O Estado de S.Paulo - 11/03
Os resultados da balança comercial nos primeiros dois meses do ano foram muito negativos, com déficit de US$ 6,2 bilhões. As importações continuam crescendo mais do que as exportações, como vem ocorrendo há algum tempo.
Persistem grandes incertezas sobre o desempenho comercial externo brasileiro em 2014. Cresce a dependência das importações de petróleo e aumenta a incerteza quanto aos mercados venezuelano, em grande crise, e argentino, que consome 19,4% de nossas exportações industriais e onde poderá haver mais de US$ 2 bilhões de redução de nossas exportações. A volatilidade dos preços dos produtos agrícolas e minerais, além da do câmbio, agora novamente com tendência a perigosa valorização, preocupa os exportadores. É difícil prever como terminará a balança comercial este ano, sobretudo pela perda da credibilidade dos dados oficiais, manipulados para esconder um forte déficit no final de 2013. Nesse contexto, a evolução do comércio internacional em 2014 poderia ter efeitos positivos sobre as exportações brasileiras.
Recente relatório da Organização Mundial do Comércio (OMC) mostra estagnação no comércio internacional em 2014. Mas essa não é exatamente a percepção do governo brasileiro, que acredita numa rápida expansão das trocas e no seu impacto positivo para as exportações do Brasil no corrente ano.
Segundo o documento, o comércio global cresceu em 2013 abaixo dos 2,5% que haviam sido projetados. Para 2014 a OMC menciona a possibilidade de um crescimento maior, mas que continuará abaixo da média histórica de 5,5% dos anos 1990. Essa expectativa se fundamenta nas estimativas de crescimento dos EUA em cerca de 3%; da Europa, em 1%; do Japão, em 1,5%; e da China, em 7,5%.
O mais provável será um crescimento em 2014 da mesma ordem do ocorrido em 2013, em vista dos riscos que ainda afetam a economia global e que terão impacto sobre a evolução das trocas internacionais. A OMC menciona como fatores que dificultarão o crescimento do intercâmbio global a modificação da política monetária dos EUA com a gradual retirada dos estímulos expansionistas, a negociação sobre o limite da dívida dos EUA, a ameaça de deflação e persistente baixo crescimento da zona do euro, a expectativa de consolidação fiscal no Japão e crescimento mais fraco dos países emergentes. Por outro lado, as turbulências na América Latina, na Ásia e na Ucrânia, caso persistam por mais algum tempo, vão enfraquecer a demanda por bens e serviços dos países desenvolvidos.
De conformidade com a OMC, o comércio mundial estagnou entre o segundo trimestre de 2012 e o segundo trimestre de 2013. Nesse período, a maior contribuição para seu crescimento foi dada pelos países emergentes. A situação em 2014 parece modificar-se com a desaceleração dos emergentes e o dinamismo das trocas, se ocorrer, virá dos EUA, da Europa e do Japão.
O baixo crescimento do comércio internacional reflete não apenas a redução da demanda nos países emergentes, em razão do baixo nível do seu crescimento, e o pequeno crescimento entre os desenvolvidos, mas também o número cada vez maior de restrições ao livre fluxo de comércio.
O trabalho mostra ainda que há uma clara tendência de aumento de medidas protecionistas em grande número de países. Foram 407 novas medidas restritivas e investigações para frear as importações em 2013, um aumento de cerca de 30% em relação às 308 em 2012. Essas medidas, que afetaram 1,3% das importações mundiais (US$ 240 bilhões), se somam ao vasto arsenal, cada vez mais sofisticado, de regulamentações que restringem o livre-comércio.
Registre-se que o relatório da OMC aponta o Brasil como o país que mais pediu abertura de investigações antidumping para limitar importações por preços desleais no período de outubro de 2012 a novembro de 2013. É bem verdade que, enquanto nesse período o número cresceu nos demais países, no Brasil caiu para 39, comparado com 45 em 2012. A Índia, os EUA e a Argentina foram os outros países que mais recorreram a essa medida de defesa comercial.
Em outro estudo divulgado pela OMC são feitos comentários sobre o que significa, para os países-membros e para a própria Organização, a fragmentação da produção global, negociada nos acordos regionais e bilaterais em vigor que normatizam as regras das cadeias de valor agregado. O representante comercial dos EUA, Mike Froman, candidamente admitiu isso ao referir-se às negociações entre seu país e a Europa: "Vamos ampliar o alcance desse acordo e incluir cláusulas ambientais e sociais, além de maiores exigências na proteção de patentes". Nesse contexto, estão sendo ultimados estudos para o lançamento de negociação de acordo plurilateral, fora da OMC, para a eliminação de tarifas sobre produtos ambientais, como equipamentos solares e centrais eólicas.
O Brasil, carregando o fardo do Mercosul, continua isolado, à margem das grandes transformações que estão ocorrendo no comércio internacional e nas negociações que se desenvolvem fora da OMC.
A tendência dos EUA e da Europa, assim como dos EUA e da Ásia, de avançarem nos entendimentos para chegarem a um acordo regional de livre-comércio fora da OMC dificilmente será revertida. O desafio para a OMC será encontrar uma fórmula de multilateralizar as regras desses acordos, que, em muitos casos, vão além do que já está aprovado pelos160 países-membros da Organização.
Esse é um dos maiores desafios que o Brasil terá de enfrentar nos próximos meses e anos em termos de negociações comerciais externas. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), por meio do Conselho de Comércio Exterior, e a Fundação Getúlio Vargas (FGV) formaram uma força-tarefa para examinar essa questão e encaminhar o resultado do trabalho ao governo a título de cooperação.
O mundo não vai esperar pelo Brasil.
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