Já se sabia que o governo precisaria de R$ 248 bi extras, a surpresa foi ele protelar negociação
A semana terminou com esta Folha lembrando que o governo tem que aprovar no Congresso, por maioria absoluta, créditos suplementares de R$ 248 bilhões ou não haverá recursos para o pagamento de despesas básicas, incluindo benefícios previdenciários. Fácil imaginar o tamanho da encrenca.
Não pagar despesas obrigatórias, incluindo aposentadorias, seria desastroso, além de ferir a lei. O problema é que gastar sem a aprovação do crédito suplementar implica descumprir o artigo da Constituição conhecido como regra de ouro, o que leva a crime de responsabilidade.
A surpresa não está na notícia, afinal faz dois anos que a Secretaria do Tesouro anunciou que esse dia iria chegar. A surpresa está em deixarmos chegar a esta situação crítica.
Em 2017, após a aprovação da emenda constitucional que limita o crescimento do gasto público, o Tesouro fez o dever de casa e lembrou à sociedade que a Constituição impunha um limite adicional ao financiamento dos gastos públicos.
Pela regra de ouro, o governo federal pode apenas tomar recursos emprestados para financiar despesas de capital, o que inclui amortização da dívida pública ou investimentos.
Isso significa que novos empréstimos não podem ser feitos para pagar despesas correntes, como subsídios ou benefícios a idosos de baixa renda, entre outros.
O Ministério da Fazenda do governo Temer passou a disponibilizar nos seus relatórios a dinâmica das despesas obrigatórias, a evolução das receitas correntes e a apontar o quadro de insustentabilidade das contas públicas que se anunciava.
Há três décadas as despesas obrigatórias crescem bem acima do PIB, e o principal responsável é o gasto com Previdência, em decorrência do envelhecimento da população.
Durante muitos anos, esse crescimento foi compensado pelo aumento da carga tributária e pela redução dos investimentos e dos gastos discricionários, mas desde o começo desta década esse mecanismo parece ter se esgotado.
Outra opção para cobrir o aumento do gasto foi adotar medidas extraordinárias, como venda de royalties de petróleo, renegociação de dívidas e antecipação da devolução dos recursos emprestados pelo Tesouro ao BNDES, entre muitas outras.
Sabendo que a despesa obrigatória iria continuar aumentado bem acima da receita, a equipe econômica, em conjunto com o Congresso, elaborou, no começo de 2018, uma proposta para rever a regra de ouro e evitar o dilema insolúvel: deixar de pagar benefícios previstos pela Constituição ou tomar dinheiro emprestado para pagá-los, o que também fere a Constituição.
A proposta, apresentada pelo deputado carioca Pedro Paulo, previa alterar a regra de ouro nos moldes da emenda do teto do gasto. Caso fosse necessário tomar dinheiro emprestado para pagar despesas obrigatórias, o governo poderia fazê-lo, mas, em contrapartida, haveria uma série de restrições automáticas, como conceder reajustes para os servidores.
A proposta foi rechaçada por economistas e políticos. Foi interpretada como uma licença para gastar. O governo que se virasse para cumprir a regra de ouro. Foram de pouca valia as explicações de que sem reformas profundas como a da Previdência e outras medidas legais, muitas na contramão da nossa jurisprudência atual, o problema seria inevitável.
Com o abandono da proposta do deputado Pedro Paulo, restou o problema de como encaminhar um Orçamento para 2019 em que não haveria receitas correntes para pagar as despesas obrigatórias. A solução criativa foi adicionar ao Orçamento créditos suplementares que deveriam ser aprovados pelo novo Congresso neste ano.
Créditos suplementares podem ser aprovados pelo Congresso quando, por exemplo, há um crescimento das receitas correntes em relação ao previsto no Orçamento, o que permite uma autorização adicional de gasto. O inédito foi aprovar um Orçamento dizendo que as receitas esperadas não pagavam as contas e que por isso seria necessário, no próximo ano, aprovar a suplementação de crédito para uma despesa obrigatória e previsível.
Dessa forma, desde o ano passado sabe-se que o novo governo necessitaria da aprovação de crédito suplementar, provavelmente para fazer algo que a boa gestão desaconselha: tomar emprestado para pagar despesas correntes. Algo como se endividar no banco para pagar o aluguel. A alternativa, porém, seria ainda pior.
Ao menos o governo Temer deixou encaminhadas diversas medidas para obter receitas extraordinárias, como o bônus de assinatura da venda do petróleo adicional no pré-sal, além da proposta de reforma da Previdência relatada pelo deputado Arthur Maia, que poderia ter sido aprovado ainda no ano passado.
Pois bem, chegamos a maio e nada avançou.
É preciso acertar a agenda com o Congresso, definir prioridades e avançar nas medidas emergenciais para obter recursos extraordinários e aprovar as reformas essenciais. Sem acordo com o Congresso, será inevitável confrontar a Constituição, de uma forma ou de outra. O relógio corre.
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