parcela da inacabável variedade do ser humano.
Essa observação me veio à tona ao verificar as mutações que a senhora Presidente vem revelando, pelo menos em sua personalidade pública, desde que feita candidata à reeleição. Não me aventurando à exegese do fenômeno, fico apenas em seu registro. Lembro apenas que correu a versão segundo a qual seria pessoa de personalidade forte ou marcante, quiçá autoritária, senão durona, qualidade que deixou entrever, embora, com cuidado, ao enfrentar indivíduos colocados em postos de relevo em seu governo, seria o tempo da "faxina" que, aliás, teve a duração das rosas; e depois da metamorfose ocorrida, pelo menos na imagem pública da atual candidata, a durona chegou até à ressurreição de um ou outro faxinado.
Como é óbvio, não possuo nenhum laboratório apto a selecionar e sancionar a qualidade, louvável ou não, desta ou daquela situação concreta, imputável à cabeça do governo; limito-me a acompanhar o que a imprensa divulga, para ficar no mais acessível ou simples instrumento de divulgação dos fenômenos diários na imensa congérie de fatores que dia a dia é distribuída a milhares de pessoas, que os digere ou ignora.
Para ilustrar o que me parece útil mostrar, reproduzo um dado que, sem ser monumental, é revelador de sua inerente relevância. Repito o que foi divulgado: a inadimplência do consumidor patina e recua em ritmo lento nos últimos meses, porque a disparada da inflação acabou achatando a renda das famílias, especialmente as mais pobres e que gastam mais com alimentos. Para manter o padrão de consumo, a saída encontrada pelas famílias foi assumir novas dívidas. Isso amplia o risco de inadimplência futura num cenário de alta da taxa de juros.
Pretendia mostrar alguns dados dessa realidade, mas fato novo me leva a mudar o tema. A notícia do dia é relativa à aprovação da MP dos Portos após 50 horas de confronto. Não tenho elementos para pronunciar-me acerca do merecimento de cada uma das posições, e a matéria é de particular seriedade e de longa data o setor se constituiu em um feudo. A Sra. Presidente, que tem o apoio de 18 ou 19 siglas, não conseguiu aprovar a MP como queria e só mediante concessões e depois de esforços desmedidos. É natural que o governo conte com o apoio dos partidos que nele tem participação, como também é natural que o governo não se submeta pura e simplesmente à maioria que o prestigia. Deve haver determinado equilíbrio. Nos tempos da Arena, "o maior partido do Ocidente", na expressão do antigo presidente da agremiação, aprovou tudo e resultou que nunca mais veio a ser "o maior partido do Ocidente"; trocou até de nome e de nada adiantou. Fala-se agora na "quebra da base aliada", quando se poderia denominar de fatalidade inerente ao sistema presidencial, concebido quando as instituições democráticas engatinhavam.

O poder da compra - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O Estado de S.Paulo - 20/05

A renovação da cúpula do PSDB é uma volta à era FHC. Aécio Neves quer dar a Fernando o que é de Henrique. Convencer o eleitor de que o salto do Brasil foi dado quando os tucanos mandavam em Pindorama. Méritos à parte, é muita fé no marketing político.

Quando o PT chegou ao poder, o fogão estava universalizado no Brasil: 98% dos brasileiros tinham. Foi um feito da era tucana. Outros itens de consumo doméstico estavam à beira da universalização. A televisão atingia a casa de 90% dos brasileiros, e a geladeira era usada por 86%. Sob a dupla Lula-Dilma, suas taxas chegaram a 97% e a 96%, respectivamente.

Por que, então, a maioria dos eleitores teima em creditar aos presidentes petistas o seu salto de consumo? Não foram 11% a mais de posse de geladeira que impulsionaram o triplo mortal carpado do petismo. Talvez seja a máquina de lavar roupa: 52% de aumento sob o PT. Mas ainda está fora do alcance de metade dos brasileiros - e não é "o" sonho de consumo da metade masculina.

Então foram os telefones, especialmente os celulares. Pulularam das mãos e ouvidos de 61% para 91% dos eleitores brasileiros. Praticamente só quem ganha menos de dois salários mínimos não tem um aparelho em casa ou no bolso. Mas a privatização que possibilitou esse avanço foi no governo tucano. O consumidor não pode ser tão mal-agradecido. Há de ser outra coisa.

A internet! Só pode ser a internet. Tudo, hoje, é culpa da internet. Nenhum bem ou serviço avançou mais desde que o PT é governo: cresceu 200% a posse de computador em casa e 241% a conexão domiciliar ao mundo digital. De cada 10 casas, 4 estão ligadas à rede mundial de computadores e a proporção cresce 30% ao ano. De casa ou do trabalho, meio Brasil está conectado.

Mas essa é uma tendência mundial, consequência dos avanços e do barateamento da tecnologia. O governo petista lançou um programa ainda imberbe de banda larga popular. Deu sorte. Também.

No pós-guerra, a universalização dos bens de consumo de massa garantiu prosperidade aos EUA por três décadas. Quando o mercado saturou, mudou-se a estratégia. Em vez de mais do mesmo para todos, veio a diferenciação pelo consumo, o culto ao status pessoal via personalização dos produtos. Todo mundo quer ser diferenciado, não pelo que é, mas pelo que aparenta ter.

O PT chegou ao poder antes do auge da massificação do consumo no Brasil. Associou sua imagem à universalização muito mais do que os tucanos, que perderam o bonde no meio do processo. Os neoconsumidores sufragam o PT na urna para defender seu novo status quo, não a conversa ideológica do partido. Contra isso, recontar a história pode ser justo, mas é irrelevante.

É Carnaval! Mais arrastada do que guarda-roupa em mudança, a votação da MP dos Portos foi um desfile de alegorias políticas brasilienses: batalha de confete entre blocos privados, desarmonia partidária, ala dos oportunistas - tudo ao custoso ritmo da bateria de cooptação governista. Carnaval de verbas e verbos.

É o cenário perfeito para um passista como o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), exercitar seu bailado. Termina aplaudido pelos figurantes por saber arrancar do governo mais do que o governante está disposto a dar. Valoriza o voto do baixo clero da Câmara e posa de mestre-sala.

Cunha só baila porque o governo toca. Ele já dançou o minueto ao som de presidentes como Fernando Collor e governadores como Sérgio Cabral e Anthony Garotinho (com quem trocou impropérios outro dia). Dilma Rousseff é a maestrina da vez.

Se quiser, como se propala, acabar com a festa de Cunha, a presidente vai ter que parar a música - aí, ainda mais foliões vão reclamar. Contra a penitência, ameaçam com abstinência de votos.

Dilma está descobrindo que, em Brasília, Momo reina o ano inteiro e a Quaresma termina em fevereiro.

Novas fronteiras - PAULO GUEDES

O GLOBO - 20/05
Importantes protagonistas da grande crise financeira contemporânea, os Estados Unidos permanecem à frente da nova ordem mundial em sua mais nova e formidável dimensão: a economia digital. A inovação e o empreendedorismo baseados no conhecimento, fatores críticos à dinâmica de crescimento desse novo setor, foram responsáveis pela criação de empresas como Apple, Intel, Microsoft, Google, Facebook, Cisco, Oracle, YouTube, Twitter, Amazon e tantas outras.

Enquanto se entregavam aos excessos dos financistas e perdiam a liderança em setores industriais tradicionais, como as indústrias do aço, automobilística e química para alemães e asiáticos, os americanos mantiveram seu domínio nas áreas das novas tecnologias. As fronteiras móveis entre as indústrias atingidas em cheio pela internet, como mídia, telecomunicações, saúde e educação, criaram extraordinárias oportunidades de investimento. O mergulho nessas novas fronteiras é que os mantém na liderança dessa construção do futuro, enquanto simultaneamente enfrentam o declínio e a obsolescência dos setores convencionais.

A educação, fonte inequívoca da vantagem competitiva dessas novas empresas da economia digital, é por sua vez também radicalmente transformada pelas novas tecnologias. A ponto de constituir ambiente natural para a criação de fabulosos empreendimentos nos quais se dá a convergência das novas tecnologias, como a internet, com áreas até então convencionais, como mídia e telecomunicações, revolucionando práticas milenares de transmissão de conhecimento.

O ritmo de investimentos nessas novas tecnologias, e nas indústrias que ajudam a transformar radicalmente, depende de fatores ambientais ainda rarefeitos entre nós, brasileiros. Basta pensar no Vale do Silício: muito empreendedorismo, capital humano de qualidade, incentivos fiscais e capital de risco abundante. Mas há uma grande vantagem inerente ao setor: por sua natureza virtual e intangibilidade de boa parte de sua cadeia produtiva, torna-se difícil sua regulamentação pelo governo. Enquanto a regulamentação inadequada andou travando investimentos nas áreas de energia, petróleo e infraestrutura de transporte, construímos em poucos anos no Brasil algumas das maiores empresas educacionais do mundo.