REVISTA ISTO É DINHEIRO
À frente da secretaria de Desestatização do governo federal, o fundador da Localiza, Salim Mattar, tem a missão de levar o espírito empresarial para vencer resistências que emperram a venda de mais de 100 estatais
O empresário mineiro José Salim Mattar Júnior, fundador da Localiza, a maior locadora de carros da América Latina, é um típico personagem que inspira manuais de empreendedorismo e livros de autoajuda. Em 1973, com apenas seis Fuscas usados, comprados a prazo, ele começou a construiu uma empresa que se tornaria uma gigante com quase R$ 7 bilhões em receita por ano, uma frota de 240 mil veículos e mais de 8 milhões de clientes. “No desafio da vida e dos negócios, uma grande caminhada sempre começa com um primeiro passo”, disse Mattar, em entrevista à DINHEIRO.
Desde janeiro, ele enfrenta um dos maiores desafios de sua carreira: a gestão pública, área que sempre criticou. Escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Economia Paulo Guedes para o cargo de secretário de desestatização e desinvestimento, Mattar recebeu a missão de desconstruir, diminuir a presença do Estado em diversas frentes, com privatizações a vendas de participações acionárias. Ao aceitar o posto no governo Bolsonaro, Salim renunciou à presidência do conselho da Localiza e comprou a ambiciosa meta de levantar até R$ 1 trilhão com a venda de ativos públicos federais.Eletrobras: a estatal de distribuição de energia, sob comando de Wilson Ferreira, será a primeira a ser vendida depois da reforma da Previdência (Crédito:Fabio Motta/Estadão)
Em apenas quatro meses, foram vendidos mais de R$ 40 bilhões. O mérito da nova gestão foi terminar, suavemente, um processo iniciado no governo do presidente Michel Temer. Ainda assim, Mattar empresta a terminologia da gestão privada para enfatizar que o valor representa metade da meta de desestatização traçada por Guedes para 2019, num total de US$ 20 bilhões (cerca de R$ 76 bilhões).
Como o foco do governo é aprovar a reforma da Previdência, a ideia é que as vendas se acelerem depois da votação, prevista para meados do ano. A sensação é de que os motores ainda estão se aquecendo ou, na analogia do secretário, o grupo está na fase de treinamento. “O show só acontece depois de muito treinamento.” E, assim como na vida privada, Mattar espera entregar um grande espetáculo. “Tenho um contrato de gestão para fazer privatizações. Espero superar a minha meta”, afirma o empresário.
A capacidade de se superar obstáculos vem desde cedo. Nascido em Oliveira, no interior de Minas Gerais, Mattar viu seu desejo de ser pianista ser repreendido pelo pai. Apesar de ter se graduado em administração de empresas, também não recebeu apoio para fundar a Localiza. Nem a crise do petróleo na década de 1970 o impediu de seguir a veia empreendedora. Em poucos anos, a empresa já estava presente em outros Estados. “A Localiza é um exemplo de excelência em gestão e compliance, uma empresa que, com 260 mil carros, tem valor mercado maior do que suas concorrentes internacionais juntas”, afirma Mattar.
No comando da companhia, o empreendedor conquistou fama e respeito por seu estilo agressivo de gestão. Ele sempre fez questão de conduzir pessoalmente as grandes negociações da companhia, especialmente junto às montadoras. “Com Salim, as negociações eram sempre quentes”, definiu o ex-presidente da Fiat, Cledorvino Belini, quando ainda comandava a montadora. Hoje ele é presidente da distribuidora de energia de Minas Gerais, a Cemig. “Os contratos para renovação de frota sempre terminavam com descontos que nem mesmo o presidente da montadora conseguia.”
Ao analisar a trajetória de sucesso da companhia, o secretário deixa escapar a sua paixão pelo liberalismo. “O sucesso da Localiza aconteceu porque eu, desde cedo, compreendi as leis do mercado”, afirma. Foi numa leitura de Adam Smith aos 16 anos sugerida por um professor o primeiro contato com as ideias liberais. Não parou mais. Trocou livros sobre o tema com empresários como Jorge Gerdau até se tornar um dos maiores apoiadores dos propagadores do pensamento no Brasil, com doações milionárias aos institutos por todo o país – hoje são 120. Não surpreende, portanto, que o secretário cite no topo da lista dos mentores intelectuais o economista Og Leme, formado pela Universidade de Chicago, e com quem fundou o Instituto Liberal. Guedes também faz parte desse capítulo. Na década de 1990, foi o banqueiro responsável pela primeira operação de mercado da locadora, que sedimentou o caminho para abertura de capital do grupo, em 2005.Resistência: sem aval de Bolsonaro para privatizar a Petrobras, a saída é vender as subsidiárias (Crédito:Denny Cesare)
O reconhecimento se deu no convite de Mattar a Guedes para integrar o Conselho de Administração. Mesmo após deixar o cargo, que ocupou por três anos, os dois continuaram próximos. Pelo menos uma vez ao ano, o economista era chamado para jantar na casa do empresário, onde discutiam a conjuntura brasileira. Quando ingressou na campanha de Bolsonaro, Guedes não demorou a acionar Mattar. O “sim” só foi dado depois de o fundador da Localiza se afastar da campanha de João Amoedo, do partido Novo, e após uma reunião de Bolsonaro com empresários, em que o então presidenciável deixou claro que não aceitaria dinheiro. “Esse cargo parece ter sido criado para mim”, afirma Mattar. “Nenhuma estatal é eficiente. Meu mandato é para fechar estatais.”
Em Brasília, já dentro do governo, o empreendedor Mattar pôde constatar por experiências próprias razões pelas quais defende o liberalismo. A máquina estatal é pesada. Muito pesada. Sempre que pode o agora secretário faz questão de enfatizar isso com números. Até onde foi possível encontrar, o governo federal possui hoje 743.322 imóveis. A ordem é vender a maior parte possível e, ainda assim, há risco de o número aumentar ao final do mandato, já que há uma boa parte ainda sendo mapeada. A expectativa é levantar R$ 30 bilhões com a venda de prédios e outros patrimônios ociosos.
Pacote estatal: a privatização dos Correios, em análise pela equipe econômica, é dada como certa (Crédito:Danilo Verpa/Folhapress)
Nos últimos anos, o governo acumulou participações em empresas por meio do da BNDESpar e outras instituições financeiras. As fatias acionárias já começaram a ser vendidas e devem render à União cerca de R$ 85 bilhões. A conta de R$ 1 trilhão que norteia o trabalho da Secretaria inclui também a devolução de recursos pelo BNDES e outros bancos públicos, num total de
R$ 270 bilhões. A maior parte dos recuros deve ser usada para abater dívida pública, hoje superior a R$ 3 trilhões. Essas são as vertentes menos complexas de serem executadas.
Na escalada das dificuldades, o próximo degrau é ocupado pelos leilões de concessões que devem ser executados durante a gestão. As ofertas de rodovias, aeroportos e portos precisam de uma modelagem específica, aprovação de órgãos de controle e interesse dos grupos privados. Para especialistas, os projetos de privatização costumam levar até dois anos para ficar pronto. “A experiência mostra que é possível sair em seis meses. Tudo depende da vontade política”, afirma André Luiz Freire, sócio de Infraestrutura do Demarest.À venda: o porto de Santos deve entrar nos ativos que terão contratos concedidos à iniciativa privada (Crédito:iStock)
Para área de concessões, Mattar conta com o ministro Tarcisio Freitas, a quem considera um aliado de primeira ordem para alcançar as metas que pretende entregar. À frente da pasta de Infraestrutura, Freitas conseguiu executar um leilão de aeroportos com ágio de quase 1000%. Ao todo, o governo conseguiu levantar R$ 7,1 bilhões com os certames, cerca de 15% da meta da Secretaria para 2019. Os esforços para repassar a iniciativa privada deve ser mais amplo do que o apresentado no governo Temer e deverá incluir até contratos no porto de Santos. Entre as áreas de maior interesse dos investidores privados estão o setor de energia, aeroportuário e o ferroviário. “Primeiro precisa passar a reforma da Previdência”, afirma Alberto Sogayar, sócio de infraestrutura do L.O Batista Advogados. Há sondagens por parte de investidores europeus e chineses.
PRIVATIZAÇÕES Quase metade da meta traçada pela equipe econômica diz respeito à venda de estatais federais, num total estimado de R$ 490 bilhões. Daí porque o número de R$ 1 trilhão costuma ser visto com certo ceticismo. O processo para a venda das companhias controladas pelo governo federal é cercado de resistências, dos sindicatos, aos dirigentes das empresas, até ministros às quais elas estão vinculadas quando não o próprio presidente. O governo Bolsonaro decidiu manter duas estatais que estavam juradas de morte pela equipe durante a campanha: a Empresa Brasileira de Comunicação e a Empresa (EBC) e a Empresa de Planejamento e Logística (EPL). Mais de 90% dos ativos das 134 estatais federais está concentrada em cinco conglomerados (Banco do Brasil, BNDES, Caixa, Eletrobras e Petrobras). Segundo Mattar, seu mandato não autoriza a venda de quatro delas: Banco do Brasil, Caixa e BNDES e Petrobras.Defesa estatal: o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, mostrou resistência em privatizar a estatal federal de chips (Crédito:Charles Sholl/Brazil Photo Press/Folhapress)
Nas contas do secretário, 110 empresas devem ser vendidas. “Garanto que vamos vender as empresas que são viáveis de serem vendidas”, afirma Mattar. Há um grupo de companhias estratégicas que devem ser mantidas, como a Embrapa e a Amazul (ligada à área da defesa). Mesmo para algumas delas, há esperança de que seja possível convencer pelo valor. Numa apresentação ao mercado, em São Paulo, Mattar citou, por exemplo, a Imbel, estatal que fabrica pólvora e armas. O grosso dos recursos das privatizações deve ser levantado com as jóias da coroa, subsidiárias da Petrobras, Caixa e Banco do Brasil. Somente a venda da Transportadora Associadas de Gás (TAG), em abril, levantou US$ 8,6 bilhões (mais de R$ 30 bilhões).
Mais difícil será encontrar interessados para o grupo das estatais que hoje dependem do Tesouro Nacional. Ao todo, são 28 empresas, que geraram uma despesa de R$ 19 bilhões no ano passado. O secretário admite que estatais como a Valec, de logística e engenharia, terão de ser encerradas. Outras como a CBTU e Trensurb, de trens urbanos, são consideradas viáveis. “As empresas que não conseguem vender tem de fechar”, afirma João Santana, sócio da CS Consulting e ex-ministro de Infraes-trutura. “O governo fará um programa de desestatização positivo, vai conseguir vender muita coisa, com preços bons.”
O caso da Eletrobras mostra como o processo é complexo. Iniciada no governo Temer, a privatização emperrou no Congresso, sofreu ataques de sindicatos e até dentro do governo. A capitalização da empresa é a primeira prioridade relacionada à Secretária de Desestatização. Outras iniciativas também já são alvo de resistências. O presidente dos Correios declarou ser contra a privatização, considerada uma das “meninas dos olhos” por Mattar no processo de desestatização. A estatal é vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). A pasta é comandada pelo astronauta Marcos Pontes, que também já demonstrou ser contrário à venda da estatal de chips e semicondutores Ceitec.
“O Estado se tornou obeso, lento, burocrático e oneroso”
O secretário de desestatização e desinvestimento, Salim Mattar, garante que será possível levantar R$ 1 trilhão com a execução de seu plano para reduzir o tamanho do Estado. Mas, para isso, precisará conquistar apoio dentro e fora do governo
O sr. sempre foi crítico de governos, e agora faz parte de um. O que o atraiu?
Desde minha adolescência sou um liberal. Durante toda minha vida observei com preocupação o gigantismo e ineficiência da gestão pública. A convite de Jorge Gerdau, em 1986, me juntei ao Instituto Liberal. Nas últimas décadas, o Estado brasileiro se tornou obeso, lento, burocrático e oneroso. Então, decidi participar, trazendo para o governo minha experiência como empresário e fundador da Localiza, uma companhia fantástica e de gestão impecável. O Estado existe para dar segurança ao cidadão, não para ser um peso. Com os governos do PT, minha indignação foi ao limite. Agora, me sinto na obrigação de ajudar. Quero dar minha contribuição.
O convite partiu do ministro Paulo Guedes?
Sim. Conheço o Guedes há mais de 25 anos. Ele foi o banqueiro, com o banco Pactual, responsável por levar a Localiza ao mercado. Abrimos o capital em 2005, e desde então somos uma das cinco empresas mais rentáveis aos investidores na bolsa. Hoje, o valor de mercado da Localiza, com uma frota de 260 mil carros, é maior do que a da Hetz e Avis, que, somadas, possuem 1,3 milhão de veículos. Depois do IPO, convidei Guedes para fazer parte do nosso conselho. Ele aceitou e nos ajudou a conduzir o crescimento da empresa. É um grande economista e tem visão de futuro e pensamento liberal alinhado com o meu.
No início, seu apoio era para o Novo…
Sempre apoiei o Partido Novo, moral e financeiramente. Não me filiei ao partido, apesar de ser o maior doador, porque eu queria ter a liberdade de apoiar candidatos de outros partidos que são também liberais. Nas eleições, eu estava apoiando o João Amoedo, uma pessoa excepcional, um cara espetacular por quem tenho uma grande admiração. Mas à medida que foi se aproximando do primeiro turno, ao sentir que o partido não o elegeria presidente, de forma cuidadosa, eu desembarquei e apoiei Bolsonaro contra Haddad e o PT.
O apoio a Bolsonaro foi arriscado, não?
Sofremos bullying quando declaramos publicamente nosso apoio, mas hoje está claro que nossa aposta foi correta. As críticas foram pesadas sobre os empresários que de posicionaram, como foi o caso do Sebastião Bomfim (Centauro), Luciano Hang (Havan), Meyer Nigri (Tecnisa), Flávio Rocha (Riachuelo) e eu.
O sr. disse que, se pudesse, venderia todas as estatais, mas o presidente Bolsonaro é contra privatizar Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e BNDES…
Não tenho esperança em vender essas estatais. Acredito que das 134 estatais, umas 110 poderão ser vendidas. Existem empresas públicas que são estratégicas para o governo e precisam, na visão do presidente, ser preservadas. Então não vamos mexer com essas. Temos de ser mineiros e cautelosos quando o tema privatização, mas é preciso ficar claro que o Estado brasileiro está literalmente quebrado. A social democracia das últimas décadas quebrou o País e não existe alternativa a não ser incentivar o investimento privado.
Se não pode vender as grandes estatais, pode reduzir o tamanho delas?
Essa é a ideia. Podemos vender subsidiárias, como já tem sido feito com a Petrobras, que tem 36 subsidiárias. O Banco do Brasil tem 16. Então, avaliando caso a caso junto com o governo, vamos vender as estatais e as subsidiárias que forem viáveis de serem vendidas.
E as que não forem viáveis, como a Valec, de logística ferroviária?
As que não tiverem comprador, vamos fechar. A Valec já consumiu mais de R$ 24 bilhões de dinheiro público. Se não houver interesse de investidor privado, vai acabar.
Mas existem muitas estatais lucrativas…
Podem ser lucrativas, mas não existe nenhuma estatal eficiente. Compare a rentabilidade do Banco do Brasil com a do Itaú, Bradesco e Santander. É muito menor. A ineficiência custa caro ao bolso do contribuinte.
O senhor costuma apresentar a meta de R$ 1 trilhão em desinvestimentos. Como pretende chegar a esse número?
As nossas empresas federais privatizáveis valem R$ 490 bilhões. Temos ativos financeiros e dinheiro que o governo emprestou para os bancos, de R$ 85 bilhões. Então, isso não é privatização. É desestatização. O Tesouro emprestou para o BNDES, na era petista, R$ 270 bilhões. Em quatro anos, vamos levantar R$ 115 bilhões em concessões. E vamos vender em imóveis outros R$ 30 bilhões. Isso dá cerca de R$ 990 bilhões.
Como o sr. vai enfrentar as resistências dentro e fora do governo em relação às privatizações?
Devagarinho vamos conquistando aliados. Tenho sangue fenício de mercador, de família de comerciantes libaneses. Negociar, dialogar, comprar e vender está no meu DNA. Mas sei que tudo tem seu tempo. Dentro do governo, estamos reduzindo as resistências e conquistando apoio daqueles que enxergaram a urgência em diminuir o gigantismo do Estado. Uma grande caminhada começa com um primeiro passo.
Mas não existe consenso nem mesmo dentro da equipe de Bolsonaro…
É natural que existam diferenças. Quando a gente assiste uma orquestra, se impressiona com a beleza da apresentação. Mas ninguém sabe do tanto de ensaios foram realizados antes da apresentação. O show só acontece depois de muito treinamento. Começamos apenas quatro meses atrás. Estamos nos conhecendo, fazendo nosso afinamento para o show.