sexta-feira, junho 11, 2010

LUIZ GARCIA

Não dá para entender
LUIZ GARCIA
O GLOBO - 11/06/10

O pessoal que entende dessas coisas diz que o amor tem razões que a razão desconhece.

Esse velho joguinho de palavras talvez explique o namoro sério que existe entre o atual governo brasileiro e o distante Irã.

Porque é difícil encontrar razões objetivas, atuais ou históricas para explicar o carinho ardoroso e inflexível com que os nossos diplomatas, obedientes à orientação do Palácio do Planalto, divergem de nossos aliados históricos e imprescindíveis em todas as questões que envolvem o regime dos aiatolás.

Brasil e Irã nada têm em comum.

Aqui, uma democracia representativa no modelo ocidental, num regime de saudável e respeitosa distância entre Estado e Igreja. Lá, uma variante extremamente radical da fé muçulmana, beneficiária de todos os pecados do velho colonialismo europeu, que entregou o poder a um imperador incompetente e corrupto, Reza Pahlevi, assim abrindo caminho para a tomada do poder pela seita xiita liderada pelo aiatolá Khomeini.

Tudo isso aconteceu nos distantes anos 70, e nunca mais a antiga Pérsia teve boas relações com o mundo ocidental.

O Irã dos xiitas continua brigado de morte com o mundo do lado de cá. Pouco importa, a esta altura, que a briga tenha raízes em velhos pecados do colonialismo europeu. O que interessa ao resto do planeta é a existência em Teerã de um regime fervorosamente dedicado à exportação do terrorismo.

Isso explica a aprovação pelo Conselho de Segurança da ONU, esta semana, de sanções severas contra Teerã. Todas visam a reduzir ou pelo menos deter a expansão de projetos militares, principalmente na área nuclear. Por uma série de boas razões, o mundo ocidental tem medo do terrorismo atômico.

As sanções são severas. Incluem uma lista negra de 40 empresas e agências iranianas que passarão a ter sua atividade internacional severamente controlada. O objetivo é tão simples quanto difícil de ser atingido: impedir que o Irã se torne capaz de atentados nucleares. Ameaças, ele já faz: o presidente Ahmadinejad disse que, se os Estados Unidos não mudarem sua atitude, “Obama e o povo americanos serão os primeiros a perder”.

Até agora, a diplomacia brasileira trabalha a favor do Irã. Não há laços históricos ou interesses econômicos e políticos — lá fora ou aqui dentro — que expliquem essa atitude. Sequer o Itamaraty se propõe a ser um mediador na crise. Parece que é só uma mistura de incompetência com bravata.

Também existe isso na história da diplomacia — que também pode ter razões que a razão desconhece.

TUTTY VASQUES

A maldição da Jabulani


TUTTY VASQUES
O ESTADO DE SÃO PAULO - 11/06/10
Se alguma dúvida ainda havia sobre os fenômenos sobrenaturais que cercam a bola oficial da Copa do Mundo, veja só o que vem acontecendo com seus principais detratores na seleção brasileira: Júlio César se contundiu na primeira pelada que jogou; Luís Fabiano nunca mais sequer acertou a direção do gol; Felipe Melo está prestes a perder a vaga no time para Ramires.
Parece que só não puniu Júlio Baptista - outro que desancou a Jabulani publicamente - porque, com ele no banco, ela se dá por satisfeita. O pior, tudo indica, já passou!
E a boa notícia é que, na contramão da maldição da Adidas, Kaká pode, como por encanto, desencantar já na estreia do Brasil na Copa. A bola está lhe devendo uma força! Quando virou moda no noticiário pisar na Jabulani, o camisa 10 da seleção tratou-a com carinho verdadeiro naquela entrevista coletiva que terminou em beijinhos, lembra? Só faltou pedir desculpas pela afobação das primeiras impressões de seus colegas.
Nada mais justo que, agora, a bola use um pouco de seus poderes sobrenaturais para ajudar o craque a resgatar seu prestígio. Não custa nada de vez em quando corrigir a trajetória de um passe ou de um chute a gol. Eu acredito nessas coisas. Você não?
Marca registrada
"Foi uma espécie de Rock in Rio Soweto!"
ROBERTO MEDINA, MODÉSTIA À PARTE, COMENTANDO A ABERTURA DA COPA
DA ÁFRICA DO SUL.

Nada a ver
O show no Orlando Stadium teria sido melhor se, além das vuvuzelas, tivessem 
proibido a narração de Galvão Bueno (Globo) e Luciano do Vale (Band), 
ao menos durante a apresentação das bandas.
Serra x Jesus
Já estão à venda nas esquinas de Salvador os abadás de José Serra e Jesus Cristo para as respectivas festas que animam o Dia dos Namorados dos baianos. Mas não dá para comparar a convenção do PSDB com a Parada Gay de São Paulo na tradicional concorrência direta com a Marcha para Jesus.
Greve do Hexa
Este ano não vai ser igual àquele que passou! Já tem uma rapaziada em São Paulo combinando pela internet assistir à Copa do Mundo na reitoria da USP. Parece que vai rolar telão e tudo.
Perigo na pista
Ronaldo Fenômeno disse no De Frente com Gabi que por vezes tem vontade de chutar o balde. Ainda mais agora que virou recomendação em São Paulo combater o ar seco com um balde d"água na sala, né?
Velho pé-frio de guerra
A confirmação de que o plano B de Nelson Mandela é torcer pelo Brasil na Copa tira um pouco a responsabilidade do Lula em caso de tropeço da seleção a caminho do Hexa.
Conto do vigário vigarista
Da série "Quem cair nessa, merece", o vírus da vez na internet atente pelo link "Bomba! Dunga flagrado fazendo sexo com jogador".

GOSTOSA

BARBARA GANCIA

Saudades zero
BARBARA GANCIA
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/06/10


Lembrarei do passeio por Johannesburgo como um dos mais desagradáveis da minha existência

AO SOBREVOAR Johannesburgo, o primeiro susto. Pela janelinha do avião da South African Airways, tenho a impressão de que estou em cima de Genebra.
Só que esta versão, tão comportada e próspera quanto a original e com áreas verdes igualmente cuidadas, é salpicada por piscinas.
Nem mesmo em Los Angeles parece haver tantas. Serão tão numerosos assim os executivos de carreira da De Beers?
Desembarcamos no aeroporto Jan Smuts e tomamos a via expressa Jan Smuts. Se não me engano, a rua em que nosso hotel está localizado também se chama Jan Smuts.
O primeiro passeio pelas ruas de Johannesburgo entrará para a história como um dos mais desagradáveis da minha vida. Além de nos perdermos e de um avestruz irritadiço ter tentado separar na marra minha cabeça do meu tronco (quem mandou a burralda aqui esquecer de fechar o vidro do carro?), acabamos topando com situações inimagináveis, um verdadeiro pesadelo.
Vi com estes olhos, que ema nenhuma há de comer de aperitivo, bancos de praça marcados com tinta branca com a expressão: "whites only" (só para brancos); vi a faixa de ultrapassagem nas estradas trazer a mesma frase, que nunca apagarei da minha mente; observei vários incidentes na rua em que brancos repreendiam negros apenas porque seus olhares se cruzavam e testemunhei uma senhora passar um sabão totalmente desproporcional numa menina de não mais de 14 anos que esbarrou nela com uma sacola. Não entendi o que a mulher disse, ela falava em africâner, só sei que a menina ouviu tudo de cabeça baixa sem revidar.
Isto foi nos idos de 1973. Estava a caminho do Quênia com meu pai e minha irmã e nós aproveitamos para conhecer Johannesburgo.
De lá para cá, o herói local, Jan Smuts, continuou a ser um ilustre desconhecido para o resto do mundo. Quem ocupou seu lugar foi um herói de verdade, aquele que proporcionará o momento mais especial desta Copa se, sua saúde permitindo, ele conseguir dar as caras no estádio durante o torneio.
O odioso apartheid, regime que me pareceu grotesco naquele breve contato da adolescência, terminou em 1994 porque Mandela acreditou que seria possível fazer as coisas de uma maneira diferente do "business as usual", da mesmice de sempre.
A De Beers, que simbolizava a riqueza da África do Sul e a arrogância do apartheid, já não existe mais como monopólio do comércio de diamantes que, por sua vez, perderam a importância como mercado. Mas, a despeito das mudanças, a África do Sul, como podemos observar pelos relatos que chegam, está longe de ser uma belezura.
Passados 16 anos do fim do apartheid, o ressentimento ainda é grande. Não há mulatos circulando pelas ruas, prova de que a miscigenação permanece sendo um projeto para a próxima geração e que a reconciliação proposta por Mandela só pode ser encarada como um processo para lá de longo e doloroso.
Ao mesmo tempo, de tão caricato, o atual presidente do país, o general Jacob Zuma, parece um personagem saído das páginas de uma história em quadrinhos de Tintim.
Para quem está preocupado em tecer comparações entre a Copa da África do Sul e a Copa no Brasil, lembre-se de que nem mesmo um luminar como Severino Cavalcanti diz que a Aids pode ser evitada com rituais de bruxaria, é polígamo reconhecido ou foi acusado de estupro. Boa Copa!

NELSON MOTTA

Elas, eles e nós

Nelson Motta 
O Estado de S. Paulo - 11/06/2010
 
 Duas mulheres candidatas à Presidência da Republica é uma boa novidade em um país machista como o nosso. Mas logo vem o Zé Dirceu, sempre sutil, citando Lula: "O Brasil só derrotará o machismo quando eleger uma mulher presidente."
É mesmo? Michele Bachelet no Chile, Margaret Thatcher na Inglaterra, Angela Merkel na Alemanha, Cristina Kirchner e Isabelita Perón, na Argentina, derrotaram o machismo?
Quando chegam ao poder, as melhores e as piores só têm em comum a anatomia feminina. Algumas dão tantos motivos aos machistas que muitas vezes acabam rejeitadas pelo eleitorado feminino, que prefere votar em homens.
Umas são grandes estadistas, prestam relevantes serviços a seus povos, mas outras os conduzem ao desastre, como os piores homens. Não há um jeito feminino de governar, só há bom ou mau governo.
Nos anos 80, na alvorada da redemocratização, com a eleição de Maria Luiza Fontenelle como prefeita de Fortaleza e a de Luiza Erundina, de São Paulo, o machismo foi derrotado?
A administração de Erundina foi medíocre e a de Maria Luiza, um desastre. Mas elas não culpavam o machismo por todos os seus problemas, como hoje faz o feminismo de resultados. Marta Suplicy venceu o machismo em 2000? Ou foi derrotada por ele em 2008?
Dirceu diz que a mídia machista dá muita atenção aos cabelos, maquiagem e figurinos de Dilma para tentar diminuí-la. Como se ela não tivesse mudado de visual várias vezes, em busca da aparência que a campanha considere ideal.
Normal, Lula aparou a barba e trocou os dentes e os ternos. Já o look de Marina Silva, que não usa maquiagem, e tem sempre a mesma cara, não atrai tanta atenção.
Em eficiência no poder, ninguém mais duvida da competência das mulheres. E mesmo em corrupção na política, no geral, elas parecem mais honestas, ou menos corruptas, do que os homens. Os mais cínicos acham que elas só roubam menos porque estão chegando agora ao poder e querem mostrar serviço.
Eleger um ex-operário sem estudo é uma derrota do preconceito muito maior do que a eleição de uma mulher educada de classe média. Mas se fosse uma cabocla seringueira que virou senadora ?

GOSTOSA

JOSÉ (MACACO) SIMÃO

Ueba! Pimba na Shakira!
JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SÃO PAULO 11/06/10


E o Galvão transmitindo o show todo reverente e contido? Deram Gardenal pra ele?

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! Direto da Cópula do Mundo! RUMO AO ÉQUIÇA!
Abertura da Copa: Shakira cantando o Waka Waka! Sou fã e fanático pela Shakira! Gostosa e cachorrona daquele jeito, todo mundo quer fazer um waka waka na Shakira! Ela rebola mais que minhoca em anzol. Parece um liquidificador batendo vitamina de banana. Ela disse que nunca jogou futebol. Mas deve bater um bolão!
E o bispo Desmond Tutu de gorro? Ele é corintiano? Mano Desmond Tutu. E o relógio do Mandela anda para trás? Todo meninão. O Mandela tá mais novo do que a Suzana Vieira!
E o Galvão transmitindo o show todo contido e reverente? Deram Gardenal pra ele? Tomou Rivotril com Fanta Uva quente! Ele tomou Rivotril? O Mandela devia ter puxado aquele coro: "Cala a boca, Galvão!". Rarará!
E hoje, México e África do Sul. Novela do SBT versus Dona da Casa. E um amigo me perguntou se o presidente do México é o Silvio Santos. E um outro me disse que no México só tem duas coisas boas: o Chaves e a fronteira com os EUA. O Chaves vai entrar em campo?
E o ônibus do Brasil é o único ônibus com oito volantes. E a frase do busão da seleção: "De pensar morreu um Dunga". E a frase do busão da seleção da Grécia: "Me empresta dez real pra pagar o pedágio?". Rarará!
Seleção dos Peladeiros! Continuam as sugestões de leitores de seleções melhores que a do Dunga. Ou seja, qualquer uma! Manda o time do bairro da Barra Funda: Mão de Pau, Pedro e Paulo Nádegas, Nego Bala, Jorginho Fedô, Barroso, Beto Boca Torta, Chupim e Short na Testa. Ataque: PARASITA E PINTO MOLE! Hexa garantido. Pedro e Paulo Nádegas devem ser gêmeos. E esse Short na Testa deve usar o short pra cima do umbigo. Ou então aquele shortinho do Cristiano Ronaldo. Ou então leva aquele zagueiro do Gameleira Esporte Clube: Bosta de Urso! Rarará!
E essa bombástica: "Ricky Martin fará o papel de Che Guevara no musical Evita". Então é o Che GAYVARA! Rarará. Ricky Martin em Che Gayvara! E a Shakira disse que tem vergonha de mostrar o corpo. Imagine eu, então. Com esse corpinho de jogador de pebolim. Nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E pega a vuvuzela e waka waka na Shakira!

RUY CASTRO

Nas menores façanhas
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/06/10


RIO DE JANEIRO - Portugal, hoje, é uma potência das comunicações. Mas, em 1974, quando eu morava lá, não era assim. A TV se limitava a um canal estatal que só entrava no ar à tarde, com aulas de matemática; seguia com desenhos animados para os miúdos; oferecia um telejornal na hora da sopa e fechava com um filme americano legendado. Tudo em glorioso preto-e-branco. Antes da meia-noite, íamos dormir, nós e a TV.
A Copa do Mundo da Alemanha, naquele ano, refletiu essa modéstia. Como Portugal não estava na disputa, os raros jogos transmitidos "em directo" (ao vivo) eram os dos favoritos: Brasil, Inglaterra, Holanda, a própria Alemanha. Mas a maioria passava mesmo "em diferido" (teipe), dois dias depois do fato, quando já sabíamos tudo pelos jornais. Pois se era assim num país europeu em 1974, imagine como não seria antes e na maioria dos países.
Isto significa que nem os craques daquela Copa foram vistos pelas grandes massas. E olhe que, em 1974, a Alemanha, campeã, tinha Beckenbauer, Breitner e Gerd Muller; a Holanda tinha Cruyff, Krol e Neeskens; o Brasil, que ficou em 4º, tinha Rivellino, Paulo César, Luiz Pereira, Marinho Chagas e outros.
Significa também que Pelé, Garrincha, Didi, Zizinho, Puskas, Kocsis, Banks, Bobby Moore, Kopa, Fontaine, Eusébio, Gigghia e outros heróis de Copas ainda mais remotas só foram vistos por uma fração -mesmo assim, no cinema, e em imagens borradas e fugidias, em que a câmera capturava no máximo os chutes a gol, e não as jogadas geniais que os antecediam.
Bem, a partir de hoje, o mundo assistirá a todos os 64 jogos da Copa, inclusive o imperdível Nova Zelândia x Coreia do Norte, se houver. Para gáudio de 3 bilhões de pessoas, 32 câmeras HD por jogo estarão ligadas nas menores façanhas de Gilberto Silva, Elano, Josué, Gilberto, Kleberson, Michel Bastos, Felipe Melo e que tais.

GOSTOSA

FERNANDO DE BARROS E SILVA


USP dos mascarados
Fernando de Barros e Silva
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/06/10

Chama a atenção, na invasão da reitoria da USP por funcionários e estudantes, que muitos tivessem os rostos cobertos. Uma máscara branca escondia a cabeça de um deles, que ainda usava óculos escuros; outro, encapuzado, tinha a face enrolada por uma echarpe estampada com as cores da bandeira palestina; uma terceira jovem amarrou sua blusa no pescoço, cobrindo parcialmente o rosto. Dava a sensação de estar em dúvida entre escondê-lo ou exibi-lo.

Proteção ou fantasia? Disfarce para evitar eventuais represálias ou tentativa de obter, com a máscara, um rosto, uma identidade possível? Os mascarados da USP parecem buscar referências e aliados históricos que deem um sentido heroico para sua transgressão, mas os gestos que protagonizam os empurram para a vala comum do vandalismo.

Correm o risco de se imaginarem discípulos de Che Guevara e serem confundidos com traficantes do Borel. A parede da reitoria que os fashion-revoltosos destruíram na marretada não é o Muro de Berlim.

E, no entanto, barbarizar está virando rotina na USP. Piquetes com ameaças a funcionários e estudantes, invasão da reitoria e depredação do patrimônio público parecem ter sido incorporados ao calendário oficial do ano letivo da principal universidade pública do país.

Os grevistas profissionais do Sintusp - o sindicato dos funcionários da USP -precisam entender que vivem numa democracia, pela qual, aliás, a universidade lutou muito. Agem, no entanto, como se resistissem a uma ditadura a fim de legitimar sua pauta corporativa. Quanto mais isolados parecem estar, mais truculentos são seus métodos.

MARIA CRISTINA FERNANDES

Francenildo como credor

 Maria Cristina Fernandes
Valor Econômico - 11/06/2010
 
Dilma Rousseff deve sua candidatura a Francenildo dos Santos? A busca de uma resposta é também o caminho para se entender o futuro de um governo petista que tenha a prominência de Antonio Palocci. É este o miolo da luta interna petista da qual submerge apenas o paroquialismo das disputas entre paulistas e mineiros.
A ascensão de Dilma à Casa Civil em meio à crise do mensalão marcou a mudança de política econômica mais estrita rumo a um crescimento mais vigoroso. A guinada, que obedeceu à necessidade de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva buscar o apoio das ruas e dos sindicatos para atravessar o nevoeiro da crise política e se reeleger, deu início ao processo de enfraquecimento de Palocci em sucessivos embates com Dilma.
No mais célebre deles a ex-ministra bombardeou a ideia do déficit nominal zero acalentada por Palocci para alavancar a poupança pública. Não havia como conciliá-lo com o PAC que principiava.
Dilma começou a dar sinais de que partia para o confronto bancada pelo presidente da República. Foi num jantar com senadores pemedebistas ainda em 2005 que a ex-ministra ampliou para além dos gabinetes palacianos suas críticas à falta de ousadia de Palocci na condução da política econômica.
O então ministro já estava em dissonância com os novos ventos do governo quando o caseiro Francenildo cruzou-lhe o caminho. O julgamento do Supremo, três anos depois, não foi capaz de mitigar a grandiosidade do maior monumento à covardia da era Lula, nem bastou para fazer do ex-ministro candidato ao governo de São Paulo, mas foi suficiente para lhe devolver a exposição pública como homem do poder.
O crescimento galopante e a unção popular de Lula levaram a que o PT se unisse em torno da candidatura Dilma com a eleição do diretório nacional pela mais acachapante maioria da história da legenda. Alas antes irreconciliáveis fecharam com uma candidata que nunca militara pelo partido.
Paralelamente, interlocutores de Dilma na área econômica, como o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, passaram a ganhar não apenas poder de formulação, mas também a engordar seu quinhão no governo.
Até 2007, por exemplo, inexistiam repasses do Tesouro ao BNDES. Em 2008 a rubrica já alcançava R$ 35 bilhões. Este ano a conta deve fechar em R$ 218 bilhões.
Como o expediente inexistia em sua época de mandatário da Fazenda nacional e essa é uma das contas que mais cresceram durante sua ausência do governo, é de se imaginar que não esteja fora da mira do artigo sobre o equilíbrio das contas públicas com o qual Palocci resolveu estrear na sua condição de colunista da "Folha de S.Paulo".
Relata a história de um governo que usou o superávit primário para alavancar o crescimento econômico com impulso ao consumo público e privado que acabou se mostrando insustentável. Falava da administração George W.Bush. Abriu e fechou o artigo dizendo que governar é fazer escolhas. E não é nos Estados Unidos que o partido dele tem que fazê-las.
O ex-ministro vem cumprindo com eficiência ímpar a missão de credenciar sua candidata junto a investidores. O efeito colateral de Dilma/Palocci em dueto afinado sobre a importância do equilíbrio das contas públicas para o crescimento sustentado é a escalada do risco Serra.
Ainda que gratidão não seja moeda da política, não é elucubração inconsequente a aposta de que as expectativas geradas no mercado por tamanha dedicação de Palocci à campanha não devam vir a ser frustradas numa eventual vitória petista.
É sobre esse cenário que o episódio do dossiê inexistente apenas joga fumaça. O ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel só não é o Gilberto Carvalho de Dilma porque, ao contrário deste, tem ambições políticas, mas desfruta de uma relação de confiança com a candidata que, no Planalto, só rivaliza com a de Lula e seu chefe de gabinete.
Como economista, está mais para Luciano Coutinho. E, como petista, militou ao lado de Palocci por pontos de convergência com o PSDB.
Na campanha, careceu de alianças para exercer o poder que a confiança de Dilma lhe delegara. No seu Estado, foi obrigado a deixar uma disputa em que era favorito (governo estadual) por outra em que sai em desvantagem (Senado) em nome da aliança nacional com o PMDB.
O episódio que mitigou o peso de Pimentel na campanha reforçou aliança entre setores do PT paulista e Palocci. O PT cresceu muito mais em outros lugares do país, mas é o de São Paulo que, com o aval de Lula, continua dando as cartas. Ao garantir domínio sobre a logística da campanha, tem meio caminho andado para garantir a permanência de seus postos na capital federal. Na aliança, o ex-ministro aumenta seu cacife como estrategista de um eventual governo Dilma.
Se ambos conseguirem seus objetivos, é provável que o casamento de conveniência venha a ser abalado. Fora do governo, Palocci não renunciou à rédea curta sobre os gastos. Por outro lado, seus aliados na campanha da Dilma, que nunca deixaram o poder, mantêm em suas mãos, por exemplo, o gerenciamento dos generosos acordos salariais do funcionalismo público.
É essa disputa que a ex-ministra, se eleita, terá que arbitrar. Se até Lula pagou pedágio para se impor sobre o partido, é de se imaginar o que sua eventual sucessora pode vir a enfrentar. Se eleita, terá em Francenildo o mais fácil dos seus credores.

2 ABILOLADOS

BRASIL S/A

Você vai pagar
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 11/06/10

Emenda Simon aprovada no Senado desfalca a União, isto é, nós, ao tirar royalties do petróleo do Rio


Ao aprovar por 41 votos contra 28 e 14 ausentes a redistribuição dos royalties da exploração de petróleo, inclusive de contratos em plena vigência, para todos os estados e municípios, o Senado impõe um grave prejuízo aos brasileiros, como antes a Câmara já fizera.

Os senadores não fizeram o bem ao tirar dos estados confrontantes à exploração petrolífera no mar, basicamente Rio e Espírito Santo, o virtual monopólio sobre essa receita teoricamente indenizatória.

A emenda aprovada, de autoria do senador Pedro Simon (PMDB-RS), é nefasta porque espalha pela Federação o dinheiro que deveria ser o do pré-sal apenas, e não o dos royalties da exploração na Bacia de Campos, que já estão consolidados como receita permanente do Rio e Espírito Santo, e mais uma dúzia de municípios confrontantes.

Para o Rio, a perda será da ordem de R$ 7,5 bilhões, dinheiro que está alocado para o pagamento das aposentadorias dos servidores do estado, segundo o governador Sérgio Cabral, do PMDB, como Simon — o que é outra evidência ao eleitor sobre a esbórnia dos partidos.

Se o PMDB age assim com os próprios companheiros, o que fará com os de outros partidos, se a ex-ministra Dilma Rousseff se eleger, trazendo a reboque como vice-presidente o deputado Michel Temer, o múltiplo presidente do PMDB e da Câmara? Foi lá, aliás, que surgiu a rebeldia quanto ao rumo dos royalties — questão que o presidente Lula pretendia resolver depois das eleições em outubro.

O deputado Ibsen Pinheiro, também do PMDB e gaúcho como Simon, em conjunto com o colega Humberto Souto (PPS-MG), aprovou na Câmara uma emenda que distribuía, meio a meio entre os estados e municípios, os royalties e outra taxa do petróleo, chamada participação especial, usando os critérios dos fundos de participação. Eles beneficiam as regiões mais pobres no repasse de alguns impostos federais.

Em ano eleitoral, foi como mel na sopa: passou, com a oposição só dos deputados do Rio, Espírito Santo e alguns de São Paulo, estado que receberia um dinheirão pela regra anterior da exploração do pré-sal, boa parte do qual se situa em frente ao litoral paulista.

A malandragem fiscal
A grita de Cabral e do governador capixaba Paulo Hartung, mais um do PMDB tripudiado pelos próprios pares, fez a emenda Ibsen, como ela ficou conhecida, tornar-se indigesta a parte do Senado.

É quando Simon achou ter descoberto a roda: propôs outra emenda. Ela manda a União compensar com impostos federais a gorda parcela dos royalties perdidos pelos estados e municípios prejudicados.

Trata-se de malandragem que não honra a biografia de defensor da ética cultivada pelo senador Pedro Simon. O orçamento federal já é deficitário. Se houvesse dinheiro sobrando, na fila de prioridades está a aprovação da emenda constitucional 29, que aumenta o gasto com a saúde. No limite, os senadores que aprovaram a emenda Simon afrontaram a Lei de Responsabilidade fiscal.

Ambições desmedidas
Cabral e Hartung rejeitaram a emenda gambiarra do colega Simon. O precedente destas compensações é ruim. A Lei Kandir, por exemplo, manda a União ressarcir os estados pela desoneração do ICMS sobre as exportações. O exportador acumula créditos, que os governadores não reconhecem, já que o governo federal não compensa os estados.

Neste enredo de ambições desmedidas dos políticos sobre a receita ainda incerta do pré-sal vai sobrar para Lula, que inventou toda a história. Ele propôs ao Congresso outro regime de exploração pela expectativa das altas reservas de óleo do pré-sal, do qual saiu o mostrengo do Senado. Se a Câmara o mantiver, Lula talvez o vete.

Todos no vai da valsa
Lula abraçou a tese de que o Estado ganhará mais com o tal regime de partilha. Nele, o explorador recebe um naco da produção e deixa o grosso para a União vender. Por isso, surgiu outra estatal. Para não desagradar a Petrobras, ela será a operadora exclusiva do pré-sal, além de ter 30% no mínimo da produção. Sem capital para isso, ela receberá da União o aporte equivalente a 5 bilhões de barris.

Tudo isso já foi aprovado. No regime atual de licitação, que será mantido para as áreas fora do pré-sal, a União recebe em dinheiro. Ambos se equivalem, dependendo dos níveis de taxação, mas o regime de partilha é mais opaco. O Congresso, cada vez mais adjudicando o seu poder, deixou para lá, atraído por miudezas como os royalties.

Nem fez o debate vital sobre se o porte do investimento requerido no pré-sal corre riscos diante das novas energias concorrentes com o petróleo. Foi no vai da valsa com o governo.

Aliás, todos foram.

Do Palácio à Brigadeiro
O que o presidente Lula fará depois de 1º de janeiro ainda não é sabido. O que já estaria acertado é seu novo endereço de trabalho. Será em São Paulo, na Avenida Brigadeiro Luis Antonio, que liga o centro da cidade ao Parque do Ibirapuera. Quem conhece o projeto diz que será mais modesto que as instalações do Instituto Fernando Henrique Cardoso, montado com doações de empresários também em São Paulo, num prédio no Vale do Anhangabaú. O ex-presidente vai agora ampliá-lo, incorporando mais um andar. Nele, estão sua biblioteca, lembranças, salas de assessores e auditório usado para seminários.

Nos EUA, os escritórios dos ex-presidentes são financiados pelo próprio governo e costumam virar centros de visitação. Isso é mais apropriado que presidente recorrer a doações enquanto tem poder.