domingo, setembro 11, 2016

O GOLPE DO PAPA - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA


O papa Francisco cancelou sua viagem ao Brasil em 2017 afirmando que o pais "vive um momento triste". Vamos traduzir essa tristeza: o líder máximo da Igreja Católica está apoiando Dilma Rousseff, a despachante da quadrilha que depenou o país entristecido. Mas a tristeza sentida pelo sumo pontífice não é com o roubo, é com a punição aos ladrões.

O papa Francisco, de maneira indireta, portanto dissimulada, portanto covarde, está fazendo coro com a militância ideológica que grita contra o golpe de Estado — esse em que a criminosa golpeada dialoga com os golpistas (e ri com eles), sob a regência constitucional da Corte máxima do pais. Uma bandeira de mentira, fajuta e imunda, que agora é levantada também pelo papa Francisco.

Isso não teria a menor importância num mundo que soubesse distinguir um líder espiritual de um mercador da bondade. Mas a demagogia supostamente progressista — na verdade reacionária — é hoje a commodity mais valorizada do planeta, e nenhum candidato à popularidade perante as massas admite mais abrir mão dela. Até a alemã Angela Merkel, guardiã quase solitária da responsabilidade europeia, andou fazendo proselitismo com o tema dos refugiados. Se você não der ao menos uma bicadinha na vitamina populista, você morre.

A gangue que inventou o golpe no Brasil para brincar de resistência democrática — e se encher da preciosa vitamina demagógica — está quebrando tudo. Durante 13 anos quebraram por dentro, agora estão quebrando por fora — o que é bem mais prático e leve. O caixa da revolução está cheio, após a proverbial transfusão da Petrobras, dos bancos públicos e dos fundos de pensão. O lanche é mortadela por questão de estilo, poderia ser caviar. E não existe vida mais fácil: você recruta um bando de inocentes úteis e não inocentes alugados e manda todo mundo para cima da polícia. Fustigar a boçalidade das polícias militares é brincadeira de criança para essa turma. Não tem erro.

O papa Francisco e sua falsa tristeza apoiam essa depredação teatral — que tem consequências reais e sujas de sangue. O religioso bonzinho, com seu gesto grave — vamos repetir: grave — de desistir da visita ao Brasil por causa do impeachment, jogou uma tocha nessa gasolina. Não adianta fugir dessa responsabilidade. Não adianta rebolar na retórica. Não adianta fazer cara de piedade. O papa abriu mão da missão de paz do estadista para entrar num jogo partidário. Se meteu num conflito político nacional para exacerbá-lo — para dar sua contribuição incendiária.

A política existe para organizar a vida das sociedades. Só isso, mais nada. Não é um campeonato de siglas, cores e credos, nem um palco para apoteoses românticas. No caso do Brasil, o governo canastrão do PT incensou todos esses símbolos emocionais e fulminou a organização social e institucional. Isso não é política, é contrabando.

O governo Temer assumiu no cenário de terra arrasada e está repetindo o governo Itamar (por questão de sobrevivência): dando espaço a quem entende de administração pública, substituindo militância partidária com o dinheiro dos outros por trabalho. É o PMDB, há os caciques velhos, há a podridão — mas os principais cargos de comando foram entregues aos bons. Assim como fez Itamar, no mesmo PMDB.

Há 23 anos isso deu no Plano Real — o momento mais significativo da história recente em que a política serviu para organizar a sociedade. Os veículos da mudança foram o PMDB e o PSDB, mas a virtude não estava neles. Estava nos homens. Sempre está.

Repetindo a ruína do pós-Collor, a ruína do pós-PT abriu uma janela de oportunidade para quem quer usar o poder para organizar, e não para surfar. Os surfistas estão naturalmente desesperados, porque num país organizado as ondas de malandragem somem da política, — ou ao menos ficam pequenininhas, sem força para impulsionar os proselitismos coitados e os heroísmos de aluguel. É preciso, portanto, bagunçar.
E claro que alguém que sai de casa para forjar um tumulto e posar de perseguido pela polícia não vale a mortadela que come. Mas o interessante é imaginar o que essa criatura pensa a sós com seu travesseiro. Se o país tivesse de repente um surto de dignidade, a fila do confessionário chegaria a Roma. Puxada pelo papa. 


Black blocs e desonestidade intelectual - JOSÉ PADILHA

O GLOBO - 11/09

O respeito à racionalidade e à honestidade é valor mais importante para uma sociedade do que qualquer ideologia



‘O que você realmente deve buscar, em um mundo que sempre nos confronta com surpresas desagradáveis, é a integridade intelectual: a predisposição de encarar os fatos, mesmo quando eles estão em desacordo com as suas ideias, e a capacidade de admitir erros e de mudar de rumo.” Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia.

Recentemente, escrevi um artigo no GLOBO, intitulado “Lula e Trump”, em que comparei a esquerda brasileira com os conservadores americanos, e afirmei que esses grupos, tão díspares ideologicamente, têm algo em comum: ambos perderam a integridade intelectual. A esquerda brasileira, disse eu, porque se recusa a aceitar as incontestáveis evidências de que Lula e o PT operaram uma quadrilha que desviou bilhões de dólares dos cofres públicos (e de que Dilma sabia). E os conservadores americanos, acrescentei, porque se recusam a aceitar o fracasso da “economia de oferta” e porque encamparam as loucuras de Donald Trump. Argumentei que, para defender essas posições, ambos os grupos foram forçados a construir narrativas fantasiosas da história e a usar uma série de estratagemas “intelectuais” que têm como objetivo varrer para baixo do tapete fatos que refutam as suas ideias. No tal artigo, disse que fazer isso é ser intelectualmente desonesto.

Não se trata, evidentemente, de terminologia nova. Debates acerca da honestidade e da desonestidade intelectual, e o que as caracteriza, são recorrentes na epistemologia e na filosofia da ciência. Estão presentes no trabalho de filósofos como Bertrand Russell, Imre Lakatos, Karl Popper e Paul Feyerabend, além de inúmeros filósofos e cientistas contemporâneos, como Daniel Dennett e David Deutsch. E, no entanto, até mesmo pessoas que conhecem esses autores ficaram chateadas comigo, como se tivessem lido essas duas palavras juntas pela primeira vez na vida. Por que será que o uso do termo “intelectualmente desonesto” ofende tanta gente na esquerda brasileira?

O motivo me parece óbvio. Tem muita gente na esquerda brasileira que preza a honestidade intelectual e que sabe que teve que abrir mão dela para defender Lula, Dilma e o PT. Essas pessoas raciocinaram assim: a direita brasileira é pior do que a esquerda, e os políticos que julgaram Dilma são tão ou mais corruptos do que ela. Melhor ficar com a quadrilha do PT do que com a quadrilha do PSDB. Partindo dessa premissa, colocaram-se em uma posição muito difícil, porque se viram forçadas a adotar uma de duas estratégias: ou assumiam a defesa de políticos que sabiam ser corruptos por razões ideológicas que supostamente se sobrepõem à ética, ou fingiam que esses políticos não eram corruptos e abriam mão da própria honestidade intelectual.

Entendo, portanto, que essas pessoas tenham ficado chateadas comigo quando abordei seu dilema de forma explícita. O que não entendo, todavia, é como não percebem o tamanho do erro que estão cometendo. Como disse Imre Lakatos em uma aula que proferiu na London School of Economics, o problema da honestidade intelectual não é uma questão abstrata de filosofia, é uma questão de vida ou morte.

Os debates acerca da honestidade intelectual se centram em duas questões: a primeira diz respeito ao que caracteriza a honestidade intelectual, e a segunda diz respeito a sua função social e evolutiva. Essas duas questões são complexas, de forma que serei superficial e sucinto.

No que tange à primeira questão: quase todas as caracterizações de honestidade intelectual em filosofia analítica afirmam, de uma forma ou de outra, que uma pessoa é intelectualmente honesta quando ela está disposta a abandonar as suas ideias caso fique demonstrado que:

1) Elas são internamente inconsistentes (logicamente contraditórias).

2) Elas são incompatíveis com enunciados que reportam fatos (estão em contradição lógica com os enunciados de base).

Um rápido exame desse critério revela que se trata de um critério negativo. Segundo ele, a honestidade intelectual não requer que alguém adote ideias, requer apenas que alguém esteja disposto a abandonar as suas ideias em certas circunstâncias.

E por que a adoção de um critério desse tipo é uma questão de vida e morte?

Em primeiro lugar, evidentemente, porque contrariar fatos pode ser fatal. Pense em todas as pessoas que morreram de câncer no pulmão porque se recusaram a abandonar a crença, propagada pela indústria do tabaco, de que cigarro não faz mal à saúde. Mas há um outro motivo, igualmente sério: quando pessoas que defendem ideias incompatíveis não dispõem de algum critério lógico que lhes permita decidir quem tem razão, e nenhuma delas está disposta a dar o braço a torcer, as disputas entre elas podem se tornar violentas. Por isso, uma sociedade habitada por pessoas intelectualmente desonestas tende a ser uma sociedade cheia de conflitos.

O respeito à racionalidade e à honestidade intelectual é valor muito mais importante e fundamental para uma sociedade do que qualquer ideologia. O erro fundamental de parte da esquerda brasileira, um erro que talvez fira de morte as ideias socialistas no país, é não entender isso. E a direita, diga-se de passagem, está indo pelo mesmo caminho. No caso, não em nome da ideologia, mas em nome da economia. É evidente que Temer não poderia ocupar as posições que ocupou sem saber e sem participar do petrolão. Temer foi eleito na mesma chapa da Dilma duas vezes... Defender Temer também é ser desonesto intelectualmente.

Não sei, não, amigos. Se o Brasil continuar descendo a ladeira da irracionalidade, vamos ter, cada vez mais, “black blocs” enlouquecidos vagando pelas ruas de São Paulo.

Ueba! Vou votar no Sobrecu! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 11/09

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

"Sensacionalista": "Vizinhos temem que Dilma vire síndica do prédio onde mora". E já imaginou a Dilma explicando uma taxa de 30%? "Não se trata de 30%. É 27,5% de 12%. Portanto 30% não é 30%."

E ela vai estocar vento e plantar mandioca. E o subsíndico não pode ser do PMDB, senão tem golpe!

Rarará!

E as Paraolímpiadas! Uma vergonha as TVs abertas não passarem a abertura das Paraolímpiadas. Não são coitados, são atletas! Coitado é o deficiente de caráter!

E o Frankstemer? Levou um Maracanaço! Foi vaiado pelo estádio!

E eu já disse que o único jeito de ele não ser vaiado é se levantar e falar: "PRIMEIRAMENTE, FORA EU". Palmas. Rarará!

E dom Pedro 1º foi o primeiro black bloc do Brasil. Ele gritou "Independência ou Morte". E a PM saiu correndo atrás!

Rarará!

E roubaram a carteira do Suplicy na passeata! Cem mil pessoas e roubaram justo a carteira do Suplicy?

Do Groselha! Eu acho que foi a mesma carteira que roubaram dele na Virada e ele só percebeu agora.

Rarará!

E o Serra na China tava parecendo um zumbi. De vampiro passou pra zumbi, um upgrade no mundo do terror.

E o Frankstemer foi recebido na China com um cartaz: "Welcome, Mr. Fora Temer".

Rarará!

O mundo pensa que o Temer se chama Fora Temer!

Rarará!

A Galera Medonha! Os candidatos! Um amigo do Rio recebeu um santinho com dois candidatos: "Para prefeito Pedro Paulo. Para vereadora Maria da Penhas".

Pedro Paulo apoia Maria da Penha! Depois de uns cascudos na mulher, ele apoia a Maria da Penha!

De Campo Novo, Rondônia: "Sobrecu". Mas eu prefiro a moela!

Rarará!

E de Nova Resende, Minas: "Leandro do Loteamento do Lula". Ah, o Lula tem loteamento também? Sítio, tríplex e loteamento!

E agora não sei se voto no Triste, no Cansado ou no Cagado. Triste, cansado e cagado é o eleitor, não os candidatos.

Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza.

Hoje só amanhã!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

É disparate sugerir que impeachment é equivalente à repressão da ditadura - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 11/09

Após um processo de impeachment que durou cerca de nove meses, a presidente Dilma Rousseff teve que deixar o governo. Esse é um fato de grande importância, pois assinala o fim da hegemonia política do Partido dos Trabalhadores e de seu líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Deve-se observar, ainda, que a deposição de Dilma importa igualmente ao fim do regime populista no Brasil, a exemplo do que aconteceu na Argentina e ameaça ocorrer também na Venezuela, na Bolívia e no Equador. A identificação desses governos ficou evidente durante o tempo em que o PT governou o país. E mais evidente se tornou, agora, após o impedimento de Dilma Rousseff, quando os governantes populistas retiraram seus embaixadores do Brasil, como protesto à deposição da presidente petista.

Esse é um fenômeno tipicamente latino-americano, de que o exemplo mais notável é o socialismo bolivariano inventado por Hugo Chávez. O populismo de esquerda surgiu em decorrência do fim do regime comunista em escala mundial, como uma alternativa encontrada pelos movimentos radicais que nasceram inspirados na revolução cubana. Uma opção, até certo ponto, coerente.

No caso brasileiro, Lula, ao assumir a Presidência, deu início a uma série de programas visando melhorar as condições de vida de setores mais carentes da população, e disso resultou a ampliação de sua popularidade, possibilitando que se reelegesse e, em seguida, elegesse Dilma Rousseff, que nunca havia sido sequer vereadora.

Acontece, no entanto, que a adoção por programas populistas inevitavelmente conduziu os países que o adotaram à crise econômica, uma vez que, enquanto aumentam os gastos do Estado com os programas sociais, pouco ou nada investem no crescimento econômico do país.

O populismo lulista oferece-nos alguns exemplos da ineficácia desse procedimento, que visa, na verdade, conquistar os votos dos setores carentes da sociedade para se perpetuar no poder.

Outro fator agravante dessa política populista é a ampliação do consumo, pelas camadas mais pobres, de bens como aparelhos de televisão, geladeiras e até mesmo automóveis. Para viabilizá-lo, o governo reduziu os impostos e emprestou dinheiro público a empresas, a juros abaixo do valor de mercado. A consequência inevitável de tal política era, sem dúvida, a crise econômica. E ela veio.

Dilma Rousseff, ao depor na segunda-feira, 29 de agosto, sugeriu que o processo a que respondia no Senado Federal era equivalente à repressão que sofreu na época da ditadura militar. Trata-se evidentemente de um disparate, uma vez que o processo atual baseou-se num dispositivo constitucional. Por outro lado, as acusações que lhe foram feitas tiveram a confirmação objetiva de técnicos do Tribunal de Contas da União.

Não obstante, tanto no pronunciamento inicial como nas respostas que deu aos senadores favoráveis ao impeachment, afirmou repetidamente que era vítima de um golpe parlamentar. Por isso, segundo ela, o que estava em jogo ali, naquele julgamento, era o regime democrático brasileiro.

Tratava-se, sem qualquer dúvida, de uma afirmação descabida, uma vez que não apenas o crime de responsabilidade que cometeu foi atestado por autoridades de indiscutível isenção, como, no curso do processo, pôde ela se valer de todos os recursos em sua defesa, como é facultado aos réus no regime democrático.

Tanto ela quanto os dirigentes do PT sabem disso. Não obstante, insistem em se colocar, diante da opinião, como vítimas de um golpe arbitrário e, portanto, antidemocrático. Desse modo, tanto ela quanto eles, que nunca morreram de amor pela "democracia burguesa", tentam apresentar-se como seus defensores agora, quando as bandeiras que empunhavam já não empolgam muita gente.

Estávamos errados, terrivelmente errados - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 11/09

No documentário "A Névoa da Guerra", Errol Morris entrevista Robert McNamara, secretário de Defesa dos Estados Unidos nos anos 60. Um homem aparentemente bom, atormentado pela sua responsabilidade na escalada da guerra com o Vietnã. Um pequeno país foi massacrado. Um grande país descobriu-se menor.

Em 11 lições, várias memoráveis, McNamara discute os equívocos que resultaram em uma guerra tão fútil quanto trágica. Talvez o maior tenha sido desconhecer as razões da divergência.

O filme registra o seu encontro, em 1995, com o ministro das Relações Exteriores do Vietnã na época da guerra. McNamara comenta que havia o receio de uma aliança entre a China e o Vietnã. O ministro responde: "Vocês estavam totalmente errados! Lutávamos pela nossa independência. Você não leu um livro de história? Temos lutado com os chineses por mil anos!"

"Estávamos errados. Terrivelmente errados", constata McNamara no fim da vida. A sua contrição não o redimiu, mas, ao menos, auxiliou na compreensão de uma tragédia e colaborou com a reconciliação.

Por aqui, nossa história decepciona. Quem reconheceu a responsabilidade pelos equívocos dos planos econômicos nos anos 1980? Quem assumiu a culpa pela política iniciada há oito anos e que resultou na grave crise atual, com a segunda maior queda da renda em 120 anos? Tantos a apoiaram e, agora, para constrangimento da história, afirmam que foram críticos desde o começo. O fracasso é órfão, como afirmou John Kennedy.

A campanha eleitoral de 2014 decepcionou quando a ética foi deixada no saguão de entrada.

A difamação da divergência procurou justificar a retomada de políticas que repetidamente fracassaram nos anos 1970 e 1980. A culpa das dificuldades seria da crise externa, ou da oposição.

"O inferno são os outros" sintetiza a saída fácil de um escritor, vítima do seu próprio oportunismo.

Agravando o malfeito, o descontrole do gasto público foi mascarado pela criatividade contábil, que tentou preservar a narrativa, ainda que em detrimento do bem comum.

A moralidade distorcida, a arrogância e o português atrapalhado ameaçaram tornar farsesco o discurso, não fosse o desastre da promessa de Brasil grande que resultou em terra arrasada.

De uma presidente que lutou contra a ditadura, ainda que defendendo outro regime autoritário, esperava-se mais respeito pela transparência das contas públicas. De lideranças que surgiram com a redemocratização esperava-se apreço pelas instituições e pelo diálogo.

O mea-culpa de McNamara contrasta com a pequenez por aqui. Reconhecer erros e restabelecer o diálogo seria o começo da reconstrução.

O ajuste moral - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

Os políticos brasileiros têm uma dívida moral gigantesca com o país. Precisam começar a saldá-la



A palavra de ordem no Brasil de hoje, mais que ajuste fiscal, é “ajuste moral”. Por isso o novo slogan nas redes sociais é #ForaLadrao, apartidário e impessoal. Ele abarca a todos. Não só aos ladrões de bilhões de reais ou dólares, mas aos vândalos de sonhos, ideais e convicções. Ladrões da inclusão social, das estatais, dos direitos a um voto limpo, ladrões da paz, da educação e da saúde. Os presidentes – a destituída e o entronado –, os governadores, os prefeitos, os senadores, os deputados, os vereadores, todos têm uma dívida moral gigantesca com o país. Algumas medidas são urgentes para começar a saldar essa dívida.

A cassação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. É uma ironia que possa ser cassado apenas por “quebra de decoro”, mas é assim que a banda toca. Acusado de mentir à CPI da Petrobras ao negar conta na Suíça em seu nome, Cunha esperneia há dez longos meses. Precisa ser punido exemplarmente, em nome da moralidade. Que Cunha não seja apenas suspenso, como quer. O Brasil deseja que ele perca seu mandato e se torne inelegível.

O veto ao aumento indecente para o Judiciário num momento de crise econômica profunda, em que a comida desaparece da mesa do povo e o emprego some do cotidiano. A nova presidente do STF, a mineira Cármen Lúcia, que assume na segunda-feira, é uma esperança de austeridade, com sua dedicação quase monástica à vida pública. “Não gosto muito de festas. Eu gosto é de processo”, disse a ministra do Supremo, que já se expressou contra altos gastos no Poder Judiciário.

O cerco implacável às doações ilegais nas próximas eleições municipais. Continua a festa das fraudes e dos laranjas, mas o Tribunal de Contas da União e o Tribunal Superior Eleitoral estão de olho. O TSE identificou mais de 21 mil pobres que transferiram ao todo R$ 168 milhões a campanhas municipais. O TCU detectou irregularidades em mais de um terço de 114 mil doações a candidatos a prefeito e vereador. Até morto aparece como doador. Beneficiário de Bolsa Família também. Chega de propina.

O desmascaramento dos desvios bilionários de quatro dos principais fundos de pensão do país, que atingem 1,3 milhão de trabalhadores. Rombo de mais de R$ 50 bilhões, provocado por investimentos fraudulentos, superfaturamento de contratos. Envolvendo energia, petróleo e infraestrutura. Maiores lesados são funcionários da ativa e aposentados das estatais. A operação foi batizada pela Polícia Federal com base numa modalidade de investimento. Nome chique: Greenfield. E nem Dilma Rousseff nem Michel Temer sabiam de nada. Que se abram agora as caixas-pretas do BNDES. #ForaLadrao.

A redução do patético número de partidos políticos. São 35 – e deles, 27 com representação na Câmara. Muito mais que um fatiamento de siglas, é um esquartejamento do sistema partidário, que dificulta a formação de uma consciência política. Não há coerência a princípios ou a programas. Essa pulverização desmobiliza o eleitor. Cada vez menos se vota por partido no Brasil. O PT destruiu a força da sigla com sua avalanche de erros éticos e de gestão. Os políticos trocam de filiação partidária como quem troca a gravata ou o corte de cabelo. As maiores manifestações de rua, a favor ou contra, nada têm a ver com um partido específico. Acordem para sua falta de sintonia e seu isolamento. E #ForaLadrao.

O despertar para o maior desafio e única esperança das futuras gerações: a educação universal e de qualidade, em horário integral.O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostrou que, em dez anos, a nota do ensino médio avançou em 0,3 ponto. Ou seja, próximo de nada. O Brasil continua a avançar nos primeiros anos do ensino fundamental. Mas o que proporcionamos a nossos adolescentes? Por ano, 700 mil alunos abandonam o ensino médio. Estamos condenando mentes jovens à mediocridade ou a coisa pior.

Um choque na gestão de Saúde e no calamitoso índice de saneamento básico
. Basta de ver famílias sofrendo em filas de hospitais, morrendo por falta de remédio, de médico ou de internação. Saneamento é um tema que não rende leitura. Fede demais. Mas é preciso se indignar: metade da população brasileira ainda não tem esgoto coletado em suas casas. Nesse item que compromete a qualidade de vida e a saúde, o Brasil está em 11o lugar na América Latina. Medalha de incompetência e negligência.

Em um mês que tanto se falou de superação e inclusão pelo esporte, em que nos emocionamos com tantos atletas que transformaram adversidades financeiras e físicas em histórias de sucesso, ouro, prata e bronze, os políticos brasileiros precisam compreender que merecem todas as vaias do mundo. Até prova em contrário, são culpados.

Governo Temer não se cansa de fazer inimigos - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 11/09

O governo não tem se cansado da arte de fazer inimigos, prejudicar seus negócios e confundir até pessoas de boa vontade com o novo presidente. Tanto que, no final da semana útil, o Planalto resolveu outra vez arrumar a casa, no dizer de um ministro.

Ministros são chamados às falas para falar menos, "cabresto curto". Acerta-se o calendário de votação do teto e da mudança na Previdência. A "reforma ministerial" fica para o ano que vem; seria feita na medida do apoio dos partidos a essas emendas constitucionais. A trabalhista, fica "para depois".

A motivação imediata dessa conversa foi a mais recente saraivada de tiros do governo no próprio pé, o anúncio de uma razia nas leis do trabalho deste país de 11,6% de desemprego. O problema, obviamente, não é apenas de relações públicas, embora o governo pareça incapaz mesmo de fazer demagogia verbal eficiente, que é de graça.

Além de colocar um freio na conversa trabalhista, no Planalto se diz que "foi encaminhado" com as cúpulas da Câmara e do Senado o calendário da votação do teto de gastos do governo e da reforma da Previdência. O teto seria votado neste ano. A mudança da Previdência passaria na Câmara e ficaria para 2017 no Senado. Nada anda, porém, até a eleição.

No entanto, a grande impopularidade do governo não terá melhorado com essa história de reforma trabalhista, mais um capítulo de Maquiavel às avessas: anunciar aos poucos a intenção de fazer o mal.

Na sexta (9), a Força Sindical, parte da coalizão que depôs Dilma Rousseff, soltou nota em que chamou as propostas de reformas de Temer, na Previdência e na CLT, de "delirantes". Até o fim do mês, fará protesto nacional contra as medidas. Outros sindicatos e centrais preparam manifestações ainda em setembro.

O congelamento dos gastos federais já reunira uma frente de oposição, esta transversal, de médicos e empresas do setor a sindicatos e outros movimentos sociais, que não quer mexidas na saúde. Outro desgaste vitaminado pelo governo, os reajustes do funcionalismo, um problema em si, pega de resto muito mal entre um povo que padece sob os índices de sofrimento socioeconômico mais altos em décadas.

Afora o desemprego em alta e a renda em baixa, considere-se a inflação. A carestia dos alimentos voltou aos picos que causam raiva social. Nos últimos 12 meses, preços de comida e bebida subiram em média 14%, ao mesmo nível que detonou o começo do grande mal-estar de 2013.

Comenta-se a falência de Estados e, em breve, de prefeituras, mas não se atenta de fato para o efeito concreto disso na vida do povo miúdo (mas não só), em especial na saúde, o que mais aflige as gentes. O colapso final de vários Estados está próximo. Notícias sobre prefeituras exauridas começarão a pipocar. A arrecadação ainda cai cada vez mais rápido.

Nesse ambiente de medo e sofrimento crescentes, o governo propõe uma reforma trabalhista mal pensada, mal estudada e mal discutida, se não apenas rapina. Mesmo em termos econômicos, um pacotão de reformas liberalizantes simultâneas costuma dar problema ou em nada. Em termos políticos, é uma tolice que pode custar a aprovação do essencial e urgente, um plano fiscal para conter a ruína econômica.

Fundos afundados - SUELY CALDAS

ESTADÃO - 11/09

Enfim, os quatro maiores fundos de pensão do País começaram a ser tratados como devem: são casos de polícia. E desta vez os acusados não podem se queixar de perseguição do juiz Sergio Moro, já que a ação corre na Justiça de Brasília, que autorizou o bloqueio de R$ 8 bilhões dos investigados. Este valor já denuncia: o que mais impressiona na Operação Greenfield, da Polícia Federal (PF), são as cifras bilionárias envolvidas e o longo tempo em que as fraudes aconteceram – por quase uma década – sem que os órgãos de fiscalização descobrissem e punissem os responsáveis. A cumplicidade da parceria perversa entre intervenção do governo nos negócios dos fundos, empresas que pagam propina por investimentos, políticos e sindicalistas desonestos à frente dessas instituições e uma fiscalização fraca e submissa ao governo tem sido, ao longo dos anos, responsável pelo trágico prejuízo financeiro agora investigado pela Polícia Federal.

Nos últimos anos Previ (do Banco do Brasil), Petros (Petrobrás), Funcef (Caixa Econômica) e Postalis (Correios) acumularam rombos que, somados, chegam à incrível cifra de R$ 53 bilhões. Maiores do País, os quatro reúnem 315 mil participantes e, nos casos da Funcef e do Postalis, os funcionários ativos e aposentados da Caixa e dos Correios tiveram o salário mensal reduzido para cobrir o rombo. O próximo será o Petros. No enredo dessa história, não só a Previc (responsável pela fiscalização direta e subordinada ao ministro da Previdência) e a Comissão de Valores Mobiliários, que supervisiona operações financeiras, foram ausentes ou fizeram vista grossa nas operações fraudulentas. As centrais sindicais e os sindicatos de trabalhadores dessas empresas, que deveriam estar nas ruas protestando e cobrando das diretorias dos fundos, se calaram, deixaram os filiados ao relento. E por quê?

Simplesmente porque são parte envolvida, interessada e responsável pelo descalabro. Pelas regras atuais, metade da diretoria é indicada pela empresa patrocinadora e metade pelos sindicatos que representam trabalhadores da estatal. Portanto, dirigentes sindicais são também responsáveis pelas fraudes, o que levou alguns deles para a cadeia na Operação Greenfield. Seria descarado alegar que desconheciam o risco, porque os negócios já estavam bichados quando consumados, entre eles a compra de papéis das dívidas da Venezuela e da Argentina (esta em pleno calote) pelo Postalis ou o investimento em debêntures da Universidade Gama Filho, que pouco tempo depois fechou as portas e deixou milhares de estudantes sem diploma. Petros, Funcef e Previ perderam R$ 3,3 bilhões na aventura da Sete Brasil – empresa que forneceria sondas para a Petrobrás e está em recuperação judicial.

Já em 2003, início do governo Lula, três dos fundos investigados foram entregues a sindicalistas filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT) e originários do Sindicato dos Bancários de São Paulo, na época dirigido por João Vaccari Neto, outro petista preso na Operação Lava Jato. Sergio Rosa, que prestou depoimento à PF esta semana, virou presidente do Previ; para a Funcef foi Guilherme Lacerda, preso há dias no Espírito Santo; e Wagner Pinheiro para o Petros. Os três atuavam juntos e concebiam ações de ajuda ao PT com o dinheiro dos fundos, como a ideia (que não foi adiante) de criar uma cooperativa habitacional ligada à Prefeitura de São Paulo, na época ocupada pela então petista Marta Suplicy, no modelo da Cooperativa dos Bancários dirigida por Vaccari Neto.

O Senado já aprovou, mas as centrais sindicais conseguiram empacar sua tramitação na Câmara dos Deputados, projeto que tenta profissionalizar a gestão e dificultar a nomeação de políticos e dirigentes sindicais para o comando desses fundos. É um avanço, mas o projeto falha ao não endurecer na fiscalização. Um meio eficaz para frear dirigentes desonestos seria obrigar a Previc a pôr à disposição na internet os resultados financeiros de cada um deles, abrindo a chance para trabalhadores e aposentados das empresas fiscalizarem diretamente o patrimônio que lhes pertence.

Temas cruzados - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 11/09
Terrorismo, desemprego e mudança climática. Esses três assuntos estiveram em todas as discussões dos líderes presentes na reunião do G-20. Desses temas que mobilizam os líderes mundiais, dois nos dizem respeito diretamente. O Brasil precisa urgentemente criar emprego para seus 12 milhões de desempregados. O clima já mostra seus rigores no país, como no Nordeste, há cinco anos em seca.

Mudança climática não é aquilo com o qual se preocupar no futuro, mas o risco para o qual se preparar agora. Os cientistas precisam sempre de estudos rigorosos antes de definir que um fenômeno decorre de mudança climática ou faz parte das oscilações naturais que a Terra sempre viveu. Essa precisão científica do diagnóstico é importante, mas não deve adiar as decisões a tomar, porque o fato está diante de nós.

Os cientistas já disseram que um dos efeitos no Brasil será o aumento das secas no Nordeste. O país vive esse extremo do clima há cinco anos na região, sem que qualquer medida consistente seja tomada para mitigar esses efeitos. O setor de “obras contra as secas” sempre foi, em todos os governos, o órgão ocupado por políticos clientelistas para usar as ações de combate aos rigores do clima como moeda de troca eleitoral. O assunto ficou sério demais para ser tratado dessa forma. As secas passarão a ser mais frequentes e mais rigorosas. A transposição do Rio São Francisco, sem medidas de proteção do rio, é um caminho perigoso.

Os temas do desemprego e mudança climática têm relação entre si. Nos últimos anos, os setores que mais criaram emprego em alguns países foram o da produção de energia de baixo carbono, o das transformações na economia para adaptar à nova forma de produção, e o do desenvolvimento de tecnologias amigáveis ao meio ambiente. Isso que se costuma chamar de economia verde tem sido uma ponta dinâmica em diversas economias. Portanto, o que é preciso é que haja um estímulo para essa mudança de padrão.

O Brasil gasta muito em incentivos fiscais, mas eles não têm direcionamento. Nos últimos anos, bilhões foram dedicados ao setor automobilístico através de redução de impostos sem qualquer exigência de motores mais eficientes e menos poluentes ou adaptação para uso de energias de menor impacto. Foi doação sem contrapartida. O objetivo era manter o emprego dos metalúrgicos, mas, no fim, as empresas acabaram demitindo quando se reduziu o incentivo.

O benefício fiscal tem que ter um propósito. A Lei Rouanet está no meio do fogo cruzado pelos desvios que foram flagrados por investigações policiais. É preciso combater o crime, mas o incentivo à cultura existe em qualquer país do mundo. No Brasil, segundo o ministro Marcelo Calero, o incentivo ao setor cultural é 0,6% das desonerações. O setor cultural cria muito emprego e é criticado pelos incentivos, mas Calero, que entrevistei no meu programa da Globonews, faz uma boa comparação.

— Tem gente que diz que se o espetáculo é incentivado, deve ser de graça. Então vamos pedir o carro de graça também porque ele tem incentivos fiscais — disse.

No setor de produção de energia, os gastos governamentais são também sem direção. Nos anos Dilma, ficou incalculável o custo das grandes obras hidrelétricas na Amazônia. Houve subsídio direto e indireto, e a pouca transparência tornou a conta difícil de ser feita. O governo forneceu financiamento barato, colocou as estatais de energia e os fundos de pensão como parceiros do setor privado em operações que estatizaram os riscos, e privatizaram o lucro. Isso sem entrar na conta o que houve de desvios por corrupção.

A energia hidrelétrica é considerada de baixo impacto porque a geração tem, em geral, pouca emissão de gases de efeito estufa, mas a maneira como os projetos foram executados no Brasil teve altos custos ambiental e fiscal.

Os desafios de criar mais emprego, e de mudar a economia para um padrão de baixa emissão, têm que estar presentes na formulação da política econômica. Esses não são temas passageiros. A boa notícia é que pode-se criar emprego de qualidade no combate aos efeitos da mudança climática. Os dois temas que preocupam os líderes mundiais se cruzam, principalmente numa economia como a do Brasil.

Minirreforma política muda muito na direção correta - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 11/09

Tramita no Senado PEC (proposta de emenda à Constituição) de minirreforma política. De autoria do senador do PSDB do Espírito Santo, Ricardo Ferraço, conta com relatoria do senador do PSDB de São Paulo Aloysio Nunes Ferreira. O projeto institui a cláusula de desempenho e veda coligação para eleição proporcional.

A intensa crise política atual tem inúmeras causas. A elevada fragmentação partidária agrava o problema: aumenta o custo do Executivo no exercício de seu poder de agenda no Congresso Nacional, dificultando, portanto, a governabilidade.

Difícil governar com 32 partidos e outros 35 na fila para a obtenção de registro.

O desenho institucional, com voto proporcional em grandes distritos (cada Estado é um distrito), gera elevado número de partidos.

Escolhas recentes de gestão do próprio governo petista, que tentou desidratar o PMDB criando vários "pequenos PMDBs", e decisões equivocadas do STF agravaram o problema.

É consensual na ciência política brasileira que o elevado grau de fragmentação não tem gerado ganhos de representação de grupos minoritários da sociedade. É indústria que atende somente aos interesses de uns poucos: abocanhar parcela dos R$ 800 milhões do Fundo Partidário e vender tempo de televisão.

A cláusula de desempenho da PEC determina que "terão direito a funcionamento parlamentar aqueles [partidos] que obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% de todos os votos válidos, distribuídos em, pelo menos, 14 unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma delas".

O parágrafo seguinte estabelece que "somente os partidos políticos com funcionamento parlamentar terão direito a estrutura própria e funcional nas Casas Legislativas, participarão da distribuição dos recursos do fundo partidário e terão acesso gratuito a rádio e televisão, na forma da lei".

Deputados eleitos por partidos que não atingirem a cláusula de desempenho não perdem o mandato. Podem continuar no partido sem direito a funcionamento parlamentar, convivendo com as limitações daí decorrentes, ou podem mudar, sem maiores ônus, para outro partido.

A PEC, atendendo ao anseio de pequenos partidos ideológicos, permite coligação para eleição proporcional na forma de federação de partidos. Para todos os efeitos práticos, a federação de partidos funciona, ao longo do período de sua vigência, como se fosse um único partido. Em particular, os partidos federados terão que participar do processo eleitoral e atuar conjuntamente não somente no Senado e na Câmara Federal mas também nas Assembleias dos Estados e do Distrito Federal, bem como nas Câmaras de Vereadores.

Como regra de transição, a PEC estabelece cláusula de barreira mais leve em 2018, de somente 2% de todos os votos válidos; e a proibição de coligação em eleições proporcionais vigorará somente a partir de 2022.

A grande virtude da iniciativa do senador Ferraço é que a reforma proposta é incremental e ataca a fonte de um dos maiores problemas de nosso sistema político: a excessiva fragmentação partidária.

Em vez de tudo mudar para que fique tudo como está, reforma-se quase nada para mudar muito na direção correta.

A invasão dos zumbis - FERNANDO GABEIRA

O Globo - 11/09

Semana de trabalho na Baixada Fluminense. Tardes quentes e muitas carreatas de candidatos atravancando o caminho, sobretudo no feriado de Sete de Setembro. Não posso fugir de um tema ao falar com as pessoas por aqui. A semana foi marcada por um escândalo nos fundos de pensão. O rombo nas contas de quatro deles, Petros, Previ, Postalis e Funcef, somam mais de R$ 50 bilhões. Como foi possível chegar a essas cifras? Onde estavam todos os mecanismos de controle? Que magia permitiu que uma suspeita que data de mais de 13 anos continuasse nas sombras? N os últimos meses, estourou também o escândalo do crédito consignado para funcionários públicos. As mesmas forças que combatem uma reforma da previdência usaram amplamente os recursos dos aposentados para seus projetos políticos. Norberto Bobbio, em seu livro sobre o que é a esquerda, destacava a preocupação com aposentadoria digna, uma proteção na velhice como uma linha divisória. No entanto, acho que hoje há consenso sobre a necessidade do sistema em muitos países. O que se discute, aqui, na França, na Grécia, é sua sustentabilidade. Experimentei no contato com um amigo na Baixada o que é a insegurança quando o sistema entra em pane. Ele é aposentado pela PM, o pai pelo Corpo de Bombeiros e a mãe como professora. São três funcionários estaduais e viveram momentos de pânico pela falta de dinheiro. O pai sofre de Alzheimer, precisa de uma enfermeira. Sem salário, os três não conseguiam mais pagar a enfermeira por sua vez estressada com o perigo de desemprego. É tão sério manter a sustentabilidade e o circo da campanha eleitoral, que com suas bandeiras e carretas parece alheia à realidade cotidiana.

Numa das noites, vi na TV dezenas de funcionários reclamando dos salários. Deveriam recebê-los, por ordem da Justiça, no terceiro dia do mês. Não havia dinheiro para todos. O governo optou por uma escolha de Sofia estatística: 30% ficariam sem o salário. Naquela imagens da TV, os 30% ganhavam rosto e voz, eram pessoas reais com dificuldades comoventes na sua vida cotidiana. O populismo vai garantir sempre que luta pelos “nossos velhinhos”, mas os últimos acontecimentos mostraram: os “nossos velhinhos” é que impulsionam com seu sacrifício os sonhos de poder e riqueza de setores da política. Na propaganda política parece que nada se passou, que não houve as grandes manifestações de 2013. Os candidatos estão sempre prometendo que vão cuidar de você, dos velhos, das crianças, dos transeuntes.

No torpor de quem trabalhou todo o dia, imagina-os como se fossem médicos correndo de enfermaria em enfermaria, cuidando de todos exaustos. É um discurso anacrônico. As manifestações de 2013 pediam serviços públicos decentes, em troca dos pesados impostos que se pagam. Parece pouco, mas é o desafio do momento. Não creio que as pessoas precisem de um pai. Sobretudo agora que o pai dos pobres e a mãe do PAC acabam de deixar o poder. Acredito que muitos dispensariam pai e mãe no poder se tivessem apenas um bom funcionário público no governo. Mas a força de elementos irracionais, uma visão equivocada do papel do estado, ainda levam muitos à busca de um candidato populista que procura associar à imagem paterna. Fiquei muito impressionado com esses dias na Baixada. Ao cruzar com as campanhas políticas e sua bandeiras, foi como se o tempo não tivesse passado e todos esses últimos anos fossem apenas uma lembrança nebulosa.

De uma certa forma, era uma invasão de zumbis. Não ameaçam a vida mas a própria noção do tempo. Não sei se inflacionei minhas expectativas, mas em quase toda parte vejo campanhas políticas desoladoras. Em alguns lugares, você deixou de ser aquele eleitor que escolhe um candidato e se transformou num especialista em redução de danos, escolhendo a dedo o desastre menos assustador. Aquele processo que construímos a partir da democratização acabou. Sobrevive como um fósforo apagado. Não é preciso ter lembranças para se chegar a essa conclusão. A frieza das ruas mostra que grande parte das pessoas prefere uma distância sanitária das investidas eleitorais. Infelizmente a marcha dos zumbis é tão sofisticada que os próprios doadores também já morreram. Dados do Tribunal Superior Eleitoral registram um grande número de mortos entre os doadores de campanha.

O processo só ficará completo quando produzirem uma grande quantidade de títulos de eleitores dos mortos. O ciclo se fechará. Os mortos dão a grana, votam, os zumbis acenam bandeiras e nos entopem de santinhos. Não creio que isso vá durar muito tempo. Prefiro acreditar que é uma dessas séries de TV que custam a acabar e estou vendo apenas um dos seus últimos capítulos. Vi uma manifestação de rua questionando os gastos do governo. O cartaz dizia: Seropédica acordou. O verbo é bem escolhido. Imaginei milhares de luzes se acendendo no mapa do Brasil e antevi uma reforma política. De baixo para cima.


Caos parlamentar - SÉRGIO BESSERMAN VIANNA

O Globo - 11/09

Não há luz alguma sobre como seremos capazes de reconstruir a República


Muitos aspectos da vida política e institucional do Brasil são disfuncionais e obstáculos quase intransponíveis, se queremos evitar a armadilha dos países de renda média e recuperar um trajetória de crescimento que leve ao aumento do bem-estar da população brasileira.

Vivemos agora no lusco-fusco entre a morte já constatada da Nova República e o surgimento de alguma luz sobre como avançar na direção de uma democracia de qualidade superior. O axioma de Ulysses Guimarães, de que “cada novo Congresso é sempre pior do que o anterior”, tornou-se insustentável. A demanda tsunâmica por mais igualdade não é compatível com o intransponível fosso que se abriu entre a representação política e os cidadãos.

Ainda não há luz alguma sobre como seremos capazes de reconstruir a República. Algumas pequenas alterações nas regras do sistema político-eleitoral (como o fim das coligações e a cláusula de barreira ) poderão ajudar, mas muito dificilmente vão desfazer as amarras que nos aprisionam.

Importante notar que não se trata de reforma política para que “o eleitor vote melhor”. Isso não existe por definição. Votar melhor, para cada um, é votar igual a ele, o que, convenhamos, é contraditório com uma concepção democrática da vida política. Há distorções políticas muito graves, como a imunidade parlamentar para crimes comuns, o loteamento dos cargos do Estado sem qualquer relação com ideias ou programas partidários, o fato de o voto de um brasileiro de um estado de pequena população valer mais de dez vezes o voto de um cidadão de um estado populoso na composição da Câmara Federal e muitas outras.

Mas quais são os nós górdios do sistema criados na Carta de 1988 que precisam ser cortados com a espada de Alexandre, o Grande, porque é impossível desatá-los?

Um é o peso do dinheiro na disputa eleitoral, que no Brasil chegou ao paroxismo (basta comparar com sociedades muito mais ricas). A questão não pode ser resolvida pelo lado da oferta, com proibição de financiamentos de empresas etc. Dinheiro é como água, sempre encontra seus caminhos. A única solução possível é pelo lado da demanda, com o voto distrital ou distrital misto. Não vai fazer ninguém votar “melhor”, mas vai diminuir muito o papel do dinheiro na eleição dos parlamentares.

Outro é a contradição entre uma constituição construída de forma totalmente parlamentarista mas que acabou presidencialista. Os parlamentares, especialmente os deputados federais, tornaram-se atores sem ônus mas com bônus. Um modelo de governança tragicômico. Podem derrubar ou coagir (eufemisticamente falando ) governos sem pagar preço algum por isso. Um semipresidencialismo no qual, se um governo não se sustenta, são convocadas eleições gerais, pode ser uma opção.


Algodão entre cristais - DORA KRAMER

ESTADÃO - 11/09

A crise persiste, a turbulência resiste e os conflitos de natureza política ainda insistem em marcar presença no ambiente de maneira contundente. Ciente do cenário nacional ainda conturbado em que assumirá amanhã a presidência do Supremo Tribunal Federal, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha – mineira de Montes Claros, onde nasceu há 62 anos sob o signo de Áries – fará um discurso de panos quentes, no sentido da união do País, do fim da ideia da divisão entre “nós” e “eles”.

Ela acredita que a fala estará em sintonia com o anseio da maioria da população e irá ao encontro da necessidade mais urgente do Brasil: a pacificação entre as forças políticas (sem prejuízo do exercício da oposição e da liberdade de expressão) e a harmonia entre os Poderes. Notadamente no âmbito do Judiciário – aqui entendido o destaque ao tribunal que presidirá pelos próximos dois anos.

A despeito das posições firmes e declarações de clareza indubitável – é da autoria dela o conceito expresso durante o julgamento do mensalão sobre o caráter criminoso do uso de caixa 2 nas campanhas eleitorais – a ministra no primeiro momento evitará alimentar polêmicas. O que não significa que não as “comprará” adiante, ao longo do mandato.

Quando chamada a se manifestar, em duas delas certamente enfrentará resistências entre magistrados: aumento do teto salarial do Poder Judiciário (em tramitação no Congresso). Cármen Lúcia é contra o reajuste, pelo mesma razão que decidiu deixar de lado a tradicional festa de comemoração da posse de presidentes do Supremo. Não é hora de gastar, de reivindicar vantagens nem de simular prosperidade em momento de privação geral na economia.

A nova presidente do Supremo Tribunal Federal também contraria boa parte de seus pares ao se opor à concessão de auxílio-moradia, ao menos para a magistratura de instância superior. Para dar o exemplo, deixou o apartamento funcional e comprou uma casa em Brasília. Financiada. Tais características não fazem de Cármen Lúcia uma heroína: são convicções de uma mulher culta, mas comum, em universo de gente que se considera incomum. De onde, provocará estranheza.

Desculpa esfarrapada. Para Eduardo Cunha melhor seria que o menor número de deputados comparecesse à sessão marcada amanhã, cuja pauta é a cassação de seu mandato. Ausências o favorecem.

Os aliados dele simplesmente não irão. Os adversários fazem campanha para assegurar presenças. No meio disso há os mais interessados nas eleições municipais. São instados a comparecer sob o argumento de que o eleitorado não lhes perdoará a ausência.

A isso respondem: em 2018, ninguém vai se lembrar de quem votou ou deixou de votar na cassação de Eduardo Cunha, mas em 2016 o prefeito, de quem depende a eleição futura do deputado, lhes cobrará presença imediata.

Com essa justificativa, muitos irão se ausentar dizendo que o motivo foi o atendimento às bases.

Terrenos na lua. Os primeiros movimentos pós-impeachment do PT indicam que o partido continua operando no campo da fantasia.

Pede que o Supremo anule o julgamento, a despeito das constantes negativas; insiste na “denúncia” internacional do golpe, cuja tendência é cair no vazio diante da crescente recusa dos países de aceitar a tese; propõe campanha por eleições diretas já sabendo da impossibilidade constitucional da empreitada.

Tais propostas animam o auditório, mas não prestam bom serviço à necessidade de o PT recuperar credibilidade junto à sociedade.

‘Assim é, se lhe parece’ - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 11/09

O governo Michel Temer parece aquele boneco Bobão: cai para um lado, cai para o outro, gira desengonçado, mas acaba de pé. A oposição está irritada e animada, botando suas bandeiras vermelhas na rua, com a propaganda do “golpe” e do “Fora, Temer”. E, da arquibancada, a grande maioria da população ainda olha, desconfiada, sem tirar conclusões. O impeachment passou, mas o jogo ainda está sendo jogado.

Começar um governo depois de um longo e traumático processo de impeachment é muito diferente de assumir sob embalo de uma campanha acirrada, de uma vitória nas urnas e de uma vibrante festa de posse. No caso de Temer, acrescentem-se as circunstâncias: uma crise de dar dó, Orçamento destroçado e a Lava Jato pairando sobre tudo e todos.

Quando se fala de Itamar Franco, vêm à tona o sucesso, a pacificação política e o Plano Real, mas não começou assim... Não havia contestação ao impeachment de Collor nem protestos nas ruas e o único partido que virou as costas à transição foi o PT, mas Itamar penou na questão crucial: a economia. Foram quatro ministros da Fazenda, até que Fernando Henrique reunisse os melhores economistas e entregasse o Plano Real. E ainda vieram mais dois ministros. Seis em dois anos.

Olhando retrospectivamente, os tempos Itamar parecem uma maravilha, mas entraram e saíram da Fazenda Gustavo Krause, Paulo Haddad, Eliseu Resende, FH, Rubens Ricupero e Ciro Gomes. A cada chegada, uma incerteza. A cada saída, uma crise, com exceção de FH, que saiu para a campanha e dali para o Planalto.

Logo, não chega a ser dramático Temer trocar os ministros do Planejamento e do Turismo e o advogado-geral da União. O problema é que Romero Jucá ainda sonha voltar e Henrique Alves saiu de fininho, mas Fábio Osório pode ser uma bomba. Saiu por acúmulo de erros, como diz o Planalto, ou para não esquentar a Lava Jato, como ele diz?

Com três meses de interinidade e dez dias de governo de fato, Temer já apanha dos protestos, das centrais trabalhistas, das entidades patronais, do funcionalismo, do corporativismo, dos analistas, da base aliada e de próceres do próprio PMDB, tudo isso sob a premência das reformas e a sombra da Lava Jato. Quem mais? Quando?

As primeiras obrigações do presidente são não falar fora de hora e fora do tom e dar um freio de arrumação no próprio governo, que comete um erro atrás do outro e se mostra prodigioso em dar munição aos inimigos. Menosprezar um bordão forte como “golpe”, desdenhar das manifestações, escorregar em declarações nas áreas de educação, de saúde e, agora, na delicadíssima área trabalhista são coisas de amadores, não do governo de quem presidiu a Câmara três vezes.

Assim como a palavrinha mágica “golpe” ajudou a cristalizar, talvez em milhões de pessoas, a percepção de que o impeachment de Dilma foi ilegal e ilegítimo, a “jornada de 12 horas” ajuda a oposição a ratificar que Temer vai retroceder nos direitos e abandonar os pobres à própria sorte. Em vez de falar esse absurdo, o governo bem que poderia ter usado e abusado, a seu favor e a favor da verdade, dos resultados do Ideb, que configuram o fracasso da “pátria educadora” de Dilma.

Política e comunicação são indissociáveis, dentro de uma velha concepção de que “assim é, se lhe parece”. Ou seja, o que parece (golpe, retrocesso social...) passa a ser considerado como fato. É a isso que Temer precisa urgentemente reagir. Além de agir para efetivamente melhorar o governo.

Ótima troca: Eduardo Cunha sai amanhã da Câmara e Carmen Lúcia entra na presidência do Supremo, levando mulheres competentes para a sua chefia de gabinete, a Secretaria-Geral e as secretarias de Comunicação e de Segurança. As pessoas certas, no lugar certo, no momento histórico certo. Boa sorte!

No meio do atoleiro, fora do debate dos gringos - ROLF KUNTZ

ESTADÃO - 11/09

Só os muito otimistas podem ver alguma boa notícia nos últimos números da inflação, ou até um sinal verde para um primeiro corte de juros. Além de entravar o crescimento econômico, financiamento muito caro dificulta a arrumação das contas de governo e atrapalha, de modo especial, o controle da dívida pública. Mas um corte precipitado pode ser desastroso, como se viu entre os meses finais de 2011 e o fim de abril de 2013, quando a política frouxa, ao gosto da presidente Dilma Rousseff, abriu enorme espaço para o avanço da inflação.

Para iniciar o corte, facilitar a expansão do crédito e começar a diminuir o custo do capital, o Comitê de Política Monetária (Copom) apontou três condições indispensáveis. Nenhuma é visível neste momento, apesar do recuo, no varejo, do custo da alimentação. Se quiserem afrouxar a política na próxima reunião, os membros do comitê, formado por diretores do Banco Central (BC), terão de apresentar uma explicação digna de citação em manuais – exceto, é claro, se fatos muito surpreendentes ocorrerem até lá. O próximo encontro para deliberação está marcado para os dias 18 e 19 de outubro.

A inflação mensal caiu de 0,52% para 0,44% de julho para agosto, segundo a última apuração do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Esse é o número usado como referência para políticas oficiais. Mas ninguém deve levar muito a sério esse recuo de curtíssimo prazo. A alta de preços no mês passado foi a maior em um mês de agosto desde 2007, quando chegou a 0,47%. A variação acumulada em 2016 bateu em 5,42%. O resultado em 12 meses subiu de 8,74% para 8,97%. O número final deste ano poderá confirmar as previsões do mercado e do próprio governo, ficando pouco acima de 7%. Mas os sinais de arrefecimento e de convergência para a meta oficial de 4,5% em 2017 ainda são frágeis.

Os otimistas poderão entusiasmar-se também com a alta menor dos preços de alimentos e bebidas: a taxa passou de 1,32% em julho para 0,30% em agosto. Um firme recuo desse componente é uma das condições indicadas pelos membros do Copom para o início do corte de juros. Mas a acomodação continua incerta. Depois de uma queda de 2,01% em julho, os preços de produtos agropecuários subiram em agosto 0,88% no atacado. Será preciso algum tempo para saber se esses preços – com alta de 15,58% no ano e de 27,74% em 12 meses – poderão evoluir de modo mais favorável ao consumidor.

Mas a inflação nas feiras e nos supermercados é só uma parte do problema. Mais que isso: com o aumento menor do custo da alimentação, a gravidade do quadro geral fica mais visível. Cinco dos nove grandes componentes do IPCA subiram mais que no mês anterior.

Esse foi o caso de três importantes itens formados principalmente de serviços – saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais e educação, com variações de 0,80%, 0,96% e 0,99%. Esse é um forte sinal do peso da indexação e – apesar da crise – das condições de demanda ainda favoráveis à elevação dos preços finais. Os juros altos têm contido em parte a propagação dos aumentos de custos, mas ainda de forma insuficiente para derrubar a inflação até níveis mais toleráveis.

O recuo das tarifas de energia elétrica e de outros preços monitorados também contribuiu para a melhora do índice geral, assim como o bom comportamento do câmbio. Qualquer alteração nesses itens poderá complicar o quadro nos próximos meses. O valor do dólar é um item especialmente delicado. O câmbio pode ser afetado tanto por fatores internos, como o maior ou menor apoio político aos ajustes e reformas, quanto externos, como as políticas monetárias das principais potências.

Uma alta dos juros americanos poderá mexer nos fluxos de capitais e no valor do dólar. Ninguém pode dizer com segurança a data do novo aperto monetário nos Estados Unidos, mas cada notícia positiva sobre a economia americana torna mais próximo esse evento. O efeito em países com baixa inflação deverá ser muito limitado. O caso do Brasil é outro.

Não há como apostar, ainda por algum tempo, numa “desinflação em velocidade adequada”. Essa é outra condição indicada na ata da última reunião do Copom como necessária a um corte de juros. Se existirem, continuam para lá do horizonte quaisquer sinais dessa mudança na evolução dos preços. Acreditar na existência desses indícios é por enquanto uma demonstração de esperança ou de crença no poder do pensamento positivo.

A terceira condição é a menor incerteza quanto à aprovação e implementação dos ajustes. Isso inclui “a composição das medidas de ajuste fiscal” e seus impactos sobre a inflação. Esse é o item mais complicado, neste momento. O governo mandou ao Congresso uma proposta de orçamento para 2017 com déficit primário (sem juros) de R$ 139 bilhões.

Esse resultado dependerá de um crescimento econômico de 1,6%, de uma receita importante de concessões na área de infraestrutura e de um forte controle da despesa. Nada garante, por enquanto, as condições políticas necessárias à produção desse resultado. A proposta de criação de um teto para a despesa continua em tramitação. Além disso, políticos da base defendem o adiamento – para depois das eleições – do debate sobre a reforma da Previdência. O presidente Michel Temer tem pela frente um difícil e incontornável teste político. Mesmo com algum sucesso, haverá segurança muito maior, até o fim do ano, quanto às ações de ajuste?

Economistas de governos, de entidades multilaterais e do setor privado têm defendido novas políticas de crescimento, com maior ênfase em facilidades fiscais e menor dependência de incentivos monetários. Os bancos centrais, argumentam, já fizeram o possível.

Os brasileiros estão longe desse debate, coisa de gringo. Aqui, o BC deve cuidar da inflação ainda alta, e um novo afrouxamento fiscal equivaleria a explodir o Tesouro. O Brasil continua fora do jogo de recuperação da economia global.

JORNALISTA

Golpe é inflaçao e desemprego - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 11/09

Em comentário na CBN desta semana, o assunto que me deram foram as manifestações de rua e protestos, alguns violentos contra o impeachment, Temer, Eduardo Cunha, "et caterva". Não tinha opinião a dar, nem negar nem aprovar.

Contudo, lembrei-me de um programa radiofônico bastante antigo, que era o de maior audiência naquele tempo. Seu produtor e apresentador era o radialista, hoje completamente esquecido, chamado Julio Louzada, que chegou a ser personagem de um jingle do Miguel Gustavo, que dizia: "a mulher do meu melhor amigo me manda bilhete todo dia, desde que me viu, ficou apaixonada, me aconselha seu Julio Louzada".

Genericamente, era o tom dos conselhos pedidos. A resposta que o Julio Louzada dava era simples e direta: "vão tomar vergonha na cara!" De uma forma ou outra isso devia resolver o impasse. Na atual situação que atravessamos, não temos um Julio Louzada para dar uma orientação tão eficaz e necessária.

Não se trata de briga de marido e mulher, mas de um conflito que dividiu a nação em adversários que se esculhambam reciprocamente, apelando para as soluções mais radicais e imbecis.

Infelizmente não temos um Julio Louzada que dê o conselho definitivo e redentor: "vão tomar vergonha na cara". Isso serve para todos os personagens envolvidos na atual crise política, jurídica e econômica. Enquanto isso, os problemas nacionais e pessoais crescem a cada dia. Não interessa se Dilma cometeu crimes de responsabilidade ou se Temer e Cunha são golpistas.

O trágico nisso tudo é que temos milhões de desempregados, inflação em alta, descrédito internacional, falências, até mesmo um filme que conta a historia do roubo da Taça Jules Rimet —drama que, até hoje, como o caso dos ossos de Dana de Teffé, não foi esclarecido. A solução é tomarmos vergonha na cara.

Herança não reconhecida - PEDRO MALAN

ESTADÃO - 11/09

O século 20 destruiu religiões seculares que prometiam, para seus seguidores, a salvação aqui na Terra: fascismo, stalinismo, nazismo, maoismo e outros “ismos” que viraram “wasms” (o “já era” da gíria carioca). Restaram duas grandes formas de acreditar: religiões tradicionais que prometem a seus fiéis a salvação na vida eterna, após a morte, e nacionalismos variados, inclusive em suas manifestações mais preocupantes, como o nacional-populismo e o nacional-estatismo, que com frequência andam juntos, e que ainda prometem a salvação terrena para os seus seguidores, beneficiários e demais crentes.

Crenças são o que são, matérias de fé ou paixões da imaginação, que correspondem, com frequência, a emotivas necessidades humanas. Há diferentes graus do acreditar, mas como bem notou Fernando Pessoa, “o que há de bom ou mau em qualquer crença, qualquer, é o modo como se crê. O bem ou o mal estão no psiquismo do crente, não na crença em si”. Em outras palavras, o mau de uma crença e o mal que esta pode causar estão naqueles que utilizam a força do acreditar como critério de verdade. Pior, quando creem que “sua verdade” poderia, pela força da repetição, prevalecer sobre mentes e corações de incrédulos ou portadores de outras crenças. E pior ainda, quando creem que as instrumentalidades do poder do Estado devem ser utilizadas para tal propósito. Não costuma dar certo.

A experiência brasileira pós-2006 é sugestiva a esse respeito. O ilustre ex-ministro Nelson Barbosa deu significativa contribuição a este necessário debate em artigo publicado (em inglês) em 2010 sobre políticas contracíclicas no Brasil. Ali se lê: “Em 2006 (ênfase minha), o governo Lula decidiu por papel mais ativo do Estado na promoção do desenvolvimento econômico e na redução da desigualdade”. Após apresentar avaliação das realizações alcançadas entre a decisão de 2006 até a data em que o artigo foi escrito (fins de 2009, início de 2010) o autor apresenta “as quatro principais lições da experiência brasileira”.

A primeira das lições: “Para se engajar em políticas anticíclicas, o país precisa ter uma situação fiscal estável e reservas internacionais em nível confortável”. A segunda lição: “As ações governamentais são facilitadas pela existência de mecanismos de proteção social e dos tradicionais instrumentos do Estado desenvolvimentista, como bancos públicos, empresas estatais, política industrial (desonerações e incentivos financeiros) e investimento público”. A terceira lição: “A importância da regulação prudencial para prevenir crises e combater seus efeitos”.

Finalmente, a quarta lição tem que ver com o que o autor chama “a economia política da governança sob Lula”, e que assim define: “As autoridades governamentais não perderam muito tempo debatendo as implicações ideológicas de cada iniciativa de política. Em vez de se preocupar com estratégias de saída de determinadas políticas enquanto a crise se desenvolvia, as autoridades enfatizaram a necessidade de rápida e maciça ação do Governo, para evitar que a economia entrasse em uma espiral descendente de recessão e deflação (sic)”.

Uma discussão atualizada, para 2016, do status das “lições de 2010” é importante para o entendimento de duas perguntas-chave para o futuro: onde estamos e por que estamos onde estamos? E com base nesse necessário entendimento, discutir as ações do governo visando o futuro, sem as ilusões voluntaristas que marcaram o período Lula II e, particularmente, da “economia política da governança sob Dilma” a partir do segundo semestre de 2011, culminando no desastre dos anos recentes.

Em entrevista à revista Veja (7/9) a senadora Kátia Abreu, ex-ministra de Dilma e amiga próxima, afirma: “Em 2014 ela cometeu o erro de demorar a perceber que aquele modelo... de aquecer a economia via Estado não funcionava mais... (Ela) pode não dizer com todas as letras e da forma como as pessoas gostariam que ela dissesse, mas ela reconhece isso”.

Pois bem, a ex-presidente terá tempo agora para refletir mais sobre essa experiência e, talvez, se dar conta da importância, para as finanças públicas, e para a retomada do crescimento do Brasil a partir de agora, de algo que ela intuiu, e chegou a expressar, mas tarde demais para quem esteve na posição de chefe da Casa Civil por mais de cinco anos e na Presidência por outros mais de cinco anos.

Disse a presidente em entrevista (7/11/2014), poucos dias após a reeleição: “Ao longo do governo, você descobre que várias coisas estão desajustadas. Várias contas que podem ser reduzidas. O que vamos tentar é um processo de ajuste em todas as contas do governo. Vamos revisitar cada uma e olhar com lupa o que dá para reduzir, o que dá para tirar, o que dá para modificar e o que dá para mandar para o Congresso”. Pois bem, isso terá de ser feito por outros. O lulopetismo, apesar dos 13 anos e pouco, não se ligou muito nesses “problema menores” – nem nos maiores gastos. Muito antes pelo contrário.

Todos os jornais registraram com ênfase as palavras de Dilma nessa mesma entrevista, “vamos fazer o dever de casa”, em termos de combate à inflação e do controle da velocidade de crescimento do gasto público – que vinha crescendo, havia muitos e muitos anos, muito acima do crescimento do PIB e da receita. Mas jornais registraram também as palavras com que Dilma, à sua maneira, mandou seu recado a jornalistas e leitores: “Estou dizendo que vou manter o emprego e a renda. Ponham na cabeça isso”.

Os brasileiros sabem o que lhes aconteceu, e de inédito, nessas duas áreas: o desemprego deve alcançar 12 milhões de pessoas e a renda real por habitante no País terá declinado cerca de 9% no triênio 2014-16. Que adjetivo dar a esta herança que o lulopetismo deixa a seu(s) sucessor(es), que com ela terá(ão) de lidar, sob uma ferrenha oposição que não reconhece suas indeléveis impressões digitais nessa mesma herança?

ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC

Mais obstáculos - MERVAL PEREIRA

O Globo - 11/09

Contrariando a jurisprudência do STF, a decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), de desbloquear a indisponibilidade de R$ 2 bilhões em bens das empreiteiras Odebrecht e OAS que havia sido decretada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em função do superfaturamento na construção da refinaria Abreu e Lima em Pernambuco, é mais uma medida polêmica que pode inviabilizar a tentativa de recuperar dinheiro desviado da Petrobras no escândalo investigado pela Operação Lava-Jato.

O ministro Marco Aurélio Mello, além de questionar o poder do TCU de bloquear bens de empresas particulares, concordou com a defesa da empreiteira, que alegou que a medida colocaria em risco a própria sobrevivência da construtora, já em recuperação judicial: “A manutenção da medida cautelar [bloqueio] pode sujeitar a impetrante à morte civil. A eficácia da tomada de contas especiais nº 000.168/2016-5, bem como de outros processos de controle conduzidos pelo Tribunal de Contas, e o ressarcimento por eventuais prejuízos causados ao erário dependem da permanência da construtora em atividade”, afirmou o ministro.

Acontece que o STF já havia analisado a questão dos poderes do TCU quanto ao bloqueio de bens quando o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró e o ex-presidente da estatal Sérgio Gabrielli tentaram anular a indisponibilidade decretada pelo ministro José Jorge, referente ao escândalo de Pasadena. Na época, foi sorteado como relator do mandado de segurança o Ministro Gilmar Mendes, que negou a liminar e, em seguida, proferiu um acórdão na Segunda Turma, acompanhado por todos os ministros.

No mandado de segurança impetrado por Sérgio Gabrielli e outros, o ministro Gilmar Mendes disse que “quanto ao mérito, não há que se falar em ilegalidade ou abuso de poder em relação à atuação do TCU que, ao determinar a indisponibilidade dos bens, agiu em consonância com suas atribuições constitucionais, com disposições legais e com a jurisprudência desta Corte”.

Para ele, a indisponibilidade de bens está no campo das atribuições constitucionais de controle externo exercido pelo Tribunal de Contas da União, de acordo com a Constituição, “pois são investigadas possíveis irregularidades, apontadas pelo Ministério Público junto ao TCU, quanto à operação de compra da refinaria mencionada”.

Nesse ponto, Gilmar Mendes destacou que a jurisprudência do STF reconhece assistir ao Tribunal de Contas da União “um poder geral de cautela, que se consubstancia em prerrogativa institucional decorrente das próprias atribuições que a Constituição expressamente outorgou à Corte de Contas para seu adequado funcionamento e alcance de suas finalidades”.

Ele cita o julgamento do mandado de segurança 24.510/DF, cuja relatoria foi da ministra Ellen Gracie, onde o ministro Celso de Mello acentuou “a importância da legitimidade constitucional dada ao TCU para adotar medidas cautelares destinadas a conferir a real efetividade às suas deliberações finais, de modo a permitir que possam ser neutralizadas situações de lesividade, atual ou iminente, ao erário”.

O ministro Gilmar Mendes aduziu que “é por isso que entendo revestir-se de integral legitimidade constitucional a atribuição de índole cautelar, que, reconhecida com apoio na teoria dos poderes implícitos, permite, ao Tribunal de Contas da União, adotar as medidas necessárias ao fiel cumprimento de suas funções institucionais e ao pleno exercício das competências que lhe foram outorgadas, diretamente, pela própria Constituição da República”.

Não fora assim, argumentou Mendes, “adotada, na espécie, uma indevida perspectiva reducionista, esvaziar-se-iam, por completo, as atribuições constitucionais expressamente conferidas ao Tribunal de Contas da União. Atribuições que a Constituição expressamente outorgou à Corte de Contas para seu adequado funcionamento e alcance de suas finalidades”.

A decisão monocrática do ministro Marco Aurélio pode significar, segundo ministros do próprio TCU, um triste fim para todas as auditorias e os esforços de recuperação do dinheiro desviado na Petrobras. Se não puderem bloquear ativos das empresas envolvidas, corre-se o risco de, ao fim do processo, as empresas terem esvaziado o patrimônio das construtoras, repassando tudo para as holdings ou para outras empresas do grupo.


O sucateamento das agências - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 11/09

Os gastos e investimentos de um governo são um bom indicador das prioridades de seu governante. Indicador igualmente eficiente da (in)capacidade do governante é o gasto que deixou de fazer em setor estratégico para o País. Como amplamente provado no processo de impeachment, a presidente Dilma Rousseff não se furtou a praticar as pedaladas fiscais para maquiar a realidade das contas públicas e continuar bancando aquilo que, segundo o juízo do partido, eram suas vitrines eleitorais. Mostrava, assim, não nutrir especiais escrúpulos em gastar o que não tinha, mesmo que tal gastança confrontasse a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mais que cumprir a lei, a presidente e seu partido pareciam preocupados em garantir-se no poder.

Já em outras áreas, a presidente Dilma não teve qualquer reparo em dificultar o repasse dos recursos. Foi o que ocorreu, por exemplo, com as agências reguladoras. Segundo levantamento da entidade Contas Abertas, entre 2010 e 2015, o total previsto para as agências era de R$ 57 bilhões. No entanto, apenas R$ 19,3 bilhões foram efetivamente gastos. Durante os seis anos de Dilma Rousseff no poder, apenas um terço do previsto – 33,86% – foi gasto com as agências reguladoras.

Tal porcentual revela com precisão o desleixo petista pelas agências, como se elas fossem dispensáveis. É impressionante constatar que os 13 anos no governo federal foram insuficientes para fazer o PT enxergar a importância das agências, com suas funções de fiscalização e regulação de setores cruciais para a economia e a população. Fica claro que a ideologia petista retira a capacidade de ver qualquer coisa que não conste de seu manual partidário, ferrenhamente circunscrito a distorcidas e ultrapassadas ideias sobre Estado e sociedade.

Por exemplo, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tinha em 2015 um orçamento de R$ 5,6 bilhões. Não é certamente um valor trivial, especialmente num ano de aperto fiscal. Mas a presidente Dilma repassou à Anatel menos de 8% da previsão orçamentária, que ficou limitada a apenas R$ 446 milhões. Ora, tal porcentual é claramente incompatível com a importância da internet e da telefonia na infraestrutura de um país. O bom funcionamento desses serviços é condição necessária para a economia e para a população.

Caso emblemático do desconhecimento da presidente Dilma Rousseff sobre o papel das agências reguladoras – e de como tal ignorância tem graves efeitos na economia – ocorreu no setor elétrico. Tratando a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) como se fosse um departamento do Ministério de Minas e Energia, a voluntariosa presidente quis ela própria formular as regras do setor, com a imposição de uma artificial redução das tarifas. A consequência da solução dilmista foi nada mais nada menos que a quebra do setor, com reflexos tanto na qualidade do serviço como na confiança do mercado sobre a segurança jurídica das regras de concessão. Simplesmente um desastre. Tivesse a presidente Dilma respeitado o papel da Aneel, em vez de promover seu sucateamento, certamente os resultados teriam sido muito diferentes.

Outro reflexo do desleixo petista com as agências reguladoras foi a quantidade de diretorias vagas. Insistentemente a presidente Dilma Rousseff demorava um longo tempo para nomear os novos diretores. Em maio, ao ser afastada do exercício da Presidência, havia 7 vagas em aberto nas 44 agências reguladoras federais.

Não deixa de ser contraditório que o sucateamento das agências tenha sido promovido justamente por um partido que se diz tão favorável ao setor público e se opõe a qualquer proposta de revisão das atribuições estatais. Prega a importância do Estado, mas depois não repassa as verbas a uma área fundamental para que o poder público não fique à mercê das forças econômicas. Nessa esquizofrenia fica evidente que, para o PT, Estado forte é simples sinônimo de partido forte. O que foge disso é descartável.

Ressuscitar as estatais - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 11/09

Interrompida a marcha de insensatez que caracterizou a gestão das empresas estatais nos últimos anos, parece iniciar-se uma restauração. Será um longo caminho, em vista do colosso de prejuízos nas duas principais empresas, Petrobras e Eletrobras.

A Petrobras é a mais vistosa, não só pela rapinagem trazida à luz pela Operação Lava Jato, mas pela deterioração dos processos decisórios, que passaram a responder apenas a ditames políticos, não a orçamentos e custos.

Em conjunto, as decisões erradas e os danos decorrentes de corrupção já levaram a petroleira a reconhecer prejuízos próximos de R$ 100 bilhões. Nessa estimativa entram desde propinas da ordem de R$ 6 bilhões até reavaliações de projetos que estouraram os orçamentos, como a refinaria de Abreu e Lima e o complexo petroquímico do Rio de Janeiro.

Há alguns meses, porém, a Petrobras vem obtendo progressos. O principal objetivo de curto prazo é afrouxar o torniquete financeiro. A empresa conseguiu voltar ao mercado internacional e estender prazos de sua dívida em títulos.

A geração de caixa chegou a R$ 10 bilhões no segundo trimestre, e o plano de investimentos tem sido ajustado para se concentrar na produção em campos capazes de gerar resultados em prazos curtos.

O plano de desmobilizar ativos não estratégicos de US$ 15 bilhões parece factível. No cômputo geral, a empresa está hoje em posição mais favorável, sem pressa para se desfazer de mais patrimônio.

Da mesma forma, a Eletrobras padeceu sob o ímpeto intervencionista de Dilma Rousseff (PT), que desarticulou todo o setor elétrico. Foi forçada a investimentos perdulários e a reduções insustentáveis de tarifas. Suas subsidiárias operacionais, onde se concentra o dinheiro, sempre foram alvo da cobiça de políticos em grau de cupidez ainda por estabelecer.

O resultado foi um prejuízo de R$ 30 bilhões nos últimos quatro anos. Enquanto isso, o país ficou para trás nos notáveis avanços tecnológicos que prometem uma revolução na geração e na distribuição de energia.

Agora a Eletrobras busca se reerguer. A nova gestão reavaliará o plano de investimentos de R$ 50 bilhões, a estrutura de custos e onde vale a pena vender participações.

A lição, óbvia, mas infelizmente ainda longe de ser absorvida por setores à esquerda, é que a gestão das estatais e das empresas de economia mista (como a Petrobras) não pode ficar sujeita a desmandos do governo de plantão. Tal como no setor privado, devem cumprir sua função social por meio de gestão profissional e pautada por critérios de rentabilidade e eficiência.


Aprovar terceirização é parte importante das reformas - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 11/09
Projeto de lei que se encontra no Senado reduz a enorme insegurança jurídica existente no mercado de trabalho, e assim incentiva a geração de empregos

Estabelece-se que a sociedade e seus costumes seguem na frente no curso da História, para depois vir o arcabouço jurídico e sancionar novas realidades no entrelaçamento social. Não é tão simples assim, mas costuma acontecer dessa forma em atividades muito reguladas, com excessiva interferência do Estado, e que passam por algum choque decorrente da modernização de práticas impostas pela realidade.

Caso exemplar é a varguista Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, aprovada ainda na ditadura do Estado Novo, contaminada pelo fascismo de Mussolini. Não é por acaso que as relações trabalhistas no Brasil são de conflito, porque o Estado tenta normatizar tudo. Talvez fosse possível no Brasil daqueles tempos. Na globalização, nem pensar.

Como leis não são tão fortes quanto a vida real, enquanto elas ficam inamovíveis as pessoas e empresas tratam de resolver seus problemas da maneira possível. Certamente ilegal, à luz de uma legislação fascista de 1943.

A interminável guerra em torno da lei que formaliza as terceirizações é fruto deste choque entre a visão autárquica das relações de trabalho e um mundo das linhas globais de produção, do acirramento da concorrência.

O Brasil foi forçado a se abrir mais ao mundo no governo Collor — sua contribuição ao país. Ocorreu o mesmo com Fernando Henrique, e houve retrocessos com Lula e Dilma, mas nada que revertesse a inexorabilidade da integração planetária da economia. Mesmo apesar do atual movimento em contrário, ditado pelo revigoramento do nacionalismo no mundo. A terceirização passou a ser inevitável para que o sistema produtivo brasileiro mantivesse alguma competitividade com o exterior. Mas a insegurança jurídica do empregador sempre foi, e continua a ser, enorme.

O juiz do trabalho é guiado por uma legislação implacável, sem flexibilidade. Enquanto a estrutura sindical, por sua vez, sobrevive com o dinheiro de um imposto compulsório cobrado de quem vende a força de trabalho no mercado formal. A soma dos dois funciona como dura argamassa para não dar qualquer espaço a entendimentos inovadores entre patrões e empregados, a fim de preservar empregos e defender lucros e salários.

Foram necessários 17 anos para que a Câmara aprovasse, em 2015, o projeto de lei das terceirizações, hoje no Senado, sob a relatoria de um dos inimigos da modernização das relações trabalhistas, senador Paulo Paim (PT-RS).

O projeto, como está, tem a grande vantagem de avançar na questão bizantina da proibição de terceirizações na “atividade-fim” da empresa, segundo uma súmula da Justiça do Trabalho, sem que defina o termo. Tudo fica ao sabor do entendimento subjetivo do juiz.

Com a lei, embora não seja a ideal, pelo menos reduz-se a enorme insegurança jurídica que paira sobre todos os empregadores no país. Esta insegurança é expressa em cifras gigantescas que a empresa poderá ser obrigada pagar a título de indenização trabalhista.

Também são atendidas, no projeto, reivindicações de sindicalistas, o que implica aumento de custo das empresas. Mas se for de fato aplainado o terreno jurídico para as terceirizações, será um progresso, dentro da preocupação de qualquer sociedade de facilitar a geração de empregos.