O GLOBO - 11/03
No Dia Internacional da Mulher, várias amigas me pediram: “Escreve, escreve sobre a mulher!...” .
O psicanalista Lacan disse que “A Mulher” não existe, pois não há alguma coisa que as unifique. Acho que ele tinha razão. Eu nunca conheci a mulher. Eu já amei e odiei “mulheres”. Então, por que esse título genérico? Existe a mulher de burca, a ‘stripteaser’, existe a freira, a bondosa, a malvada, existe Eva e Virgem Maria.
Sempre que chega esse dia internacional, nós, machistas, elogiamos o lado “abstrato” das fêmeas, sua delicadeza, sua capacidade de perdão (sic), sua coragem, em textos de hipocrisia paternalista, como se falássemos de pobres, de crianças. As mulheres foram e são oprimidas e estupradas na alma e no corpo.
No Oriente e na África vemos o auge da violência: castrações, estupros impunes, pais condenando filhas, tudo de horrível. Mas no resto do mundo sobrevivem muitas formas mais sutis de opressão e desprezo.
Uma leitora, que se disse “perua inteligente”, me escreveu: “Antes, as mulheres eram escravas passivas, hoje somos ativas, mas continuamos escravas. Mesmo sendo frígidas, temos de prometer ‘funcionamento’. Não é por acaso que eles nos chamam de ‘aviões’. É só olhar as revistas masculinas. O que está acontecendo no Brasil é a libertação da mulher-objeto. A publicidade é toda em cima de sexo”.
É verdade, penso eu: muita mulher que se sente livre é enganada.
Na mídia, só vemos estímulos para as mulheres buscarem a bunda perfeita, bundas ambiciosas querendo subir na vida, bundas com vida própria, mais importantes que suas donas, próteses de silicone, sucesso sem trabalho, anúncio de cerveja com loiras burras, mulheres divididas entre a “piranhagem” e a “peruíce”, sorrisos luminosos de celebridades bregas, passos-de-ganso de manequins. A bunda é a esperança de milhões de cinderelas. O corpo tem de dar lucro. As mulheres querem ser disputadas, consumidas. Ficam em acrobáticas posições ginecológicas para raspar os pelos pubianos nos salões de beleza e, depois, saem felizes com uns bigodinhos verticais que lembram Hitler ou Sarney. A liberdade de mercado produziu o mercado da “liberdade”.
A mulher não é um enigma. Nós é que somos, disfarçados de sólidos. Os homens são óbvios, fálicos.
As mulheres não sabem o que querem; o homem acha que sabe. O masculino é certo; o feminino é insolúvel. A mulher deseja o impossível; desejar o impossível é sua grande beleza.
A mulher precisa do homem impalpável. As mulheres têm uma queda pelo canalha (cartas indignadas para a redação...). O canalha é mais amado que o bonzinho. Ela sofre com o canalha, mas o canalha lhe dá um sentido claro com sua viril antipatia. Claro que é um preconceito também essa mania de dizermos que as mulheres são “incompreensíveis” (mesmo Freud). Mas essa confusão na cabeça das mulheres não é maluquice ou psicose; nessa confusa cabeça há uma verdade indeterminada mais profunda do que as ilusões masculinas. Homem tem um “fim”. Mulher abre-se num horizonte com muitos sentidos e está sempre equivocando o homem. Lembrando-me de quem amei, vejo que elas queriam ser “descobertas” para elas se conhecerem. Queriam ser decifradas pelos homens, por nossas mãos e bocas. Uma grande submissão a elas só as tornava mais desoladas, raivosas. Muitas vezes, cometi esse erro e dancei.
Elas ventam, chovem, sangram, elas têm inverno, verão, “t.p.m.”s, raiam de manhã ou brilham à noite, elas derrubam homens como terremotos. Elas querem ser decifradas por nós, mas nunca acertamos no alvo, pois não há alvo, nem mosca.
Daí o ódio que os primitivos cultivam contra elas, daí os boçais assassinos do Islã apedrejando-as até a morte, daí os mitos negros como Lilith ou Jezebel (até Eva) ou ladies da morte como Macbeth.
O único grande mistério talvez seja a divisão entre os sexos. Por mais que queiramos, nunca chegaremos lá. Lá, aonde? Lá na diferença radical onde mora o “outro”. Há alguns exploradores: os veados, sapatões, travestis, que mergulham nesse mar e voltam de mãos vazias, pois nunca saberemos quem é aquele ser com útero, seios, vagina, aquele ser maternal, bom, terrível quando contrariado no “ponto G” da alma. Por outro lado, elas nunca saberão o que é um pênis pendurado, um bigodão, a porrada num jogo do Flamengo, um puteiro visitado de porre, nunca saberão do desamparo do macho em sua frágil grossura. Elas jamais saberão como somos. O amor é a tentativa de pular esse abismo. Eu sou hoje o que as mulheres fizeram comigo ou o que eu aprendi com elas, no amor ou no sofrimento. Eu descobri defeitos e qualidades que me formaram, como acidentes que me foram desfigurando. O que aprendi com elas? Não tenho ideia, mas sei que me mudaram. Eram como quebra-cabeças: ao tentar armá-los, eu achava que sabia tudo, mas entrava em novos labirintos. Com elas, loucas, sóbrias, boas e más, descobri que não tenho forma nem lógica e que sempre me faltará uma peça na charada.
Existe alguma coisa que as unifique em uma identidade geral? Não sei, mas parece que elas estão muito mais próximas que nós da realidade múltipla do mundo atual, aberto, sem futuro ou significado. Mas não é como vítimas que devemos lamentá-las ou louvá-las. Sua importância é afirmativa, pois elas estão muito mais próximas que nós da realidade deste mundo aberto, sem futuro ou significado. Elas não caminham em busca de um “sentido” único, de um poder brutal. O homem se crê acima do mistério, mas as mulheres estão dentro. São impalpáveis como a realidade que o homem “pensa” que controla.
O dia internacional devia estimular uma ação política das mulheres, não apenas para defender seus direitos, mas para condenar a civilização de machos boçais que destroem nosso destino.
terça-feira, março 11, 2014
Frankensteins - JOÃO PEREIRA COUTINHO
FOLHA DE SP - 11/03
O 'rejuvenescimento' de Kim Novak era mais ofensivo do que qualquer envelhecimento imaginável
Quando as pessoas escutam a palavra "Frankenstein", normalmente atribuem o nome ao monstro do romance de Mary Shelley.
Erro, claro: factualmente falando, "Frankenstein" é o nome do médico que cria o monstro. Mas existe alguma verdade na confusão onomástica. Porque o verdadeiro monstro da história não é a criatura; é o criador.
Na sua arrogância e insanidade, Victor Frankenstein é essa espécie de Prometeu moderno que recusa os limites da vida (e da morte) para transcender a nossa imperfeita condição terrena. Mary Shelley foi implacável na caracterização do médico e na sua ambição sacrílega e destrutiva. Para a infeliz criatura, as palavras da escritora são feitas de pura compaixão.
Lembrei de "Frankenstein" quando assistia à última cerimônia do Oscar. Sobretudo quando saltei do sofá ao ver Kim Novak na tela para entregar uma estatueta qualquer.
Momento nostálgico: Kim Novak é a atriz central de um dos meus filmes da vida -- "Vertigo", de Alfred Hitchcock-- para além de outras aparições igualmente epifânicas em obras de Otto Preminger ou do incomparável Billy Wilder.
Em termos estéticos, Novak só perdia para a colega de geração que emigrou para Mônaco --e mesmo aí, a doutrina divide-se: existe em Kim Novak uma sombra de perversidade que Grace Kelly, na sua beleza imaculada, nunca atingiu. Nem com Hitchcock. Mas divago.
Então regresso ao Oscar e a 2014. E Novak, hoje com 81 anos, desfigurada a golpes de bisturi: o rosto petrificado; as frases murmuradas pela óbvia impossibilidade de as pronunciar com aqueles lábios que Jimmy Stewart beijou várias vezes; em suma, o "rejuvenescimento" da diva era mais ofensivo aos meus olhos do que qualquer envelhecimento imaginável. Ninguém terá dito àquela mulher que o seu rosto era a prova material de um crime?
Olhando para a plateia de famosos, provavelmente não: perdi a conta do número de atrizes com rostos igualmente grotescos que aplaudiam Novak sem conseguirem esboçar um sorriso. De tal forma que o espectáculo me parecia irreal: um Carnaval macabro, com os foliões ostentando máscaras distorcidas dos seus próprios rostos originais. Fellini tomara conta da cerimônia e o resultado era um filme de Buñuel. Comentários?
Uma alma genuinamente libertária dirá que os indivíduos são livres para usarem e abusarem do seu corpo como entenderem: se Kim Novak, aos 81, deseja ter um rosto de 30, quem sou eu, quem somos nós, quem é o Estado para negar-lhe os prazeres da faca?
Entendo o argumento. Mas também entendo que existe um esquecimento deontológico no mesmo. Tom Blackwell, em artigo para o "National Post", resume o problema com uma única pergunta: de quem é a culpa quando as cirurgias plásticas correm barbaramente mal? Será apenas do paciente que deseja o impossível e recebe o inominável?
Ou existe também a responsabilidade do médico, que alimentou expectativas insanas, mesmo sabendo dos resultados a que elas conduziriam?
Dito de outra forma: será que o médico é apenas um profissional amorfo e sem consciência, que executa qualquer loucura que lhe é pedida desde que seja pago, e bem pago, para isso?
Ou o médico é mais que um marionete, mais que um mercenário, usando a razão e a responsabilidade para não subverter o propósito da sua arte?
Olhando para a esmagadora maioria das especialidades médicas, a pergunta responde-se a ela própria: não conheço cirurgiões que removam órgãos ou façam transplantes por mero capricho do paciente. Sim, eu até posso desejar a remoção de um braço (não desejo) ou receber um fígado novo por razões preventivas (bem, pensando nisso"¦). Mas terei sérias dificuldades legais em encontrar um cúmplice para os meus delírios.
Será que os cirurgiões plásticos estão acima dos restantes, lavando as mãos de qualquer "excesso" em nome da sagrada liberdade individual?
Regresso a Kim Novak. E regresso a Frankenstein. Olhando para a atriz, haveria a tentação de pensar que o monstro, ali, era ela.
Engano. Como escreve o mesmo Tom Blackwell no artigo do "Post", o mais provável é o verdadeiro monstro estar na sua clínica. E com a lista de espera completamente lotada.
O 'rejuvenescimento' de Kim Novak era mais ofensivo do que qualquer envelhecimento imaginável
Quando as pessoas escutam a palavra "Frankenstein", normalmente atribuem o nome ao monstro do romance de Mary Shelley.
Erro, claro: factualmente falando, "Frankenstein" é o nome do médico que cria o monstro. Mas existe alguma verdade na confusão onomástica. Porque o verdadeiro monstro da história não é a criatura; é o criador.
Na sua arrogância e insanidade, Victor Frankenstein é essa espécie de Prometeu moderno que recusa os limites da vida (e da morte) para transcender a nossa imperfeita condição terrena. Mary Shelley foi implacável na caracterização do médico e na sua ambição sacrílega e destrutiva. Para a infeliz criatura, as palavras da escritora são feitas de pura compaixão.
Lembrei de "Frankenstein" quando assistia à última cerimônia do Oscar. Sobretudo quando saltei do sofá ao ver Kim Novak na tela para entregar uma estatueta qualquer.
Momento nostálgico: Kim Novak é a atriz central de um dos meus filmes da vida -- "Vertigo", de Alfred Hitchcock-- para além de outras aparições igualmente epifânicas em obras de Otto Preminger ou do incomparável Billy Wilder.
Em termos estéticos, Novak só perdia para a colega de geração que emigrou para Mônaco --e mesmo aí, a doutrina divide-se: existe em Kim Novak uma sombra de perversidade que Grace Kelly, na sua beleza imaculada, nunca atingiu. Nem com Hitchcock. Mas divago.
Então regresso ao Oscar e a 2014. E Novak, hoje com 81 anos, desfigurada a golpes de bisturi: o rosto petrificado; as frases murmuradas pela óbvia impossibilidade de as pronunciar com aqueles lábios que Jimmy Stewart beijou várias vezes; em suma, o "rejuvenescimento" da diva era mais ofensivo aos meus olhos do que qualquer envelhecimento imaginável. Ninguém terá dito àquela mulher que o seu rosto era a prova material de um crime?
Olhando para a plateia de famosos, provavelmente não: perdi a conta do número de atrizes com rostos igualmente grotescos que aplaudiam Novak sem conseguirem esboçar um sorriso. De tal forma que o espectáculo me parecia irreal: um Carnaval macabro, com os foliões ostentando máscaras distorcidas dos seus próprios rostos originais. Fellini tomara conta da cerimônia e o resultado era um filme de Buñuel. Comentários?
Uma alma genuinamente libertária dirá que os indivíduos são livres para usarem e abusarem do seu corpo como entenderem: se Kim Novak, aos 81, deseja ter um rosto de 30, quem sou eu, quem somos nós, quem é o Estado para negar-lhe os prazeres da faca?
Entendo o argumento. Mas também entendo que existe um esquecimento deontológico no mesmo. Tom Blackwell, em artigo para o "National Post", resume o problema com uma única pergunta: de quem é a culpa quando as cirurgias plásticas correm barbaramente mal? Será apenas do paciente que deseja o impossível e recebe o inominável?
Ou existe também a responsabilidade do médico, que alimentou expectativas insanas, mesmo sabendo dos resultados a que elas conduziriam?
Dito de outra forma: será que o médico é apenas um profissional amorfo e sem consciência, que executa qualquer loucura que lhe é pedida desde que seja pago, e bem pago, para isso?
Ou o médico é mais que um marionete, mais que um mercenário, usando a razão e a responsabilidade para não subverter o propósito da sua arte?
Olhando para a esmagadora maioria das especialidades médicas, a pergunta responde-se a ela própria: não conheço cirurgiões que removam órgãos ou façam transplantes por mero capricho do paciente. Sim, eu até posso desejar a remoção de um braço (não desejo) ou receber um fígado novo por razões preventivas (bem, pensando nisso"¦). Mas terei sérias dificuldades legais em encontrar um cúmplice para os meus delírios.
Será que os cirurgiões plásticos estão acima dos restantes, lavando as mãos de qualquer "excesso" em nome da sagrada liberdade individual?
Regresso a Kim Novak. E regresso a Frankenstein. Olhando para a atriz, haveria a tentação de pensar que o monstro, ali, era ela.
Engano. Como escreve o mesmo Tom Blackwell no artigo do "Post", o mais provável é o verdadeiro monstro estar na sua clínica. E com a lista de espera completamente lotada.
Fora do jogo - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 11/03
A cúpula do PMDB fechou com a presidente Dilma e resolveu tirar de campo seu líder na Câmara, Eduardo Cunha (RJ). A direção diz que há insatisfação, mas nega que o clima seja de ruptura. A radicalização de Cunha não agrada ao comando. Este o acusa de jogar só, sem combinar nada com ninguém. E o criticam por tentar mergulhar o PMDB nacional no conflito regional do Rio.
No estilo Sérgio Cabral
A atitude do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, não é uma surpresa na direção nacional. A conduta do governador Sérgio Cabral no debate sobre a distribuição dos royalties do petróleo também não foi pautada pelo equilíbrio. A preocupação dos dirigentes é a de deixar aberto o caminho para a recomposição, que deve ocorrer após a reforma ministerial e as convenções de junho. Mas essa postura conflitante tem seu público interno. "O PMDB não pode acoelhar-se por causa de um projeto de reeleição de um vice-presidente, por mais respeito que tenha o Michel Temer", resume o candidato do PMDB ao governo da Bahia, Geddel Vieira Lima.
“O país não quer uma discussão de ministério A ou B para C ou D. Quer partidos que tenham unidade e coerência com os desafios do futuro”
Henrique Alves
Presidente da Câmara dos Deputados (PMDB-RN)
Apertem os cintos
Inquietação no Itamaraty. A economia atingiu a remoção dos diplomatas no exterior. Os gastos com passagens aéreas, aluguéis e transporte de bens pesam. A estimativa é que essas remoções custem cerca de dez milhões de dólares.
Ritmo de campanha
O governador Eduardo Campos, candidato do PSB à Presidência, aproveitou o mote do carnaval para fazer uma campanha nacional, em todos os aeroportos do Brasil, para difundir uma das marcas de sua gestão: "O melhor ta em Pernambuco".
Os petistas, como fazem seus adversários com o governo Dilma, planejam acionar a Justiça Eleitoral.
Segurança nacional
Oficiais superiores das três forças, ontem no Rio, na Escola de Comando do Estado Maior do Exército, crivaram de perguntas parlamentares sobre a manutenção de projetos estratégicos: Sisfron, o avião KC-390 e o submarino nuclear.
Sindicalismo em guerra
Um grupo de garis acaba de fazer uma greve à revelia de seu sindicato no Rio de Janeiro. O Complexo Petroquímico do Rio (Comperj) vive drama semelhante. Uma ala dos trabalhadores está há um mês em greve contra a posição do sindicato.
Militantes do PSOL e do PSTU estão passando por cima dos sindicalistas.
Trabalhando em silêncio
No fim de semana, os ministérios das Cidades, da Saúde, do Esporte e do Turismo ficaram envolvidos com a liberação de emendas, segundo um ministro, resolvendo "com muito carinho" as dos peemedebistas. É a "Operação Convenção".
Como fazer
A Secretaria da Aviação Civil lança até o fim do mês um manual de procedimento para a Copa. Será um guia para orientar os diversos escalões do governo sobre como receber turistas, voos charter, delegações e chefes de Estado.
PARTIDOS DE ESQUERDA preparam manifestação na quinta-feira, na Central do Brasil (RJ), para lembrar o comício pelas reformas de base (1964).
No estilo Sérgio Cabral
A atitude do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, não é uma surpresa na direção nacional. A conduta do governador Sérgio Cabral no debate sobre a distribuição dos royalties do petróleo também não foi pautada pelo equilíbrio. A preocupação dos dirigentes é a de deixar aberto o caminho para a recomposição, que deve ocorrer após a reforma ministerial e as convenções de junho. Mas essa postura conflitante tem seu público interno. "O PMDB não pode acoelhar-se por causa de um projeto de reeleição de um vice-presidente, por mais respeito que tenha o Michel Temer", resume o candidato do PMDB ao governo da Bahia, Geddel Vieira Lima.
“O país não quer uma discussão de ministério A ou B para C ou D. Quer partidos que tenham unidade e coerência com os desafios do futuro”
Henrique Alves
Presidente da Câmara dos Deputados (PMDB-RN)
Apertem os cintos
Inquietação no Itamaraty. A economia atingiu a remoção dos diplomatas no exterior. Os gastos com passagens aéreas, aluguéis e transporte de bens pesam. A estimativa é que essas remoções custem cerca de dez milhões de dólares.
Ritmo de campanha
O governador Eduardo Campos, candidato do PSB à Presidência, aproveitou o mote do carnaval para fazer uma campanha nacional, em todos os aeroportos do Brasil, para difundir uma das marcas de sua gestão: "O melhor ta em Pernambuco".
Os petistas, como fazem seus adversários com o governo Dilma, planejam acionar a Justiça Eleitoral.
Segurança nacional
Oficiais superiores das três forças, ontem no Rio, na Escola de Comando do Estado Maior do Exército, crivaram de perguntas parlamentares sobre a manutenção de projetos estratégicos: Sisfron, o avião KC-390 e o submarino nuclear.
Sindicalismo em guerra
Um grupo de garis acaba de fazer uma greve à revelia de seu sindicato no Rio de Janeiro. O Complexo Petroquímico do Rio (Comperj) vive drama semelhante. Uma ala dos trabalhadores está há um mês em greve contra a posição do sindicato.
Militantes do PSOL e do PSTU estão passando por cima dos sindicalistas.
Trabalhando em silêncio
No fim de semana, os ministérios das Cidades, da Saúde, do Esporte e do Turismo ficaram envolvidos com a liberação de emendas, segundo um ministro, resolvendo "com muito carinho" as dos peemedebistas. É a "Operação Convenção".
Como fazer
A Secretaria da Aviação Civil lança até o fim do mês um manual de procedimento para a Copa. Será um guia para orientar os diversos escalões do governo sobre como receber turistas, voos charter, delegações e chefes de Estado.
PARTIDOS DE ESQUERDA preparam manifestação na quinta-feira, na Central do Brasil (RJ), para lembrar o comício pelas reformas de base (1964).
Tapete vermelho - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 11/03
Horas antes de ser recebido com pompa na Associação Comercial de São Paulo, feudo político de Gilberto Kassab e Guilherme Afif, Eduardo Campos foi a estrela de jantar promovido pelo ex-prefeito paulistano em seu apartamento. Afif, vice-governador de São Paulo e ministro de Dilma Rousseff, estava entre os convidados. O grupo, eclético, reuniu desde adversários figadais do PT, caso do ex-senador Jorge Bornahusen, até petistas históricos, como o ex-deputado mineiro Paulo Delgado.
Tudo junto... A roda de políticos e empresários em torno de Campos reuniu ainda o candidato de Aécio Neves ao governo de Minas, Pimenta da Veiga, e o ex-deputado mineiro Roberto Brant. Os dois foram ministros no governo FHC, bem como José Jorge, hoje no TCU, também presente ao convescote.
... e misturado Embora Kassab e o PSD tenham fechado questão pelo apoio a Dilma, aliados do ex-prefeito declaram preferência por Campos. Sua palestra atraiu o ex-secretário municipal Alexandre Schneider e o ex-vice de José Serra à Presidência em 2010, Índio da Costa.
Nostalgia Diante da presença de tantos veteranos do Congresso Nacional no jantar, um dos convidados brincou: "Isso aqui está parecendo uma sessão da Constituinte". Ao que o homenageado replicou: "É verdade, só está faltando o doutor Ulysses".
Dois turnos Antes de participar do jantar para Campos, Afif se reuniu com Dilma, na tarde de domingo, no Alvorada. Repassaram números do programa de microcrédito, tema da fala da presidente no rádio ontem.
Estávamos lá Em encontro com ambientalistas ontem, Campos e Marina ensaiaram o discurso que deve pautar a campanha presidencial do pessebista e apontaram que houve "retrocesso" na área no governo Dilma. Até 2008, Marina era ministra do Meio Ambiente de Lula.
Hermano O presidente do PT, Rui Falcão, reúne-se na sexta-feira com Nicolás Maduro, chefe de Estado da Venezuela, em Caracas, para discutir a crise no país vizinho. Devem acompanhá-los representantes de outros partidos do Foro de São Paulo.
Rewind
Em evento ontem em São Paulo, Dilma contou história repetida à exaustão na campanha de 2010, da garota que lhe perguntou se uma mulher podia chegar à Presidência. Desta vez, no entanto, omitiu o nome da menina: Vitória.
Flutuante No discurso, ao converter para reais o preço de uma vacina paga em dólares, a presidente adotou uma taxa de câmbio que arrepiaria a Fazenda: R$ 3,00.
Vai que Numa das reuniões de ontem com dirigentes do PMDB, Dilma quis saber se a ala rebelde do partido teria votos suficientes para romper a aliança com o PT. Ninguém foi assertivo quanto aos números da convenção.
Infiltrado Um peemedebista brincou que Michel Temer poderia aproveitar a viagem de Dilma ao Chile para fazer a reforma ministerial. "Mas ele quer tanto ficar na Vice-Presidência que é capaz de nomear petistas para os ministérios do PMDB", disse.
Bipolar Apesar dos ataques ao governo, peemedebistas se preocupam com a presença da presidente nos palanques dos candidatos a governador. Não querem correr o risco de que ela apoie rivais da sigla nos Estados.
A fila anda A Assembleia paulista instala nesta semana a CPI do Trabalho Escravo. Vai funcionar no lugar da comissão criada para apurar a prestação de serviços da Eletropaulo, encerrada sem apresentar relatório.
com BRUNO BOGHOSSIAN e PAULO GAMA
tiroteio
"Eduardo Campos vivia ligando lá na Casa Civil, era super gentil. Agora está aí, querendo tomar o lugar do Aecinho na fila."
DA SENADORA GLEISI HOFFMANN (PT-PR), ex-ministra da Casa Civil, sobre críticas feitas a Dilma pelo governador pernambucano, ex-aliado do Planalto.
contraponto
Beijo, me liga
Ao discursar ontem em evento para anunciar campanha de vacinação contra o HPV, a presidente Dilma Rousseff decidiu homenagear as garotas da plateia, que receberiam as primeiras doses do medicamento.
-- Vocês vão me desculpar, mas eu vou começar cumprimentando as meninas --disse às outras autoridades.
Ao final, decidiu cumprimentar também os meninos, mas foi avisada, em coro pela plateia, que só garotas foram convidadas. Dilma não perdeu a piada:
-- Eu sinto muito, mas depois, então, vocês entregam meus cumprimentos para os meninos também!
Enquanto uns brigam… - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 11//03
Um grupo de parlamentares liderados pelo PMDB prepara a votação de um projeto de resolução para aprovar a CPI da Petrobras e, assim, furar a fila do pedido feito no ano passado pelo deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG). É a forma de pressionar a criação da comissão externa para investigar as denúncias de pagamento de propina a funcionários da empresa e tentar mostrar à presidente Dilma Rousseff que, embora ela considere que este ano não precisa muito do Congresso, eles sempre podem atrapalhar a vida dela e de seu governo.
…Outros nomeiam
Silenciosamente, Luis Cláudio Montenegro, da Secretaria Especial de Portos, foi guindado a diretor de Planejamento da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp). Ontem, o Diário Oficial da União trouxe o nome do atual superintendente de Navegação Interior da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o engenheiro civil Adalberto Tokarski, para ocupar um cargo de diretor na mesma agência. Chegam abençoados pelo grupo do senador José Sarney (PMDB-AP).
Controle remoto I
A disputa entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski extrapolou o julgamento do mensalão. Faltando pouco tempo para deixar o cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal, Barbosa quer ditar o ritmo do sucessor na tevê. Para isso, circula a toque de caixa nos gabinetes do Supremo um documento para realização de nova licitação para a TV Justiça.
Controle remoto II
O texto, ainda secreto, dá ao STF mais poderes sobre a emissora que, originalmente, é formada por todo o Judiciário brasileiro. Há o temor de que a nova proposta sirva para limitar e controlar os profissionais que prestam serviços ali, uma vez que a ideia é encerrar o contrato que está em plena vigência e entregar ao futuro presidente um acordo mais caro e elaborado, sem a participação de Lewandowski. Sabe como é, depois que Barbosa criticou o trabalho da imprensa brasileira em congresso na Costa Rica, a turma ficou para lá de escaldada.
O PMDB faz escola
O ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento planeja concorrer a um mandato de deputado federal. Tudo para ver se amplia o número de deputados do PR e ter mais poder de influência no futuro governo, seja qual for.
Suspeitas políticas
Os petistas juram que não é assim, mas os políticos de muitos partidos vislumbram um quadro em que o PT se prepara para eleger 130 deputados, tirando terreno dos peemedebistas e dando a todos os aliados o mesmo peso. Falta combinar com o eleitor.
Foi isso mesmo/ No fim de semana, os deputados ficaram imaginando o líder do PMDB, Eduardo Cunha, de tablet e celular em punho durante passeios de gôndola em Veneza, na Itália, onde passou parte do carnaval. “E o pior é que eu tuitei da gôndola mesmo. Não consegui desligar.”
Por falar em…/ …Eduardo Cunha, o deputado Danilo Forte (PMDB-CE) apresentará hoje na reunião da bancada uma moção de apoio ao líder.
Ficou pior/ Dilma deixou os presidentes da Câmara, Henrique Eduardo Alves, e do Senado, Renan Calheiros, de castigo no Jaburu, esperando a volta de Michel Temer da reunião no Alvorada. Entre os senadores, isso foi considerado uma grande descortesia com outro Poder.
Passa lá em casa!/ O deputado Osmar Terra (PMDB-RS) fez uma pesquisa entre colegas de diversos aliados e descobriu que a maioria é convidada para a entrega de máquinas retroescavadeiras nas prefeituras 16 horas antes do evento. Geralmente, o convite é feito depois do meio-dia para uma solenidade no dia seguinte, de manhã cedo. Nesse período, muitos já têm compromissos agendados ou não conseguem providenciar transporte em tempo hábil de participar da festa. Ou seja, é para a base aliada ficar de fora mesmo. Algo parecido com aquele convite que você recebe de um amigo, sem o endereço.
O livro dos segredos - JOSÉ CASADO
O GLOBO - 11/03
Os oito do Copom talvez sintam alguma superioridade sobre os mortais. No coletivo anônimo, só se comunicam com a sociedade numa língua que ninguém entende
Celso Furtado acabara de falar para uma plateia de estudantes. À saída topou com Mário Schenberg. O acaso reunia, ao pé de uma escada, um economista e um físico teórico dos mais influentes no país no século XX.
— Celso, posso fazer uma pergunta?
— Mas é claro, Mário.
— Ouvi tudo e fiquei pensando: esse negócio de economia é ciência mesmo?
Seguiram em frente, morrendo de rir.
A maioria dos economistas — ensina o professor Antonio Delfim Netto — sonha criar uma “ciência”, construir uma “religião”: uma “ciência econômica” que acredita em leis naturais que governam o funcionamento do sistema e, portanto, são independentes da história, da geografia, da psicologia etc.
O Brasil tem servido como laboratório de múltiplas hipóteses e teoremas, nos quais a vida real fica restrita, quando muito, a uma nota de rodapé. Aqui, os economistas conseguiram uma posição única de influência no centro de decisões. Da ditadura à democracia, ampliaram e preservam o domínio de áreas-chave do Estado.
Os poderes extraconstitucionais do Copom (Comitê de Política Monetária, do Banco Central) resultam dessa situação singular. Criado há 18 anos por “circular” (nº 2.698), é integrado por oito pessoas. Não há registro público de expressão do pensamento individual. Tem-se apenas uma Ata coletiva de quatro mil palavras.
Metade do texto é consolidação de índices conhecidos. O restante destina-se a uma espécie de catecismo ou formulário de “orações” e “ensino” dos dogmas da política monetária. A linguagem é cifrada, com quebra-cabeças estéticos. Aos distraídos sugere o fenômeno da construção de uma teologia da economia brasileira.
Uma leitura bem-humorada das Atas das últimas 34 reuniões (de 27 de janeiro de 2010 a 26 de fevereiro passado) permite vislumbrar a tentativa de se escrever um livro dos segredos.
Ultrapassadas as pérolas de obviedade (“a política monetária deve contribuir para a consolidação de um ambiente macroeconômico favorável em horizontes mais longos”), surge uma nuvem estática: “A aversão ao risco mostrou certa elevação...” É um dos inúmeros trechos repetidos há quatro anos. Escreve-se: “Riscos baixos para a inflação subjacente no curto prazo tendem a reduzir incertezas em relação ao comportamento futuro da inflação plena” (setembro de 2010). Reescreve-se: “Riscos baixos para a inflação subjacente no curto prazo tendem a potencializar os efeitos das ações de política monetária” (janeiro de 2014).
Na tortura do idioma, ecoa um sotaque de telemarketing: “A se confirmar a perspectiva de intensificação das pressões sobre o mercado de fatores, a probabilidade de que desenvolvimentos inflacionários localizados venham a apresentar riscos para a trajetória da inflação poderia estar se elevando.” E adverte-se: “O Copom segue monitorando com particular atenção o comportamento das expectativas de inflação, que se elevaram no trecho intermediário do horizonte de projeção.”
Os oito do Copom talvez sintam alguma superioridade sobre os mortais. No coletivo anônimo, só se comunicam com a sociedade numa língua que ninguém entende.
A propósito, a próxima reunião está marcada para uma terça-feira simbólica: 1º de abril.
Os oito do Copom talvez sintam alguma superioridade sobre os mortais. No coletivo anônimo, só se comunicam com a sociedade numa língua que ninguém entende
Celso Furtado acabara de falar para uma plateia de estudantes. À saída topou com Mário Schenberg. O acaso reunia, ao pé de uma escada, um economista e um físico teórico dos mais influentes no país no século XX.
— Celso, posso fazer uma pergunta?
— Mas é claro, Mário.
— Ouvi tudo e fiquei pensando: esse negócio de economia é ciência mesmo?
Seguiram em frente, morrendo de rir.
A maioria dos economistas — ensina o professor Antonio Delfim Netto — sonha criar uma “ciência”, construir uma “religião”: uma “ciência econômica” que acredita em leis naturais que governam o funcionamento do sistema e, portanto, são independentes da história, da geografia, da psicologia etc.
O Brasil tem servido como laboratório de múltiplas hipóteses e teoremas, nos quais a vida real fica restrita, quando muito, a uma nota de rodapé. Aqui, os economistas conseguiram uma posição única de influência no centro de decisões. Da ditadura à democracia, ampliaram e preservam o domínio de áreas-chave do Estado.
Os poderes extraconstitucionais do Copom (Comitê de Política Monetária, do Banco Central) resultam dessa situação singular. Criado há 18 anos por “circular” (nº 2.698), é integrado por oito pessoas. Não há registro público de expressão do pensamento individual. Tem-se apenas uma Ata coletiva de quatro mil palavras.
Metade do texto é consolidação de índices conhecidos. O restante destina-se a uma espécie de catecismo ou formulário de “orações” e “ensino” dos dogmas da política monetária. A linguagem é cifrada, com quebra-cabeças estéticos. Aos distraídos sugere o fenômeno da construção de uma teologia da economia brasileira.
Uma leitura bem-humorada das Atas das últimas 34 reuniões (de 27 de janeiro de 2010 a 26 de fevereiro passado) permite vislumbrar a tentativa de se escrever um livro dos segredos.
Ultrapassadas as pérolas de obviedade (“a política monetária deve contribuir para a consolidação de um ambiente macroeconômico favorável em horizontes mais longos”), surge uma nuvem estática: “A aversão ao risco mostrou certa elevação...” É um dos inúmeros trechos repetidos há quatro anos. Escreve-se: “Riscos baixos para a inflação subjacente no curto prazo tendem a reduzir incertezas em relação ao comportamento futuro da inflação plena” (setembro de 2010). Reescreve-se: “Riscos baixos para a inflação subjacente no curto prazo tendem a potencializar os efeitos das ações de política monetária” (janeiro de 2014).
Na tortura do idioma, ecoa um sotaque de telemarketing: “A se confirmar a perspectiva de intensificação das pressões sobre o mercado de fatores, a probabilidade de que desenvolvimentos inflacionários localizados venham a apresentar riscos para a trajetória da inflação poderia estar se elevando.” E adverte-se: “O Copom segue monitorando com particular atenção o comportamento das expectativas de inflação, que se elevaram no trecho intermediário do horizonte de projeção.”
Os oito do Copom talvez sintam alguma superioridade sobre os mortais. No coletivo anônimo, só se comunicam com a sociedade numa língua que ninguém entende.
A propósito, a próxima reunião está marcada para uma terça-feira simbólica: 1º de abril.
O Brasil e as perspectivas do comércio internacional - RUBENS BARBOSA
O Estado de S.Paulo - 11/03
Os resultados da balança comercial nos primeiros dois meses do ano foram muito negativos, com déficit de US$ 6,2 bilhões. As importações continuam crescendo mais do que as exportações, como vem ocorrendo há algum tempo.
Persistem grandes incertezas sobre o desempenho comercial externo brasileiro em 2014. Cresce a dependência das importações de petróleo e aumenta a incerteza quanto aos mercados venezuelano, em grande crise, e argentino, que consome 19,4% de nossas exportações industriais e onde poderá haver mais de US$ 2 bilhões de redução de nossas exportações. A volatilidade dos preços dos produtos agrícolas e minerais, além da do câmbio, agora novamente com tendência a perigosa valorização, preocupa os exportadores. É difícil prever como terminará a balança comercial este ano, sobretudo pela perda da credibilidade dos dados oficiais, manipulados para esconder um forte déficit no final de 2013. Nesse contexto, a evolução do comércio internacional em 2014 poderia ter efeitos positivos sobre as exportações brasileiras.
Recente relatório da Organização Mundial do Comércio (OMC) mostra estagnação no comércio internacional em 2014. Mas essa não é exatamente a percepção do governo brasileiro, que acredita numa rápida expansão das trocas e no seu impacto positivo para as exportações do Brasil no corrente ano.
Segundo o documento, o comércio global cresceu em 2013 abaixo dos 2,5% que haviam sido projetados. Para 2014 a OMC menciona a possibilidade de um crescimento maior, mas que continuará abaixo da média histórica de 5,5% dos anos 1990. Essa expectativa se fundamenta nas estimativas de crescimento dos EUA em cerca de 3%; da Europa, em 1%; do Japão, em 1,5%; e da China, em 7,5%.
O mais provável será um crescimento em 2014 da mesma ordem do ocorrido em 2013, em vista dos riscos que ainda afetam a economia global e que terão impacto sobre a evolução das trocas internacionais. A OMC menciona como fatores que dificultarão o crescimento do intercâmbio global a modificação da política monetária dos EUA com a gradual retirada dos estímulos expansionistas, a negociação sobre o limite da dívida dos EUA, a ameaça de deflação e persistente baixo crescimento da zona do euro, a expectativa de consolidação fiscal no Japão e crescimento mais fraco dos países emergentes. Por outro lado, as turbulências na América Latina, na Ásia e na Ucrânia, caso persistam por mais algum tempo, vão enfraquecer a demanda por bens e serviços dos países desenvolvidos.
De conformidade com a OMC, o comércio mundial estagnou entre o segundo trimestre de 2012 e o segundo trimestre de 2013. Nesse período, a maior contribuição para seu crescimento foi dada pelos países emergentes. A situação em 2014 parece modificar-se com a desaceleração dos emergentes e o dinamismo das trocas, se ocorrer, virá dos EUA, da Europa e do Japão.
O baixo crescimento do comércio internacional reflete não apenas a redução da demanda nos países emergentes, em razão do baixo nível do seu crescimento, e o pequeno crescimento entre os desenvolvidos, mas também o número cada vez maior de restrições ao livre fluxo de comércio.
O trabalho mostra ainda que há uma clara tendência de aumento de medidas protecionistas em grande número de países. Foram 407 novas medidas restritivas e investigações para frear as importações em 2013, um aumento de cerca de 30% em relação às 308 em 2012. Essas medidas, que afetaram 1,3% das importações mundiais (US$ 240 bilhões), se somam ao vasto arsenal, cada vez mais sofisticado, de regulamentações que restringem o livre-comércio.
Registre-se que o relatório da OMC aponta o Brasil como o país que mais pediu abertura de investigações antidumping para limitar importações por preços desleais no período de outubro de 2012 a novembro de 2013. É bem verdade que, enquanto nesse período o número cresceu nos demais países, no Brasil caiu para 39, comparado com 45 em 2012. A Índia, os EUA e a Argentina foram os outros países que mais recorreram a essa medida de defesa comercial.
Em outro estudo divulgado pela OMC são feitos comentários sobre o que significa, para os países-membros e para a própria Organização, a fragmentação da produção global, negociada nos acordos regionais e bilaterais em vigor que normatizam as regras das cadeias de valor agregado. O representante comercial dos EUA, Mike Froman, candidamente admitiu isso ao referir-se às negociações entre seu país e a Europa: "Vamos ampliar o alcance desse acordo e incluir cláusulas ambientais e sociais, além de maiores exigências na proteção de patentes". Nesse contexto, estão sendo ultimados estudos para o lançamento de negociação de acordo plurilateral, fora da OMC, para a eliminação de tarifas sobre produtos ambientais, como equipamentos solares e centrais eólicas.
O Brasil, carregando o fardo do Mercosul, continua isolado, à margem das grandes transformações que estão ocorrendo no comércio internacional e nas negociações que se desenvolvem fora da OMC.
A tendência dos EUA e da Europa, assim como dos EUA e da Ásia, de avançarem nos entendimentos para chegarem a um acordo regional de livre-comércio fora da OMC dificilmente será revertida. O desafio para a OMC será encontrar uma fórmula de multilateralizar as regras desses acordos, que, em muitos casos, vão além do que já está aprovado pelos160 países-membros da Organização.
Esse é um dos maiores desafios que o Brasil terá de enfrentar nos próximos meses e anos em termos de negociações comerciais externas. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), por meio do Conselho de Comércio Exterior, e a Fundação Getúlio Vargas (FGV) formaram uma força-tarefa para examinar essa questão e encaminhar o resultado do trabalho ao governo a título de cooperação.
O mundo não vai esperar pelo Brasil.
Os resultados da balança comercial nos primeiros dois meses do ano foram muito negativos, com déficit de US$ 6,2 bilhões. As importações continuam crescendo mais do que as exportações, como vem ocorrendo há algum tempo.
Persistem grandes incertezas sobre o desempenho comercial externo brasileiro em 2014. Cresce a dependência das importações de petróleo e aumenta a incerteza quanto aos mercados venezuelano, em grande crise, e argentino, que consome 19,4% de nossas exportações industriais e onde poderá haver mais de US$ 2 bilhões de redução de nossas exportações. A volatilidade dos preços dos produtos agrícolas e minerais, além da do câmbio, agora novamente com tendência a perigosa valorização, preocupa os exportadores. É difícil prever como terminará a balança comercial este ano, sobretudo pela perda da credibilidade dos dados oficiais, manipulados para esconder um forte déficit no final de 2013. Nesse contexto, a evolução do comércio internacional em 2014 poderia ter efeitos positivos sobre as exportações brasileiras.
Recente relatório da Organização Mundial do Comércio (OMC) mostra estagnação no comércio internacional em 2014. Mas essa não é exatamente a percepção do governo brasileiro, que acredita numa rápida expansão das trocas e no seu impacto positivo para as exportações do Brasil no corrente ano.
Segundo o documento, o comércio global cresceu em 2013 abaixo dos 2,5% que haviam sido projetados. Para 2014 a OMC menciona a possibilidade de um crescimento maior, mas que continuará abaixo da média histórica de 5,5% dos anos 1990. Essa expectativa se fundamenta nas estimativas de crescimento dos EUA em cerca de 3%; da Europa, em 1%; do Japão, em 1,5%; e da China, em 7,5%.
O mais provável será um crescimento em 2014 da mesma ordem do ocorrido em 2013, em vista dos riscos que ainda afetam a economia global e que terão impacto sobre a evolução das trocas internacionais. A OMC menciona como fatores que dificultarão o crescimento do intercâmbio global a modificação da política monetária dos EUA com a gradual retirada dos estímulos expansionistas, a negociação sobre o limite da dívida dos EUA, a ameaça de deflação e persistente baixo crescimento da zona do euro, a expectativa de consolidação fiscal no Japão e crescimento mais fraco dos países emergentes. Por outro lado, as turbulências na América Latina, na Ásia e na Ucrânia, caso persistam por mais algum tempo, vão enfraquecer a demanda por bens e serviços dos países desenvolvidos.
De conformidade com a OMC, o comércio mundial estagnou entre o segundo trimestre de 2012 e o segundo trimestre de 2013. Nesse período, a maior contribuição para seu crescimento foi dada pelos países emergentes. A situação em 2014 parece modificar-se com a desaceleração dos emergentes e o dinamismo das trocas, se ocorrer, virá dos EUA, da Europa e do Japão.
O baixo crescimento do comércio internacional reflete não apenas a redução da demanda nos países emergentes, em razão do baixo nível do seu crescimento, e o pequeno crescimento entre os desenvolvidos, mas também o número cada vez maior de restrições ao livre fluxo de comércio.
O trabalho mostra ainda que há uma clara tendência de aumento de medidas protecionistas em grande número de países. Foram 407 novas medidas restritivas e investigações para frear as importações em 2013, um aumento de cerca de 30% em relação às 308 em 2012. Essas medidas, que afetaram 1,3% das importações mundiais (US$ 240 bilhões), se somam ao vasto arsenal, cada vez mais sofisticado, de regulamentações que restringem o livre-comércio.
Registre-se que o relatório da OMC aponta o Brasil como o país que mais pediu abertura de investigações antidumping para limitar importações por preços desleais no período de outubro de 2012 a novembro de 2013. É bem verdade que, enquanto nesse período o número cresceu nos demais países, no Brasil caiu para 39, comparado com 45 em 2012. A Índia, os EUA e a Argentina foram os outros países que mais recorreram a essa medida de defesa comercial.
Em outro estudo divulgado pela OMC são feitos comentários sobre o que significa, para os países-membros e para a própria Organização, a fragmentação da produção global, negociada nos acordos regionais e bilaterais em vigor que normatizam as regras das cadeias de valor agregado. O representante comercial dos EUA, Mike Froman, candidamente admitiu isso ao referir-se às negociações entre seu país e a Europa: "Vamos ampliar o alcance desse acordo e incluir cláusulas ambientais e sociais, além de maiores exigências na proteção de patentes". Nesse contexto, estão sendo ultimados estudos para o lançamento de negociação de acordo plurilateral, fora da OMC, para a eliminação de tarifas sobre produtos ambientais, como equipamentos solares e centrais eólicas.
O Brasil, carregando o fardo do Mercosul, continua isolado, à margem das grandes transformações que estão ocorrendo no comércio internacional e nas negociações que se desenvolvem fora da OMC.
A tendência dos EUA e da Europa, assim como dos EUA e da Ásia, de avançarem nos entendimentos para chegarem a um acordo regional de livre-comércio fora da OMC dificilmente será revertida. O desafio para a OMC será encontrar uma fórmula de multilateralizar as regras desses acordos, que, em muitos casos, vão além do que já está aprovado pelos160 países-membros da Organização.
Esse é um dos maiores desafios que o Brasil terá de enfrentar nos próximos meses e anos em termos de negociações comerciais externas. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), por meio do Conselho de Comércio Exterior, e a Fundação Getúlio Vargas (FGV) formaram uma força-tarefa para examinar essa questão e encaminhar o resultado do trabalho ao governo a título de cooperação.
O mundo não vai esperar pelo Brasil.
Petrobras, Bolsa, Brasil, que fase - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 11/03
A PETROBRAS foi ontem à praça do mercado mundial pedir emprestados uns US$ 8,5 bilhões. Os donos do dinheiro ofereceram mais, uns US$ 22 bilhões, segundo a agência de notícias financeiras Thomson Reuters. Em tese, menos mau.
Além do mais, dado que o clima não está muito bom, as taxas de juros até que foram razoáveis. Ainda que a petroleira esteja endividada além do limite tido como razoável, parece que a empresa vai usar boa parte do dinheiro apenas para rolar sua dívida, sem se enforcar mais.
Além do mais, a "captação", a tomada de empréstimo, era esperada. Assim, o povo do mercado avaliava que o efeito do novo papagaio sobre o preço das ações seria neutro.
Bem, o efeito foi neutro sem no fim das contas ter sido. O preço das ações da Petrobras rolou ontem pelas tabelas (-2,32%), abraçado ao da sua prima gigante, a Vale (-2,65%). Ambas saíram mais arranhadas do que a média da Bovespa, que caiu 1,54%.
Em tese, para variar, o motivo alegado para a fuga da Bovespa e das grandes irmãs de recursos naturais foi mais um tropeço da economia chinesa, ou assim a coisa pareceu para quem tem muito dinheiro no mundo. Pelo sim ou não, o fato é que estamos sem para-brisas: o vento ruim entra.
E daí que a Bolsa caiu ontem? É verdade, não dá para levar em conta faniquitos cotidianos menores das Bolsas. O problema é que a Bolsa brasileira vem rolando a ladeira faz muito tempo.
O Ibovespa caiu 15,5% em 2013; em 2014, já perdeu quase 12%. Em termos reais, os papéis da Petrobras estão com preços de século passado. Isso tem relevância? Alguma. Além do mais, é sintoma relevante.
A derrubada do Ibovespa quer dizer que os donos do dinheiro não estão, bidu, acreditando no crescimento da economia brasileira. Quer dizer em parte que os investidores temem desvalorizações do real. Que estão desconfiados do que pode acontecer com preços e lucros das empresas, pois o governo tenta tabelá-los ou contê-los, mais ou menos indiretamente.
O governo tentou fazer tal coisa com o lucro dos bancos (um pouco no grito, um pouco com concorrência da banca estatal). Fez isso com empresas do setor elétrico, que além do mais estão à espera de uma grana do governo para compensar perdas com a explosão do preço da eletricidade. O governo, enfim, degrada a Petrobras, que não faz caixa e fica relativamente mais endividada porque é obrigada pelo governo a subsidiar o preço dos combustíveis, como bem se sabe.
Com o preço das suas ações no chão, ou mesmo enterrados, em alguns casos, é fácil perceber que as empresas não vão se animar a investir (considere-se a hipótese, teórica e amalucada, nesse ambiente, de uma empresa tomar dinheiro via venda de ações novas: estaria praticamente entregando de mão beijada uma parte do seu negócio).
Obviamente, a Bolsa não determina o que vai ser do investimento (novos negócios, fábricas, instalações etc.) no Brasil. Mas é um termômetro da má fase, entre outros: a confiança do consumidor está em nível do ano ruim de 2009, as expectativas de crescimento do PIB estão em baixa, as de inflação rondam os 6%, dissemina-se o temor, realista ou não, de falta de eletricidade.
Certo, certo, não é desastre. É pântano.
Salto nos preços - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 11/03
Em pouco mais de uma semana, o avanço do mesmo índice de preços mais do que dobrou. No último dia 27, foi divulgado o IGP-M de fevereiro com avanço de 0,38% sobre o do mês anterior. E ontem, o IGP-DI, também de fevereiro, já acusou salto de 0,85%.
São duas siglas diferentes para o mesmo medidor de preços. O Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) serve para corrigir valores do mercado financeiro e por isso tem de ser conhecido no fim de cada mês. O Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) é o índice mais antigo de aferição de preços (inflação).
Ambos são calculados sobre a mesma base de pesquisa pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Deixaram de ser a principal medida de inflação no País quando foi instituído o sistema de metas de inflação. O Banco Central (BC) teve de trabalhar com um índice mais preciso de custo de vida (inflação no varejo). O IGP-DI não se prestava para isso porque é um coquetel um tanto rígido de preços que dão forte peso (60%) para a cesta de preços no atacado.
Ainda que não tenha a mesma importância do passado, quando servia para calcular a correção monetária, o IGP-DI (ou o IGP-M) continua largamente utilizado no mercado financeiro, principalmente nos contratos de aluguel.
O salto do IGP-DI de fevereiro reflete a disparada dos preços dos alimentos. Em janeiro (comparados com dezembro), os alimentos in natura haviam caído 2,99%. Um mês depois, dispararam para 7,03%.
O impacto altista está sendo causado pela seca. Será inevitável que preços mais altos no atacado sejam passados para o varejo. Ainda assim, a maior aceleração dos preços dos produtos hortigranjeiros não foi ainda captada pelos índices. Isso significa que a inflação está apresentando novos focos de alta, independentemente da forma como é medida.
Na reunião do Copom no dia 26 de fevereiro, o BC recalibrou o volume de dinheiro na economia (aumento dos juros básicos de 0,25 ponto porcentual) sem considerar a nova aceleração dos preços.
Em economias normais, digamos, choques de oferta dos hortigranjeiros e seu impacto sobre os preços não são considerados pela política monetária dirigida pelos bancos centrais, porque não refletem aumento da demanda provocado por excesso de dinheiro. Além disso, se um dia falta tomate por escassez ou excesso de chuvas, três meses depois a oferta tende a se normalizar. Por isso, essas esticadas de preços são "aparadas" dos chamados núcleos de inflação. No Brasil, as correções automáticas de preços (indexação) fortemente difundidas são um mecanismo de perpetuação de inflação. Se a alface acusa um avanço abrupto de preços, em seguida essa alta é transferida para as aplicações financeiras, para os reajustes dos salários e dos aluguéis. Por isso, o BC não pode dar a essas estocadas da inflação o mesmo tratamento que é dado em outros países. Tem de levá-los em conta também na definição dos juros.
Esta é a maior razão pela qual o ciclo de alta dos juros, que começou em abril de 2013 e já escalou 3,5 pontos porcentuais ao ano (para 10,75% ao ano), pode não estar concluído, como alguns avaliaram após leitura da Ata do Copom.
Em pouco mais de uma semana, o avanço do mesmo índice de preços mais do que dobrou. No último dia 27, foi divulgado o IGP-M de fevereiro com avanço de 0,38% sobre o do mês anterior. E ontem, o IGP-DI, também de fevereiro, já acusou salto de 0,85%.
São duas siglas diferentes para o mesmo medidor de preços. O Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) serve para corrigir valores do mercado financeiro e por isso tem de ser conhecido no fim de cada mês. O Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) é o índice mais antigo de aferição de preços (inflação).
Ambos são calculados sobre a mesma base de pesquisa pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Deixaram de ser a principal medida de inflação no País quando foi instituído o sistema de metas de inflação. O Banco Central (BC) teve de trabalhar com um índice mais preciso de custo de vida (inflação no varejo). O IGP-DI não se prestava para isso porque é um coquetel um tanto rígido de preços que dão forte peso (60%) para a cesta de preços no atacado.
Ainda que não tenha a mesma importância do passado, quando servia para calcular a correção monetária, o IGP-DI (ou o IGP-M) continua largamente utilizado no mercado financeiro, principalmente nos contratos de aluguel.
O salto do IGP-DI de fevereiro reflete a disparada dos preços dos alimentos. Em janeiro (comparados com dezembro), os alimentos in natura haviam caído 2,99%. Um mês depois, dispararam para 7,03%.
O impacto altista está sendo causado pela seca. Será inevitável que preços mais altos no atacado sejam passados para o varejo. Ainda assim, a maior aceleração dos preços dos produtos hortigranjeiros não foi ainda captada pelos índices. Isso significa que a inflação está apresentando novos focos de alta, independentemente da forma como é medida.
Na reunião do Copom no dia 26 de fevereiro, o BC recalibrou o volume de dinheiro na economia (aumento dos juros básicos de 0,25 ponto porcentual) sem considerar a nova aceleração dos preços.
Em economias normais, digamos, choques de oferta dos hortigranjeiros e seu impacto sobre os preços não são considerados pela política monetária dirigida pelos bancos centrais, porque não refletem aumento da demanda provocado por excesso de dinheiro. Além disso, se um dia falta tomate por escassez ou excesso de chuvas, três meses depois a oferta tende a se normalizar. Por isso, essas esticadas de preços são "aparadas" dos chamados núcleos de inflação. No Brasil, as correções automáticas de preços (indexação) fortemente difundidas são um mecanismo de perpetuação de inflação. Se a alface acusa um avanço abrupto de preços, em seguida essa alta é transferida para as aplicações financeiras, para os reajustes dos salários e dos aluguéis. Por isso, o BC não pode dar a essas estocadas da inflação o mesmo tratamento que é dado em outros países. Tem de levá-los em conta também na definição dos juros.
Esta é a maior razão pela qual o ciclo de alta dos juros, que começou em abril de 2013 e já escalou 3,5 pontos porcentuais ao ano (para 10,75% ao ano), pode não estar concluído, como alguns avaliaram após leitura da Ata do Copom.
A importância da indústria - LUIZ GONZAGA BELLUZZO
VALOR ECONÔMICO - 11/03
Leio na edição dominical da "Folha de S. Paulo" um instigante artigo do professor Samuel Pessoa, intitulado "Indústria e Câmbio".
Físico que se envolveu nas complexidades e armadilhas da Ciência Triste, Samuel é meu confrade espiritual na autenticidade da fé palestrina, condição acessível apenas aos palestrinos de boa fé. Padecemos da mesma paixão pelo campeão do século XX, mas não compartilhamos as mesmas visões da economia e da sociedade.
Uma frase de Samuel incitou minha decisão de alinhavar considerações sobre o tema da indústria e de sua importância: "Não me parece haver evidência empírica de que a indústria seja especial sob algum critério".
A luta pela industrialização é uma questão de sobrevivência das nações, seus povos e de suas identidades
Não? O historiador Carlo Cipolla discorda. Em sua investigação sobre a ruptura econômica e social produzida pela assim chamada Revolução Industrial, Cipolla escreveu: "A Revolução industrial transformou o Homem agricultor e pastor no manipulador de máquinas movidas por energia inanimada". Imagino que Samuel pretenda submeter a constatação de Cipolla a um teste econométrico, baseado numa série temporal que colhe informações desde o Neolítico até as primeiras décadas do século XIX.
À falta de tão requintados procedimentos da positividade empirista, só nos resta recorrer aos pacientes trabalhos de Angus Maddison. No livro "The World Economy", ele estima que, entre 1820 e 1913, a renda per capita na Grã-Bretanha cresceu a uma taxa três vezes maior do que aquela apresentada no período 1700-1820. A publicação da "Riqueza das Nações" e aperfeiçoamento para fins comerciais da máquina a vapor de Newcomen por James Watt no mesmo ano, 1786, talvez forneçam testemunho ainda mais confiável a respeito da radical ruptura no modo de produzir e nas formas de regulação da vida econômica e social.
Aí nasce, de fato, o capitalismo, logo adiante sobranceiro em sua autodeterminação, alcançada mediante a constituição das forças produtivas ajustadas à sua natureza irriquieta. Assentada sobre suas bases materiais, a economia da indústria promove a nova sociabilidade, aquela amparada nas realidades do assalariamento generalizado e nas aspirações de liberdade e de autonomia individual. Na mesma toada, o industrialismo capitalista suscitou o desenvolvimento da metrópole, tabernáculo da modernidade, cuja efervescência cultural, não raro, exprime as misérias sociais nascidas das turbulências do progresso. É aconselhável consultar, entre outros, Balzac, Dickens, Baudelaire, Flaubert e Zola.
O surgimento da indústria como sistema de produção apoiado na maquinaria carrega nos ossos o progresso técnico, move a divisão social do trabalho e engendra diferenciações na estrutura produtiva, promovendo encadeamentos intra e inter-setoriais. Os autores do século XIX anteciparam a industrialização do campo e perceberam a importância dos novos serviços funcionais gestados no rastro da expansão da grande empresa industrial e promovidos pela racionalização e burocratização dos métodos administrativos.
O avanço tecnológico livra progressivamente a agricultura dos caprichos da natureza. Da mesma forma, há que considerar as relações umbilicais entre a Revolução Industrial e a revolução nos Transportes e nas Comunicações. É reconhecida a mútua fecundação entre a constituição do setor de bens de produção - apoiado nos avanços da metalurgia e da mecânica - e a expansão da ferrovia e do navio a vapor.
Essa reordenação da economia exigiu uma resposta também pronta dos países retardatários. Para a Alemanha de Bismarck, para os Estados Unidos de Alexander Hamilton e para os japoneses da revolução Meiji, a industrialização não era uma questão de escolha, mas uma imposição de sobrevivência das nações, de seus povos e de suas identidades.
A industrialização dos retardatários se confunde com as inovações da Segunda Revolução Industrial. O aço, a eletricidade, o motor a combustão, a química e a farmacêutica são os protagonistas dos combates competitivos da Belle Époque. As transformações financeiras do crepúsculo do século XIX promoveram a centralização do capital requerida para o aumento das escalas de produção implícitas nas novas tecnologias. Isso seria inconcebível sem a concentração das relações de débito-crédito nos bancos de depósito e nas proezas dos bancos de negócios, sôfregos em "fixar" capital-dinheiro em novos investimentos.
É descuido imperdoável ignorar que algumas inovações da Segunda Revolução Industrial do final do século XIX - especialmente a ampliação da capacidade dos navios a vapor, o navio frigorífico e o telégrafo - "produziram" os produtores de alimentos e matérias-primas nas regiões periféricas. A rápida escalada industrial dos Estados Unidos e a incorporação da Argentina, da Austrália, da Nova Zelândia, do Brasil reconfiguraram a divisão internacional do trabalho e atraíram milhões de trabalhadores lançados na miséria pela depressão da agricultura europeia.
Depois do surgimento do capitalismo industrial, mais precisamente depois de 1850, diz Cippola, o passado não era apenas o que havia passado. O passado estava morto. A partir de então, o Prometeu Desacorrentado foi incansável em seu labor. Empenha-se agora na "reinvenção" da natureza e na criação das técnicas que poderiam ensejar a proteção do ecúmeno.
Aí estão as inovações da inteligência artificial, da biotecnologia, das alterações nas estruturas atômicas dos materiais, da impressão 3D, das novas energias limpas. Como disse Alfred Whitehead: "o homem inventou o método de inventar". Resta aos homens (no plural) a incumbência de reinventar a vida social para fruir as liberdades e benesses oferecidas pelas proezas de Prometeu.
No seu livro Envolvimento e Alienação, Norberto Elias lançou um pergunta que muitos preferem não responder: "Por que as sociedades humanas resistem mais do que a natureza não-humana a uma bem sucedida exploração (de suas potencialidades) pelos seres humanos?"
Leio na edição dominical da "Folha de S. Paulo" um instigante artigo do professor Samuel Pessoa, intitulado "Indústria e Câmbio".
Físico que se envolveu nas complexidades e armadilhas da Ciência Triste, Samuel é meu confrade espiritual na autenticidade da fé palestrina, condição acessível apenas aos palestrinos de boa fé. Padecemos da mesma paixão pelo campeão do século XX, mas não compartilhamos as mesmas visões da economia e da sociedade.
Uma frase de Samuel incitou minha decisão de alinhavar considerações sobre o tema da indústria e de sua importância: "Não me parece haver evidência empírica de que a indústria seja especial sob algum critério".
A luta pela industrialização é uma questão de sobrevivência das nações, seus povos e de suas identidades
Não? O historiador Carlo Cipolla discorda. Em sua investigação sobre a ruptura econômica e social produzida pela assim chamada Revolução Industrial, Cipolla escreveu: "A Revolução industrial transformou o Homem agricultor e pastor no manipulador de máquinas movidas por energia inanimada". Imagino que Samuel pretenda submeter a constatação de Cipolla a um teste econométrico, baseado numa série temporal que colhe informações desde o Neolítico até as primeiras décadas do século XIX.
À falta de tão requintados procedimentos da positividade empirista, só nos resta recorrer aos pacientes trabalhos de Angus Maddison. No livro "The World Economy", ele estima que, entre 1820 e 1913, a renda per capita na Grã-Bretanha cresceu a uma taxa três vezes maior do que aquela apresentada no período 1700-1820. A publicação da "Riqueza das Nações" e aperfeiçoamento para fins comerciais da máquina a vapor de Newcomen por James Watt no mesmo ano, 1786, talvez forneçam testemunho ainda mais confiável a respeito da radical ruptura no modo de produzir e nas formas de regulação da vida econômica e social.
Aí nasce, de fato, o capitalismo, logo adiante sobranceiro em sua autodeterminação, alcançada mediante a constituição das forças produtivas ajustadas à sua natureza irriquieta. Assentada sobre suas bases materiais, a economia da indústria promove a nova sociabilidade, aquela amparada nas realidades do assalariamento generalizado e nas aspirações de liberdade e de autonomia individual. Na mesma toada, o industrialismo capitalista suscitou o desenvolvimento da metrópole, tabernáculo da modernidade, cuja efervescência cultural, não raro, exprime as misérias sociais nascidas das turbulências do progresso. É aconselhável consultar, entre outros, Balzac, Dickens, Baudelaire, Flaubert e Zola.
O surgimento da indústria como sistema de produção apoiado na maquinaria carrega nos ossos o progresso técnico, move a divisão social do trabalho e engendra diferenciações na estrutura produtiva, promovendo encadeamentos intra e inter-setoriais. Os autores do século XIX anteciparam a industrialização do campo e perceberam a importância dos novos serviços funcionais gestados no rastro da expansão da grande empresa industrial e promovidos pela racionalização e burocratização dos métodos administrativos.
O avanço tecnológico livra progressivamente a agricultura dos caprichos da natureza. Da mesma forma, há que considerar as relações umbilicais entre a Revolução Industrial e a revolução nos Transportes e nas Comunicações. É reconhecida a mútua fecundação entre a constituição do setor de bens de produção - apoiado nos avanços da metalurgia e da mecânica - e a expansão da ferrovia e do navio a vapor.
Essa reordenação da economia exigiu uma resposta também pronta dos países retardatários. Para a Alemanha de Bismarck, para os Estados Unidos de Alexander Hamilton e para os japoneses da revolução Meiji, a industrialização não era uma questão de escolha, mas uma imposição de sobrevivência das nações, de seus povos e de suas identidades.
A industrialização dos retardatários se confunde com as inovações da Segunda Revolução Industrial. O aço, a eletricidade, o motor a combustão, a química e a farmacêutica são os protagonistas dos combates competitivos da Belle Époque. As transformações financeiras do crepúsculo do século XIX promoveram a centralização do capital requerida para o aumento das escalas de produção implícitas nas novas tecnologias. Isso seria inconcebível sem a concentração das relações de débito-crédito nos bancos de depósito e nas proezas dos bancos de negócios, sôfregos em "fixar" capital-dinheiro em novos investimentos.
É descuido imperdoável ignorar que algumas inovações da Segunda Revolução Industrial do final do século XIX - especialmente a ampliação da capacidade dos navios a vapor, o navio frigorífico e o telégrafo - "produziram" os produtores de alimentos e matérias-primas nas regiões periféricas. A rápida escalada industrial dos Estados Unidos e a incorporação da Argentina, da Austrália, da Nova Zelândia, do Brasil reconfiguraram a divisão internacional do trabalho e atraíram milhões de trabalhadores lançados na miséria pela depressão da agricultura europeia.
Depois do surgimento do capitalismo industrial, mais precisamente depois de 1850, diz Cippola, o passado não era apenas o que havia passado. O passado estava morto. A partir de então, o Prometeu Desacorrentado foi incansável em seu labor. Empenha-se agora na "reinvenção" da natureza e na criação das técnicas que poderiam ensejar a proteção do ecúmeno.
Aí estão as inovações da inteligência artificial, da biotecnologia, das alterações nas estruturas atômicas dos materiais, da impressão 3D, das novas energias limpas. Como disse Alfred Whitehead: "o homem inventou o método de inventar". Resta aos homens (no plural) a incumbência de reinventar a vida social para fruir as liberdades e benesses oferecidas pelas proezas de Prometeu.
No seu livro Envolvimento e Alienação, Norberto Elias lançou um pergunta que muitos preferem não responder: "Por que as sociedades humanas resistem mais do que a natureza não-humana a uma bem sucedida exploração (de suas potencialidades) pelos seres humanos?"
Entre dois amores - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 11/03
Geraldine tem o coração partido. Teme o que se passa na Venezuela, onde nasceu e vive. Teme o que se passa na Ucrânia, onde morou sete anos, estudou piano e tem muitos amigos. Por coincidência, os dois países que mais ama estão neste momento disputando as manchetes dos jornais pelo agravamento das crises que os abala. Eu a entrevistei por e-mail.
'Tenho medo de uma escalada de violência militar entre Ucrânia e Rússia e tenho medo de que os ucranianos não consigam realizar seu sonho europeu", diz ela sobre o país com o qual mantém relações constantes através de uma vasta rede de contatos. Pelo menos um quarto dos seus amigos do Facebook são ucranianos. "Na Venezuela, o descontentamento está virando desespero e a reação repressiva e sanguinária do governo está piorando tudo. Este é o momento mais perigoso do país", relata. Ela se define como "de esquerda", acha que a chegada de Hugo Chávez ao poder permitiu uma mudança histórica que deu voz a milhões que não eram ouvidos. Mas repudia o clima de guerra entre os dois lados do país e culpa o governo. "Ele tem que governar para todos e não apenas para os seus simpatizantes."
A venezuelana Geraldine Mendez, 46 anos, pianista, viveu em Kiev entre 1992 e 1999 estudando no conservatório Piotr Ilich Tchaikovsky. Fala e escreve russo e já fez até tradução simultânea. Entende e lê ucraniano, mas não com a mesma fluência. No conservatório, as aulas eram em russo.
Ao chegar na Ucrânia, conta, achou o cotidiano do país "um pouco surrealista". Era um momento de escassez causado pelo fim da União Soviética. "Não havia muito o que comprar e havia fila pra tudo e racionamento. Eu só comprava 250g de manteiga e um quilo de açúcar por mês apresentando minha carteirinha de estudante." Geraldine achou aquele mundo totalmente diferente da sua Venezuela. Hoje, vive a ironia de ver na sua pátria o que estranhou na Ucrânia: desabastecimento, filas e racionamento. "Cada vez mais a Venezuela de hoje se parece com a Ucrânia dos anos 90."
Na Ucrânia, estudou nos livros de história a manipulação dos fatos na era soviética. "As cartas completas de Rachmaninov foram publicadas, mas, claro, todas as correspondências do seu período de imigração para os Estados Unidos estavam ausentes da edição." Hoje, ela vê na Venezuela o governo manipulando informação e cerceando a imprensa. "O protesto deveria terminar em uma negociação sincera com as autoridades, mas como pode haver isso se o protesto é desqualificado, invalidado e considerado um crime?"
Geraldine acha que não há um conflito étnico na Ucrânia. "É impossível dizer que há duas comunidades, uma russa e uma ucraniana. Eu não diria que há uma diferença étnica, mas sim de origem e isso nunca impediu ou definiu as relações interpessoais. Simplesmente cada pessoa respondia no idioma em que era perguntado, que em Kiev, em geral, era russo. Não existe uma divisão desse tipo."
O conservatório onde ela estudou ficava em frente a Maidan, a praça central de Kiev onde houve manifestações e a violenta repressão com dezenas de mortos. "Por todos os meus companheiros, foi muito doloroso ver as cenas ocorridas lá desde dezembro. Por outro lado, me surpreendeu a determinação e força dos ucranianos."
Ela se impressionava com a falta de direitos dos ucranianos diante da força policial. "Um dia que havíamos deixado a porta aberta do pequeno apartamento das residências do conservatório, me vi com um policial dentro do meu quarto, parado ao lado da minha cama, me pedindo o passaporte, e eu estava de roupa íntima." Outro dia, na Venezuela, amigos dela tiveram a casa invadida pela Guarda Nacional à procura de armas. "Eles só tinham as panelas dos 'panelaços'; minha irmã foi intimidada com armas pesadas quando estava batendo panela em frente ao edifício onde mora."
Na Ucrânia, ela viu que todos temiam que algo violento fosse acontecer na Crimeia. E a "Europa era muito longe, política e psicologicamente". A Venezuela está cada vez mais distante do país com o qual sonhou. O aumento da violência faz com que, segundo ela, "viver na Venezuela seja uma roleta-russa, em que após um assalto se fica feliz por ter saído vivo."
Assim vive Geraldine, tocando seu piano em Caracas e sofrendo pelos dois países que ama. Tão distantes, mas, para ela, tão parecidos.
Geraldine tem o coração partido. Teme o que se passa na Venezuela, onde nasceu e vive. Teme o que se passa na Ucrânia, onde morou sete anos, estudou piano e tem muitos amigos. Por coincidência, os dois países que mais ama estão neste momento disputando as manchetes dos jornais pelo agravamento das crises que os abala. Eu a entrevistei por e-mail.
'Tenho medo de uma escalada de violência militar entre Ucrânia e Rússia e tenho medo de que os ucranianos não consigam realizar seu sonho europeu", diz ela sobre o país com o qual mantém relações constantes através de uma vasta rede de contatos. Pelo menos um quarto dos seus amigos do Facebook são ucranianos. "Na Venezuela, o descontentamento está virando desespero e a reação repressiva e sanguinária do governo está piorando tudo. Este é o momento mais perigoso do país", relata. Ela se define como "de esquerda", acha que a chegada de Hugo Chávez ao poder permitiu uma mudança histórica que deu voz a milhões que não eram ouvidos. Mas repudia o clima de guerra entre os dois lados do país e culpa o governo. "Ele tem que governar para todos e não apenas para os seus simpatizantes."
A venezuelana Geraldine Mendez, 46 anos, pianista, viveu em Kiev entre 1992 e 1999 estudando no conservatório Piotr Ilich Tchaikovsky. Fala e escreve russo e já fez até tradução simultânea. Entende e lê ucraniano, mas não com a mesma fluência. No conservatório, as aulas eram em russo.
Ao chegar na Ucrânia, conta, achou o cotidiano do país "um pouco surrealista". Era um momento de escassez causado pelo fim da União Soviética. "Não havia muito o que comprar e havia fila pra tudo e racionamento. Eu só comprava 250g de manteiga e um quilo de açúcar por mês apresentando minha carteirinha de estudante." Geraldine achou aquele mundo totalmente diferente da sua Venezuela. Hoje, vive a ironia de ver na sua pátria o que estranhou na Ucrânia: desabastecimento, filas e racionamento. "Cada vez mais a Venezuela de hoje se parece com a Ucrânia dos anos 90."
Na Ucrânia, estudou nos livros de história a manipulação dos fatos na era soviética. "As cartas completas de Rachmaninov foram publicadas, mas, claro, todas as correspondências do seu período de imigração para os Estados Unidos estavam ausentes da edição." Hoje, ela vê na Venezuela o governo manipulando informação e cerceando a imprensa. "O protesto deveria terminar em uma negociação sincera com as autoridades, mas como pode haver isso se o protesto é desqualificado, invalidado e considerado um crime?"
Geraldine acha que não há um conflito étnico na Ucrânia. "É impossível dizer que há duas comunidades, uma russa e uma ucraniana. Eu não diria que há uma diferença étnica, mas sim de origem e isso nunca impediu ou definiu as relações interpessoais. Simplesmente cada pessoa respondia no idioma em que era perguntado, que em Kiev, em geral, era russo. Não existe uma divisão desse tipo."
O conservatório onde ela estudou ficava em frente a Maidan, a praça central de Kiev onde houve manifestações e a violenta repressão com dezenas de mortos. "Por todos os meus companheiros, foi muito doloroso ver as cenas ocorridas lá desde dezembro. Por outro lado, me surpreendeu a determinação e força dos ucranianos."
Ela se impressionava com a falta de direitos dos ucranianos diante da força policial. "Um dia que havíamos deixado a porta aberta do pequeno apartamento das residências do conservatório, me vi com um policial dentro do meu quarto, parado ao lado da minha cama, me pedindo o passaporte, e eu estava de roupa íntima." Outro dia, na Venezuela, amigos dela tiveram a casa invadida pela Guarda Nacional à procura de armas. "Eles só tinham as panelas dos 'panelaços'; minha irmã foi intimidada com armas pesadas quando estava batendo panela em frente ao edifício onde mora."
Na Ucrânia, ela viu que todos temiam que algo violento fosse acontecer na Crimeia. E a "Europa era muito longe, política e psicologicamente". A Venezuela está cada vez mais distante do país com o qual sonhou. O aumento da violência faz com que, segundo ela, "viver na Venezuela seja uma roleta-russa, em que após um assalto se fica feliz por ter saído vivo."
Assim vive Geraldine, tocando seu piano em Caracas e sofrendo pelos dois países que ama. Tão distantes, mas, para ela, tão parecidos.
Produtividade bloqueada - JOSÉ PAULO KUPFER
O Estado de S.Paulo - 11/03
A armadilha do baixo crescimento, na qual a economia brasileira parece ter se enredado, tem estimulado esforços na busca de diagnósticos capazes de encaminhar soluções para o problema. Não são muitos os consensos nesse departamento, mas um deles é o de que, entre as razões do fenômeno indesejável, deve-se incluir a baixa produtividade econômica.
É possível observar crescente convergência na avaliação de que tirar a produtividade da letargia em que se encontra há duas décadas - com exceção de um suspiro de alta na segunda metade dos anos 2000 - é crucial para vencer a mediocridade dos índices recentes de expansão da economia. A tarefa, diga-se logo, é complexa porque envolve elementos estruturais, cuja superação não costuma ocorrer em prazo curto.
O último empuxo de crescimento se deu em meados da década passada, na onda da incorporação de vastos contingentes de mão de obra ao mercado de trabalho e ao mercado de consumo. Mas, principalmente por razões demográficas, esse efeito está em processo de esgotamento. Crescer, agora, como nas economias maduras da Europa e como nos Estados Unidos, só com ganhos de escala e produtividade.
Estudo da consultoria global McKinsey, detalhado pelo colega Fernando Scheller, no Estadão de ontem, mostra que a produtividade do trabalhador brasileiro aumentou, em média, nos últimos 25 anos, apenas 1% ao ano. Superou o México, mas ficou abaixo de Chile e Peru, ambos com índice pelo menos 2,5 vezes maior. O levantamento aponta que o valor médio gerado pelo trabalhador americano ainda é sete vezes maior do que o gerado por um brasileiro. Não é de se estranhar que a expansão do PIB brasileiro, entre 1990 e 2010, conforme conclui o estudo, poderia ter sido 45% maior.
A receita para elevar a produtividade é bem conhecida: aumentar o investimento em capital físico - máquinas, equipamentos, galpões, armazéns, infraestrutura -, em capital humano - qualificação de mão de obra - e numa mistura dos dois - tecnologia, inovação, gestão e processos. A coisa complica quando se trata de saber como incrementar tudo isso.
Paulo Rabello de Castro, um inquieto economista de formação liberal, mas nem sempre alinhado ao pensamento ortodoxo, presidente do Instituto Atlântico e coordenador do Movimento Brasil Eficiente (MBE), por exemplo, escreveu, em recente nota técnica para o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP, que a carga tributária, incluindo os encargos financeiros da dívida pública, "exerce forte e significativo efeito de diminuir a variação da produtividade total dos fatores (PTF) e, portanto, reduz o PIB Potencial".
De acordo com seus cálculos, no caso brasileiro, cada ponto de porcentagem a mais na carga tributária como proporção do PIB resulta num encolhimento de meio ponto porcentual na produtividade dos fatores. Essa contração acaba se refletindo, negativamente, nas taxas de expansão do PIB.
Apoiado em teorias que definem o "tamanho ótimo" do governo, medido pela carga financeira que financia suas despesas, em algum ponto antes de 30% do PIB, Paulo Rabello relaciona o declínio da produtividade à escalada tributária dos últimos 20 anos. Segundo ele, a trajetória declinante da produtividade começa no Plano Real, que teria substituído o antigo padrão de financiamento inflacionário da dívida pública pelo tributário e financeiro.
Não é difícil perceber que a chave de um aumento da produtividade é mais investimento. Mas este, na visão do economista, é bloqueado pela carga tributária. É fato que os recursos próprios - sob a forma de lucros retidos das empresas ou renda disponível das pessoas -, principal fonte para financiar os investimentos, mantêm uma correlação negativa com a elevação do peso dos tributos. Se já responderam por mais de dois terços do total dos investimentos em 2005, atualmente comparecem com pouco mais de um terço.
A armadilha do baixo crescimento, na qual a economia brasileira parece ter se enredado, tem estimulado esforços na busca de diagnósticos capazes de encaminhar soluções para o problema. Não são muitos os consensos nesse departamento, mas um deles é o de que, entre as razões do fenômeno indesejável, deve-se incluir a baixa produtividade econômica.
É possível observar crescente convergência na avaliação de que tirar a produtividade da letargia em que se encontra há duas décadas - com exceção de um suspiro de alta na segunda metade dos anos 2000 - é crucial para vencer a mediocridade dos índices recentes de expansão da economia. A tarefa, diga-se logo, é complexa porque envolve elementos estruturais, cuja superação não costuma ocorrer em prazo curto.
O último empuxo de crescimento se deu em meados da década passada, na onda da incorporação de vastos contingentes de mão de obra ao mercado de trabalho e ao mercado de consumo. Mas, principalmente por razões demográficas, esse efeito está em processo de esgotamento. Crescer, agora, como nas economias maduras da Europa e como nos Estados Unidos, só com ganhos de escala e produtividade.
Estudo da consultoria global McKinsey, detalhado pelo colega Fernando Scheller, no Estadão de ontem, mostra que a produtividade do trabalhador brasileiro aumentou, em média, nos últimos 25 anos, apenas 1% ao ano. Superou o México, mas ficou abaixo de Chile e Peru, ambos com índice pelo menos 2,5 vezes maior. O levantamento aponta que o valor médio gerado pelo trabalhador americano ainda é sete vezes maior do que o gerado por um brasileiro. Não é de se estranhar que a expansão do PIB brasileiro, entre 1990 e 2010, conforme conclui o estudo, poderia ter sido 45% maior.
A receita para elevar a produtividade é bem conhecida: aumentar o investimento em capital físico - máquinas, equipamentos, galpões, armazéns, infraestrutura -, em capital humano - qualificação de mão de obra - e numa mistura dos dois - tecnologia, inovação, gestão e processos. A coisa complica quando se trata de saber como incrementar tudo isso.
Paulo Rabello de Castro, um inquieto economista de formação liberal, mas nem sempre alinhado ao pensamento ortodoxo, presidente do Instituto Atlântico e coordenador do Movimento Brasil Eficiente (MBE), por exemplo, escreveu, em recente nota técnica para o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP, que a carga tributária, incluindo os encargos financeiros da dívida pública, "exerce forte e significativo efeito de diminuir a variação da produtividade total dos fatores (PTF) e, portanto, reduz o PIB Potencial".
De acordo com seus cálculos, no caso brasileiro, cada ponto de porcentagem a mais na carga tributária como proporção do PIB resulta num encolhimento de meio ponto porcentual na produtividade dos fatores. Essa contração acaba se refletindo, negativamente, nas taxas de expansão do PIB.
Apoiado em teorias que definem o "tamanho ótimo" do governo, medido pela carga financeira que financia suas despesas, em algum ponto antes de 30% do PIB, Paulo Rabello relaciona o declínio da produtividade à escalada tributária dos últimos 20 anos. Segundo ele, a trajetória declinante da produtividade começa no Plano Real, que teria substituído o antigo padrão de financiamento inflacionário da dívida pública pelo tributário e financeiro.
Não é difícil perceber que a chave de um aumento da produtividade é mais investimento. Mas este, na visão do economista, é bloqueado pela carga tributária. É fato que os recursos próprios - sob a forma de lucros retidos das empresas ou renda disponível das pessoas -, principal fonte para financiar os investimentos, mantêm uma correlação negativa com a elevação do peso dos tributos. Se já responderam por mais de dois terços do total dos investimentos em 2005, atualmente comparecem com pouco mais de um terço.
O PT ganhou no tapetão - MARCO ANTONIO VILLA
O GLOBO - 11/03
Derrubada a condenação por formação de quadrilha, o processo no seu conjunto ficou absolutamente incompreensível
O julgamento do mensalão reforçou os defeitos do Poder Judiciário. A lentidão para apreciar as ações, a linguagem embolada e oca de juízes, promotores e advogados, o burocratismo e a leniência quando crimes são cometidos por poderosos.
O Supremo Tribunal Federal, ao longo da história republicana, em diversos momentos foi subserviente frente ao Poder Executivo, ignorou a Constituição e as leis — por mais incrível que isto pareça. Mas rasgar uma decisão produto de um processo que se estende desde 2007 — quando a denúncia foi aceita — isto nunca ocorreu. A revisão da condenação por formação de quadrilha da liderança petista foi o ato mais vergonhoso da história do STF desde a redemocratização.
Até 2012, o governo federal deu pouca importância à Ação Penal 470. Mesmo a nomeação dos novos ministros foi feita sem dar muita atenção a um possível julgamento. Um deles, inclusive, foi indicado simplesmente para agradar ao então todo poderoso governador Sérgio Cabral.
Afinal, o processo vinha se arrastando desde agosto de 2007. Muitos esperavam que sequer entraria na pauta do STF e que as possíveis penas estariam prescritas quando do julgamento. Porém, graças ao árduo trabalho do ministro Joaquim Barbosa e do Ministério Público, a instrução do processo foi concluída em 2011.
O presidente Ayres Brito, de acordo com o regimento da Corte, encaminhou então o processo para o exame do revisor. Esperava-se que seria questão meramente burocrática, como de hábito. Ledo engano. O ministro Ricardo Lewandowski segurou o processo com a firmeza de um Gilmar dos Santos Neves. E só “soltou” o processo — seis meses depois — por determinação expressa de Ayres Brito.
O calendário do julgamento foi aprovado em junho de 2012. Registre-se: sem a presença de Lewandowski. Dois meses antes, o ministro Gilmar Mendes repeliu (e denunciou publicamente) uma tentativa de chantagem do ex-presidente Lula, que tentou vinculá-lo ao “empresário” Carlinhos Cachoeira.
Em agosto, finalmente, começou o julgamento. Diziam à época que as brilhantes defesas levariam ao encerramento do processo com a absolvição dos principais réus. Os advogados mais caros foram aqueles que pior desempenharam seus papéis. O Midas da advocacia brasileira foi o Pacheco do julgamento, sequer conseguiu ocupar os 60 minutos regulamentares para defender seu cliente.
Os inimigos da democracia perderam novamente. Foram sentenciados 25 réus — inclusive a liderança petista. Desde então, as atenções ficaram voltadas para tentar — por todos os meios — alterar o resultado do julgamento. A estratégia incluiu a nomeação de ministros que, seguramente, votariam pela absolvição do crime de formação de quadrilha.
Mas faltava rasgar a Lei 8.038, que não permitia nenhum tipo de recurso para uma ação penal originária, como foi o processo do mensalão. E o PT conseguiu que o plenário — já com uma nova composição — aceitasse os recursos. A partir daí o resultado era esperado
Derrubada a condenação por formação de quadrilha, o processo no seu conjunto ficou absolutamente incompreensível. Como explicar — para só falar dos sentenciados — que 25 pessoas de diversos estados da federação, exercendo distintas atividades profissionais e de posições sociais díspares, tenham participado de toda a trama? Foi por mero acaso? Banqueiros, donos de agências de publicidade, políticos de expressão, ministro, sindicalistas, funcionários partidários e meros empregados com funções subalternas não formaram uma quadrilha para através do desvio de dinheiro público comprar uma maioria na Câmara dos Deputados? E as dezenas de reuniões entre os sentenciados? E as condenações por peculato, corrupção ativa e passiva? E os crimes de gestão fraudulenta e evasão de divisas?
Parodiando um ministro do STF, o processo do mensalão não fecha. Neste caso, é melhor derrubar as condenações (claro que, seguindo a tradição brasileira, somente dos poderosos, excluindo as funcionárias da SM&P) e considerar tudo como um mal-entendido.
Deve ser registrado que toda esta sórdida manobra não encontrou resposta devida do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Nas últimas sessões estava macambúzio. Pouco falou. E, quando teve a oportunidade de expor as teses do Ministério Público, deu a impressão que o fez com enfado, como uma pesada obrigação. A única semelhança com a enérgica atuação do procurador Roberto Gurgel foi o uso dos óculos.
O PT ganhou no tapetão, para usar uma metáfora ao gosto do réu oculto do mensalão, o ex-presidente Lula. Para os padrões da Justiça brasileira, o resultado pode até ser considerado uma vitória. Afinal, mesmo que por um brevíssimo período, poderosos políticos estão presos. Mas fica um gosto amargo.
A virada de mesa reforça a sensação de impunidade, estimula o crime e a violência em toda a sociedade. O pior é que a decisão foi da instância máxima do Judiciário, aquela que deveria dar o exemplo na aplicação da justiça.
Mas, se a atual composição do STF não passa de uma correia de transmissão do Executivo Federal, a coisa vai ficar ainda pior. Os ministros que incomodam a claque petista — por manterem a independência e julgarem segundo os autos do processo — estão de saída. Dois deles, nos próximos meses, devem se aposentar. Aí teremos uma Corte que não vai criar mais nenhum transtorno aos marginais do poder. Não fará justiça. Mas isto é apenas um detalhe. O que importa é transformar o STF em um simples puxadinho do Palácio do Planalto. Afinal, vai ficar tudo dominado.
Derrubada a condenação por formação de quadrilha, o processo no seu conjunto ficou absolutamente incompreensível
O julgamento do mensalão reforçou os defeitos do Poder Judiciário. A lentidão para apreciar as ações, a linguagem embolada e oca de juízes, promotores e advogados, o burocratismo e a leniência quando crimes são cometidos por poderosos.
O Supremo Tribunal Federal, ao longo da história republicana, em diversos momentos foi subserviente frente ao Poder Executivo, ignorou a Constituição e as leis — por mais incrível que isto pareça. Mas rasgar uma decisão produto de um processo que se estende desde 2007 — quando a denúncia foi aceita — isto nunca ocorreu. A revisão da condenação por formação de quadrilha da liderança petista foi o ato mais vergonhoso da história do STF desde a redemocratização.
Até 2012, o governo federal deu pouca importância à Ação Penal 470. Mesmo a nomeação dos novos ministros foi feita sem dar muita atenção a um possível julgamento. Um deles, inclusive, foi indicado simplesmente para agradar ao então todo poderoso governador Sérgio Cabral.
Afinal, o processo vinha se arrastando desde agosto de 2007. Muitos esperavam que sequer entraria na pauta do STF e que as possíveis penas estariam prescritas quando do julgamento. Porém, graças ao árduo trabalho do ministro Joaquim Barbosa e do Ministério Público, a instrução do processo foi concluída em 2011.
O presidente Ayres Brito, de acordo com o regimento da Corte, encaminhou então o processo para o exame do revisor. Esperava-se que seria questão meramente burocrática, como de hábito. Ledo engano. O ministro Ricardo Lewandowski segurou o processo com a firmeza de um Gilmar dos Santos Neves. E só “soltou” o processo — seis meses depois — por determinação expressa de Ayres Brito.
O calendário do julgamento foi aprovado em junho de 2012. Registre-se: sem a presença de Lewandowski. Dois meses antes, o ministro Gilmar Mendes repeliu (e denunciou publicamente) uma tentativa de chantagem do ex-presidente Lula, que tentou vinculá-lo ao “empresário” Carlinhos Cachoeira.
Em agosto, finalmente, começou o julgamento. Diziam à época que as brilhantes defesas levariam ao encerramento do processo com a absolvição dos principais réus. Os advogados mais caros foram aqueles que pior desempenharam seus papéis. O Midas da advocacia brasileira foi o Pacheco do julgamento, sequer conseguiu ocupar os 60 minutos regulamentares para defender seu cliente.
Os inimigos da democracia perderam novamente. Foram sentenciados 25 réus — inclusive a liderança petista. Desde então, as atenções ficaram voltadas para tentar — por todos os meios — alterar o resultado do julgamento. A estratégia incluiu a nomeação de ministros que, seguramente, votariam pela absolvição do crime de formação de quadrilha.
Mas faltava rasgar a Lei 8.038, que não permitia nenhum tipo de recurso para uma ação penal originária, como foi o processo do mensalão. E o PT conseguiu que o plenário — já com uma nova composição — aceitasse os recursos. A partir daí o resultado era esperado
Derrubada a condenação por formação de quadrilha, o processo no seu conjunto ficou absolutamente incompreensível. Como explicar — para só falar dos sentenciados — que 25 pessoas de diversos estados da federação, exercendo distintas atividades profissionais e de posições sociais díspares, tenham participado de toda a trama? Foi por mero acaso? Banqueiros, donos de agências de publicidade, políticos de expressão, ministro, sindicalistas, funcionários partidários e meros empregados com funções subalternas não formaram uma quadrilha para através do desvio de dinheiro público comprar uma maioria na Câmara dos Deputados? E as dezenas de reuniões entre os sentenciados? E as condenações por peculato, corrupção ativa e passiva? E os crimes de gestão fraudulenta e evasão de divisas?
Parodiando um ministro do STF, o processo do mensalão não fecha. Neste caso, é melhor derrubar as condenações (claro que, seguindo a tradição brasileira, somente dos poderosos, excluindo as funcionárias da SM&P) e considerar tudo como um mal-entendido.
Deve ser registrado que toda esta sórdida manobra não encontrou resposta devida do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Nas últimas sessões estava macambúzio. Pouco falou. E, quando teve a oportunidade de expor as teses do Ministério Público, deu a impressão que o fez com enfado, como uma pesada obrigação. A única semelhança com a enérgica atuação do procurador Roberto Gurgel foi o uso dos óculos.
O PT ganhou no tapetão, para usar uma metáfora ao gosto do réu oculto do mensalão, o ex-presidente Lula. Para os padrões da Justiça brasileira, o resultado pode até ser considerado uma vitória. Afinal, mesmo que por um brevíssimo período, poderosos políticos estão presos. Mas fica um gosto amargo.
A virada de mesa reforça a sensação de impunidade, estimula o crime e a violência em toda a sociedade. O pior é que a decisão foi da instância máxima do Judiciário, aquela que deveria dar o exemplo na aplicação da justiça.
Mas, se a atual composição do STF não passa de uma correia de transmissão do Executivo Federal, a coisa vai ficar ainda pior. Os ministros que incomodam a claque petista — por manterem a independência e julgarem segundo os autos do processo — estão de saída. Dois deles, nos próximos meses, devem se aposentar. Aí teremos uma Corte que não vai criar mais nenhum transtorno aos marginais do poder. Não fará justiça. Mas isto é apenas um detalhe. O que importa é transformar o STF em um simples puxadinho do Palácio do Planalto. Afinal, vai ficar tudo dominado.
Fabricação própria - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 11/03
Pode até ser que a presidente Dilma Rousseff, com o auxílio do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, consiga arrumar as coisas no terreno político e, com a ajuda do ministro Guido Mantega, possa recuperar a confiança do empresariado.
Vai ser difícil, contudo, que isso aconteça da maneira pretendida: com a rapidez exigida pela conveniência eleitoral.
Ambas as situações - a conflagração na base de apoio materializada na rebelião do PMDB e a crise de confiança do setor produtivo - não surgiram de uma hora para outra nem decorreram do fenômeno da geração espontânea.
Foram (im) pacientemente cultivadas ao longo dos últimos três anos. Nesse período, os traços de personalidade da presidente ganharam o incentivo do marketing da poderosa e inflexível gerente que tudo sabe e a todos enfrenta.
Uma construção gradativa, intermeada de avisos, de queixas sempre rechaçadas com menosprezo, quando não com bravatas. O governo pretende recuperar terreno agora com o diálogo, mas tal ambiente não se desfaz de uma hora para outra. Demanda esforço em sentido contrário.
Dilma escalou o ministro da Fazenda para "ouvir" os empresários numa reunião hoje em São Paulo. Isso depois de meses de rebates nem sempre civilizados às críticas de demandas desse mesmo setor, no pressuposto de que os interesses objetivos deles nunca os afastariam de fato de governo. Erro de cálculo que talvez não possa ser corrigido mediante "fóruns de diálogo" se às palavras não corresponderem atitudes.
O mesmo ocorre na política. Embora pareça, a conturbação com o PMDB não surgiu devido à chamada reforma do ministério. Vem desde o primeiro ano de governo Dilma e apareceu em todo seu esplendor em maio do ano passado na votação da Medida Provisória dos Portos.
Na ocasião, com maioria de 423 deputados o governo levou dois dias e duas noites para aprovar na Câmara a MP. Evidentemente, a demora não se deveu à atuação dos 90 parlamentares da oposição.
O próprio governo atribuiu à ação do líder do PMDB, Eduardo Cunha, qualificado como uma "erva daninha" a ser extirpada da base governista. Isso quase um ano atrás. Na época, já se falava no Planalto que a presidente exigiria do vice Michel Temer uma definição: o PMDB deveria dizer se estava com o líder na Câmara ou com o governo.
Usavam-se as mesmas palavras de hoje sobre a necessidade de "enquadramento" e de "isolamento" de Cunha, que teria avançado o sinal, confrontado a autoridade presidencial e tudo o mais que se fala hoje. Os movimentos de Michel Temer, supostamente desautorizando o líder também eram semelhantes.
E onde o deputado está? No lugar de sempre, respaldado pela direção do partido, fazendo o jogo do PMDB sem que o Palácio do Planalto possa ter a menor ingerência sobre isso. O partido já decidiu lá atrás, no ano passado quando reconduziu o líder que ficava com ambos: Cunha e o governo.
Assim é e não serão reuniões da presidente nem notas em jornal dizendo da conveniência eleitoral de Dilma confrontar um deputado líder de bancada que mudarão uma história que vem de longe e não tem conserto fácil.
A presidente da República já fez várias reuniões com o partido aliado e o resultado foi zero. Teve dois convites para ministérios recusados e agora PT e PMDB prometem sentar para discutir as alianças em cinco Estados.
Pura embromação. Cada um fará o que for mais conveniente no âmbito local e os dois farão o mais interessante no plano federal, que é a manutenção da aliança formal que dá a Dilma a metade do tempo de televisão dos 11 a 13 minutos com os quais espera contar e ao PMDB a Vice-Presidência.
São os termos do contrato.
Pode até ser que a presidente Dilma Rousseff, com o auxílio do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, consiga arrumar as coisas no terreno político e, com a ajuda do ministro Guido Mantega, possa recuperar a confiança do empresariado.
Vai ser difícil, contudo, que isso aconteça da maneira pretendida: com a rapidez exigida pela conveniência eleitoral.
Ambas as situações - a conflagração na base de apoio materializada na rebelião do PMDB e a crise de confiança do setor produtivo - não surgiram de uma hora para outra nem decorreram do fenômeno da geração espontânea.
Foram (im) pacientemente cultivadas ao longo dos últimos três anos. Nesse período, os traços de personalidade da presidente ganharam o incentivo do marketing da poderosa e inflexível gerente que tudo sabe e a todos enfrenta.
Uma construção gradativa, intermeada de avisos, de queixas sempre rechaçadas com menosprezo, quando não com bravatas. O governo pretende recuperar terreno agora com o diálogo, mas tal ambiente não se desfaz de uma hora para outra. Demanda esforço em sentido contrário.
Dilma escalou o ministro da Fazenda para "ouvir" os empresários numa reunião hoje em São Paulo. Isso depois de meses de rebates nem sempre civilizados às críticas de demandas desse mesmo setor, no pressuposto de que os interesses objetivos deles nunca os afastariam de fato de governo. Erro de cálculo que talvez não possa ser corrigido mediante "fóruns de diálogo" se às palavras não corresponderem atitudes.
O mesmo ocorre na política. Embora pareça, a conturbação com o PMDB não surgiu devido à chamada reforma do ministério. Vem desde o primeiro ano de governo Dilma e apareceu em todo seu esplendor em maio do ano passado na votação da Medida Provisória dos Portos.
Na ocasião, com maioria de 423 deputados o governo levou dois dias e duas noites para aprovar na Câmara a MP. Evidentemente, a demora não se deveu à atuação dos 90 parlamentares da oposição.
O próprio governo atribuiu à ação do líder do PMDB, Eduardo Cunha, qualificado como uma "erva daninha" a ser extirpada da base governista. Isso quase um ano atrás. Na época, já se falava no Planalto que a presidente exigiria do vice Michel Temer uma definição: o PMDB deveria dizer se estava com o líder na Câmara ou com o governo.
Usavam-se as mesmas palavras de hoje sobre a necessidade de "enquadramento" e de "isolamento" de Cunha, que teria avançado o sinal, confrontado a autoridade presidencial e tudo o mais que se fala hoje. Os movimentos de Michel Temer, supostamente desautorizando o líder também eram semelhantes.
E onde o deputado está? No lugar de sempre, respaldado pela direção do partido, fazendo o jogo do PMDB sem que o Palácio do Planalto possa ter a menor ingerência sobre isso. O partido já decidiu lá atrás, no ano passado quando reconduziu o líder que ficava com ambos: Cunha e o governo.
Assim é e não serão reuniões da presidente nem notas em jornal dizendo da conveniência eleitoral de Dilma confrontar um deputado líder de bancada que mudarão uma história que vem de longe e não tem conserto fácil.
A presidente da República já fez várias reuniões com o partido aliado e o resultado foi zero. Teve dois convites para ministérios recusados e agora PT e PMDB prometem sentar para discutir as alianças em cinco Estados.
Pura embromação. Cada um fará o que for mais conveniente no âmbito local e os dois farão o mais interessante no plano federal, que é a manutenção da aliança formal que dá a Dilma a metade do tempo de televisão dos 11 a 13 minutos com os quais espera contar e ao PMDB a Vice-Presidência.
São os termos do contrato.
Das manifestações ao poder do voto - MARCO AURÉLIO MELLO
CORREIO BRAZILIENSE - 11/03
Em junho de 2013, centenas de brasileiros, em sua grande maioria de forma pacífica, ocuparam praças, ruas e avenidas para exercer o direito de manifestação assegurado pela Constituição Federal. O país foi tomado pela participação popular. Levantaram-se bandeiras com reivindicações. Ouviram-se protestos contra a inércia dos governantes na melhoria de serviços públicos, contra a demora do Executivo, do Legislativo e do Judiciário em implementar medidas reclamadas pelo povo, contra a corrupção. Tudo teve início com o aumento das passagens de transporte público, mas tomou proporções muito maiores, de modo a alcançar as mais diversas áreas de atuação do Estado.
Cerca de 1 milhão de pessoas saiu, em pelo menos 80 grandes cidades, para protestar ante a deficiência de políticas públicas e os rumos trilhados pelos dirigentes para satisfazer os anseios populares. O abandono da apatia, da letargia, da acomodação serve de alerta aos políticos de hoje e de amanhã. O recado é cristalino: a população acordou e passou a cobrar das autoridades projetos e ações com resultados eficazes.
Pela importância ímpar, os protestos ganharam cobertura da mídia. Porém, além das manifestações legítimas, assistiu-se a cenas de violência e vandalismo a atingir edifícios e equipamentos públicos, bens privados e, por último, a vida. A perplexidade é geral. Sem dúvida, tais ações merecem total repúdio. Em meio a manifestações democráticas, descabe aceitar a bandalheira, o quebra-quebra dos encapuzados, o enfrentamento às autoridades constituídas. Mostram-se impensáveis a paralisação da vida gregária, o fechamento de vias públicas, o desatino, quando se tem à disposição o mais eficaz instrumento de mudança da realidade social e política: o voto. Sim, a vontade do povo é soberana, mas deve ser depositada nas urnas, não incendiada nas lixeiras das ruas.
O voto é expressão insubstituível da manifestação popular. Há de ser livre e consciente. Há de resultar de íntima convicção e expectativas sobre o futuro do país. Não pode estar atrelado a amarras ideológicas, promessas vãs, interesses particulares e momentâneos. Compete ao eleitor analisar criteriosamente o perfil dos candidatos e votar pensando no engrandecimento da nação.
Com o voto, o cidadão detém nas mãos a capacidade de atuar visando ao progresso, à redução das desigualdades econômicas e ao fortalecimento da democracia. O voto representa o poder de corrigir políticas públicas e acelerar projetos. Sinaliza aos governantes a necessidade de revisão de ideários. Constitui força primária, permanente, impulsionadora do desenvolvimento nacional.
O eleitor revela-se o personagem principal da eleição. É a pedra angular de todo o processo e tem a palavra final quanto ao país que queremos construir. A escolha realizada afeta a vida de todos. O voto, apesar de uno, soma-se a outros, resultando na escolha do representante. Daí não ser dado ao eleitor posar de vítima dos que buscam o cargo para dele se servirem e não aos concidadãos.
Precisa-se amadurecer e afastar a superada ideia de que os problemas brasileiros são alheios e independem, para serem solucionados, do povo. Incumbe ao cidadão sair do marasmo e participar com responsabilidade, assumindo o papel a si reservado. Quem tem o direito de votar dele não deve abdicar. Se há descontentamento, a urna é o lugar de protesto social por excelência.
Avizinha-se a hora. Os cidadãos brasileiros estão convocados a comparecerem às urnas nas eleições de 2014 e a expressarem, pelo voto livre, de forma pacífica e ordeira, o que almejam para o futuro. A Justiça Eleitoral tudo faz para possibilitar o exercício amplo e irrestrito dos ideais democráticos visados pela Constituição e leis da República. Que cada qual, então, compreenda que é artífice dessa grande obra.
Cerca de 1 milhão de pessoas saiu, em pelo menos 80 grandes cidades, para protestar ante a deficiência de políticas públicas e os rumos trilhados pelos dirigentes para satisfazer os anseios populares. O abandono da apatia, da letargia, da acomodação serve de alerta aos políticos de hoje e de amanhã. O recado é cristalino: a população acordou e passou a cobrar das autoridades projetos e ações com resultados eficazes.
Pela importância ímpar, os protestos ganharam cobertura da mídia. Porém, além das manifestações legítimas, assistiu-se a cenas de violência e vandalismo a atingir edifícios e equipamentos públicos, bens privados e, por último, a vida. A perplexidade é geral. Sem dúvida, tais ações merecem total repúdio. Em meio a manifestações democráticas, descabe aceitar a bandalheira, o quebra-quebra dos encapuzados, o enfrentamento às autoridades constituídas. Mostram-se impensáveis a paralisação da vida gregária, o fechamento de vias públicas, o desatino, quando se tem à disposição o mais eficaz instrumento de mudança da realidade social e política: o voto. Sim, a vontade do povo é soberana, mas deve ser depositada nas urnas, não incendiada nas lixeiras das ruas.
O voto é expressão insubstituível da manifestação popular. Há de ser livre e consciente. Há de resultar de íntima convicção e expectativas sobre o futuro do país. Não pode estar atrelado a amarras ideológicas, promessas vãs, interesses particulares e momentâneos. Compete ao eleitor analisar criteriosamente o perfil dos candidatos e votar pensando no engrandecimento da nação.
Com o voto, o cidadão detém nas mãos a capacidade de atuar visando ao progresso, à redução das desigualdades econômicas e ao fortalecimento da democracia. O voto representa o poder de corrigir políticas públicas e acelerar projetos. Sinaliza aos governantes a necessidade de revisão de ideários. Constitui força primária, permanente, impulsionadora do desenvolvimento nacional.
O eleitor revela-se o personagem principal da eleição. É a pedra angular de todo o processo e tem a palavra final quanto ao país que queremos construir. A escolha realizada afeta a vida de todos. O voto, apesar de uno, soma-se a outros, resultando na escolha do representante. Daí não ser dado ao eleitor posar de vítima dos que buscam o cargo para dele se servirem e não aos concidadãos.
Precisa-se amadurecer e afastar a superada ideia de que os problemas brasileiros são alheios e independem, para serem solucionados, do povo. Incumbe ao cidadão sair do marasmo e participar com responsabilidade, assumindo o papel a si reservado. Quem tem o direito de votar dele não deve abdicar. Se há descontentamento, a urna é o lugar de protesto social por excelência.
Avizinha-se a hora. Os cidadãos brasileiros estão convocados a comparecerem às urnas nas eleições de 2014 e a expressarem, pelo voto livre, de forma pacífica e ordeira, o que almejam para o futuro. A Justiça Eleitoral tudo faz para possibilitar o exercício amplo e irrestrito dos ideais democráticos visados pela Constituição e leis da República. Que cada qual, então, compreenda que é artífice dessa grande obra.
Cá e lá - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 11/03
A comparação com a Suprema Corte dos Estados Unidos, o modelo de Corte constitucional em que se baseia nosso Supremo tribunal Federal, que fiz nas colunas do final de semana suscitou várias reações dos leitores, e acho, por isso, que vale a pena prosseguir.
Como cá, nos EUA, os presidentes da República nomeiam os ministros. Mas a diferença fundamental é que, lá, o Congresso faz uma sabatina realmente aprofundada dos candidatos, recusando mesmo certas indicações ou criando constrangimentos tais que o próprio presidente da República retira sua indicação. Além disso, o cargo de ministro é vitalício, o que faz abrir pouquíssimas vagas nos oito anos de mandato de um presidente que se reeleja. Aqui, a idade-limite de 70 anos faz com que os ministros tenham que sair da Corte em meio a um processo, como aconteceu no mensalão.
Também o sistema de aposentadoria pública estimula a aposentadoria precoce. Dificilmente nos Estados Unidos haverá o caso de um processo ser julgado por novos ministros que não participaram da primeira fase, como ocorreu com os ministros Luis Roberto Barroso e Teori Zavascki no caso do mensalão.
Mas, sempre que podem, os presidentes tentam, com suas nomeações, dar uma tendência à Suprema Corte de acordo com seu próprio credo político.
Diego Werneck Arguelhes, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e especialista no sistema Judiciário americano, avalia que, "assim, mudanças eleitorais vão se traduzindo, ao longo do tempo, em mudanças de jurisprudência".
Ele cita como exemplo os longos governos Bush, na década passada, e Reagan, nos anos 80, que levaram diversos conservadores para o Judiciário federal e para a Suprema Corte, produzindo significativas guinadas conservadoras no Direito constitucional do país sobre temas como aborto, ação afirmativa, imigração, poderes regulatórios do Executivo federal e direitos de réus em processo penais. Um dado em comum permanece, destaca Diego Werneck: "Com o passar dos anos, esses valores ecoam das eleições até o STF, da política para a decisão judicial, por meio do mecanismo de indicação".
Mas, mesmo nesse cenário, ressalta Diego Werneck, não se pode prever, nem explicar uma decisão de um ministro simplesmente perguntando qual presidente o indicou. "Nunca é demais lembrar que os ministros, uma vez empossados, têm garantias de independência: vitaliciedade, irredutibilidade de salários, inamovibilidade.
Essas garantias procuram neutralizar quaisquer incentivos que existiriam para agradar às autoridades que o indicaram e aprovaram no cargo de ministro.
Na ausência desses incentivos, os ministros têm uma inegável liberdade." O próprio mensalão mostrou, inúmeras vezes, que os ministros e as ministras do STF podem, com suas decisões, surpreender e até desagradar a quem os indicou. Se de um lado os ministros Lewandowski e Toffoli votaram previsivelmente na grande maioria das vezes a favor dos mensaleiros, outros ministros nomeados por Lula e Dilma votaram com independência.
Na Suprema Corte dos EUA há bons exemplos de ministros que em determinadas circunstâncias votam em desacordo com o governo que os indicou. O advogado Leonardo Correa relembra o exemplo mais recente, por ocasião do julgamento do chamado "obamacare" - reforma da saúde proposta pelo atual presidente americano e aprovada pelo Congresso.
John Roberts, Chief Justice da Suprema Corte americana (equivalente ao presidente do nosso Supremo tribunal Federal, mas com cargo vitalício e indicado pelo presidente da República), fez um voto em que, apesar de críticas veladas ao novo sistema, desempatou a favor do governo Obama, afirmando que "os membros desta Corte possuem a autoridade de interpretar a lei; não detemos a expertise nem a prerrogativa de proferir julgamentos sobre políticas. Essas decisões são atribuídas aos líderes eleitos de nossa nação, que podem ser expulsos de seus cargos se o povo discordar deles. Não é nossa função proteger o povo de suas escolhas políticas".
O detalhe é que Roberts foi nomeado por George W. Bush por seu perfil conservador, mas, nesse caso, ele votou contra seus colegas de tendência política Scalia, Thomas, Alito e Kennedy, resultando na aprovação do "obamacare".
Como cá, nos EUA, os presidentes da República nomeiam os ministros. Mas a diferença fundamental é que, lá, o Congresso faz uma sabatina realmente aprofundada dos candidatos, recusando mesmo certas indicações ou criando constrangimentos tais que o próprio presidente da República retira sua indicação. Além disso, o cargo de ministro é vitalício, o que faz abrir pouquíssimas vagas nos oito anos de mandato de um presidente que se reeleja. Aqui, a idade-limite de 70 anos faz com que os ministros tenham que sair da Corte em meio a um processo, como aconteceu no mensalão.
Também o sistema de aposentadoria pública estimula a aposentadoria precoce. Dificilmente nos Estados Unidos haverá o caso de um processo ser julgado por novos ministros que não participaram da primeira fase, como ocorreu com os ministros Luis Roberto Barroso e Teori Zavascki no caso do mensalão.
Mas, sempre que podem, os presidentes tentam, com suas nomeações, dar uma tendência à Suprema Corte de acordo com seu próprio credo político.
Diego Werneck Arguelhes, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e especialista no sistema Judiciário americano, avalia que, "assim, mudanças eleitorais vão se traduzindo, ao longo do tempo, em mudanças de jurisprudência".
Ele cita como exemplo os longos governos Bush, na década passada, e Reagan, nos anos 80, que levaram diversos conservadores para o Judiciário federal e para a Suprema Corte, produzindo significativas guinadas conservadoras no Direito constitucional do país sobre temas como aborto, ação afirmativa, imigração, poderes regulatórios do Executivo federal e direitos de réus em processo penais. Um dado em comum permanece, destaca Diego Werneck: "Com o passar dos anos, esses valores ecoam das eleições até o STF, da política para a decisão judicial, por meio do mecanismo de indicação".
Mas, mesmo nesse cenário, ressalta Diego Werneck, não se pode prever, nem explicar uma decisão de um ministro simplesmente perguntando qual presidente o indicou. "Nunca é demais lembrar que os ministros, uma vez empossados, têm garantias de independência: vitaliciedade, irredutibilidade de salários, inamovibilidade.
Essas garantias procuram neutralizar quaisquer incentivos que existiriam para agradar às autoridades que o indicaram e aprovaram no cargo de ministro.
Na ausência desses incentivos, os ministros têm uma inegável liberdade." O próprio mensalão mostrou, inúmeras vezes, que os ministros e as ministras do STF podem, com suas decisões, surpreender e até desagradar a quem os indicou. Se de um lado os ministros Lewandowski e Toffoli votaram previsivelmente na grande maioria das vezes a favor dos mensaleiros, outros ministros nomeados por Lula e Dilma votaram com independência.
Na Suprema Corte dos EUA há bons exemplos de ministros que em determinadas circunstâncias votam em desacordo com o governo que os indicou. O advogado Leonardo Correa relembra o exemplo mais recente, por ocasião do julgamento do chamado "obamacare" - reforma da saúde proposta pelo atual presidente americano e aprovada pelo Congresso.
John Roberts, Chief Justice da Suprema Corte americana (equivalente ao presidente do nosso Supremo tribunal Federal, mas com cargo vitalício e indicado pelo presidente da República), fez um voto em que, apesar de críticas veladas ao novo sistema, desempatou a favor do governo Obama, afirmando que "os membros desta Corte possuem a autoridade de interpretar a lei; não detemos a expertise nem a prerrogativa de proferir julgamentos sobre políticas. Essas decisões são atribuídas aos líderes eleitos de nossa nação, que podem ser expulsos de seus cargos se o povo discordar deles. Não é nossa função proteger o povo de suas escolhas políticas".
O detalhe é que Roberts foi nomeado por George W. Bush por seu perfil conservador, mas, nesse caso, ele votou contra seus colegas de tendência política Scalia, Thomas, Alito e Kennedy, resultando na aprovação do "obamacare".
Apedrejamento - ELIANE CATANHEDE
FOLHA DE S. PAULO - 11/03
BRASÍLIA - Sempre que vejo o esforço de Dilma Rousseff, Aécio Neves e Eduardo Campos pela Presidência, penso que eles são loucos.
Só se fala em lixo, roubos, assassinatos, desvios, mensalões, e a economia não anima. Ao dizer que "emprego é mais importante que inflação", Lula antecipa-se às críticas na campanha. Crescimento baixo, juros (que justificavam autoelogios de Dilma) voltaram a ser altos, deficit comercial de bom tamanho, dúvidas na área fiscal. E nem por isso a educação e a saúde estão uma maravilha.
Para completar, quatro das dez empresas (entre as 500 maiores do mundo) que mais perderam valor de mercado nos últimos 12 meses são brasileiras. O destaque é para a Petrobras, que perdeu 34% do seu valor e até o primeiro lugar entre as grandes do país. Não deve ser puro acaso...
Se 2014 é ano de eleição, 2015 será de arrumação da casa: controle mais rígido da inflação e aumento de gasolina, energia, ônibus... Só pedreira.
Então, por que Dilma, Aécio e Campos se digladiam para descascar esse abacaxi gigante? Se não são loucos, têm fascínio pelo poder ou encarnaram a vontade de seus líderes. Dilma, a do padrinho Lula, extasiado pela popularidade. Aécio e Campos, a dos avós Tancredo Neves e Miguel Arraes, que fizeram história, mas nunca realizaram o sonho da Presidência. Tancredo não chegou a assumir. Arraes nem passou perto.
Outra alternativa é eles se acharem predestinados, com a sensação de que nasceram com uma estrela (não a vermelha do PT...) e serão capazes de transformar joio em trigo, fazer o sertão virar mar. O que não deixa de ter lá o seu lado de loucura. Mansa, mas ainda assim loucura.
Na outra ponta, soa sensata e saudável a explicação dada pelo ministro Joaquim Barbosa ao repórter Diego Escosteguy para não entrar na dança: "O jogo da política é muito pesado, muito sujo (...). É lançar-se a um apedrejamento".
Mas há quem "faça o diabo" e aceite ser "apedrejado". Vá entender.
Respostas ao racismo - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE S. PAULO - 11/03
SÃO PAULO - Qual a melhor resposta aos episódios de racismo nos estádios? Pelo que andei lendo na mídia, há duas correntes. Uma, mais radical, defende que os estádios onde ocorrem os xingamentos sejam interditados, e os clubes tidos como ligados aos agressores, punidos.
Essa é uma posição absurda, inclusive para os que, como eu, curtem um pouco de utilitarismo. O ponto central é que ela utiliza uma bala de canhão para acertar um mosquito. Milhares de torcedores que nada têm a ver com as ofensas e muito provavelmente as abominam acabam pagando por algo que não fizeram.
Uma medida desse calibre talvez se justificasse --e numa ótica puramente consequencialista--, se acreditássemos que o único objetivo do Estado é impedir manifestações racistas. Como não é --cabe a ele maximizar a felicidade de todos--, fica difícil sustentar a estratégia, que ainda cria a possibilidade de torcedores de um time sabotarem a agremiação rival encenando uma vaia racista.
Para a outra corrente, mais ponderada, é preciso identificar os responsáveis pelos xingamentos e puni-los na forma da lei. Essa é uma posição coerente, mas não gosto muito dela. Admito que é uma idiossincrasia minha, mas penso que a liberdade de expressão deve ser assegurada de forma robusta, abarcando, inclusive, discursos racistas e nazistas.
É John Stuart Mill quem explica o porquê. Para o filósofo inglês, mesmo os piores preconceitos precisam ter sua circulação assegurada, a fim de que as ideias verdadeiras sejam submetidas à contestação e triunfem. Se não for assim, elas próprias serão percebidas como simples preconceitos, sem base racional.
Se Mill está certo, como acho que está, o que de melhor podemos fazer quando surgem ofensas racistas é mostrar, por meio de uma mistura de indignação pública com argumentos, que o racismo é inconsistente e moralmente errado. E isso todo o país, de Dilma a colunistas, está fazendo.
Nem me fale - CARLOS ALEXANDRE
CORREIO BRAZILIENSE - 11/03
Não gostaria de escrever sobre o sistema de transporte público do Distrito Federal. Mas é impossível deixar de notar que o brasiliense ainda terá de esperar muito para obter um serviço de qualidade. As mudanças produzidas de forma atabalhoada na Rodoviária, sem a divulgação prévia aos usuários, constituem o exemplo mais recente de como os passageiros são os últimos a saber das mudanças - e os primeiros a sentir as consequências. Mudam a frota dos ônibus, alteram os horários e itinerários, prometem fazer a integração. E os pontos de ônibus da EPTG, construídos para ônibus com abertura de portas do lado esquerdo, estão perto de completar quatro anos sem uso. Com algumas mudanças e muitos problemas, o DF continua dependente de veículos automotores. Não há sinal de mudança na matriz do transporte de massa: o metrô, sistema amplamente reconhecido e utilizado para a mobilidade urbana, ainda é subutilizado.
Não gostaria de escrever sobre política, especialmente em ano eleitoral. Mas é impossível relevar que a velha política continua a dar as cartas no cotidiano brasiliense. Há meses, o governo federal enfrenta dificuldade para definir uma composição que agrade a todos os aliados. A presidente Dilma Rousseff pediu ajuda ao antecessor para aplacar a sede de cargos do PMDB, que não pretende mais desempenhar o papel de ator coadjuvante neste terceiro governo petista. Nas manifestações de julho, o governo federal lançou cinco pactos para atender as demandas da população, que exigia a melhor prestação de serviços públicos. A negociação na base governista passa longe de tais preocupações e mantém a tradição do fisiologismo na montagem da administração.
Não gostaria de escrever sobre a Copa do Mundo. Mas é impossível negar que o país escolhido em 2007 para sediar o Mundial fez uma ínfima parte do dever de casa. Temos estádios novos, alguns caríssimos. Mas nada ou muito pouco fizemos para melhorar o acesso aos templos do futebol, a qualidade dos aeroportos, as condições de hospedagem, a oferta de serviços por preços adequados à realidade. Não conseguimos nem mesmo estabelecer a civilidade nos estádios de futebol. Meses depois dos conflitos entre torcidas organizadas, as arquibancadas voltam a se tornar palco de agressões, desta vez de cunho racista e dirigidas aos jogadores.
Não gostaria de escrever sobre política, especialmente em ano eleitoral. Mas é impossível relevar que a velha política continua a dar as cartas no cotidiano brasiliense. Há meses, o governo federal enfrenta dificuldade para definir uma composição que agrade a todos os aliados. A presidente Dilma Rousseff pediu ajuda ao antecessor para aplacar a sede de cargos do PMDB, que não pretende mais desempenhar o papel de ator coadjuvante neste terceiro governo petista. Nas manifestações de julho, o governo federal lançou cinco pactos para atender as demandas da população, que exigia a melhor prestação de serviços públicos. A negociação na base governista passa longe de tais preocupações e mantém a tradição do fisiologismo na montagem da administração.
Não gostaria de escrever sobre a Copa do Mundo. Mas é impossível negar que o país escolhido em 2007 para sediar o Mundial fez uma ínfima parte do dever de casa. Temos estádios novos, alguns caríssimos. Mas nada ou muito pouco fizemos para melhorar o acesso aos templos do futebol, a qualidade dos aeroportos, as condições de hospedagem, a oferta de serviços por preços adequados à realidade. Não conseguimos nem mesmo estabelecer a civilidade nos estádios de futebol. Meses depois dos conflitos entre torcidas organizadas, as arquibancadas voltam a se tornar palco de agressões, desta vez de cunho racista e dirigidas aos jogadores.
Epidemia de crack e abandono - OSMAR TERRA
O GLOBO - 11/03
Crianças e adolescentes também são cidadãos desde a concepção, e é imperativo que as políticas públicas protejam seu direito à convivência familiar e comunitária
Dados do Mapa da Violência 2014 e de pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público, apresentados em primeira mão pelo GLOBO de 24 de fevereiro, identificam que as drogas são a maior causa do abandono de crianças e adolescentes no País. A pesquisa mostra que 80% dos 46 mil casos de encaminhamento de crianças e adolescentes para instituições de acolhimento estão relacionados ao uso de drogas pelos pais.
O texto destaca o crack como fonte de discriminação dessas crianças posteriormente, quando podem vir a ser adotadas, pois se teme que sejam problemáticas em decorrência do consumo da pedra pelos pais. Em minha proposição original para o projeto de lei de drogas, indiquei a importância de diferenciar as medidas legais quando se trata do consumo de crack do de outras drogas. Infelizmente, isso se modificou no decorrer da tramitação do projeto de lei. Mas vemos que a pesquisa registra que o abandono de crianças triplicou nos últimos anos e está relacionado à epidemia do crack, que pode nos levar a uma epidemia de abandono.
Trata-se da constatação de calamidade pública quando se tem noção da repercussão do abandono. Se compreendermos a importância dos vínculos familiares para a saúde mental e social, quanto mais nas fases iniciais do desenvolvimento humano, podemos ter noção do risco em que se encontram crianças e adolescentes privadas das condições para um desenvolvimento saudável.
Quisera que todo o debate de contestação da internação involuntária para tratamento da dependência química, que se organiza no novo projeto de lei de drogas e se limita a no máximo 90 dias, se voltasse para a problemática da “internação involuntária” a que são submetidas as 46 mil crianças e adolescentes que começam a ganhar voz a partir de pesquisas como essa. Por lei, as crianças deveriam ficar institucionalizadas por no máximo dois anos — o que já é um tempo incrível para o que significa cada dia no desenvolvimento infantil. Na prática, esse prazo ultrapassa os dois anos. Não raro, há crianças e adolescentes que permanecem institucionalizados até os 18 anos e depois... O ciclo de abandono se reproduz na sociedade.
Se, por um lado, a preocupação com os índices de aumento da criminalidade que se manifesta por meio da violência física e material é crescente, também temos que olhar com mais atenção para a violência psicológica e silenciosa que está se revelando nas pesquisas. Nossas crianças e adolescentes também são cidadãos desde a concepção, e é imperativo que as políticas públicas protejam seu direito à convivência familiar e comunitária e o direito a um desenvolvimento humano pleno, que não requeira depois a defesa do direito a usar drogas como um remédio para os sintomas da exclusão social que pode ser prevenida.
Trabalho com essa consciência, desde quando era secretário de Saúde no Rio Grande do Sul, criando políticas públicas para a promoção do desenvolvimento humano e a prevenção da violência, especialmente por meio do programa Primeira Infância Melhor, reconhecido internacionalmente. No Legislativo, protagonizei a criação da Frente Parlamentar da Primeira Infância, que já possibilitou a 23 parlamentares se especializarem no tema, em curso envolvendo a Universidade de Harvard, a USP e a PUC-RS. Nessa trajetória, em 18 de dezembro de 2013, apresentamos um projeto de lei que pode modificar o cenário preocupante de abandono da infância e pode ir à raiz dos problemas sociais do Brasil (PL 6.998/2013).
Estamos prestes a instalar a Comissão Especial da Primeira Infância, para trabalhar o marco legal da primeira infância e promover o cuidado integral desde o nascimento. Isso envolve também apoiar as famílias e os profissionais que se dedicam ao cuidado das pessoas.
Se as drogas são a principal causa do abandono, o abandono pode ser a principal causa de todos os problemas que ameaçam nossa sociedade. Então vamos trabalhar para acolher e cuidar de cada cidadão, no período mais recomendado em termos de saúde e cidadania, inclusive em termos de investimento econômico. Podemos mudar o cenário de abandono, também aquele feito pelo Estado.
Crianças e adolescentes também são cidadãos desde a concepção, e é imperativo que as políticas públicas protejam seu direito à convivência familiar e comunitária
Dados do Mapa da Violência 2014 e de pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público, apresentados em primeira mão pelo GLOBO de 24 de fevereiro, identificam que as drogas são a maior causa do abandono de crianças e adolescentes no País. A pesquisa mostra que 80% dos 46 mil casos de encaminhamento de crianças e adolescentes para instituições de acolhimento estão relacionados ao uso de drogas pelos pais.
O texto destaca o crack como fonte de discriminação dessas crianças posteriormente, quando podem vir a ser adotadas, pois se teme que sejam problemáticas em decorrência do consumo da pedra pelos pais. Em minha proposição original para o projeto de lei de drogas, indiquei a importância de diferenciar as medidas legais quando se trata do consumo de crack do de outras drogas. Infelizmente, isso se modificou no decorrer da tramitação do projeto de lei. Mas vemos que a pesquisa registra que o abandono de crianças triplicou nos últimos anos e está relacionado à epidemia do crack, que pode nos levar a uma epidemia de abandono.
Trata-se da constatação de calamidade pública quando se tem noção da repercussão do abandono. Se compreendermos a importância dos vínculos familiares para a saúde mental e social, quanto mais nas fases iniciais do desenvolvimento humano, podemos ter noção do risco em que se encontram crianças e adolescentes privadas das condições para um desenvolvimento saudável.
Quisera que todo o debate de contestação da internação involuntária para tratamento da dependência química, que se organiza no novo projeto de lei de drogas e se limita a no máximo 90 dias, se voltasse para a problemática da “internação involuntária” a que são submetidas as 46 mil crianças e adolescentes que começam a ganhar voz a partir de pesquisas como essa. Por lei, as crianças deveriam ficar institucionalizadas por no máximo dois anos — o que já é um tempo incrível para o que significa cada dia no desenvolvimento infantil. Na prática, esse prazo ultrapassa os dois anos. Não raro, há crianças e adolescentes que permanecem institucionalizados até os 18 anos e depois... O ciclo de abandono se reproduz na sociedade.
Se, por um lado, a preocupação com os índices de aumento da criminalidade que se manifesta por meio da violência física e material é crescente, também temos que olhar com mais atenção para a violência psicológica e silenciosa que está se revelando nas pesquisas. Nossas crianças e adolescentes também são cidadãos desde a concepção, e é imperativo que as políticas públicas protejam seu direito à convivência familiar e comunitária e o direito a um desenvolvimento humano pleno, que não requeira depois a defesa do direito a usar drogas como um remédio para os sintomas da exclusão social que pode ser prevenida.
Trabalho com essa consciência, desde quando era secretário de Saúde no Rio Grande do Sul, criando políticas públicas para a promoção do desenvolvimento humano e a prevenção da violência, especialmente por meio do programa Primeira Infância Melhor, reconhecido internacionalmente. No Legislativo, protagonizei a criação da Frente Parlamentar da Primeira Infância, que já possibilitou a 23 parlamentares se especializarem no tema, em curso envolvendo a Universidade de Harvard, a USP e a PUC-RS. Nessa trajetória, em 18 de dezembro de 2013, apresentamos um projeto de lei que pode modificar o cenário preocupante de abandono da infância e pode ir à raiz dos problemas sociais do Brasil (PL 6.998/2013).
Estamos prestes a instalar a Comissão Especial da Primeira Infância, para trabalhar o marco legal da primeira infância e promover o cuidado integral desde o nascimento. Isso envolve também apoiar as famílias e os profissionais que se dedicam ao cuidado das pessoas.
Se as drogas são a principal causa do abandono, o abandono pode ser a principal causa de todos os problemas que ameaçam nossa sociedade. Então vamos trabalhar para acolher e cuidar de cada cidadão, no período mais recomendado em termos de saúde e cidadania, inclusive em termos de investimento econômico. Podemos mudar o cenário de abandono, também aquele feito pelo Estado.
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