FOLHA DE SP - 20/05
Presidente dos EUA aliena até simpatizantes progressistas com abusos de seu governo contra adversários políticos e a agência de notícias AP
Imagine-se a violência dos protestos nos EUA se o governo de um presidente conservador, com o perfil de Ronald Reagan ou George W. Bush, fosse flagrado monitorando ligações telefônicas de jornalistas. Ou se, em visível tentativa de intimidação, pusesse o fisco para atazanar grupos oposicionistas.
Numa rápida e destrutiva sequência de revelações, não é uma administração republicana, mas sim a do progressista Barack Obama, que se vê no fulcro de acusações de abuso desse calibre. O presidente democrata responde com sinais ambíguos ao que, sem dúvida, é a mais grave sequência de equívocos políticos de seu governo.
De um lado, demitiu o responsável pelo IRS (o equivalente americano da Receita Federal), Steven Miller. As explicações de Miller ao Congresso, na sexta-feira, mostraram-se, todavia, insatisfatórias.
Enquanto isso, talvez para evitar a contrapartida de parecer excessivamente fraco em assuntos de segurança nacional, no caso da quebra de sigilo telefônico da agência de notícias Associated Press (AP), a resposta de Obama esteve longe de corresponder à sua imagem de defensor dos direitos civis.
Foram duas dezenas de telefones da AP que sofreram, durante dois meses, a intromissão federal, sob a justificativa de que jornalistas estariam em contato com uma fonte ligada à Al Qaeda.
Ao contrário do que aconteceu no episódio do Imposto de Renda, Obama sustentou o acerto dessa outra iniciativa. Pela legislação em vigor, entretanto, uma série de restrições se impõe ao governo quando encaminha investigações que envolvam órgãos da imprensa.
O monitoramento foi amplo demais, argumenta o presidente da AP, Gary Pruitt. Em entrevista à Folha, o executivo disse que chegou a segurar informações por solicitação do governo.
A bisbilhotice generalizada nos registros de ligações, como parece ter sido o caso (os 20 números telefônicos eram usados por uma centena de repórteres), acarretaria entretanto consequências mais profundas. "Comportamentos como esse", considera Pruitt, "vão intimidar delatores potenciais dentro do governo e fontes de jornalistas, se acharem que serão expostos."
Não é simples, naturalmente, o equilíbrio entre questões de segurança e o livre direito à informação. Mas o governo Obama, que já paga o preço de não ter cumprido a promessa de desativar a prisão de Guantánamo, com esses dois últimos episódios parece municiar mais do que nunca a oposição, tanto do lado conservador quanto do lado progressista -ao qual dá novos motivos de decepção.
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