domingo, outubro 30, 2011

ANCELMO GOIS - Confira só Ministro Saci


Confira só Ministro Saci
ANCELMO GOIS 
O GLOBO - 30/10/11

De um gaiato do Planalto sobre a nomeação do nacionalista Aldo Rebelo, inimigo de estrangeirismos a ponto de propor na Câmara dos Deputados a criação do Dia do Saci:

— O primeiro ato dele como ministro do Esporte será acabar com o... beach soccer. Agora, será futebol de areia e ponto.

Faz sentido.

De fato...
Beach soccer é o cacete.

O DOMINGO É de Leilah Moreno, 27 anos, a formosa mulata que brilha como a Grace Kelly da novela “Aquele beijo”, de Miguel Falabella, na TV Globo. Para viver seu primeiro grande papel, a atriz deixou o programa de Serginho Groisman, “Altas horas”, no qual trabalhava desde 2004. Aproveitou a mudança profissional para trocar São José dos Campos, SP, pelo Rio. Para interpretar a vilã, Leilah clareou os cabelos e se inspirou em Beyoncé.

A esperança do Rio
Na avaliação de um interlocutor constante de Dilma, o Rio ainda não perdeu a guerra dos royalties. É que, acredita, custaria caro demais para o governo permitir a derrota de Cabral.

O raciocínio é político. Dilma, diz o tal interlocutor, perderia seu principal aliado no Sul-Sudeste. “Imagine este quadro em 2014: Alckmin (governador de São Paulo), Aécio (senador por Minas), Renato Casagrande (governador do Espírito Santo) e Cabral juntos. Seria um cenário ruim para o PT.” É. Pode ser.

Aliás...
Cabral não jogou a toalha. Acha que a passeata que organiza com Eduardo Paes, no Centro do Rio, em defesa dos royalties, pode sensibilizar Dilma:

— De qualquer maneira, dia 10 de novembro, seremos mais de 150 mil pessoas nas ruas.

Carrinho de compras
A Rádio Gôndola diz que o grupo chileno de varejo Cencosud, já dono por aqui dos supermercados Bretas, de Minas, está de namoro com uma rede carioca. A conferir.

O amor dos baianos
Caetano, Gil e Ivete Sangalo vão homenagear a mulher brasileira num especial de fim de ano da TV Globo.
Só terá canções dos dois compositores, cantadas por eles e Ivete, com letras sobre o amor, a alma e as dores femininas.

Aerogay
O Sindicato Nacional das Empresas Aéreas, de uma lista de reivindicações apresentada há dois meses pelos trabalhadores, para evitar uma greve na data-base, em pleno Natal, só topou, até agora, uma.

A “garantia de direitos iguais para casais do mesmo sexo.”

A vaca fria...
Dia 3, haverá uma nova rodada de negociações.

A classe pede 13% de reajuste e ameaça com uma greve na virada do ano-novo.

Joaquim, tens mãe?
A TAP ME Brasil, empresa de manutenção da portuguesa TAP, enviou ao Sindicato Nacional dos Aeroviários daqui a proposta de “não dar dissídio na data-base (1 o- de dezembro) a nenhum gerente” (são 60).
Para os 2.000 funcionários miúdos, propõe reajuste “abaixo da inflação”, de 1 a 2%, e “parcelar em quatro vezes o 13o-”.


Dia D
O Projeto Reprodução Portinari, que cuida da memória do genial pintor (1903-1962), também decidiu celebrar
Carlos Drummond de Andrade, segunda agora, quando o poeta faria 109 anos.

Vai pôr na internet um vídeo no qual Portinari, autor deste retrato de Drummond, pinta, enquanto o poeta declama. Veja em http://bit.ly/rPU1Qs.

Por falar no poeta...
Chico Alencar, o deputado do PSOL, preparou um discurso em versos para homenagear Drummond, amanhã, na Câmara.

Cueca do rei
O Museu Imperial, de Petrópolis, acaba de receber uma importante doação para seu acervo: 91 peças das chamadas “roupas brancas” da nobreza — as de uso, digamos, íntimo.
São do século XIX e das primeiras décadas do XX.

A fila andou
Bebel Gilberto, nossa querida cantora, e Didier Cunha estão separados. O casamento durou um ano e oito meses.

Retalhos de cetim
A União de Vaz Lobo, escola miúda do Grupo E do Rio, berço de Silas de Oliveira, perdeu a quadra para a Transcarioca, via que vai ligar a Barra ao Galeão.
A quatro meses do carnaval, será também, aos 82 anos, despejada do barracão. Sem dinheiro, criou um disque-doações (8207-0385). Deus a ajude.

O que é isso, companheiro?
Adormecida há uns 30 anos, desde quando Lula ainda comandava greves no ABC, Brizola assustava os militares com a possibilidade de chegar à Presidência e Zico (Mengoooo!) fazia gols pelo Flamengo, a briga entre PCB e PCdoB pelo legado do comunismo no país ressurgiu semana passada com as denúncias contra o pecedobista Orlando Silva no Ministério do Esporte.

Em nota, o velho Pecebão acusou os camaradas do PCdoB de “propaganda enganosa, falsidade ideológica, estelionato político e apropriação indébita” por terem divulgado em seu programa na TV que o partido deles vai fazer 90 anos em 2012. “Todas as pessoas razoavelmente informadas, todos os intelectuais, historiadores, militantes políticos e sociais sabem que o PCdoB foi fundado em 1962 por uma insignificante minoria do Comitê Central do PCB. O PCB, sim, vai fazer 90 anos. O PCdoB fará 50 anos em 2012.”

Na verdade, o Pecebão atual representa também um grupo que não aceitou as resoluções do X Congresso, em 1992, que alterou o nome e a sigla de Partido Comunista Brasileiro, PCB, para Partido Popular Socialista, PPS, sob o comando de Roberto Freire.

Já o PCdoB garante que, ao romper com o Partidão, em 1962, levou junto — além da preposição “do” que constava do nome original (o PCB, até ali, chamava-se Partido Comunista do Brasil) — o ideário da fundação, em 1922.

Calma, gente.

Aliás...
Também ressurgiram do túnel do tempo as diferenças entre os dois ramos da família do grande líder comunista Luís Carlos Prestes. Anita Leocádia, a filha de Prestes com Olga Benário, escreveu carta ao PCdoB em protesto contra o uso da imagem do pai no programa do partido na TV num momento de crise.

Logo depois, Luiz Carlos Prestes Filho e sua mãe, Maria Ribeiro, 81 anos, segunda mulher do Cavaleiro da Esperança, também escreveram carta ao PCdoB — só que para agradecer pela menção ao velho Prestes no programa.

Calma, gente.

ALON FEUERWERKER - Um combo fatal



Um combo fatal
ALON FEUERWERKER 
CORREIO BRZILIENSE - 30/10/11

Antes, a liberdade nas universidades era uma ideia vinculada à urgência de conquistar espaços no autoritarismo. Era uma ideia certa. Agora, aparece como ameaça de instalar no Brasil regiões em que o crime organizado pode agir sem temer a presença da autoridade policial. É uma ideia 100% errada

Grupos de estudantes, professores e funcionários da USP rebelaram-se porque a Polícia Militar deteve alunos que consumiam droga no câmpus. Passaram a exigir a saída da PM, entraram em confronto com policiais que participaram da ação e ocuparam um edifício para pressionar.

Pedir a saída da PM do câmpus universitário é posição revestida de alguma aura, pois evoca os tempos da ditadura. Aliás, é um fenômeno corriqueiro entre nós: gente que não chegou — por falta de vontade, coragem ou oportunidade — a combater o regime militar quando ele existia, enfrenta-o com radicalismo quando ele não existe mais.

É conveniente, pois permite ao protagonista ser ao mesmo tempo extremado nos propósitos, portador de uma condição moral supostamente acima, e permanecer em posição segura. Pois lutar contra uma ditadura que hoje só existe nos livros de história traz bem menos risco, inclusive físico.

Mas esse seria um debate secundaríssimo, não houvesse aqui algo grave além da conta. Impedir a entrada da polícia nos câmpus de todo o país (não há por que a USP ser exceção) significaria, na prática, acelerar a transformação deles em territórios desimpedidos para o tráfico de drogas e os demais crimes conectados à atividade.

E isso será um problema não apenas para a universidade. Os câmpus transformar-se-ão em centros irradiadores de atividade criminosa. Pois não haverá uma barreira física a separá-los da vizinhança, não haverá revistas em quem entra ou sai. Não estarão cercados pela força armada estatal.

Antes, a liberdade nas universidades era uma ideia vinculada à urgência de conquistar espaços no autoritarismo. Era uma ideia certa. Agora, aparece como ameaça de instalar no Brasil regiões em que o crime organizado pode agir sem temer a presença da autoridade policial. É uma ideia 100% errada.

Impedir que a ditadura interfira na universidade é uma coisa. Impedir que o Estado democrático aplique a lei na universidade é outra coisa. Completamente diferente. Antagônica.

Pois se é razoável que certas leis, como a que proíbe as drogas, não valham nas universidades, por que não outras leis? Por que não liberar também, por exemplo, o furto? Ou o latrocínio, desde que “socialmente justificado”?

Se o Estado democrático, com sua autoridade repressiva legítima, não pode entrar em determinado lugar, a consequência será o domínio de facções capazes de impor a vontade pela força. E nesse ecossistema o crime organizado vai levar vantagem. Decisiva.

Não vou aqui analisar em profundidade a experiência das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs do Rio. A coluna de hoje não é para isso. Mas o conceito é bom. Impor a presença, inclusive repressiva, do Estado em áreas dominadas por estruturas criminosas dotadas elas próprias de capacidade e vontade de dominar.

E se a ideia é boa nas comunidades pobres do Rio é melhor ainda nas universidades. Pois nestas há bem mais dinheiro em circulação. E o tráfico de drogas segue a rota do dinheiro, não da pobreza. Eis uma razão por que o crime acelerou mais em anos recentes nas regiões que prosperaram acima da média, ao contrário do que suporia o senso comum.

O ensino superior brasileiro vive um desafio gigantesco. Elevar-se a um padrão de excelência internacional. É um vetor decisivo para o projeto nacional. O Brasil estabilizou a economia, preserva um bom ambiente para o desenvolvimento econômico e implantou mecanismos de redistribuição de renda. Mas não dará o salto adiante se nossas universidades permanecerem na rabeira diagnosticada por todos os estudos e rankings.

Essa deveria ser a preocupação, inclusive na comunidade universitária. E isso nada tem a ver com a frouxidão diante do consumo de drogas, do seu tráfico, ou do tráfico de armas. Sim, pois é um combo. Não há como comprar um sem levar o outro.

PEDRO TRENGROUSE - A Copa do Brasil



A Copa do Brasil
PEDRO TRENGROUSE
O GLOBO - 30/10/11

A agenda da Fifa para a Copa do Mundo de 2014 não é necessariamente a agenda do Brasil. Não se pode permitir que a Copa se resuma a intervenções na infraestrutura dos estádios, ampliação e melhora da malha de transportes, um salto de qualidade e quantidade na rede hoteleira, investimentos eficientes em segurança pública e, é claro, uma seleção de jogadores competitiva.
O verdadeiro desafio é aproveitar a Copa como instrumento para o desenvolvimento do futebol brasileiro, que é parte significativa do arranjo produtivo nacional e, se mais bem administrado, pode gerar empregos, renda e alegria.
Estudo da FGV aponta que o futebol movimenta mais de R$11 bilhões por ano, representando 0,2% do PIB. Estima-se que os 783 clubes de futebol profissional gerem mais de 400 mil empregos, com renda induzida de R$5,7 bilhões e R$1,1 bilhão em impostos sobre a produção. A importância do setor no PIB pode crescer substancialmente se os clubes melhorarem sua administração, só que para isso é preciso mudança profunda nas estruturas de governança, e o momento nunca foi tão favorável.
A modernização dos estádios, o capital humano qualificado que ficará como legado da Copa e a oportunidade de ajustar o calendário são externalidades muito positivas para a promoção das transformações necessárias à maximização dos resultados econômicos do futebol brasileiro, em especial à melhora do modelo de gestão e governança com auditorias independentes, conselhos fiscais capazes de exercer suas funções técnicas, códigos de conduta para dirigentes, atletas e funcionários, prevenção de conflitos de interesse, conselhos de administração enxutos, profissionalização da gestão, capacitação do quadro funcional, sistematização de normas, sistemas de qualidade e de gestão e incentivos de performance.
Não basta apenas que os clubes sejam muito bem administrados sem que também haja ajustes em todo o ecossistema do futebol brasileiro. No futebol é a concorrência que dá origem a praticamente todas as receitas, e por isso o calendário otimizado é fundamental para o desempenho econômico dos clubes.
Hoje, os clubes que disputam a Série A do Campeonato Brasileiro, uma competição internacional, Libertadores ou Sul-Americana, um campeonato regional de grande número de datas e a Copa do Brasil podem chegar a 75 partidas por ano. Por outro lado, para a grande maioria dos clubes de menor investimento a temporada se limita ao campeonato estadual, que normalmente se inicia em janeiro ou fevereiro e se encerra em abril ou maio. Essa baixa atividade na base da pirâmide representa uma perda de receitas da ordem de R$600 milhões por ano e 25.000 empregos.
Está na hora de mudar, e a Copa do Mundo não pode deixar o futebol brasileiro pra trás.
PEDRO TRENGROUSE é advogado, consultor da ONU/PNUD para a Copa 2014 e coordenador de Projetos da Fundação Getulio Vargas.

REGINA ALVAREZ - Mais que um porto


Mais que um porto
REGINA ALVAREZ
O GLOBO - 30/10/11

Nosso mundo está cheio de fatos e versões. Aqueles são incontestáveis; estas têm pernas curtas que, com as asas da imaginação, voam ao sabor da criatividade do autor ou à força da repetição. Ou da compilação. Mas, não são nem fazem a História. O livro que o jornalista Carlos Garcia e o falecido economista Josué Mussalém escreveram – “Suape – mais que um porto” –, que será lançado na próxima quinta-feira, na Livraria Saraiva, do Shopping Recife, é mais que bem escrito livro-reportagem. É o resgate de um fato que precisava ser contado e que coloca Pernambuco como raridade no cenário político-administrativo do país. E por vários motivos. O complexo industrial portuário é obra pública que atravessou uma dezena de administrações estaduais, recebendo de todos atenções e investimentos. E mais – revela o livro – Suape nasceu da teimosia de um grupo que pensou Pernambuco décadas adiante. Não foi um simples projeto. Foi uma trama para superar os tempos difíceis da estagnação econômica. Grupo quase anônimo, sem mandatos ou procuração praticou a melhor das políticas: a do bem comum. Não há um só entre os pioneiros de Suape que tenha tirado proveito dos grandes investimentos. As únicas ações adquiridas foram as de servir à causa pública sem se servir delas. Nem mesmo como mote para palestras.

Energia limpa
A previsão da Eletrobrás é que daqui a 20 anos o grande desafio da geração de energia será utilizar todas as fontes disponíveis, com a expansão da energia eólica e biomassa. O tema será debatido durante palestra do presidente da Eletrobrás, José da Costa, nesta segunda-feira, às 16h, no JCPM. É uma promoção da ADVB-PE.

Consumo cresce
O crescente consumo dos setores comercial e residencial e o aumento do ganho real da população, que sobe desde 2004, foram os dois grandes responsáveis pelo maior dispêndio com a energia elétrica, no terceiro trimestre deste ano. O consumo avançou 4,2% na comparação com igual período de 2010, e atingiu 108.008 gigawatts-hora.

Bicicletas
Um sistema de aluguel de bicicletas, existente em várias cidades europeias, está funcionando desde sexta-feira no Rio de Janeiro. É iniciativa da prefeitura em parceria com o banco Itaú e a concessionária Serttel. O sistema chegou a ser sugerido para o Recife, mas não foi adiante. Aqui, nem placas a prefeitura exige das bicicletas.

Explosão urbana
O desordenado crescimento urbano da periferia de Ipojuca, onde estão Suape e a badalada praia de Porto de Galinhas, assusta a administração municipal. Até assessores do município já advertiram o prefeito Pedro Serafim para o fato de que o desenvolvimento está atraindo forasteiros das mais diversas procedências.

Novos invasores
Semana passada, a polícia desalojou uma ocupação irregular num morro do município onde havia gente vinda de outros estados. A prefeitura está construindo um conjunto habitacional de 520 casas no distrito de Camela e aguarda a desapropriação de uma área em Nossa Senhora do Ó, mas é pouco. Ipojuca está inchando.

MAC MARGOLIS - Argentina grau abaixo


Argentina grau abaixo
MAC MARGOLIS
O Estado de S.Paulo - 30/10/11

Cosmopolita, culta, com solos abençoados e líderes políticos dos mais adulados, a Argentina é um dos milagres da história contemporânea da América Latina. Admirável pelas suas conquistas, inexplicável pelos seus tropeços, é o país onde os malogros podem parecer sucessos e nenhum ativo é tão precioso que não possa ser desperdiçado.

Capital humano, não falta. Entre as 50 melhores universidades da América Latina, 11 são da Argentina, segundo o ranking Top Universities, da Universidade de Groningen, na Holanda. E nenhum outro país na região ostenta tantos prêmios Nobel (são cinco).

O desempenho econômico é impressionante. Alçado pela produção ultra competitiva de grãos soja, trigo e carne, o PIB expandiu à "taxa chinesa" de 9,4% em 2010 e, mesmo com a economia mundial em apuros, deve cravar não menos que 6% em 2011. O desemprego está em queda e a renda per capita dobrou desde 2002.

Se existe algum candidato à classificação de grau de investimento, aquela barreira mágica que separa as nações alfa do restante, seria a Argentina. Mas não é. A dívida soberana argentina recentemente mereceu a nota sofrível de B3 da agência de Moodys - no patamar de "lixo"(junk) no léxico dos corretores internacionais. Pode-se discutir a credibilidade e os critérios escolhidos pelas agências de risco. Bem ou mal, é esse aval que pode decidir a fortuna de um país, abrindo ou não as torneiras do crediário internacional, e determinar quanto pesa o dinheiro alheio.

O fato é: outros países com bem menos estofo que Argentina já conseguiram muito mais da comunidade internacional. A oeste está o Chile, que há muitos anos conquistou a confiança dos investidores graças a um consenso sobre políticas fiscais que une da direita à centro-esquerda. Ao norte, o Brasil, que com Argentina sofreu todas as crises históricas das últimas décadas e agora desponta como o Brics latino, o emergente titular do hemisfério.

Com eles estão Peru e Colômbia, países que sofreram com décadas de conflito civil, narcotráfico e (no caso de Peru) populismo galopante. Renasceram com políticas de segurança firme, parcimônia e marcos regulatórios estáveis para negócios.

E agora é a vez de Uruguai. Desdenhado pelos vizinhos quase como uma província argentina, Montevidéu hoje é um imã de investimento externo - destaque para a fábrica de papel e celulose Montes de Plata, de US$ 2 bilhões - e recentemente ultrapassou os argentinos em produção de carne. Após uma penosa reestruturação da economia, com cortes profundos na balofa máquina pública, acaba de reconquistar o "diploma" de grau de investimento que perdera em 2002, no rescaldo do calote da dívida externa argentina.

Modelo heterodoxo. Cercada de países menos afortunados, que com bom senso pisam em terreno cada vez mais firme, a política argentina segue um pântano de dúvidas. Surfando na onda poderosa de grãos e commodities, e com capacidade ociosa nas fábricas, a Argentina conseguiu crescer e criar empregos ao longo da década sem contar com dinheiro estrangeiro nem investimentos expressivos na expansão das indústrias.

Com a sobra, a presidente Cristina Kirchner ainda bancou programas sociais e subsídios fartos aos consumidores, que lotaram os supermercados, e distribuiu carne aos pobres. Inflação? Há sim, mas nada que um bom expurgo dos dados oficiais não possa maquiar.

Há quem celebre esses feitos como a vitória do modelo "heterodoxo" argentino, prova cabal de que se pode enfiar o dedão no olho dos bancos internacionais e gastar às turras sem sofrer maiores consequências. Distribuir a bonança é belo. Administrar a adversidade é outra história. Com nuvens se formando na economia mundial, a prova da heterodoxia argentina ainda está por vir. Como se diz "Ojo (atenção), Cristina!" em grego?

JOÃO UBALDO RIBEIRO - Defendendo a pátria



Defendendo a pátria
JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo - 30/10/11

Não posso negar minha condição de veterano, em matéria de defender as cores do Brasil no estrangeiro. Aliás, pensando bem, não posso negar minha condição de veterano em nada e, se a literatura fosse escola de samba, eu com certeza já estaria integrando a velha guarda. Comecei minhas viagens bem cedo e desde então sou muito requisitado. Não sei bem a razão. Uma vez, há muito tempo, num coquetel em Toronto, estava conversando com o escritor Márcio Souza, então meu companheiro constante de delegação, quando fizemos uma pausa e olhamos em torno.

- Márcio, você já notou que, nesses eventos internacionais, estamos sempre você e eu, aquele poeta peruano, os dois centro-americanos que a gente nunca sabe direito de onde são, o polonês de ar sinistro, aquela mexicana que fala gritando, os três...

- Eu sei - disse ele. - São sempre os mesmos. Aliás, somos sempre os mesmos, eles devem estar dizendo a mesma coisa de nós. Eu tenho uma teoria sobre isso. Nós pertencemos a uma organização secreta, que sempre nos manda a coisas como esta.

- Nós pertencemos a uma organização? Como assim, nunca me falaram nada.

- É porque ela é tão secreta que não dizem nada nem aos próprios membros.

É, deve ser. Aparentemente, Márcio anda meio afastado, porque faz tempo que não o encontro de repente no exterior, como acontecia antes. Talvez um de nós tenha sido transferido de setor, como sempre sem que nos digam nada. Não sei bem, só sei que continuo em atividade e esta é a terceira vez este ano em que sou despachado para um front cultural. Estou agora em um hotel de Bruxelas, catando as teclas de um computadorzinho, as quais, como num filme, se fundem com imagens do passado. Sim, há muito o que lembrar, nesta vida de veterano. Hotéis e hospedagem em geral, por exemplo.

Hoje em dia, a coisa está melhor, mas a vida do pioneiro não é fácil. Sempre muito simpáticos, os anfitriões fazem o melhor que podem para nos agradar. O problema é que eles parecem pensar que nós, os atrasadinhos tropicais, ficaríamos muito gratos por dispormos, por exemplo, de vasos sanitários. Sabe como é, acostumados a viver nos matos e emporcalhar a Amazônia, conhecíamos de ouvir falar esses ambientes de porcelana e ladrilhos, conhecidos como banheiros. Uma vez, em Munique, um alemão muito gentil me levou a um banheiro no corredor e me apresentou triunfantemente uma pia e um vaso sanitário e, aparentemente, preparou-se para fazer uma preleção sobre eles. Temendo que, num acesso de entusiasmo germânico, ele também quisesse demonstrar explicitamente o uso dos modernos utensílios, contei que já conhecia aquilo e, para que ele acreditasse, contei também que já tinha visto semelhantes nos Estados Unidos. Acho que ele acreditou, porque em seguida foi me apresentar aos dois catres onde minha mulher e eu dormiríamos. Sabe como é, novamente. Acostumados a dormir no mato, no meio das jiboias, nós podíamos estranhar aqueles luxos. Até hoje lembro do ar magoado do alemão, quando nós procuramos um hotel com quarto, camas, banheiro exclusivo etc. No mínimo, deve ter-nos achado um par de colonizados culturais, abandonando nossas raízes históricas para adotar hábitos do colonizador.

Outra vez, em Copenhague, nos instalaram bem no centro da zona. Tudo bem, nada de preconceito, mas o quarto não comportava mais que duas pessoas (paradas; se se mexessem, haveria colisões) e ficava meio chato a gente estar voltando para o hotel e ser parado o tempo todo por frequentadores da zona, nos oferecendo tudo o que, imagino eu, uma boa zona dinamarquesa oferece. Em Stuttgart, depois de haver subido quatro enormes lances de escada, carregando malas, deparamos com charmosos aposentos, cuja característica principal era o banheiro: um círculo fechado por uma cortina de plástico transparente, bem no centro do quarto. Devia ser uma experiência emocionante, ver através do plástico o companheiro de quarto cuidando de todos os seus afazeres banheirais. E, sabe como é, somos fortes como gorilas, e fazemos tudo no muque, de maneira que, se quiséssemos, subiríamos aquelas escadas carregando uma mala de trinta quilos em cada mão e mandaríamos rezar uma missa em ação de graças, pelo tão original banheiro.

Conto, enfim, com um vasto repertório de memórias desse tipo, que se misturam difusamente no passado. Quer dizer, nem tão passado assim, como sou lembrado, no hotel de Bruxelas que nos destinaram. Quatro estrelas, coisa fina. Exaustos, depois de praticamente um dia inteiro de viagem, fazemos o registro na recepção. Pronto, será que alguém podia levar aquelas malas, que a viagem havia tornado já tão pesadas, para o nosso quarto?

- Aqui não temos ninguém para levar malas - disse, com um grunhido não tão amistoso, o funcionário da recepção.

Tudo bem, sabe como é, nós somos fortes etc. etc. Subimos, apertou fome, porque a comida no avião parecia ter sido furtada do Zoológico de Lisboa (era TAP e a escolha de comida acabou antes de chegar a nossa vez, de maneira que tivemos que ficar com o que certamente tinha sido selecionado para as hienas, lá no Zoo da terrinha). Não há restaurante no hotel. Tudo bem, então serviço de quarto. Não há serviço de quarto. Então podíamos sair pelas redondezas, para ver se achávamos algo? Podíamos, mas com cuidado, porque a área era mal frequentada. Refizemos as malas para mudar de hotel. Ou pelo menos para uma boa árvore, que lembrasse a nossa casa. Ô vida.

DORA KRAMER - Consertar é possível



Consertar é possível
DORA KRAMER
 O Estado de S.Paulo - 30/10/11

Reza a lenda entre políticos, analistas e especialistas em geral - que tratam de difundi-la ao ponto de contar hoje com aceitação mais ou menos geral -, que não há outra maneira de se fazer política em governos de coalizão partidária sem entregar a máquina pública ao manejo muitas vezes transgressor dos sócios do condomínio.

Por essa ótica, chega-se à conclusão de que a corrupção é um mal necessário à sobrevivência da democracia, pelo menos tal como ela se apresenta no Brasil com partidos de ideologia difusa e profusão de legendas, cujo apoio majoritário é imprescindível para o êxito de qualquer governo.

É uma linha de raciocínio. Torta, porque fundada no falso pressuposto de que um sistema institucionalmente saudável possa permanecer assim durante muito tempo quando a regra do jogo é a da ilegalidade consentida. Assim como a tese não corresponde aos fatos, não é verdade também que a maioria da população não liga para questões dessa natureza se a economia vai bem e provoca uma sensação de bem-estar.

Está aí a última pesquisa do instituto Latinobarómetro para confirmar: no Brasil, a corrupção aparece como a principal preocupação quando a pergunta é "o que falta à democracia?". Ou seja, as pessoas podem até se sentir bem, mas conectam a epidemia de transgressões à saúde democrática.

José Álvaro Moisés, diretor do núcleo de pesquisas de políticas públicas da Universidade de São Paulo, diz que todos os estudos recentes apontam para o aumento da desconfiança em relação aos partidos e ao Congresso e mostram uma rejeição acachapante (mais de 80%) às práticas que os "especialistas" consideram inerentes à política.

"Elas afetam a qualidade da democracia. Se houver um acúmulo de episódios de corrupção, de escândalos sem punição, de banalização de infrações durante um longo tempo, o resultado será o questionamento da legitimidade dessas instituições", diz. A perda de referência legal e moral, segundo José Álvaro Moisés, gera desconfiança, descrédito, cinismo e conformismo.

VINICIUS TORRES FREIRE - Indignados e desanimados



Indignados e desanimados
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 30/10/11 

Maior tumulto econômico em décadas suscitou apenas mais conformismo e protesto ingênuo e menor

OS "INDIGNADOS" e ocupantes de praças em Nova York, Madri e alhures dão o que pensar. A gente pensa no fracasso, na ruína e na evaporação das ideias inconformistas e críticas nos últimos 40 anos, assim como dos movimentos políticos que poderiam ter dado sentido a elas. Trata-se aqui de países ricos, do universo euro-americano.

Nos anos 1960 e 1970 parecia haver grande revolta no centro do mundo. Enterravam-se várias tradições culturais e comportamentais (1968 etc.), maneiras da classe dominante antiga eram vilipendiadas pela difusão de hábitos "pop", contestavam-se as relações sociais autoritárias mais cotidianas.

Os sindicatos operários davam seu último grande suspiro de protesto, o que afinal não foi pouco, pois firmaram e blindaram o contrato do Bem-Estar Social, que, mal ou bem, mas cada vez mais mal, civilizou a vida e dura até hoje.

Em seguida vieram a "grande (para eles) inflação", as recessões e, enfim, a grande liberalização financeira e maciça transnacionalização da grande empresa, coisas que ajudaram a moldar o mundo tal como ele é agora. Um molde trincado.

Isto é, um mundo de tumulto financeiro quase contínuo, de redução do poder dos governos nacionais, de despolitização desanimada diante de poderes imperiais e globais tão imensos que tornam derrisória a maioria dos movimentos políticos de protesto. A ironia da crise econômica do final dos anos 1970 e do começo dos 1980 é que ela redundou no fortalecimento das "forças da ordem", na ruína até da centro-esquerda, no mercadismo, no aumento do poder da finança, na indiferenciação cada vez maior dos partidos maiores, quase todos transformados em social-democratas conservadores.

Mas ainda naquele tempo havia a fantasia de revoluções, ideias críticas, esperanças de nova ordem, ingênuas ou selvagens que a maioria delas fosse, não importa. Havia espírito de dissenso e misérias bastantes para suscitar protesto. O que, porém, foi completamente irrelevante para a vitória fácil dos adversários desse tal espírito crítico.

A emergência do complexo asiático, da entrada no mercado mundial das massas de trabalhadores de China, Índia e cia. comprimiu ainda mais a margem de manobra política e econômica no mundo euro-americano.

Tal movimento só começa -há uma outra China quase inteira para entrar no mercado.
Depois de 30 anos, um novo tumulto atinge o restante do centro econômico mundial. O nível de conforto material cresceu no mundo rico desde então. A desconfiança ou desalento com a irrelevância da política também.

Mesmo com a ruína teórica e moral de vários aspectos do mercadismo, recessões imensas, desemprego etc., a reação por ora é quase só cinismo ou a ingenuidade dos acampados e indignados de Nova York, Madri e alhures. Existiria um limiar de conforto a partir de qual a vontade de protestar se reduz a zero?

O mundo rico estaria apenas sujeito ao risco de uma lenta degradação, a fuga contínua de empregos para Ásia, emergentes e cia., o que, aos poucos, reduzirá o nível de conforto de seus habitantes, em particular na Europa do bem-estar? Um suspiro, nada de explosões, nenhuma ruptura mais?

GOSTOSA


MARTHA MEDEIROS - Mamografia



Mamografia
 MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA - 30/10/11

Tudo o que uma mamografia significa: a diferença entre a vida e a morte, por mais dramática que essa frase possa soar

Fiz minha primeira mamografia aos 39 anos. Cheguei na clínica sem saber direito do que se tratava. Achei que o exame era parente das tomografias computadorizadas e que eu ficaria à disposição dos médicos por muitas horas. Coragem.

Foi quase uma decepção. O exame leva poucos minutos. A funcionária da clínica tira duas radiografias do seio esquerdo e depois duas do seio direito. Mais uns minutos aguardando para avaliarem se o procedimento foi bem realizado ou se será preciso repetir, e, não precisando, pode colocar sua roupa e adeusinho, passe bem.

Só isso?

É rápido e indolor, mas não é só isso. É tudo isso. Tudo o que uma mamografia significa: a diferença entre a vida e a morte, por mais dramática que essa frase possa soar. Em pouco tempo, o resultado estará em suas mãos e, com sorte, você não terá nada, saúde perfeita. Eu fiz umas quantas mamografias depois da primeira, e o resultado foi sempre positivo.

Com menos sorte, mas com sorte ainda, você talvez descubra um pequeníssimo nódulo, e o fato de tê-lo descoberto tão cedo dará a você a chance de extraí-lo sem maiores traumas e tocar sua vida normalmente.

Mulheres que têm condições de marcar hora numa clínica particular não o fazem por preguiça, pois informação temos tido bastante, inclusive estamos encerrando o Outubro Rosa, uma iniciativa da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio a Saúde da Mama (Femama), que visa conscientizar as mulheres da importância de se prevenir contra um dos cânceres que mais mata no Brasil, em especial no Rio Grande do Sul.

Mas, infelizmente, a maioria das mulheres não pode ir a uma clínica, tendo que recorrer ao SUS. Por isso, reivindicamos aos órgãos públicos maior sensibilização quanto à necessidade de se adquirir novos equipamentos e consertar aqueles que estão estragados, a fim de que a mamografia seja um exame tão corriqueiro quanto tirar sangue num laboratório. Mamografia não é luxo. É um direito.

São esses os passos para diminuirmos os índices alarmantes de mulheres que morrem de um câncer que poderia tranquilamente ser curado. Primeiro: que todos os hospitais e postos de saúde tenham o equipamento funcionando para que possam atender dezenas de pacientes todos os dias, já que é um exame que não toma muito tempo.

Segundo: que as próprias mulheres se interessem mais pelo assunto e não entreguem seu destino nas mãos de Deus. Há diversas razões que levam ao óbito, e a pior delas é a morte por ignorância.

Outubro Rosa é só o nome de uma campanha, mas pode se estender para novembro, dezembro, janeiro. E você nem precisa gostar de cor-de-rosa. Mais importante do que ser identificada como uma mulher feminina é ser identificada como uma mulher inteligente. Faça já.

Sábado, dia 5, estarei na Feira do Livro de Porto Alegre, autografando Feliz por Nada, às 16h30min. Apareça.

ILIMAR FRANCO - Batendo cabeça


Batendo cabeça
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 30/10/11

Há ruído na operação política do governo Dilma no Congresso. A ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), não trabalham juntos. A desconfiança vem da sucessão na pasta. Quando Luiz Sérgio saiu, Vaccarezza articulou para assumir o ministério. Quem ganha com isso é o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP), cada vez mais acionado para as missões do Planalto.

A solução: antecipação de royalties
O Ministério da Fazenda e os governadores dos estados não produtores de petróleo conversam sobre possível antecipação de receitas para que o Rio não saia tão prejudicado com a nova lei de distribuição dos royalties, aprovada pelo Senado e em tramitação na Câmara. Essa antecipação corresponderia às perdas do Rio com a nova lei e seria paga no futuro, quando o impacto para os cofres do estado seria menor, diante do crescimento da produção de petróleo. Essa operação não seria novidade, já tendo sido feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quando o Rio era governado por Anthony Garotinho.

Tenho que saber o que tem aqui, e como isso funciona, para não dar bom dia a cavalo” — Aldo Rebelo,
novo ministro do Esporte

O SINCERO. Presidente da Força Sindical, o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) entregou ao ministro Garibaldi Alves (Previdência), na foto, emenda, apresentada à Lei Orçamentária do ano que vem concedendo reajuste de 80% da variação do PIB mais inflação para os aposentados que ganham acima do salário mínimo. “Eu gostei, não sei se o governo vai gostar”, disse o ministro. A equipe econômica é contra.

Costurando
Os caciques do DEM estão sendo procurados individualmente pelo líder do partido no Senado, Demóstenes Torres (GO). Ele quer ser candidato à Presidência da República nas eleições de 2014. O partido minguou com a criação do PSD.

Combinado
Os tucanos estão convencidos de que Gilberto Kassab, criador do PSD, está fechado com a eventual candidatura à Presidência da República do governador Eduardo Campos, pelo PSB. Campos abriu a festa do novo partido, na quarta-feira.

Guerra econômica nos bastidores
A Fiesp entrou com representação no TCU acusando o Ministério de Minas e Energia e a Aneel de “ato omissivo”. Reclamam que o governo Dilma não está tomando as providências legais para as licitações das novas concessões de produção de energia. O governo pretende prorrogar as concessões, quando vencerem em 2014, e prepara nova lei. Os dois lados prometem a redução da tarifa para o consumidor.

Esquenta
O governador Sérgio Cabral vai reunir a bancada do Rio, dia 7, para acertar a estratégia de negociação da redistribuição dos royalties do petróleo. A intenção é subir o tom caso a presidente Dilma não dê sinais de que vá intervir.

Rebelde
Mesmo depois de acerto com o vice-presidente Michel Temer, o ministro Gastão Vieira (Turismo) ainda não nomeou Fábio Rios para a Secretaria Nacional do Turismo. O PMDB da Bahia está subindo pelas paredes com a situação.

COMEMORANDO. O Planalto está satisfeito com a escolha de Aldo Rebelo para o Ministério do Esporte. O que dizem por lá é que sua nomeação virou a página e mudou a agenda da pasta.

A OPOSIÇÃO vai propor à comissão da Lei Geral da Copa convidar o novo ministro do Esporte, Aldo Rebelo, para debater a proposta. Alega que esse debate não foi feito com o ministro anterior.

PRAZO. Cada vez mais convencidos de que Marta Suplicy vai insistir nas prévias para a Prefeitura de São Paulo, petistas dizem que esse quadro só será definido de fato quando acabarem as plenárias, dia 5.

PAULO SANT’ANA - Longe do prazer



Longe do prazer 
PAULO SANT’ANA
ZERO HORA - 30/10/11

Dizem que o prazer anda à minha procura. Deixa recados no meu lugar de trabalho, tenta marcar encontros comigo. O prazer tem sido evitado com insistência por mim.

Esses dias, me avisaram que o prazer estava à minha espreita à saída do meu condomínio. Quando soube, dei um jeito de sair por uma porta de serviço da lateral do prédio.

Outro dia, numa festa concorrida, com muita gente em dois grandes salões, alguém veio me avisar que o prazer se encontrava no lugar e já dissera a várias pessoas que estava à minha procura. Deixei a festa às pressas e fui refugiar-me no meu carro, depois na minha cama.

Mas o prazer não desiste, ele quer se encontrar comigo. Tem consciência de que sua ficha de barganha é tentadora, algum dia eu cederei e ele me abrigará em seus braços.

O prazer não sabe que a tristeza é a minha única saúde e que a alegria que ele me oferece soa-me como uma doença.

Vivo aterrorizado pela possibilidade de defrontar-me com o prazer. Há muito tempo, despedi-me dele e a depressão durante este hiato tomou conta de mim.

Não quero mais saber dele, tenho a nítida consciência de que não preciso dele, de que ele nunca mais voltará a se incorporar ao meu metabolismo cotidiano.

Quero cumprir silenciosamente a praga da tristeza que se derrubou sobre mim, nunca mais gostarei de me livrar desse pesar pesado que já me acompanha há vários anos.

Não entendo por que o prazer me persegue. Por que não vai procurar os homens talhados para serem álacres?

Será que o prazer já se fartou dos felizes e quer agora conceder-me o privilégio de integrar o meio dos realizados, dos folgazões, dos exitosos?

Será que o prazer não percebeu que eu não tenho mais jeito para participar do seu convívio?

Será que o prazer não percebeu ainda que não creio em mais nada, pois nada há que traga consolo à mágoa a que só a mim assiste?

O prazer tem de respeitar a minha resistência até mesmo porque me faz um certo bem que se me aumente e se me afunde a mágoa. Se o prazer interviesse nessa minha relação com minha mágoa, de um certo modo estragaria tudo.

Já me defini. Quero levar para o túmulo esta tristeza. Quero que, mesmo que eu me transforme em verme, me acompanhe esta tristeza infinda, que ela nunca cesse, que seja minha até depois da minha morte, minha, exclusivamente e infindavelmente minha.

Se o prazer bater à minha porta qualquer dia, diga a este incômodo intruso que não estou em casa.

Sinto até mesmo uma certa paz nesta fuga metódica que intento contra o prazer.

Sei para onde o prazer quer me levar: ao encontro de mulheres, bebidas, pecúnia, aplausos fúteis. Não quero e nem preciso mais dessas falácias inúteis.

O meu supremo ideal, é só assim que me entendo, é viver condenado a não ter nenhum prazer.

GOSTOSA


DANUZA LEÃO - Coisas que nos unem


Coisas que nos unem
DANUZA LEÃO 
FOLHA DE SP 30/10/11

No verão do Rio, até a Quarta-Feira de Cinzas ninguém vai querer saber se o ministro caiu ou não

Na última quarta-feira, fui ao banco pagar meus impostos e, quando cheguei ao caixa, o funcionário -que eu nem conhecia- me contou a novidade, sorrindo: "O ministro sai hoje, acabei de ouvir no rádio".

Houve logo uma espécie de confraternização; as pessoas que estavam na fila atrás de mim também tinham ouvido e começaram a comentar, uns falando com os outros, como se fosse gol do Brasil numa final de Copa. O clima ficou animado como nunca é, numa fila de banco, e lembrei de uma cena inesquecível e parecida, acontecida há muitos anos, aqui no Rio. Eu estava no centro da cidade, quando surgiu no céu um arco-íris tão colorido, tão nítido, tão alegre, tão perfeito, que as pessoas na rua falavam umas com as outras, apontavam com o dedo e perguntavam "você viu que lindo?" Uma cena não tem nada a ver com a outra, mas no fundo tem.

Quem ficou mal na foto? Em primeiro lugar, Lula -"político tem que ter casca grossa"-, e em segundo, a própria Dilma, que poderia ter um pouco mais de autoridade e fazer o que seu instinto manda, e instinto não lhe falta; ou ela tinha alguma dúvida sobre o fim dessa história?

A presidente não desperta grandes simpatias, mas é preciso separar as coisas: gostar ou não de alguém, quando esse alguém é uma figura pública, não tem nada a ver com o reconhecimento de suas qualidades e defeitos. Apesar de Dilma ter trabalhado tanto tempo com Lula, deu para acreditar que ela pudesse ser diferente: no caráter, na aversão aos "malfeitos", no seu aparente desconforto com a corrupção em geral, na coragem de tomar uma atitude.

É verdade que ela já fez rolar várias cabeças, mas sempre de maneira vacilante, deixando as coisas chegarem ao limite, evitando dar um murro na mesa. Hoje ela deve estar feliz, pois talvez possa fazer (em breve) aquilo que mais gosta: nomear outra mulher para seu ministério.

Mas voltei a pensar na queda do ministro e no arco-íris, e no que une as pessoas que nem se conhecem: geralmente as grandes alegrias e as grandes tragédias. E de pensamento em pensamento -já que neles a gente não manda- pensei em uma coisa bem banal, que não é nenhuma novidade, mas importantíssima para os cariocas: o verão está chegando; devagarzinho, mas está.

No Rio, quase todos os dias do ano são de sol, o céu é sempre azul, as praias estão sempre cheias, mas isso não tem nada a ver com o verão de verdade. Quando ele chega, se percebe pela água do mar, que muda de cor, pelo cheiro da maresia, pelo canto das cigarras, pelo comportamento das pessoas.

Os homens se tornam mais atrevidos, e as mulheres acolhem esse atrevimento cheias de alegria; há meses elas se preparam -fazendo ginástica, passando fome, cuidando do novo guarda-roupa- para o acontecimento mais esperado do ano que é o verão, onde tudo pode acontecer, e geralmente acontece.

É a temporada da democracia, quando as diferenças de classe desaparecem, com homens e mulheres usando as mesmas sandálias Havaianas, as mesmas camisetas, tomando a mesma água de coco, tudo baratinho; com um top de paetês comprado no camelô, a festa já está pronta . Assim foi, é e será todos os anos, e até a Quarta-Feira de Cinzas ninguém vai querer saber se o ministro caiu ou não, porque nada é mais importante, no grande balneário que é o Rio, do que o verão.

ELIO GASPARI - A última invenção de Steve Jobs


A última invenção de Steve Jobs
ELIO GASPARI
O GLOBO - 30/10/11

"Steve Jobs", de Walter Isaacson, é como o iPad: o sujeito não sabe direito o que fará com ele, mas quer ter um. Como o iPad, essa biografia servirá para muitas coisas. Para quem gosta de novela, tem a história de uma criança entregue para adoção que nunca quis conhecer o pai biológico e surpreendeu-se ao lembrar que, um dia, comera no restaurante de um gerente gordo e careca. (Era ele.) Esse garoto enjeitado recusou-se a reconhecer uma filha, ignorou-a por dez anos, mas deu o nome de Lisa a um de seus computadores. Para quem gosta de histórias de inventores, mostra o surgimento do computador pessoal, do iPod, do iPhone e do iPad. (Ele não inventou nenhum dos quatro.) Para quem prefere aventuras empresariais, o jovem que fundou a Apple foi defenestrado, deu a volta por cima e transformou-a na empresa mais valiosa do mundo. Para hipocondríacos, um maníaco em dietas e jejuns, com um câncer de pâncreas e um transplante de fígado, controlando o próprio ocaso.

Tudo isso num personagem genial, abstêmio, intratável, pouco higiênico e frugal. (Ele ficaria feliz ao saber que Michelangelo tinha essas características. Por intratável, um jovem pintor quebrou-lhe o nariz.)

A biografia de Isaacson requer um acessório. Convém que se faça uma cópia das páginas iniciais, onde estão listados 57 personagens. Ajuda a leitura. Dentre os gênios da informática da segunda metade do século passado, Jobs foi o mais audacioso, implacável e egocêntrico. Mentiroso, controlador, argentário, despojado e, acima de tudo, narcisista.

Quem criou o computador pessoal foi seu sócio, Stephen Wozniak, que sonhava com um mundo no qual eles fossem grátis. Quando Jobs fez a primeira distribuição de ações da Apple, deixou um dos parceiros de fora. Wozniak foi a ele e propôs: "O que você der, eu também dou". "OK", respondeu Jobs, "eu dou zero".

"Steve Jobs" foi sua última produção, burilada até os últimos dias, quando estava desnutrido e emaciado. Isaacson escreveu o que quis e conseguiu equilibrar o retrato de duas pessoas: uma que todo mundo gostaria de conhecer e outra com quem foi perigoso lidar.

Dicas de um intuitivo obstinado

Algumas lições do jeito Jobs de ser:

 "É melhor ser pirata do que entrar para a Marinha."

 "Tem gente que diz, deem aos consumidores o que eles querem. (...) Acho que Henry Ford disse certa vez: ''Se eu perguntasse aos consumidores o que eles queriam, teriam dito: Um cavalo mais rápido''."

 "Às vezes, a maior inovação é a empresa, a maneira como você a organiza."

 "Se você não se canibaliza, os outros vão te canibalizar." (Quando lhe diziam que o lançamento do iPhone reduziria as vendas de iPods e que o iPad comeria o mercado dos seus laptops.)

 "Quem sabe do que está falando não usa PowerPoint."

 "Existe uma tentação em nossa era digital de pensar que ideias podem ser desenvolvidas por e-mail e no iChat. Loucura. A criatividade vem de encontros espontâneos, de conversas aleatórias."

 "Você está rumando para ter um único mandato na Presidência". (Ao começar uma conversa com Barack Obama.)

 "Vocês estão com a cabeça enfiada no rabo." (Numa reunião com empresários da indústria da música.)

 Serviço: "Steve Jobs", traduzido, está nas livrarias, custando entre R$ 37,50 e R$ 49,90. A editora Companhia das Letras lançou simultaneamente o e-book, que custa entre R$ 28,90 e R$ 32,50. A edição eletrônica do original está na Amazon por US$ 16,99, ou R$ 29,00.

Ele entende

No ano passado, quando seu Banco Panamericano quebrou, Silvio Santos saiu-se com uma boa: "Eu não sou obrigado a entender de perfumaria, de banco."

De juros, pelo menos, entende. Joe Wallach, ex-diretor da TV Globo, revelou no seu livro "Meu capítulo na Globo" que, em 1966, quando a emissora estava com a corda no pescoço, Silvio Santos emprestou-lhe um dinheiro, a juros de 8% ao mês. (A inflação do ano foi de 39%.)

AirLula

Lula descobriu um sistema discreto e seguro para conversar com amigos.

Convida o freguês para acompanhá-lo no jatinho que o leva à Europa, à França e à Bahia.

Cocar

Na terça-feira, visitando a Amazônia, a doutora Dilma botou um cocar de penas azuis na cabeça. Isso não traz sorte.

No dia seguinte, gripou e teve que cancelar sua viagem a Porto Alegre e São Paulo.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e quer trabalhar na equipe do Inep, que faz os regulamentos punitivos do Enem. O cretino ainda não entendeu por que impediram a garotada de usar relógios durante os exames. Um educateca disse que não compete aos candidatos controlar o tempo. Para aporrinhar os garotos, podem tudo.

Ao saber que os 639 alunos do colégio Christus, de Fortaleza, serão obrigados a refazer a prova, pois, duas semanas antes, receberam uma simulação na qual havia 14 questões idênticas às que viriam no Enem, Eremildo se pergunta: Quem tem que passar pelo transtorno? Os garotos ou os educatecas que, pela terceira vez, não conseguiram aplicar a prova sem criar encrencas?

Eremildo tem duas curiosidades:

1) Por que só os alunos do Christus? Se as questões vazaram, não se pode dizer que foram só eles que as receberam.

2) Se um aluno do Christus disser que abre mão dos pontos que porventura recebeu com essas questões, como fica a coisa?

O doutor Fernando Haddad, candidato a prefeito de São Paulo, haverá de reclamar se a garotada implicar com ele. Uma jovem de 16 anos foi eliminada em Mato Grosso porque estava com relógio, mas até hoje ninguém foi eliminado do INEP.

Lixões

Até 2014, o Brasil deverá abolir os lixões e os chamados aterros controlados (aqueles que têm urubu na cena, como no filme "Lixo Extraordinário", de Vik Muniz).

Como os prefeitos fazem de conta que esse prazo não existe, vale a pena listar os estados que lideram a ruína, com mais de metade do lixo despejada em más condições.

Estão acima de 90%, no Modelo Urubu: Alagoas (97%), Rondônia (93%), Amapá (91%) e Roraima (90%).

Acima de 70%: Mato Grosso (75%), Mato Grosso do Sul (74%), Rio Grande do Norte e Pará (73%), Bahia (72%), Goiás (71%) e Paraíba (70%).

Acima de 60%: Maranhão (69%), Tocantins (68%), Brasília (67%) e Amapá (61%). Acima de 50%: Pernambuco (57%), Ceará (56%), Sergipe (55%) e Piauí (51%). Repetindo: Brasília despeja 67%.

Abaixo de 50% ficam: São Paulo (24%), Santa Catarina (28%), Paraná e Rio Grande do Sul (31%), Rio de Janeiro (33%), Espírito Santo e Minas Gerais (37%), Amazonas (46%), mais o Acre (47%).

Se o lixo entrar na agenda eleitoral do ano que vem, ajuda-se a fazer uma verdadeira faxina.

GAUDÊNCIO TORQUATO - Copa - dinheiro, soberania e catarse



Copa - dinheiro, soberania e catarse
GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo - 30/10/11

O maior espetáculo da Terra, a Copa do Mundo de 2014 é uma miragem no horizonte de 957 dias que faltam para sua abertura, mas as escaramuças que está causando ameaçam deixar mortos e feridos bem antes que os exércitos de 32 países entrem nas arenas de 12 estádios, uns em fase inicial de construção, outros em reforma. A tensão que o evento provoca com tanta antecedência se deve não só ao fato de que a disputa terá a maior audiência acumulativa de todos os tempos - 26 bilhões de espectadores em 214 nações, com transmissão em 376 canais -, mas por ser o futebol a paixão brasileira por excelência. Como tal, é motor das emoções, arrastando multidões às praças esportivas, abrindo clamor e indignação, gerando contrariedades, promovendo, enfim, a explosão coletiva. O objeto dos conflitos, por enquanto, não é a bola, cujos peso e formato certamente ganharão um capítulo novelesco mais adiante, mas as normas que as autoridades organizaram para determinar como será realizada a Copa no Brasil. Como o dono da flauta dá o tom, a Federação Internacional de Futebol (Fifa), entidade de direito privado, proprietária exclusiva do certame, impõe regras, fazendo do Projeto de Lei 2.330, chamado de Lei Geral da Copa, a expressão de sua vontade.

O imbróglio se forma quando o tom que a Fifa quer dar à flauta soa estranho nos arranjos orquestrados pela banda social. A polifonia se estabelece. E para coroar a liturgia cívica que embala corações no anelo coletivo, emergem polêmicas intermináveis, sob a égide do conceito que abriga o arsenal da guerra: soberania. Traduzindo: aprovada a Lei Geral da Copa nos termos encaminhados pelo Executivo ao Congresso, a soberania nacional estaria conspurcada. O futebol, como é sabido, canalizador da avalanche catártica do País, ingressa profundamente no hemisfério emotivo, deixando estreita margem para uma análise mais racional. Sob essa hipótese, é complexa a tarefa de distinguir os polos (certo/errado, ético/aético, justo/injusto) que balizam a organização da Copa do Mundo em nosso país. É razoável começar o exercício pelo campo que abre a polêmica, a soberania. Se soberania, segundo Rousseau, é o exercício da vontade geral, "que não pode ser alienada ou dividida e jamais concentrada nas mãos de um homem ou de um grupo", é evidente que a Fifa não tem razão para impor sua visão particular sobre o anseio coletivo. A soberania de uma nação exprime o poder de uma autoridade superior, não devendo este ser limitado por nenhum outro poder. Essa é a lição do Direito. É evidente que os organizadores da Copa sabem disso, até porque se defrontam, a cada quatro anos, com argumentos contrários a suas pretensões.

A Fifa, como empresa privada, objetiva auferir lucro, cooptando governos dos países-sede do evento, que se dobram às exigências por saberem que o futebol é um dos ímãs mais poderosos de que a política dispõe para atrair as massas. A catarse produzida pelos espetáculos acabará compensando os governantes com expressivos resultados eleitorais. É evidente que o negócio privado quer apitar todo o jogo: escolher parceiros, definir projetos, contratar consultores e fornecedores, estabelecer sistemas de promoção e vendas para comercializar marcas, símbolos, produtos e serviços. Até aí, tudo bem. É compreensível que os países, quando se candidatam a sediar uma Copa, procurem oferecer aos donos do empreendimento uma carta de compromissos e vantagens que lhes garantam elementos de diferenciação em relação aos demais competidores. Foi assim que o Brasil ganhou a condição de sediar o próximo Mundial, a ser realizado 64 anos após a memorável Copa de 50. Quando as intenções entram, porém, no plano das ações, o caldo entorna. E é nessa encruzilhada que se encontram os parceiros do campeonato. A Lei da Copa, como se apresenta, está eivada de aberrações jurídicas, de afrontas aos direitos dos consumidores. Pior, joga no lixo disposições integradas aos costumes sociais.

A questão da extinção de meia-entrada para idosos e estudantes já estaria equacionada com a decisão do governo de fazer valer a atual regra. Mas situações absurdas persistem, a começar pela extravagante ideia de que títulos como Copa do Mundo, Mundial de Futebol, Brasil 2014 só poderão ser usados sob licença da Fifa. Torcedor que decida enfeitar o boné com essas expressões poderá ser condenado à prisão ou multa. Se uma pessoa pintar o muro de sua casa com o mascote da Copa, será ameaçada de entrar em cana. Ou se comprar algo - ingresso, produto ou serviço - pela internet, por exemplo, não poderá ser ressarcido caso desista da aquisição. Comprou, pagou, levou, mesmo com o pacote deteriorado. Não há como deixar de observar que o bom senso passou longe da confecção do índex de vedações. Ao moldar a lei à sua vontade, a Fifa invade a seara da cultura popular, apropriando-se de sua linguagem, reescrevendo tradições e fazendo vista grossa ao Estatuto do Torcedor, ou seja, à Lei 10.671.

Não se discute o domínio sobre direitos de comercialização de produtos e serviços pela cadeia de vendas e difusão de imagens pela mídia. Inaceitável é a suspensão da legislação brasileira para atender a objetivos mercadológicos da organizadora, incluindo a revogação da proibição de bebida alcoólica em estádios e a venda exclusiva da marca patrocinadora do evento. O que poderá acontecer caso o Congresso decida conformar as regras ao gosto social? A realização da Copa em outro país seria inexequível, ante o apertado calendário de que se dispõe, pelo conflito que a decisão proporcionaria. Resta aplicar critérios plausíveis, justos e regrados pelo máximo de consenso entre as partes. Por último, deixar que a galera das gerais se manifeste livremente sobre a disputa, usando inclusive a verve ferina para reclamar que falta quase tudo para fazermos uma boa Copa, sobretudo uma boa seleção de futebol.

ORGULHO DE SER BRASILEIRO!

ORGULHO DE SER BRASILEIRO!


MARCO ANTONIO VILLA - República destroçada


República destroçada
MARCO ANTONIO VILLA
O Estado de S.Paulo - 30/10/11

Em 1899 um velho militante, desiludido com os rumos do regime, escreveu que a República não tinha sido proclamada naquele mesmo ano, mas somente anunciada. Dez anos depois continuava aguardando a materialização do seu sonho. Era um otimista. Mais de cem anos depois, o que temos é uma República em frangalhos, destroçada.

Constituições, códigos, leis, decretos, um emaranhado legal caótico. Mas nada consegue regular o bom funcionamento da democracia brasileira. Ética, moralidade, competência, eficiência, compromisso público simplesmente desapareceram. Temos um amontoado de políticos vorazes, saqueadores do erário. A impunidade acabou transformando alguns deles em referências morais, por mais estranho que pareça. Um conhecido político, símbolo da corrupção, do roubo de dinheiro público, do desvio de milhões e milhões de reais, chegou a comemorar recentemente, com muita pompa, o seu aniversário cercado pelas mais altas autoridades da República.

Vivemos uma época do vale-tudo. Desapareceram os homens públicos. Foram substituídos pelos políticos profissionais. Todos querem enriquecer a qualquer preço. E rapidamente. Não importam os meios. Garantidos pela impunidade, sabem que se forem apanhados têm sempre uma banca de advogados, regiamente pagos, para livrá-los de alguma condenação.

São anos marcados pela hipocrisia. Não há mais ideologia. Longe disso. A disputa política é pelo poder, que tudo pode e no qual nada é proibido. Pois os poderosos exercem o controle do Estado - controle no sentido mais amplo e autocrático possível. Feio não é violar a lei, mas perder uma eleição, estar distante do governo.

O Brasil de hoje é uma sociedade invertebrada. Amorfa, passiva, sem capacidade de reação, por mínima que seja. Não há mais distinção. O panorama político foi ficando cinzento, dificultando identificar as diferenças. Partidos, ações administrativas, programas partidários são meras fantasias, sem significados e facilmente substituíveis. O prazo de validade de uma aliança política, de um projeto de governo, é sempre muito curto. O aliado de hoje é facilmente transformado no adversário de amanhã, tudo porque o que os unia era meramente o espólio do poder.

Neste universo sombrio, somente os áulicos - e são tantos - é que podem estar satisfeitos. São os modernos bobos da corte. Devem sempre alegrar e divertir os poderosos, ser servis, educados e gentis. E não é de bom tom dizer que o rei está nu. Sobrevivem sempre elogiando e encontrando qualidades onde só há o vazio.

Mas a realidade acaba se impondo. Nenhum dos três Poderes consegue funcionar com um mínimo de eficiência. E republicanismo. Todos estão marcados pelo filhotismo, pela corrupção e incompetência. E nas três esferas: municipal, estadual e federal. O País conseguiu desmoralizar até novidades como as formas alternativas de trabalho social, as organizações não governamentais (ONGs). E mais: os Tribunais de Contas, que deveriam vigiar a aplicação do dinheiro público, são instrumentos de corrupção. E não faltam exemplos nos Estados, até mesmo nos mais importantes. A lista dos desmazelos é enorme e faltariam linhas e mais linhas para descrevê-los.

A política nacional tem a seriedade das chanchadas da Atlântida. Com a diferença de que ninguém tem o talento de um Oscarito ou de um Grande Otelo. Os nossos políticos, em sua maioria, são canastrões, representam mal, muito mal, o papel de estadistas. Seriam, no máximo, meros figurantes em Nem Sansão nem Dalila. Grande parte deles não tem ideias próprias. Porém se acham em alta conta.

Um deles anunciou, com muita antecedência, que faria um importante pronunciamento no Senado. Seria o seu primeiro discurso. Pelo apresentado, é bom que seja o último. Deu a entender que era uma espécie de Winston Churchill das montanhas. Não era, nunca foi. Estava mais para ator de comédia pastelão. Agora prometeu ficar em silêncio. Fez bem, é mais prudente. Como diziam os antigos, quem não tem nada a dizer deve ficar calado.

Resta rir. Quem acompanha pela televisão as sessões do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e as entrevistas dos membros do Poder Executivo sabe o que estou dizendo. O quadro é desolador. Alguns mal sabem falar. É difícil - muito difícil mesmo, sem exagero - entender do que estão tratando. Em certos momentos parecem fazer parte de alguma sociedade secreta, pois nós - pobres cidadãos - temos dificuldade de compreender algumas decisões. Mas não se esquecem do ritualismo. Se não há seriedade no trato dos assuntos públicos, eles tentam manter as aparências, mesmo que nada republicanas. O STF tem funcionários somente para colocar as capas nos ministros (são chamados de "capinhas") e outros para puxar a cadeira, nas sessões públicas, quando alguma excelência tem de se sentar para trabalhar.

Vivemos numa República bufa. A constatação não é feita com satisfação, muito pelo contrário. Basta ler o Estadão todo santo dia. As notícias são desesperadoras. A falta de compostura virou grife. Com o perdão da expressão, mas parece que quanto mais canalha, melhor. Os corruptos já não ficam envergonhados. Buscam até justificativa histórica para privilégios. O leitor deve se lembrar do símbolo maior da oligarquia nacional - e que exerce o domínio absoluto do seu Estado, uma verdadeira capitania familiar - proclamando aos quatro ventos seu "direito" de se deslocar em veículos aéreos mesmo em atividade privada.

Certa vez, Gregório de Matos Guerra iniciou um poema com o conhecido "Triste Bahia". Bem, como ninguém lê mais o Boca do Inferno, posso escrever (como se fosse meu): triste Brasil. Pouco depois, o grande poeta baiano continuou: "Pobre te vejo a ti". É a melhor síntese do nosso país.

MÔNICA BERGAMO - HABEMUS FÁBIO


HABEMUS FÁBIO
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 30/10/11

Padre Fábio rebate críticas do padre Marcelo e diz que o colega também não usa batina; ele votou em Dilma e acha que igreja faz 'voto de cabresto' ao discutir aborto só nas eleições

Uma mulher vestindo calça de ginástica entra na Catedral São Francisco de Chagas, em Taubaté (140 km de SP), com a missa das 8h já em andamento. Senta-se no primeiro banco e saca o celular. Aponta o aparelho para o altar. Não está interessada na arquitetura da igreja nem na estátua de cera do papa João Paulo 2º, entregue recentemente. Busca um clique do padre Fábio de Melo.

O sacerdote conduz a missa a poucos dias de começar a divulgação de seu 16º CD, "No Meu Interior Tem Deus", de música caipira e textos religiosos. "Fazia celebrações aqui três vezes por semana, mas tive que parar, porque era muita aglomeração", diz ele ao repórter Diógenes Campanha. Passou a marcar as missas sem avisar. "Mas o povo acaba sabendo. E elas ligam para avisar as outras, você viu?" Embora pertença à Diocese de Taubaté, ele não tem paróquia fixa.

"Pensaram que eu teria uma igreja só pra mim, um santuário. Mas não quero, iria virar lugar de peregrinação. Não posso ter igreja paralela." É uma clara referência a outro sacerdote cantor, e popstar: o padre Marcelo Rossi, que inaugura em dezembro o Santuário Mãe de Deus, em SP, com capacidade para 100 mil pessoas, e recebe caravanas de várias cidades.

Farpas entre os dois já voaram para lá e para cá. O padre Marcelo, por exemplo, critica o padre Fábio por trocar a batina por camisas de marcas famosas em aparições públicas. Em abril, disse em entrevista: "Já alertei o Fábio para que não deixasse de usar batina. E ele está usando, por acaso? Bem se vê que eu não tenho influência sobre ele". "Eu tive três contatos com o padre Marcelo, dois pessoalmente e um por telefone. E não lembro de, em nenhum momento, ter conversado sobre isso com ele." O assessor de imprensa da Sony, gravadora dos dois padres, cutuca o repórter e pergunta se "isso é o foco da matéria".

O padre Fábio prossegue: "Aquilo que ele usa não é uma batina também. É uma espécie de um hábito franciscano, embora ele seja um padre diocesano". As farpas continuam: "O maior padre comunicador da história do Brasil é o padre Zezinho, que nunca usou batina. É um homem que faz um trabalho sério e nunca foi menos padre porque não usa batina".

"Não somos amigos . Se eu precisar falar com ele [padre Marcelo], não sei como encontrá-lo. Nós dois trabalhamos com música, mas de forma diferente: eu componho, escrevo as minhas músicas. Faço questão de ter uma identidade musical." Já o padre Marcelo só interpreta. "Ele faz uma linha mais litúrgica, que canta nas missas e nas celebrações dele." O padre Marcelo não foi localizado para comentar.

Com uma veste de veludo preta e verde, com a inscrição "Filho do Céu", nome de uma de suas músicas, escrito na estola, o padre Fábio atende fiéis no fim da missa. "O senhor me tirou da macumba com uma palavra", diz uma senhora. Ela teve um derrame e pede que benza seu olho. "Tira [foto] com o anjo aqui", diz outra mulher. "Está vendo o que eu passo?", diz o padre. "Minhas velhinhas são muito táteis. Às vezes, o assédio é perigoso."

"Uma vez, em Maringá, tinha uma mulher parada na porta do meu quarto [no hotel]. Disse: 'Vem cá, eu gostaria de fazer uma massagem no senhor'". Ele diz que anda sempre com dois assessores para evitar tais surpresas. E evita ficar sozinho com um deles, "porque tudo pode gerar uma insinuação".

Ele tira a batina e veste camisa azul da Zara, calça e sapatos sociais pretos. Segue para a Fundação Dom José Antônio do Couto. Lá, adultos e crianças ajudam a restaurar as imagens do Museu de Arte Sacra de Taubaté. "Quis um projeto social simpático. A igreja não tem que continuar antipática à sociedade." Os santos do museu estão todos "de cabecinha tombada, triste. A religião deixou de falar do amor de Deus para falar de culpa. Você, um homem contemporâneo, não se identifica."

No almoço, pede badejo grelhado e penne integral com legumes. Procura álcool em gel na bolsa transpassada preta e cinza, para limpar as mãos. "Minha equipe sempre anda com um", diz. "Só faço isso quando vou comer. Se fizer a cada cumprimento, fico com síndrome de José Serra." A revista "Piauí", em 2009, descreve que Serra usa o produto sempre que cumprimenta estranhos e não tem como lavar as mãos.

Ao contrário do padre Marcelo, que esconde o voto, o padre Fábio revela que optou por Dilma Rousseff em 2010. "Se eu pudesse, colocaria a mulherada toda no poder." Um e-mail em que ele desejava boa sorte a Dilma no "dia histórico" da eleição foi divulgado quando um hacker invadiu a caixa postal dela. "Me correspondi com ela por um ano. Eu a atendi numa oportunidade na [comunidade católica] Canção Nova. Ficamos amigos."

Também foi na Canção Nova que conheceu o deputado Gabriel Chalita (PMDB-SP), para quem foi dar uma entrevista há alguns anos. "Tivemos uma identificação com algumas questões sobre o mundo. O Gabriel tornou-se, desde aquele momento, um amigo com quem converso sobre questões que normalmente não tenho a oportunidade de falar. Chamo isso de parentesco espiritual."

"Quando você tem uma amigo assim, diminui a sensação de solidão, de orfandade na vida. É aquela coisa de 'que bom, vou estar com meu amigo hoje'". Conta ter também "gratidão" por Chalita ter lido seu primeiro livro. "Ele me abriu muitas portas, em todas as editoras." Escreveram juntos dois volumes de "Cartas entre Amigos".

O padre critica o uso político do aborto por alguns setores da igreja, na campanha eleitoral. Panfletos contra Dilma foram distribuídos em celebrações, pregando que não se votasse nela por ter defendido a descriminalização da prática. "Naquele segundo turno, vivemos um momento delicado, em que questões importantes poderiam ter sido discutidas e não foram. Parecia, mais uma vez, uma imposição idiota: 'Não vote nela por causa disso'. Depois ninguém voltou a falar do assunto, porque era interesse de ocasião." Para ele, a igreja não pode discutir o tema só na eleição, "para não fazer voto de cabresto quando o povo tiver que decidir".

Ele se declara "radicalmente contra" o aborto, mesmo em caso de risco para a mãe ou violência sexual. "A vida está acontecendo. E mesmo que metade seja de um estuprador, metade é minha [da mulher]. Sou a guardiã dessa vida."

Já os homossexuais, afirma, são "mal interpretados" ao lutar pelo reconhecimento de sua união. "A necessidade de se falar sobre o casamento gay nasceu porque, após a morte de um dos cônjuges, a família, que nunca cuidou deles, quer ficar com aquilo que eles construíram juntos. Aí eu te pergunto: um conceito religioso pode cometer essa injustiça? Não." Ele é contra os gays se casarem na igreja. "E em nenhum momento nos pediram para fazer isso. Eles não estão reivindicando cerimônia religiosa."

FRASES
"Não somos amigos. Se eu precisar falar com ele [padre Marcelo] hoje, não sei como encontrá-lo"

"A igreja não tem que continuar antipática à sociedade"

"Era interesse de ocasião [a igreja usar o aborto na campanha]"