terça-feira, março 25, 2014

Novela exemplar - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 25/03

SÃO PAULO - Essa novela em torno da Petrobras é exemplar porque escancara os vários níveis em que o governo vem metendo os pés pelas mãos. Hoje, eu não hesitaria em classificar a administração Dilma Rousseff como muito ruim.

Na camada mais superficial, a direção da empresa petrolífera (que é basicamente escolhida pelo governo) fez um péssimo negócio ao adquirir, em 2006, a refinaria em Pasadena, sob as cláusulas draconianas daquele contrato. Até aí --e supondo que não haja nenhuma negociata na história--, teríamos apenas um erro, algo indesejável, mas que faz parte da vida. Mesmo as melhores gestões de vez em quando erram.

A situação vai ficando mais complicada para a atual ocupante do Planalto quando ampliamos o leque da análise, de modo a abarcar a interface entre as estatais e a macroeconomia. É neste ponto que parece faltar ao governo até aquela coerência interna que alguns chamam de lógica.

Poderíamos debater até o fim dos tempos se é papel do Estado atuar na economia através de empresas estatais. Mesmo que eu não goste muito disso, Dilma e o PT defendem o Estado gestor e essa proposta foi legitimamente aprovada nas urnas.

Outro assunto controverso é a ideia, defendida por alguns economistas desenvolvimentistas, de que a inflação não é tão perigosa assim. Valeria a pena, para melhorar as perspectivas de crescimento, tolerar um pouquinho mais de inflação. Essa também parece ser uma tese desposada pela atual gestão, ainda que não o admita abertamente.

O problema surge quando você junta tudo. Se o Planalto quer estatais fortes, não faz sentido obrigar a Petrobras a vender combustível abaixo de seu preço de custo. A incoerência se torna loucura quando se considera que o governo vem praticando uma política que quase mata a petroleira para segurar na unha os índices de inflação --algo que nunca foi uma prioridade desta gestão.

Caso sério - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 25/03

A ideia de usar a Petrobrás para fins políticos já podia ser identificada claramente no primeiro grande encontro do PT logo após a eleição de Luiz Inácio da Silva, no Hotel Nacional, em São Paulo. Nos bastidores travava-se uma batalha pela presidência da empresa e os interessados comentavam o quanto o posto lhes seria útil para os planos futuros de eleições a governos de Estados.

A falta de cerimônia naqueles comentários soava a bravata à época. Hoje fazem todo sentido, como um indicativo da ação premeditada agora exposta sem a menor sombra de dúvida na série de fatos relatados sobre os prejuízos que o manejo político da empresa vem causando à Petrobrás.

A cada dia tomamos conhecimento de um pior que o outro. O último diz respeito à Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, um negócio já qualificado pela presidente da estatal, Graça Foster, como algo a não ser repetido. De acordo com documentos obtidos pelo Estado, a Petrobrás perdoou um "calote" da Venezuela e assumiu o investimento de cerca de US$ 20 bilhões. Em nome da amizade bolivariana, em detrimento dos acionistas.

Há, portanto, motivos de sobra para se investigar o que ocorre nas entranhas da Petrobrás. Apenas talvez a comissão parlamentar de inquérito proposta pela oposição não seja o instrumento mais eficaz frente aos dados da realidade.

O principal deles, a maioria governista no Congresso, que nesta hora não faltará ao Palácio do Planalto.

Seja motivada por razões de pressão ou por proteção sincera. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador José Serra podem não ter sido eleitoralmente espertos quando se postaram contrários à CPI, mas foram sensatos.

Ambos sabem como funcionam as coisas no Congresso. O governo, se não tiver condição de barrar, aceitará a comissão e fará dela um circo.

Seus integrantes procurarão ampliar ao máximo o leque das investigações, usarão a tribuna para lançar suspeições para todos os lados e ainda posarão de defensores da estatal procurando dar a impressão de que quem quer investigar pretende, na verdade, destruir a imagem da Petrobrás. O PT é exímio nesse tipo de inversão.

O episódio da CPI sobre os negócios do bicheiro Carlos Cachoeira está aí para demonstrar como uma investigação de mentirinha pode ser desmoralizante. Muito mais eficiente seria a oposição se postar com seriedade no acompanhamento e cobrança dos trabalhos do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público.

Faz menos barulho, mas pode produzir mais resultados concretos.

Mercado. Ainda que o PMDB mantenha a decisão de votar contra o projeto que regula a internet - o chamado Marco Civil - isso não significa que o partido vai virar as costas para o governo na tentativa da oposição de criar a CPI da Petrobrás.

Até porque há muitos interesses envolvidos. Do loteamento, o PMDB também participou. E a questão não são apenas os cargos ocupados e negócios feitos no passado.

A diretoria vaga na BR Distribuidora com o afastamento de Nestor Cerveró, por exemplo, está no radar do PMDB do Senado.

Tucanice. Tem gente na oposição que defende um recuo nos ataques a Dilma. Justamente para evitar uma eventual troca de candidato. Essa corrente é adepta do lema ruim com ela, muito pior sem ela na disputa de outubro.

O dito certo. O Instituto Lula desmentiu que o ex-presidente tenha dito que a presidente Dilma Rousseff deu "um tiro no pé" ao dizer que aprovara a compra da refinaria nos EUA baseada em relatório "técnica e juridicamente falho".

De fato, não foi essa a frase. A expressão usada por Lula foi "tiro na cabeça".

Estranhas transações - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 25/03

Dilma tem a chance de iluminar obscuros negócios na Petrobras. A omissão significa riscos, como o de assistir à ‘delação premiada’ de escândalos na luta pela reeleição



A Petrobras amplia seu espaço no noticiário policial. Nas próximas horas o Ministério Público decide se pede a prisão preventiva do ex-diretor da empresa Paulo Roberto Costa. Ele foi detido em casa, quinta-feira passada, sob acusações de lavagem de dinheiro. A prisão preventiva (mínimo de 30 dias) costuma ser usada para induzir à colaboração no inquérito.

Costa foi diretor de Abastecimento da estatal durante oito anos. Chegou à diretoria em 2004 na esteira dos acordos de Lula e José Dirceu com líderes de partidos aliados, que resultaram no mensalão. Foi apadrinhado por José Janene, então líder do PP na Câmara, que recebeu US$ 2 milhões, via corretoras como a Bônus-Banval, operada por Enivaldo Quadrado, condenado no mensalão, em ligação com o doleiro paranaense Alberto Yussef.

Janene morreu em 2010, antes do julgamento, com o mandato de deputado que a Câmara se recusou a cassar. Com o desgaste do padrinho, Costa passou à órbita de um consórcio integrado por frações de PR, PT e PMDB.

Dilma Rousseff e Graça Foster, presidente da estatal, gastaram dois anos em negociações — com o PT e o PMDB — para demitir Costa e os diretores Renato Duque, de serviços de engenharia, e Jorge Zelada, da área internacional.

Duque era o mais antigo do trio na diretoria. Assumiu em 2003 sob o patrocínio de José Dirceu, chefe da Casa Civil. Dirceu passou um mês (de 1º de janeiro a 2 de fevereiro) no Conselho de Administração da Petrobras. Saiu ao perceber riscos no acúmulo dessa posição com o mandato de deputado federal. Duque permaneceu, com a credencial de militante do PT, via núcleo Novo Brasil.

Jorge Zelada ascendeu à área internacional em 2008, no lugar de Nestor Cerveró indicado por PT e PMDB. Lula e o então presidente da estatal, José Gabrielli, negociaram a troca de guarda com núcleos do PMDB do Rio e de Minas Gerais. Desde a demissão de Zelada em 2012, a função é acumulada por Graça Foster, presidente da empresa. Cerveró foi levado ao caixa da BR Distribuidora, e expurgado na semana passada.

Sob Cerveró e Zelada e Gabrielli, o conselho da Petrobras presidido por Dilma sancionou a compra com prejuízos da refinaria de Pasadena (Texas) e negociou ativos na Argentina com um dos financistas da família Kirchner, Cristóbal López, concessionário de cassinos.

A transação teria sido intermediada no Brasil à taxa de 20%. O “destravamento” do negócio custou US$ 10 milhões a López, como divulgou o repórter Hugo Alconada Mon no “La Nación”, de Buenos Aires, em agosto do ano passado. Na mesma época, um ex-funcionário da Petrobras, João Augusto Rezende Henriques, contou ao repórter Diego Escosteguy, da revista “Época”, que não havia negócio internacional sem pagamento de “pedágio”, com 60% a 70% do dinheiro “repassado ao PMDB”.

Dilma enfrenta críticas do PT pela tentativa de “limpeza” na Petrobras — “disciplina na utilização dos recursos financeiros da companhia”, como definiu Graça Foster.

Ela tem a chance de iluminar obscuros negócios realizados na estatal. O detergente institucional é sempre o melhor remédio. A omissão significa assumir riscos, como o de assistir à “delação premiada” de escândalos em plena luta pela reeleição.

Maioria em teste - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 25/03

Em tempos normais, em que o governo poderia esperar o apoio do PMDB para impedir a convocação da CPMI sobre a Petrobras, dificilmente a oposição teria êxito na empreitada. Mas a chamada maioria defensiva no Congresso pode não funcionar se o mal-estar entre a base aliada e o governo não for desfeito.

Desde 2006, quando houve a possibilidade real de a oposição pedir o impeachment do então presidente Lula diante das revelações sobre o caso do mensalão, a preocupação do Palácio do Planalto em gestões petistas foi montar uma base aliada a mais ampla possível, que blindasse, primeiro, Lula e, depois, Dilma de alguma ação mais agressiva da oposição, especialmente a convocação de CPIs ou de ministros para prestar esclarecimentos sobre suas áreas.

Não é à toa que vários ministros terão que desfilar pelo Congresso nos próximos dias, pois foram convocados pela oposição com o apoio da dissidência do PMDB. Agora mesmo o líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha, está ajudando a oposição a recolher assinaturas para a criação de uma CPMI. É um gesto de ataque ao governo, que pode ser desfeito a qualquer momento se houver um acordo entre o Planalto e a base em convulsão.

Mas pode, a qualquer gesto descuidado do governo, provocar um estrago de grandes proporções. Já é tradicional no meio político a avaliação de que se sabe como começa uma CPI, mas não se sabe como ela acaba. O governo teve uma prova disso recentemente, quando usou sua maioria para convocar a CPI do bicheiro Carlinhos Cachoeira com a intenção de envolver oposicionistas e jornalistas, e acabou tendo que desistir dela sem qualquer resultado concreto, pois sobraram acusações para todos os lados e foi impossível manipular a Comissão.

Com ou sem CPI - que o ex-presidente Fernando Henrique acha que deve ser uma comissão mista da Câmara e do Senado, uma CPMI -, a Petrobras já entrou na lista dos temas inevitáveis na campanha eleitoral, e desta vez contra o PT.

O partido que está no governo há quase 12 anos usou e abusou das estatais, especialmente a Petrobrás, para atacar a oposição nas campanhas eleitorais desde 2002, com bastante êxito. Fosse porque o PSDB não estivesse convencido de sua política de privatizações ou porque imaginava que ela não era popular ao final de oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso, o fato é que os tucanos, nas campanhas de José Serra (duas vezes) e Geraldo Alckmin cometeram o erro político de tentar esconder o único político do partido que chegara ao poder pelo voto popular e não quiseram defender as privatizações como política acertada do Estado brasileiro.

O próprio marqueteiro do PT, João Santana, em entrevista depois das eleições, disse que se espantara como o candidato tucano não conseguira defender a privatização do sistema telefônico, que fora um sucesso. O PT utilizou um nacionalismo extemporâneo, mas ainda muito forte na imaginação popular, para demonizar as privatizações, mas perdeu seu discurso diante da realidade atual.

Hoje, além de ter tido que adotar o sistema de privatizações, vê-se o governo às voltas com um fracasso de administração da Petrobras que torna inviável o discurso utilizado anteriormente. O suposto perigo que o PSDB representava para a maior estatal brasileira, com o risco até mesmo de vendê-la - uma acusação infundada que teve muita repercussão no eleitorado -, é anulado pela realidade desastrosa da gestão petista à frente da área de energia brasileira, em especial na Petrobras.

A mistura de má gestão com corrupção fez com que as principais empresas brasileiras perdessem metade de seu valor na Bolsa, justamente na área supervisionada pela presidente Dilma desde quando era chefe da Casa Civil do presidente Lula. O rebaixamento da nota do Brasil pela S&P só faz confirmar a percepção negativa que o mercado internacional tem do país no momento.

A suposta capacidade de gestão, responsável por sua indicação a candidata à Presidência da República em 2010, hoje é o calcanhar de aquiles de Dilma na corrida pela reeleição.

Boias para Dilma - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 25/03

BRASÍLIA - O escândalo da refinaria de Pasadena parece em banho--maria, mas pode apostar que vem mais coisa e convém ficar atento, ou atenta, a Nestor Cerveró, demitido oito anos depois de um parecer "falho", seis depois da descobertas das "falhas" e alguns depois de parar na diretoria financeira da BR Distribuidora.

Os erros de Cerveró são mesmo de Cerveró, ou ele estava a serviço de alguém, cumprindo ordens superiores?

Além disso, o que se discute não é só Pasadena, mas o conjunto da obra na Petrobras: a politização dos preços da gasolina, a perda de metade do valor de mercado, o aparelhamento, a sindicalização e a história de propina de uma firma holandesa.

Toda a energia do governo e dos governistas é usada para jogar os homens da Petrobras ao mar e concentrar todas as boias para salvar a presidente e candidata Dilma.

Mas... Dilma era chefe da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobras quando este autorizou um negócio que, segundo ela própria agora, "seguramente" não deveria ser feito. Ninguém questiona a honradez de Dilma, mas e a competência, onde ficou?

Mas... o tal Cerveró não só nunca tinha sido punido como ganhou o cargo na poderosa BR e só saiu de lá na sexta passada.

Mas... se até o Planalto e Lula admitem que a nota de Dilma sobre Pasadena foi um erro, como transformar esse erro num grande acerto?

E o melhor de tudo é Dilma admitir que os outros erraram, o relatório era falho e a compra não deveria ter sido feita, enquanto a Petrobras e alguns ex-diretores insistem que, "naquele momento", era um grande negócio.

Grande negócio para quem, caras pálidas? Só se foi para a empresa que comprou Pasadena por US$ 42,5 milhões e vendeu por US$ 1,18 bilhão para um otário. Ou seria, ao contrário, para um espertalhão?

Cerveró, conta essa história, vai! E com todos os detalhes picantes!

O valor dos serviços - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 25/03

O governo Dilma não esconde sua perplexidade com o pouco conhecimento de que dispõe sobre o setor que mais cresce e mais emprega na economia, o de serviços.

Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, por exemplo, o IBGE, encarregado das Contas Nacionais, não calcula corretamente nem o tamanho do setor nem sua evolução. Para ele, os dados do PIB são subdimensionados.

Na entrevista publicada domingo no Estadão, Marcio Porchmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e atual presidente da Fundação Perseu Abramo, reconhece que é pobre o conhecimento que o governo tem do setor de serviços, responsável por 70% do emprego e por 69% do PIB do Brasil. (A Fundação Perseu Abramo é a entidade do PT que se dedica a análises e propostas de políticas públicas.)

Não só o PT e o governo Dilma têm uma visão distorcida do setor. Em geral, os economistas do Brasil o avaliam mal e mostram-se incapazes de considerar esse desconhecimento nas formulações de política econômica. O fenômeno é suprapartidário e extravasa o governo.

Quando o assunto é emprego, a primeira preocupação do governo é com a indústria. Se o assunto é a baixa competitividade do setor produtivo, só pensa na indústria; avanço econômico insuficiente também é com a indústria; incorporação de tecnologia e agregação de valor, outra vez, a indústria. E, se algo não vai bem com as montadoras, é porque a política industrial não foi eficaz e tal.

Em outras palavras, nossos formuladores de política econômica se comportam como se o objetivo estratégico da economia ainda fosse batalhar para substituir importações de manufaturados.

Desconhecem o fato de que a maior agregação de valores e preços é produzida pela mineração e pelo agronegócio. Um punhado de cassiterita enterrado no chão corresponde a uma fração do valor do produto já minerado. Uma saca de sementes selecionadas de milho produz algumas toneladas do produto.

Hoje, pode haver mais tecnologia de ponta numa porção de soja do que em uma tonelada de aço. O mesmo pode-se dizer de subsetores dos serviços, como a informática, a logística, a atividade bancária, os serviços de comunicação que demandam satélites, criptologia avançada e tanta coisa mais. Até mesmo táxis comuns trabalham com GPS e aplicativos de celular que aumentam sua produtividade e economizam gasolina.

Outro mito que permeia as decisões de política econômica é o de que os melhores empregos são gerados pela indústria. Ainda há excelentes empregos no setor industrial. Mas, o pouco-caso com que se trata o setor que mais emprega e que mais cria empregos no Brasil é tanto o resultado de visões de distorcidas como, também, produtor de novas distorções. O governo está sempre pronto, por exemplo, a dar benefícios fiscais e creditícios à indústria, a título de defesa do emprego, mas esquece do setor de serviços.

E quando se trata de produtividade, não só o governo ignora os avanços nos serviços propiciados pela Tecnologia da Informação, mas pouco sabe sobre como multiplicar tais efeitos em benefício do emprego e do progresso econômico.

A pior traição de Dilma - JOSÉ ELI VEIGA

 VALOR ECONÔMICO -25/03

As barbeiragens de Dilma na presidência do Conselho da Petrobras são fichinhas se comparadas às cometidas na Presidência da República. Quem nela votou em 2010, mesmo que apenas no segundo turno, precisa revisitar (ou ler) quais foram os compromissos que apresentou no programa intitulado Para o Brasil seguir mudando .

Em grande maioria foram compromissos não honrados, conforme exposto aqui em 30/09/13. Nada se compara, entretanto, à meridiana clareza e à gravidade destas afirmações: será dada ênfase à produção de energia renovável , seguirão privilegiadas as fontes renováveis de energia .

Ocorreu o contrário, e com isso o Brasil contrariou as históricas decisões do G-20 em Pittsburgh (2009) e Los Cabos (2012), entrando no clube das nações já viciadas em subsidiar o uso de energias fósseis.

Ao discriminar contra as energias renováveis em favor das fósseis, o governo Dilma alavancou as emissões de gases de efeito estufa, aumentando brutalmente a carbonização da economia brasileira (sua intensidade-carbono ), na contramão do desenvolvimento sustentável.

Em tão privilegiadas condições naturais, como são as brasileiras, esse retrocesso é crime de lesa-humanidade, mesmo que ainda não esteja assim tipificado no Estatuto de Roma, ou em sentenças de tribunais penais internacionais.

O prejuízo para as próximas gerações será bem maior que os US$ 100 bilhões de perdas de valor de mercado impostas à Petrobras e à Eletrobras, mais os R$ 63 bilhões emprestados aos consumidores e contribuintes para só serem cobrados após o estelionato eleitoral de 2014, e mais os atuais riscos de racionamento de eletricidade e de blackouts que poderão advir do prolongado uso sem manutenção das térmicas.

Tudo umbilicalmente ligado ao estímulo às montadoras para que deixem de inovar na direção de combustíveis mais limpos e ao aumento dos deslocamentos individuais em vez dos coletivos, o que só agrava a falta de mobilidade em aglomerações metropolitanas. Gênese, aliás, das manifestações de junho de 2013.

Para o interesse nacional, contudo, bem pior do que tudo isso junto é o estrago causado à cadeia do etanol, porque esse foi um dos raros casos em que o Brasil estava conseguindo transformar vantagens comparativas em vantagens competitivas justamente no atual âmago da sustentabilidade: a descarbonização.

Quando se compara as cotações internacionais da gasolina (no Golfo do México, por exemplo.) a seus preços líquidos mensais nas refinarias brasileiras, é fácil perceber que no triênio 2011-2013, as defasagens anuais variaram entre R$ 0,14 e R$ 0,24 por litro, em crescentes déficits que subiram de R$ 3,3 bilhões em 2011 para R$ 6,5 bilhões em 2013, totalizando um rombo de R$ 16 bilhões nos três primeiros anos do governo Dilma.

Comparados os preços da gasolina que o Brasil andou importando no triênio aos preços líquidos nas refinarias, os déficits médios anuais impostos pela orientação dilmista variaram de R$ 0,21 a R$ 0,33 por litro, gerando prejuízo total R$ 2,4 bilhões. Só nos dois primeiros meses deste ano, um déficit por litro de R$ 0,28 acrescentou mais R$ 117 milhões à tão estapafúrdia liquidação de energia fóssil, enquanto a cultura da sustentabilidade recomenda o inverso.

À tão absurda política de preços foi juntada uma política tributária altamente favorável aos combustíveis fósseis, em detrimento dos renováveis, e particularmente do etanol. Primeiro, o governo Dilma promoveu brutal redução da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), para depois - em ato extremista de junho de 2012 - chegar a zerá-la, visando manter artificialmente estável o preço da gasolina. Com tamanha radicalização de sua orientação fóssil, Dilma enfiou mais uma bagatela de R$ 18,5 bilhões nesse delirante saco sem fundo.

É claro que a competitividade da cadeia produtiva do etanol foi severamente comprometida por tais políticas de preços e tributos. Quarenta usinas fecharam as portas e há mais uma dúzia sob a ameaça de ter de fazer o mesmo. Foram assim suprimidos dezenas de milhares de postos de trabalho e estão ameaçados outros milhares. Empresas de bens de capital fornecedoras do setor de etanol enfrentam fortes quedas de faturamento, com perda de outras dezenas de milhares de empregos. Já nem existe em carteira um único pedido de nova usina.

Mas, atenção, isso ainda não é tudo. A política dilmista anti-etanol compromete também outra promissora atividade da mesma cadeia que poderia estar reduzindo o desastroso abuso com termelétricas. A bioeletricidade da cana chegou a ser a terceira fonte de geração da matriz elétrica brasileira, com 7% da capacidade instalada. Das quase quatrocentas usinas sucroenergéticas, 170 chegaram a exportar bioeletricidade para a rede.

Moral da história: com planejamento energético minimamente democrático o Brasil certamente teria cumprido o citado compromisso de 2010, em vez do avesso legado pelo governo Dilma.

Sumiço do Brasil e Itamaraty marginalizado - RUBENS BARBOSA

O Estado de S.Paulo - 25/03

Ao contrário da política externa "ativa e altiva" nos oito anos de Lula, o atual governo retraiu-se e evita tratar questões relevantes que o Brasil, pelo seu peso no cenário externo, não pode ignorar.

Nas votações nas Nações Unidas, além do voto afirmativo, do negativo e da abstenção, os diplomatas, sempre criativos, inventaram outra forma de permitir que os países evitem ter de se manifestar em importantes votações, mesmo estando presentes nos debates e na própria reunião decisória: a "não participação".

Recolhi alguns episódios de domínio público - haverá (muitos) outros que não foram tornados públicos - em que fica evidenciada a decisão de não participação brasileira. Na maioria dos casos, o Brasil - contrariando a opinião do Itamaraty - é levado a omitir-se por motivos diversos, inclusive ideológicos ou partidários.

A decisão de não enviar o ministro do Exterior a reunião sobre a Síria em Genebra. O Brasil - muito bem representado pelo secretário-geral, Eduardo dos Santos - foi incluído no encontro, restrito a um grupo limitado de países, a pedido da Rússia, que, juntamente com os EUA, o convocou para tentar discutir uma solução negociada para a crise militar que matou mais de 120 mil pessoas.

A ausência do Brasil na Conferência anual de Segurança realizada em Munique, fórum conhecido pela oportunidade que oferece para conversas informais sobre as crises internacionais e as negociações em curso entre diplomatas e ministros da Defesa de todo o mundo. Entre os participantes estavam o mediador da ONU na Síria, os ministros do Exterior da Rússia e do Japão e os secretários de Estado e de Defesa dos EUA.

A omissão do governo brasileiro no tocante ao asilo de senador boliviano. Depois de concedido o asilo pela Embaixada em La Paz, nada foi feito para que o salvo-conduto fosse concedido por Evo Morales, conforme previsto nos tratados regionais.

O silêncio do governo do Brasil, escondido atrás da posição do Mercosul e da Unasul, favorável ao governo de Nicolás Maduro, apesar do agravamento da atual crise política na Venezuela, com clara violação da cláusula democrática e dos direitos humanos.

A ausência do governo em relação aos acontecimentos na Crimeia.

A ausência do Brasil na negociação e na participação do Acordo sobre Serviços da Organização Mundial do Comércio (OMC), apesar de atualmente, na composição do produto interno bruto (PIB) brasileiro, o setor de serviços representar quase 60%.

A ausência do Brasil nas discussões sobre o impacto das negociações de acordos regionais e bilaterais de última geração negociados fora da OMC.

A ausência de uma posição firme do Brasil no tocante à convocação da reunião presidencial do Conselho do Mercosul. Pela primeira vez em 20 anos o conselho deixou de se reunir no semestre passado e até hoje não existe data para o encontro, que deveria discutir, entre outros temas, as negociações comerciais Mercosul-União Europeia.

A ausência de liderança do Brasil no processo de integração sul-americana e de revitalização do Mercosul.

Os episódios recentes envolvendo reuniões para discutir as restrições comerciais na Argentina e a situação política na Venezuela, em que a Presidência da República assumiu a condução do processo, deixando a Chancelaria à margem.

Esses fatos afetam a credibilidade do Brasil e repercutem sobre a percepção externa acerca da atuação do nosso país.

Ao lado do sumiço do Brasil, cresce a marginalização do Itamaraty, sobretudo no tratamento dos assuntos relacionados com os países vizinhos da América do Sul. Exemplo disso foi o afastamento da Chancelaria quando, por motivações ideológicas, a Presidência interferiu na decisão de suspender o Paraguai do Mercosul e na maneira como foi decidido o ingresso da Venezuela no bloco.

Nunca antes na História deste país a Presidência influiu tanto nas questões de competência do Itamaraty de analisar e recomendar cursos de ação para que a presidente possa tomar as decisões. Não são segredo o descaso com que o Itamaraty tem sido tratado nos últimos anos, até mesmo na questão orçamentária, e a pouca importância que tem sido dada às posturas tradicionais recomendadas pela Chancelaria para problemas que afetam diretamente o que seria, de fato, do interesse do Brasil.

Como já assinalei nesta página (Instituição em perigo, 10/9/2013), em razão de interferências indevidas em seu trabalho analítico e em seus processos decisórios, o Itamaraty deixou de ser o principal formulador e coordenador das propostas e temas que têm como finalidade a projeção internacional do País.

A execução de políticas seguindo uma plataforma partidária certamente não estaria agradando ao velho Barão do Rio Branco, que ensinou que "a pasta das Relações Exteriores não é e não deve ser uma pasta de política interna". O Itamaraty não deve servir a um partido político, mas ao Brasil.

Surge agora outra perigosa novidade promovida pelo PT: a Presidência da República quer criar o Conselho Nacional de Política Externa, presidido pelo secretário-geral da Presidência, pelo assessor de Assuntos Internacionais e pelo ministro do Exterior. Discute-se se seria um órgão consultivo ou se teria competência para interferir na formulação e na execução da política externa. Caso criado - esteve a ponto de sê-lo ainda com o ex-ministro Antonio Patriota -, o conselho completaria o processo de esvaziamento do Itamaraty, apesar de representar uma flagrante violação do artigo 87, I, da Constituição, que dá atribuição exclusiva ao Ministério das Relações Exteriores para coordenar os órgãos da administração pública federal em sua área de competência.

Chegou a hora de restaurar o prestígio do Itamaraty e recuperar sua centralidade no processo decisório interno para a execução de uma política de Estado, tendo como único objetivo a defesa do interesse nacional.

Peso do rebaixamento - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 25/03

Não foi surpresa a decisão da Standard & Poor´s de rebaixar o Brasil. O governo ignorou todos os alertas e insistiu em manobras para manipular as contas públicas, em vez de corrigi-las. O efeito concreto será tornar mais caro o crédito para o país e mais ariscos os investidores. O fato de continuar sendo grau de investimento não alivia: o país será visto como tendo sido rebaixado.

O governo teve 291 dias para evitar o rebaixamento. Foi em 6 de junho do ano passado que a classificação de risco do Brasil foi colocada em perspectiva negativa pela S&P. De lá para cá, o governo criticou os críticos e não mudou. No fechamento das contas do ano passado, várias pequenas manobras foram feitas, como a de postergar repasses.

A crise de energia virou uma bomba fiscal e o pacote mostrou como o governo permanece com o mesmo vício: o de fazer contorcionismos. Desta vez, o truque foi empurrar a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) para se endividar e resgatar as empresas, que estão com problemas pela decisão de reduzir o preço de energia quando o custo subia. Tudo foi tirando a qualidade dos indicadores fiscais e a credibilidade na gestão da política econômica. Justamente na semana passada, os economistas da S&P estavam aqui. Puderam ver ao vivo os remendos fiscais brasileiros.

As projeções para a inflação pioraram; já se prevê o estouro do teto da meta este ano; as projeções de crescimento são fracas; e o déficit externo aumentou e atingiu US$ 19 bilhões nos dois primeiros meses de 2014. Não é um quadro de crise, mas a conjuntura não está boa para o momento em que há uma mudança na direção do fluxo de capitais no mundo. O rebaixamento agora é um agravante.

Está em curso um movimento de fuga do capital em busca de segurança. Os Estados Unidos estão crescendo, reduzindo estímulos monetários e com juros futuros aumentando. Há uma perturbação geopolítica no mundo com a anexação da Crimeia pela Rússia. O melhor era passar por essa situação com inflação baixa, crescimento maior e contas em equilíbrio. E o Brasil vai atravessar com dados ruins e duvidosos e o rebaixamento da sua avaliação de crédito.

Ontem, o Banco Central aumentou para US$ 80 bilhões a previsão do déficit externo para 2014. O Investimento Estrangeiro Direto (IED) já não cobre o nosso déficit há um ano, mostrando que essa mudança não é apenas conjuntural: veio para ficar. Em fevereiro, foi de US$ 4,1 bilhões o IED para um déficit de US$ 7,3 bilhões.

O país tem um volume grande de reservas cambiais, de US$ 371 bilhões, e é credor líquido. Situação bem diferente da que já viveu no passado. Mas o rebaixamento é um retrocesso. Depois de anos fazendo um lento caminho que o levou ao nível BBB, o país ontem teve que descer um degrau, para BBB-. O mais importante não é a nota em si, mas a inversão do movimento gradual de melhora.

A balança comercial, depois de anos no positivo, está no limite do negativo, no acumulado de 12 meses. O déficit está em US$ 6,2 bilhões do início do ano até a terceira semana de março. A principal causa da mudança é a importação de matérias-primas para o setor de energia: gasolina, óleo diesel, gás natural, petróleo. Parte disso é provocado pelo aumento de consumo de gasolina e energia, preços que têm sido subsidiados, com grande custo fiscal.

Na inflação, volta o risco de estouro do teto da meta, quando se achava que o Banco Central iria interromper o ciclo de alta dos juros. Algumas previsões são de que o IPCA vai passar de 6,5% ao fim do segundo trimestre; os cinco que mais acertam acham que o índice termina o ano acima do teto. De uma semana para a outra, a mediana das 100 instituições consultadas subiu de 6,11% para 6,28%. E isso sem qualquer melhoria do cenário de crescimento do PIB.

Adianta pouco lembrar que as agências erraram. Elas acumulam, sim, um histórico de erro. Mas quando promoveram o Brasil, o governo comemorou. É uma questão prática: elas têm impacto no custo das captações de governos, bancos e empresas dos países. Quando um governo é rebaixado, em seguida várias empresas e bancos também têm redução. E isso significa que essas empresas terão que pagar mais pelo financiamento externo.

Perguntas não respondidas sobre a Petrobras - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 25/03

O grave disso tudo é que se estabelece relação direta entre a farra de interferências políticas na estatal e perdas bilionárias em certos negócios


A aberração das cifras em torno da compra de uma refinaria em Pasadena, Texas, junto à empresa belga Astra, era conhecida. A história ganhou outra dimensão, e gigantesca, com a iniciativa da presidente Dilma Rousseff de redigir nota de próprio punho para explicar que aprovou a exótica operação, em 2006, quando estava à frente do conselho de administração da Petrobras, com base num sumário “técnica e juridicamente falho” feito pelo diretor da área internacional da empresa, Nestor Cerveró.A decisão da presidente ajudou a iluminar facetas obscuras do estilo de administração do ramo lulopetista que passou a controlar a estatal a partir de 2003. Uma delas, o apadrinhamento de políticos e partidos a diretores, mesmo em áreas técnicas.

O fato de Cerveró, embora sob críticas da então ministra-chefe da Casa Civil e futura indicada a suceder Lula no Planalto, sobreviver na estatal — foi transferido para a diretoria financeira BR Distribuidora, cargo também de confiança — se deve, vê-se hoje com clareza, ao fato de ter sido ungido pela dupla de senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Delcídio do Amaral (PT-MS), embora os dois procurem hoje apagar aquela indicação dos currículos.

Mas persistem pontos de interrogação sobre o intenso tráfico de influências na estatal. Preso pela Polícia Federal, numa investigação sobre lavagem pesada de dinheiro, o ex-diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa, é outro caso idêntico. Teria obtido a proteção do PMDB e PP. O grave disso tudo é que se estabelece relação direta entre a farra de interferências políticas na Petrobras e perdas bilionárias em certos negócios, com gritantes indícios de superfaturamento.

Presidente da estatal em boa parte daquele período, José Sérgio Gabrielli se apressou a fazer reparos a Dilma e explicar que uma das cláusulas do contrato de compra da refinaria que a presidente criticara, a put option, segundo a qual o sócio em divergência com o outro compra a parte deste, é usual no mercado. Mas como explicar o fato de uma refinaria comprada pelos belgas por US$ 42,5 milhões custar não muito depois US$ 1,2 bilhão, mesmo considerando a elevação do preço do petróleo no mercado internacional?

E parece haver uma sucessão de maus negócios fechados pela estatal naqueles tempos. Neste fim de semana, O GLOBO trouxe a história de outra compra nebulosa de refinaria, esta no Japão: a Petrobras pagou por ela, em 2008, US$ 71 milhões, já teria gastado US$ 200 milhões, e tenta repassá-la adiante. Mas a última oferta obtida foi de US$ 150 milhões. Importante: negócio fechado na gestão Gabrielli, com Cerveró e Paulo Roberto Costa na empresa.

Há indícios demais de práticas pouco sérias na administração da estatal de 2003 em diante para que não sejam investigadas com o devido rigor, em nome de um mínimo de ética na gestão pública.

O outro mico da Petrobrás - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 25/03

O ruinoso negócio da compra da refinaria de Pasadena em 2006, que sangrou a Petrobrás em mais de US$ 1,18 bilhão, surgiu, ao que tudo indica, de uma aposta errada - a suposição, varrida pela crise de 2008, de que o mercado mundial de derivados de petróleo continuaria a jorrar lucros espessos para seus fornecedores. A isso se juntou, como ficou escancarado na última semana, a precipitação da então presidente do Conselho de Administração da estatal, Dilma Rousseff, ao dar o sinal verde para a transação. Ela o fez, conforme sua confissão de próprio punho, apenas com base em um "resumo executivo" de três páginas incompletas.

O parecer não fazia referência a cláusulas cruciais do contrato da petroleira com a empresa belga Astra Oil, da qual adquiriu 50% da instalação, e que a obrigariam, ao cabo de uma batalha judicial nos Estados Unidos, a ficar com a outra metade, arcando ainda com os formidáveis custos do processo. Dilma afirma que só veio a conhecer os termos completos da parceria dois anos depois de aprová-la. Por fim, mas não menos importante, é possível, se não provável, que o valor exorbitante desembolsado pela Petrobrás para ficar com metade da destilaria - 8,5 vezes mais do que os belgas pagaram por ela toda um ano antes - tenha servido para acobertar crimes de superfaturamento e evasão de divisas. Daí as apurações em curso no Tribunal de Contas da União, na Polícia Federal e no Ministério Público.

Faz-se esse retrospecto para sustentar que o escândalo de Pasadena tem um concorrente de vulto em território nacional - a sociedade entre a Petrobrás e a Petróleos de Venezuela (PDVSA) para a construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, cuja pedra fundamental foi lançada em dezembro de 2005 pelo então presidente Lula e o caudilho de Caracas Hugo Chávez. Pelo "acordo de camaradas", como a joint venture é ironicamente chamada na estatal, ela ficaria com 60% do empreendimento, e a venezuelana, com os restantes 40%. Nesse negócio não houve o erro estratégico que levou ao prejuízo de Pasadena, as autoridades brasileiras não ficaram no escuro em relação a cláusulas eventualmente lesivas à Petrobrás nem tampouco teriam sido cometidos crimes contra o seu acionista majoritário: o Estado.

Foi pior. A parceria com a PDVSA, em termos desvantajosos para o País, é o fruto podre das afinidades ideológicas de Lula com o "socialismo do século 21" do autocrata Chávez, de um lado, e, de outro, da néscia intenção de mostrar altivez perante os Estados Unidos. A política bolivariana do governo petista se inscrevia, por sua vez, na anacrônica diplomacia terceiro-mundista adotada por seu titular, que nada trouxe ao País, salvo desmoralização.

Uma das facilidades concedidas à Venezuela foi a de onerar a Petrobrás com as parcelas que Caracas deveria desembolsar para tocar a obra, se assim preferisse. Mais adiante - depois da assinatura do contrato definitivo com a PDVSA - a dívida seria paga com os juros e encargos, podendo a empresa brasileira recebê-la em ações da associada, a preços de mercado. Só que - assombrosamente - esse contrato nunca foi assinado.

A PDVSA nem precisou refutar a sua condição de devedora. Em documento oficial, saiu-se com uma variante do "devo, não nego…". Os valores, afirmou, "deveriam ser contabilizados na data da assinatura do acordo de acionistas" - que ficou para as calendas. Em outubro do ano passado, revelou ontem o Estado, a Petrobrás se resignou ao calote chavista. A essa altura, a estatal já tinha investido na planta US$ 18 bilhões, ou sete vezes mais do que a estimativa inicial. Serão oito vezes quando, como parece certo, o valor definitivo bater nos US$ 20 bilhões. A verdade é que Chávez enrolou Lula com a história de que a Venezuela precisava de infraestrutura para refinar o seu óleo a ser vendido na América do Sul, mas não tinha como construí-la com seus próprios meios. A parceria com a Petrobrás seria boa também para a economia e o prestígio brasileiros. Depois, Chávez enrolou Dilma. Em dezembro de 2011, prometeu-lhe resolver de vez o problema. Claro que não pretendia resolver coisa alguma - e a Petrobrás de novo ficou com o mico.

Autoritarismo Maduro - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 25/03
A escalada autoritária do governo Nicolás Maduro galgou mais um degrau nos últimos dias.
Ontem, o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela anunciou que a deputada oposicionista María Corina Machado, a mais votada do país, perdeu seu mandato por aceitar o posto de representante suplente do Panamá durante reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A justificativa foi uma camada de verniz técnico sobre a evidente manobra política, cujo propósito é retirar da deputada sua imunidade parlamentar --o primeiro passo no caminho para a sua detenção.

Na semana passada, dois prefeitos da oposição já haviam sido encarcerados, sob a alegação de que incentivavam um golpe no país.

Daniel Ceballos, prefeito de San Cristóbal, viu-se detido durante encontro com colegas oposicionistas. Com uma hora de diferença, o prefeito Enzo Scarano, de San Diego, foi condenado a dez meses de prisão pelo Tribunal Supremo de Justiça, órgão reduzido a despachante das decisões do Executivo.

Ambos estão na prisão militar de Ramo Verde, onde também se encontra o líder opositor Leopoldo López, ali encarcerado desde o dia 18 de fevereiro. Tais medidas assemelham-se às práticas correntes em regimes ditatoriais.

Os três políticos, sem dúvida, incentivavam os protestos recentes, que já deixaram um triste saldo de ao menos 34 mortos. Daí a afirmar, como faz Maduro, que planejavam um golpe de Estado vai uma distância que só deveria ser percorrida com provas consistentes --mas estas o governo não apresenta.

Também o campo econômico e social venezuelano está repleto de tensões. O país convive com elevado índice de homicídios, frequentes apagões, crise cambial e alta inflação. Tal é a escassez de produtos básicos que o governo pretende proibir que as pessoas comprem alimentos com frequência diária.

É nesse cenário que os 11 chanceleres sul-americanos chegam a Caracas, onde devem se reunir com Nicolás Maduro, a Assembleia e governadores. Trata-se de grande prova de fogo para a diplomacia brasileira, até aqui silente diante de abusos reconhecidos até por autoridades ligadas ao chavismo.

O papel da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) é o de ajudar a Venezuela a conciliar suas duas metades, e não chancelar um regime inegavelmente autoritário.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Por enquanto, não”
Ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo, sobre eventual candidatura


CÂMARA IGNORA SUSPENSÃO DE AMIGO DO CACHOEIRA

O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB-RN), defende a valorização do Parlamento, mas sentou em cima do pedido do Conselho de Ética para suspender por 90 dias o mandato de Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO), amigo do bicheiro Carlinhos Cachoeira. A decisão foi tomada em setembro e aguarda há sete meses na gaveta do presidente para ser colocado em votação no Plenário.

CORPORATIVISMO

O deputado Leréia, que chegou a receber a senha do cartão de crédito de Cachoeira, pode chegar ao fim do mandato sem cumprir a punição.

RODA MOINHO

A suspensão de Leréia, decidida por 13 votos contra 3 no Conselho de Ética, se confirmada, seria o primeiro caso na Câmara desde 1988.

NUMA BOA

Condenado a mais de 39 anos de cadeia, Carlos Cachoeira leva vida luxuosa em Goiânia ao lado da mulher, Andressa Mendonça.

HORA DE PROPOSTAS

A líder do PCdoB, Jandira Feghali (RJ), quer espaço na campanha de Dilma para discutir reforma política e redução da jornada de trabalho

BARÃO DA REFINARIA ESTÁ ENROLADO NA JUSTIÇA BELGA

O esperto “barão” Albert Frère, dono da Astra Oil, empresa que vendeu à Petrobras por US$ 1,180 bilhão uma refinaria que valia US$ 42,5 milhões, está enrolado com a Justiça na Bélgica. Ele é acusado de venda superfaturada de uma rede de restaurantes, em 2006. O mesmo ano em que iniciou seu “negócio da China” com a Petrobras, ao vender por US$ 360 milhões metade da tal refinaria de Pasadena, Texas, EUA.

DANDO UMA FORÇA

Albert Frère é o 295º na lista dos mais ricos da Forbes, saltando de € 1,9 bilhão em 2009 para € 3,5 bilhões. Com a nossa luxuosa ajuda.

EM BREVE, NAS BANCAS

Tintim, o personagem mais famoso dos quadrinhos na Bélgica, merece uma versão tupiniquim com patrocínio da Petrobras: o Dindim.

FALA, CERVERÓ

Quem conhece Nestor Cerveró, operador da compra superfaturada da refinaria, jura que ele não é do tipo que “vai ao sacrifício” em silêncio.

O NOME DO PAI

O Planalto tem sido pressionado a confirmar que o senador Delcídio Amaral (PT-MS) é o padrinho de Nestor Cerveró, só agora demitido por Dilma após premiá-lo com a diretoria financeira da BR Distribuidora.

QUESTÃO DE IMAGEM

Para tentar amenizar o mico de pedir ajuda federal nas favelas “pacificadas” e tentar vaga no Senado, o governador Sérgio Cabral deu um trato no visual : pintou os cabelos e até as sobrancelhas de preto.

EXPECTATIVA

Nosso embaixador na Bolívia, Raimundo Magno, só será aprovado após o governo decidir a sorte de Eduardo Saboia, herói que salvou o senador Roger Molina da perseguição do cocaleiro Evo Morales.

BONAPARTISMO

Durante entrevista a Roberto D’Ávila, o ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF, confessou sua curiosa admiração por Napoleão Bonaparte – um imperador, aliás, intolerante com divergências.

O BOM FILHO

O embaixador Roberto Azevêdo, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), voltará à Universidade de Brasília, onde estudou Engenharia Elétrica, para fazer uma palestra nesta sexta-feira (28), às 15h.

CATRACA LIVRE

A Prefeitura de Suzano, na grande São Paulo, abriu o cofre e vai bancar o transporte de 6 mil alunos da cidade. O passe livre custará R$ 3 milhões. A iniciativa é resposta local dos protestos do ano passado.

DE IGUAL PRA IGUAL

O senador Pedro Taques (PDT-MT) deverá ganhar como adversário ao governo o juiz Julier Sebastião, que iria para o PMDB. Ambos atuaram na Operação Arca de Noé, da PF, que desarticulou esquema em 2002.

DISPONÍVEL

O Itamaraty garante que já está no site do consulado em Washington o formulário exigido para se fazer procuração. Leitora viajou 2 mil km e, no consulado, mostrou em seu iPad que não havia o formulário no site.

AGORA VAI

O nanico PRTB, do eterno presidenciável “voto mínimo” Levy Fidelix, negocia apoio à reeleição do governador tucano Geraldo Alckmin (SP).


PODER SEM PUDOR

PREFEITO CRUCIFICADO

História saborosa do folclore político pernambucano relata o dia em que Aredo Soares (PDS), prefeito de Olinda nos anos 70, convidou amigos e todo o secretariado para assistir ao espetáculo Paixão de Cristo, encenada nas escadarias das igrejas da cidade. Na cena em que o destino de Jesus passa pelas mãos de Pôncio Pilatos, ouviu-se a célebre pergunta:

- A quem queres que eu liberte: o rei dos judeus ou o ladrão Barrabás?

Um gaiato, inimigo do prefeito, gritou uma injustiça no meio da plateia:

- Solta os dois e prende o Aredo!