Semente da discórdia
Miriam Leitão
O Globo - 11/06/2010
O governo do presidente Lula criou um conflito federativo. A votação da emenda do senador Pedro Simon na calada da noite foi apenas um golpe desse conflito. Simon tirou recursos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo com argumentos demagógicos, mas a discórdia entre os entes da Federação foi semeada pela proposta do governo e sua ambiguidade desde o começo.
O que torna o Rio mais desprotegido é o fato de o governador Sérgio Cabral preferir, mesmo diante de reiteradas demonstrações de ambivalência do governo federal, esperar de Brasília a solução para o problema criado por Brasília.
Como se o nome completo da capital, São Sebastião do Rio de Janeiro, fosse um destino, o estado parece condenado ao sebastianismo.
Espera que uma pessoa, no caso o presidente, venha salvar o Rio.
Foi o governo que propôs em primeiro lugar uma mudança extemporânea e mal justificada do modelo de exploração do petróleo que, de cara, acaba com uma das fontes de arrecadação no petróleo do pré-sal, as participações especiais. Foi da base do mesmo governo que saiu a proposta original do deputado Henrique Alves (PMDB-RN) que tirava parte dos recursos dos estados produtores. Foi a ambiguidade do presidente Lula que alimentou os interessados em aumentar a própria arrecadação reduzindo a dos outros: ora prometia aos governadores do Rio e do Espírito Santo que resolveria tudo; ora deixava correr na sua base parlamentar a ideia de redivisão dos recursos.
Quando estourou a briga entre os estados, durante a tramitação na Câmara, Lula perguntou como se fosse estrangeiro ao assunto: “por que essa pressa se o assunto é para 2016?” O vespeiro no qual ele mexeu trouxe o risco a valor presente. A emenda do senador Pedro Simon (PMDBRS) quebra contratos e propõe o milagre de prometer o dinheiro do Rio para todos os outros estados e garantir ao Rio que ele nada vai perder.
Pela informação prestada ontem pela sua assessoria, a emenda seria para toda a exploração de petróleo, pré-sal ou não, a serem licitados ou já licitados.
Quando o governador Sérgio Cabral escreveu um artigo no GLOBO definindo a ideia como “expropriação”, em julho do ano passado, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, em cuja sala foi formulada a proposta de mudança do modelo de exploração de petróleo, deu uma declaração pública dizendo que o governador tinha que ter “calma”. Que nada prejudicaria o Rio. Que a nova fórmula de distribuição dos royalties ficaria restrita aos campos de pré-sal não licitados.
“Nada vai mudar em relação aos campos já existentes e em operação”, garantiu Dilma.
Pelo texto aprovado no Senado, tudo mudou. O truque que o governo havia arquitetado era mudar sim, para todos os campos, a forma de tributação, mas só depois das eleições, quando não houvesse o risco de perda de eleitores no segundo maior colégio eleitoral do país. A emenda de Pedro Simon tem a vantagem de obrigar todos a acabar com as artimanhas. O governo terá que mobilizar sua base para derrubar a emenda ou o presidente terá que vetar. Se isso não acontecer, o governador Cabral terá que rever sua aliança com o governo federal, do contrário ficará claro que não defende os interesses do estado que governa. Ontem, tudo o que Cabral repetiu foi que conversou com o presidente e “o presidente me garantiu que o que vale é o acordado entre mim e ele.” A dúvida é até quando Cabral vai dar este mesmo tipo de resposta.
O deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), autor da proposta original, defendeu a ideia com o argumento de que “o mar é de todos os brasileiros”.
O artigo 20 da Constituição diz que é tudo da União: o mar, rios, ilhas, lagos, potencial hidráulico, recursos da plataforma continental, recursos minerais, cavernas e terra. Mas diz também no seu parágrafo primeiro que estados e municípios têm o direito de participar “do resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração elétrica e de outros recursos no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva.” Ou seja, a Constituição aceita o princípio do mar territorial de cada estado.
Desde que a discussão começou, os estados que supostamente serão beneficiados pela nova forma de distribuição voltaram-se contra o Rio como se o estado onde se extrai 85% do petróleo do país estivesse usurpando recursos da Federação. O Rio, por seu lado, se sente ameaçado.
O Espírito Santo produz menos, mas os recursos do petróleo também são fundamentais para o seu equilíbrio fiscal. Ficam assim os dois encurralados pelos outros. Nada desse ambiente ajuda a fortalecer a união de estados que decidiram compartilhar o mesmo destino, bandeira, hino, instituições, tradições e sonhos.
Diferenças numa federação sempre existirão. Cabe à União pacificar os conflitos e conduzir uma negociação que contente a todos.
Se há injustiças tributárias, isso teria que ter sido discutida desde o início da reforma tributária que o presidente Lula prometeu e não fez, e que agora sua candidata promete como se não tivesse havido os oito anos anteriores.
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