O Estado de S. Paulo - 23/06
Na terça-feira, uma reportagem de Vandson Lima e Andréa Jubé, do jornal Valor Econômico, trouxe uma notícia preocupante, mas não surpreendente. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que responde a nove inquéritos no Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Operação Lava Jato, articula mudanças nas regras da delação premiada. Segundo a reportagem, o presidente do Senado quer enxertar em um dos nove projetos em tramitação no Congresso Nacional que dispõem sobre a matéria pelo menos três mudanças: dar um prazo de 45 dias para que os delatores apresentem provas documentais, ou elas perderão a validade; proibir acordo de delação premiada para quem já se encontre preso; e, em terceiro lugar, anular as delações cujos conteúdos tenham sido noticiados. Entre as três, a terceira mudança é a mais escabrosa.
Não surpreende que os políticos tentem minar o potencial investigativo das delações premiadas. Renan Calheiros é só mais um. Não surpreende que queiram enquadrar a imprensa. Mas que preocupa, preocupa. As investidas contra o direito do cidadão de se informar estão a cada dia mais mirabolantes e ameaçadoras. Esta, agora, de se aproveitar de uma informação jornalística publicada para anular o depoimento de uma delação premiada é perversamente escarnecedora. Se emplacar, o presidente do Senado vai ferir de morte dois coelhos com um tiro só: o primeiro é a delação premiada propriamente dita; o segundo, a liberdade de imprensa.
Para começar, vai ferir o direito que a sociedade tem de, por meio do Ministério Público e da Polícia Federal, fiscalizar o poder (e as tramoias do poder). Pare para pensar um pouco. Se já estivesse valendo, essa restrição teria matado dezenas de delações premiadas em curso, todas elas detestadas por centenas de políticos profissionais. Sopa no mel. A delação de Delcídio Amaral, ex-líder do governo Dilma Rousseff no Senado Federal, teria virado arquivo morto. Muitas outras iriam para a mesma cova. A função investigativa do Ministério Público e da Polícia Federal teria sido gravemente prejudicada. E por quê? Ora, porque um jornalista fez o trabalho que a sociedade legitimamente espera que ele faça: publicou o que descobriu.
Para continuar, o sonho de consumo de Renan Calheiros fere de morte também a liberdade de imprensa, pois aterrorizaria as redações com a ameaça de pôr nelas a culpa pelo malogro das investigações.
O Brasil tem tradição liberticida. Até hoje, vira e mexe, alguém aparece com a ideia de punir o repórter que revelou passagens de alto interesse público num processo em segredo de Justiça. Atenção a esse ponto. A mentalidade autoritária não se contenta com o direito (legal e legítimo), que já existe, de se processar um órgão de imprensa que tenha devassado a intimidade de alguém. Insatisfeitos, pleiteiam a punição da reportagem que revele aspectos de alto interesse público num processo protegido pelo sigilo de Justiça, mesmo quando esses aspectos não arranham a intimidade das partes envolvidas. O sonho de consumo de Renan Calheiros se inscreve nessa tradição.
As mentes autoritárias não admitem o óbvio: o sigilo de Justiça deve ser guardado, sim, mas pela Justiça e por seus magistrados, não pelos jornalistas. A estes não cabe o dever funcional de preservar o sigilo de Justiça. Ao contrário, o dever do jornalista é descobrir segredos que escondam informações de interesse público e transmiti-las ao cidadão o quanto antes.
O mesmo raciocínio vale para segredos de Estado. Se descobertos por editores e repórteres, e se são de interesse público, o dever das redações é publicá-los. São incontáveis os exemplos históricos que demonstram que o cumprimento desse dever fortalece a democracia. Lembremos os papéis do Pentágono e o caso Watergate, nos Estados Unidos. No Brasil, lembremos a Operação Boi Barrica (que rendeu a este jornal uma censura judicial até hoje não revogada pelo Supremo Tribunal Federal), além de inúmeras boas reportagens que contribuíram para o esclarecimento dos crimes de tortura (no tempo da ditadura militar), de desvios no governo Collor, dos escândalos do governo Fernando Henrique Cardoso (os bastidores da aprovação da reeleição dele mesmo, entre outros) e, mais recentemente, dos crimes ligados aos processos do mensalão e do petrolão.
Se não puder publicar segredos do Estado (do Judiciário, do Executivo e do Legislativo), o que restará à imprensa? Publicar horóscopo, Os Lusíadas, receitas de bolo e, quem sabe, resenhas literárias sobre as obras completas de José Sarney?
Já sabemos que punir jornalistas que cumpram o seu dever é uma forma indireta de punir a sociedade. Agora, o presidente do Senado parece inovar. Vai direto ao ponto: pune diretamente a sociedade sem ter de passar pelo intermediário. O jornalista publicou uma notícia sobre uma delação premiada? Simples. Jogue-se no lixo toda a investigação. Consequentemente, puna-se o Ministério Público, puna-se a Polícia Federal, e, de quebra, puna-se o cidadão.
Mas Renan, como já foi dito, é apenas mais um. Entre os projetos que conspiram contra a liberdade de imprensa como um atalho para acabar com o potencial das delações premiadas está o do deputado Wadih Damous (PT-RJ). A proposta que ele apresentou (4.372/16) nem disfarça: “Constitui crime divulgar o conteúdo dos depoimentos colhidos no âmbito do acordo de colaboração premiada, pendente ou não de homologação judicial”. A pena é de 1 ano a 4 anos de reclusão, além de multa. O nobre deputado pode até alegar que o alvo de seu projeto não é o repórter, mas o servidor público que entregou o documento ao repórter. A alegação será vã. Do modo como foi redigido, não há margem para dúvida: o projeto, se aprovado, vai ajudar a encarcerar jornalistas que trabalharam direito. Os investigados da Lava Jato agradecem. A gente se preocupa.
quinta-feira, junho 23, 2016
Sem espaço - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 23/06
Não adiantou de nada as palavras respeitosas que o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, proferiu sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão de ontem de torná-lo mais uma vez réu por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas demonstra que Cunha não tem mais espaço para escapar de punições.
A derrota mais sofrida, no entanto, deve ter sido a de desmembrar os processos, levando para o juiz Sérgio Moro, em Curitiba, os casos da mulher de Cunha, Cláudia Cruz, e de sua filha. Chamou a atenção no julgamento de ontem a explicitação de elogios ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, feitos por diversos ministros, principalmente pelo relator dos processos da Lava-Jato no STF, ministro Teori Zavascki.
Depois dos ataques que Janot vem sofrendo por parte dos parlamentares, estando, inclusive, sob a ameaça de um pedido de impeachment, não foi com certeza um acaso que elogios a seu trabalho tenham sido proferidos durante a sessão de ontem, quando a maioria dos ministros seguiu seu parecer.
Teori chegou a dizer que procura sempre seguir os votos do procurador-geral, porque considera que nesta fase de investigação é preciso dar apoio ao Ministério Público. Há latente nas declarações e votos dos ministros do Supremo a preocupação de unificar posições a favor das investigações do Ministério Público, para descaracterizar a imagem de que as acusações são levianas ou irresponsáveis.
Essa ideia vem sendo disseminada por congressistas de diversos partidos, e tem o objetivo de explorar eventuais desencontros entre delações premiadas para desvalorizá-las. Os procuradores de Curitiba estão sob o holofote dos políticos, e a visita do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, à força-tarefa em Curitiba não foi à toa.
Além do apoio declarado à continuidade das investigações, o governo Temer pretende passar a ideia de que não se alia aos que querem limitar as ações dos procuradores que, a partir de Curitiba, desenvolvem as investigações da Lava-Jato.
Também o próprio presidente Michel Temer, ao dizer que Janot está apenas cumprindo seu papel ao denunciar políticos, e que não vale a pena analisar o pedido de impeachment, está dando o aval de seu governo ao prosseguimento das investigações, mesmo quando seu partido está no centro delas, em especial líderes como Renan Calheiros e José Sarney.
O exagero do pedido de prisão desses políticos por Janot já ficou estabelecido pelo não acatamento dele por Teori, mas essa decisão contrária não deve ser interpretada como uma fragilização do trabalho do Ministério Público.
Quando muito, foi uma sinalização de que o relator no Supremo assume o papel de estabelecer os limites de atuação do Ministério Público, mas sempre ressaltando que, na maior parte dos casos, concorda com os pedidos do procurador-geral.
A mesma coisa aconteceu em relação ao juiz Sérgio Moro, que levou uma espécie de carão de Teori — que anulou a gravação da conversa entre a presidente afastada, Dilma Rousseff, e o ex-presidente Lula, mas manteve a possibilidade de levar adiante o processo de obstrução da Justiça, com base em outras provas, que continuaram intactas.
Agindo assim, o STF cuida de que as investigações da Lava-Jato continuem prestigiadas, sob o controle atento da última instância, para evitar recursos protelatórios como os que Cunha vem apresentando.
O fato de o recurso contra a ida, para a instância de Moro, dos casos da mulher e da filha de Cunha ter sido recusado pelo plenário do Supremo pode detonar novas atitudes do presidente afastado da Câmara, apesar de ele ter garantido que não renunciará nem fará delação premiada.
O tempo de Cunha está se esgotando rapidamente, e ele terá que pensar rápido para não passar o momento certo de agir.
Não adiantou de nada as palavras respeitosas que o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, proferiu sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão de ontem de torná-lo mais uma vez réu por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas demonstra que Cunha não tem mais espaço para escapar de punições.
A derrota mais sofrida, no entanto, deve ter sido a de desmembrar os processos, levando para o juiz Sérgio Moro, em Curitiba, os casos da mulher de Cunha, Cláudia Cruz, e de sua filha. Chamou a atenção no julgamento de ontem a explicitação de elogios ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, feitos por diversos ministros, principalmente pelo relator dos processos da Lava-Jato no STF, ministro Teori Zavascki.
Depois dos ataques que Janot vem sofrendo por parte dos parlamentares, estando, inclusive, sob a ameaça de um pedido de impeachment, não foi com certeza um acaso que elogios a seu trabalho tenham sido proferidos durante a sessão de ontem, quando a maioria dos ministros seguiu seu parecer.
Teori chegou a dizer que procura sempre seguir os votos do procurador-geral, porque considera que nesta fase de investigação é preciso dar apoio ao Ministério Público. Há latente nas declarações e votos dos ministros do Supremo a preocupação de unificar posições a favor das investigações do Ministério Público, para descaracterizar a imagem de que as acusações são levianas ou irresponsáveis.
Essa ideia vem sendo disseminada por congressistas de diversos partidos, e tem o objetivo de explorar eventuais desencontros entre delações premiadas para desvalorizá-las. Os procuradores de Curitiba estão sob o holofote dos políticos, e a visita do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, à força-tarefa em Curitiba não foi à toa.
Além do apoio declarado à continuidade das investigações, o governo Temer pretende passar a ideia de que não se alia aos que querem limitar as ações dos procuradores que, a partir de Curitiba, desenvolvem as investigações da Lava-Jato.
Também o próprio presidente Michel Temer, ao dizer que Janot está apenas cumprindo seu papel ao denunciar políticos, e que não vale a pena analisar o pedido de impeachment, está dando o aval de seu governo ao prosseguimento das investigações, mesmo quando seu partido está no centro delas, em especial líderes como Renan Calheiros e José Sarney.
O exagero do pedido de prisão desses políticos por Janot já ficou estabelecido pelo não acatamento dele por Teori, mas essa decisão contrária não deve ser interpretada como uma fragilização do trabalho do Ministério Público.
Quando muito, foi uma sinalização de que o relator no Supremo assume o papel de estabelecer os limites de atuação do Ministério Público, mas sempre ressaltando que, na maior parte dos casos, concorda com os pedidos do procurador-geral.
A mesma coisa aconteceu em relação ao juiz Sérgio Moro, que levou uma espécie de carão de Teori — que anulou a gravação da conversa entre a presidente afastada, Dilma Rousseff, e o ex-presidente Lula, mas manteve a possibilidade de levar adiante o processo de obstrução da Justiça, com base em outras provas, que continuaram intactas.
Agindo assim, o STF cuida de que as investigações da Lava-Jato continuem prestigiadas, sob o controle atento da última instância, para evitar recursos protelatórios como os que Cunha vem apresentando.
O fato de o recurso contra a ida, para a instância de Moro, dos casos da mulher e da filha de Cunha ter sido recusado pelo plenário do Supremo pode detonar novas atitudes do presidente afastado da Câmara, apesar de ele ter garantido que não renunciará nem fará delação premiada.
O tempo de Cunha está se esgotando rapidamente, e ele terá que pensar rápido para não passar o momento certo de agir.
Temer, licença para gastar - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 23/05
Michel Temer está com crédito. Apesar de críticas, a tolerância ainda é grande. Pelo menos entre os mais ou menos adeptos da "ponte para o futuro" liberal que o presidente prometeu no ano passado.
Por enquanto, Temer gasta quase tudo em casos tidos e havidos como perdidos: contas a pagar do governo Dilma Rousseff, aumentos de funcionários, esqueletos, a ruína dos Estados. Jogou um tanto de recursos fora, com nomeações obviamente furadas para ministérios e cercanias.
As elites econômicas, que andaram meio dispersas antes do impeachment, declaram apoio a Temer, até porque mesmo os grandes recalcitrantes acreditam que não haveria alternativa antes de 2018.
Há paciência (cara) na praça do mercado, anestesiado pela relativa calmaria na praça mundial. A taxa de juro real de um ano está mais ou menos no mesmo degrau desde meados de março (6,6% ou 6,7% ao ano), em boa parte cortesia da trégua em Estados Unidos e China.
Mas, ainda assim, os juros acompanham a lentíssima queda das expectativas de inflação. No colapso final do plano econômico de Dilma 2-Levy, em setembro, uma combinação de rolos externos com domésticos levou a taxa de juro a algo entre 8% e 9%. O câmbio, também ancorado pela mundo lá fora, está "tranquilo". Em suma, o governo Temer por si só não buliu muito com a finança, mas não azedou o caldo.
Há tolerância e crédito porque, parece, se acredita que o governo Temer vai pagar suas contas políticas, óbvio. Isto é, o plano de congelamento dos gastos do governo federal, algumas reformas na Previdência e alguma mexida nas leis trabalhistas, pelo menos a terceirização geral e irrestrita do trabalho, como prometido.
Então se tolerou o deficit ainda mais estourado das contas federais neste ano e uma renegociação das dívidas estaduais com contrapartidas ainda frouxas (e talvez mais frouxas que a proposta por Dilma Rousseff). Tolerou-se mesmo não sabendo o preço dessas contas.
De quanto será o deficit neste ano? As contrapartidas da renegociação da dívida serão quais? Nos termos vagos de agora, pode bem ser que essa conta estoure de novo, lá por 2018, se tanto.
Temer gasta o crédito para comprar capital político, está claro para todo o mundo. Conta com paciência porque, enfim, tem pouco tempo de governo, além do mais, menos de um mês e meio. Ain- da acerta as lideranças e presidências no Congresso. Paga as contas do impeachment, despesa que não acaba antes de agosto.
Por alguma sorte, trégua a contragosto ou cansaço temporário de quase dois anos de tumulto, as ruas estão relativamente calmas, embora cada vez mais cheias de desempregados, mendigos e dos mortos de quase sempre, de violência ou, agora, até de frio.
É tudo brasa dormida, porém, que pode ser soprada e virar fogo a qualquer hora.
Os donos do dinheiro do mundo são meio imprevisíveis e há problemas represados lá fora. Embora a Lava Jato pareça agora inevitável, seus efeitos são incalculáveis, ainda mais com as delações-mores que virão. As ruas podem até ficar quietas, mas virão as pesquisas de opinião.
Dados os anos de confusão, parece haver trégua. Mas não convém abusar da sorte.
Michel Temer está com crédito. Apesar de críticas, a tolerância ainda é grande. Pelo menos entre os mais ou menos adeptos da "ponte para o futuro" liberal que o presidente prometeu no ano passado.
Por enquanto, Temer gasta quase tudo em casos tidos e havidos como perdidos: contas a pagar do governo Dilma Rousseff, aumentos de funcionários, esqueletos, a ruína dos Estados. Jogou um tanto de recursos fora, com nomeações obviamente furadas para ministérios e cercanias.
As elites econômicas, que andaram meio dispersas antes do impeachment, declaram apoio a Temer, até porque mesmo os grandes recalcitrantes acreditam que não haveria alternativa antes de 2018.
Há paciência (cara) na praça do mercado, anestesiado pela relativa calmaria na praça mundial. A taxa de juro real de um ano está mais ou menos no mesmo degrau desde meados de março (6,6% ou 6,7% ao ano), em boa parte cortesia da trégua em Estados Unidos e China.
Mas, ainda assim, os juros acompanham a lentíssima queda das expectativas de inflação. No colapso final do plano econômico de Dilma 2-Levy, em setembro, uma combinação de rolos externos com domésticos levou a taxa de juro a algo entre 8% e 9%. O câmbio, também ancorado pela mundo lá fora, está "tranquilo". Em suma, o governo Temer por si só não buliu muito com a finança, mas não azedou o caldo.
Há tolerância e crédito porque, parece, se acredita que o governo Temer vai pagar suas contas políticas, óbvio. Isto é, o plano de congelamento dos gastos do governo federal, algumas reformas na Previdência e alguma mexida nas leis trabalhistas, pelo menos a terceirização geral e irrestrita do trabalho, como prometido.
Então se tolerou o deficit ainda mais estourado das contas federais neste ano e uma renegociação das dívidas estaduais com contrapartidas ainda frouxas (e talvez mais frouxas que a proposta por Dilma Rousseff). Tolerou-se mesmo não sabendo o preço dessas contas.
De quanto será o deficit neste ano? As contrapartidas da renegociação da dívida serão quais? Nos termos vagos de agora, pode bem ser que essa conta estoure de novo, lá por 2018, se tanto.
Temer gasta o crédito para comprar capital político, está claro para todo o mundo. Conta com paciência porque, enfim, tem pouco tempo de governo, além do mais, menos de um mês e meio. Ain- da acerta as lideranças e presidências no Congresso. Paga as contas do impeachment, despesa que não acaba antes de agosto.
Por alguma sorte, trégua a contragosto ou cansaço temporário de quase dois anos de tumulto, as ruas estão relativamente calmas, embora cada vez mais cheias de desempregados, mendigos e dos mortos de quase sempre, de violência ou, agora, até de frio.
É tudo brasa dormida, porém, que pode ser soprada e virar fogo a qualquer hora.
Os donos do dinheiro do mundo são meio imprevisíveis e há problemas represados lá fora. Embora a Lava Jato pareça agora inevitável, seus efeitos são incalculáveis, ainda mais com as delações-mores que virão. As ruas podem até ficar quietas, mas virão as pesquisas de opinião.
Dados os anos de confusão, parece haver trégua. Mas não convém abusar da sorte.
O gringo era carioca - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 23/05
É equivocada e atrasada a legislação que limita a participação estrangeira em companhias aéreas — só agora sendo modificada
Está em votação no Congresso a medida provisória pela qual estrangeiros poderão ser donos e controladores de companhias aéreas brasileiras.
Mas já não pode?, perguntará o leitor acostumado, por exemplo, a voar pela Azul. O dono é o americano David Neeleman, que havia fundado três companhias aéreas nos EUA, uma das quais a revolucionária JetBlue. A brasileira Azul foi a sua quarta, criada em 2008.
Além do capital próprio que trouxe dos EUA, Neeleman recolheu investimentos de George Soros e de um fundo de São Francisco, aos quais se juntaram, minoritariamente, acionistas brasileiros.
Portanto, não havia dúvidas. Eram capitalistas estrangeiros desembarcando no Brasil para competir no mercado local, com uma empresa sob seu controle. E só agora, oito anos depois, estão discutindo a lei que permite isso?
Neeleman é, ou era na ocasião, um empresário essencialmente americano. Fez sua vida nos EUA, lá estudou e abriu seus negócios, ganhou dinheiro, nunca havia tido atividade empresarial no Brasil antes da Azul. Em 2008, a lei, que agora tentam mudar, dizia que estrangeiros poderiam ter até 20% de companhias aéreas brasileiras.
Portanto, a Azul não poderia ter nascido, não fosse um acaso familiar. Há 56 anos, os pais de Neeleman passaram uma temporada no Rio de Janeiro e aconteceu de David nascer aqui. O gringo é carioca! Como quem nasce no Brasil, não importa a nacionalidade dos pais, é brasileiro, o país, nas voltas da história, ganhou uma bela companhia aérea — que, além de tudo, voa com jatos da Embraer, não utilizados pelas grandes brasileiras.
Reparem: se a mãe de David tivesse escolhido dar à luz nos EUA, o Brasil teria perdido uma empresa que acrescentou capital, tecnologia, empregos diretos e indiretos e outras novidades ao mercado local. Uma pequena decisão pessoal — e tudo teria mudado no setor brasileiro de aviação.
Temos aqui duas demonstrações. A primeira mostra os melhores efeitos positivos do investimento estrangeiro. A segunda indica como é equivocada e atrasada essa legislação que limita a participação estrangeira — só agora sendo modificada. Diziam que se tratava de um caso de segurança nacional garantir a propriedade para brasileiros.
Pois alguém se sentiu ameaçado pela Azul? O funcionamento dessa companhia é o melhor argumento para que os deputados e senadores votem logo a lei que permite o controle do capital estrangeiro nas companhias aéreas.
Não recupera negócios perdidos — quantos Neelemans teriam desembarcado por aqui? — mas abre o mercado futuro. Já não é um bom momento da economia brasileira e do setor: a Gol está em dificuldades financeiras, e a Tam já é Latam, incorporada pela chilena Lan, numa operação que não foi venda legalmente, mas que é na prática.
É mais provável que estrangeiras entrem comprando participação nas nacionais, em vez de abrir novas empresas. Será útil de qualquer modo. Em vez de dívida, as companhias locais receberão capital.
Se o controle mudar, qual o problema? O que preferem: uma nacional quebrada ou uma multinacional funcionando?
Por outro lado, tem gente dizendo, inclusive no governo, que haverá maior competição e, pois, até uma possível queda no preço das passagens.
Não é por aí. As passagens são mais caras quando compradas aqui por causa do “custo Brasil” — que vai desde preço de combustível e infraestrutura precária até a carga tributária e os encargos trabalhistas.
Não é apenas a legislação sobre capital estrangeiro que bloqueia investimentos no país. Os legisladores poderiam aproveitar o momento para promover uma ampla abertura ao capital externo. É praticamente a única chance de revigorar os investimentos em infraestrutura, considerando que o setor público está quebrado e grandes empresas construtoras estão envolvidas na Lava-Jato.
BOA VONTADE
E por falar em governo, é impressionante a boa vontade com Michel Temer nos meios econômicos. O presidente aprova aumentos para o funcionalismo, dá descontos para os estados, tudo aumentando as despesas de um governo já no vermelho, e o pessoal contemporiza: tudo bem, acerta lá na frente.
Dá uma ideia de como era detestado o governo Dilma.
É equivocada e atrasada a legislação que limita a participação estrangeira em companhias aéreas — só agora sendo modificada
Está em votação no Congresso a medida provisória pela qual estrangeiros poderão ser donos e controladores de companhias aéreas brasileiras.
Mas já não pode?, perguntará o leitor acostumado, por exemplo, a voar pela Azul. O dono é o americano David Neeleman, que havia fundado três companhias aéreas nos EUA, uma das quais a revolucionária JetBlue. A brasileira Azul foi a sua quarta, criada em 2008.
Além do capital próprio que trouxe dos EUA, Neeleman recolheu investimentos de George Soros e de um fundo de São Francisco, aos quais se juntaram, minoritariamente, acionistas brasileiros.
Portanto, não havia dúvidas. Eram capitalistas estrangeiros desembarcando no Brasil para competir no mercado local, com uma empresa sob seu controle. E só agora, oito anos depois, estão discutindo a lei que permite isso?
Neeleman é, ou era na ocasião, um empresário essencialmente americano. Fez sua vida nos EUA, lá estudou e abriu seus negócios, ganhou dinheiro, nunca havia tido atividade empresarial no Brasil antes da Azul. Em 2008, a lei, que agora tentam mudar, dizia que estrangeiros poderiam ter até 20% de companhias aéreas brasileiras.
Portanto, a Azul não poderia ter nascido, não fosse um acaso familiar. Há 56 anos, os pais de Neeleman passaram uma temporada no Rio de Janeiro e aconteceu de David nascer aqui. O gringo é carioca! Como quem nasce no Brasil, não importa a nacionalidade dos pais, é brasileiro, o país, nas voltas da história, ganhou uma bela companhia aérea — que, além de tudo, voa com jatos da Embraer, não utilizados pelas grandes brasileiras.
Reparem: se a mãe de David tivesse escolhido dar à luz nos EUA, o Brasil teria perdido uma empresa que acrescentou capital, tecnologia, empregos diretos e indiretos e outras novidades ao mercado local. Uma pequena decisão pessoal — e tudo teria mudado no setor brasileiro de aviação.
Temos aqui duas demonstrações. A primeira mostra os melhores efeitos positivos do investimento estrangeiro. A segunda indica como é equivocada e atrasada essa legislação que limita a participação estrangeira — só agora sendo modificada. Diziam que se tratava de um caso de segurança nacional garantir a propriedade para brasileiros.
Pois alguém se sentiu ameaçado pela Azul? O funcionamento dessa companhia é o melhor argumento para que os deputados e senadores votem logo a lei que permite o controle do capital estrangeiro nas companhias aéreas.
Não recupera negócios perdidos — quantos Neelemans teriam desembarcado por aqui? — mas abre o mercado futuro. Já não é um bom momento da economia brasileira e do setor: a Gol está em dificuldades financeiras, e a Tam já é Latam, incorporada pela chilena Lan, numa operação que não foi venda legalmente, mas que é na prática.
É mais provável que estrangeiras entrem comprando participação nas nacionais, em vez de abrir novas empresas. Será útil de qualquer modo. Em vez de dívida, as companhias locais receberão capital.
Se o controle mudar, qual o problema? O que preferem: uma nacional quebrada ou uma multinacional funcionando?
Por outro lado, tem gente dizendo, inclusive no governo, que haverá maior competição e, pois, até uma possível queda no preço das passagens.
Não é por aí. As passagens são mais caras quando compradas aqui por causa do “custo Brasil” — que vai desde preço de combustível e infraestrutura precária até a carga tributária e os encargos trabalhistas.
Não é apenas a legislação sobre capital estrangeiro que bloqueia investimentos no país. Os legisladores poderiam aproveitar o momento para promover uma ampla abertura ao capital externo. É praticamente a única chance de revigorar os investimentos em infraestrutura, considerando que o setor público está quebrado e grandes empresas construtoras estão envolvidas na Lava-Jato.
BOA VONTADE
E por falar em governo, é impressionante a boa vontade com Michel Temer nos meios econômicos. O presidente aprova aumentos para o funcionalismo, dá descontos para os estados, tudo aumentando as despesas de um governo já no vermelho, e o pessoal contemporiza: tudo bem, acerta lá na frente.
Dá uma ideia de como era detestado o governo Dilma.
Da fartura à calamidade - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 23/06
O economista Paulo Tafner foi subsecretário geral da Fazenda do Rio até outubro de 2015 e viu de perto alguns dos erros do estado. Houve um forte aumento de gastos, ou mesmo farra em algumas situações. A queda do preço do petróleo e o “descalabro na Petrobras", como define, tiveram sério impacto na economia fluminense. O socorro da federação alivia, mas o estado ainda tem um problema estrutural para resolver.
A receita bruta total do Rio cresceu 46% em termos reais entre 2008 e 2014, para R$ 91 bi, de acordo com dados da Fazenda. Em 2015, o montante caiu 15%. A despesa liquidada total subiu mais no período de bonança e caiu menos na tempestade. Até 2014, a alta foi de 50%, para R$ 90 bi. No ano seguinte, ela recuou 10%, e foi maior que a receita. O Rio fez escolhas erradas e criou despesas permanentes. Os gastos com pessoal e encargos subiram 59% entre 2008 e 2015.
Segundo Tafner, o estado adotou uma política de aumentos reais para os servidores da Saúde, Educação e Segurança. Os reajustes tiveram impacto também nos gastos previdenciários porque os ganhos são repassados aos inativos. Com essa regra, cada R$ 1 de aumento no salário do servidor gera despesa de R$ 4. O governo manejava a receita do petróleo para bancar os gastos com benefícios. Cerca de 95% dos recursos de royalties e participações especiais eram usados para cobrir a previdência do estado. Com a queda na arrecadação, o déficit previdenciário saltará de R$ 8 bi em 2015 para R$ 13 bi neste ano, previsão revisada recentemente. As despesas com pessoal foram tomando espaço cada vez maior no Orçamento. Hoje, quase 100% da receita com ICMS é destinada ao pagamento da folha salarial.
— No Rio, talvez tenha havido um exagero na recomposição de salários, especialmente na saúde, educação e segurança, que representam quase 90% da folha. Na previdência, a regra que corrige as aposentadorias pelo salário dos ativos precisa ser discutida, mas os estados têm pouca ingerência sobre a legislação — diz Tafner, que é especialista em sistema previdenciário.
A renegociação da dívida dos estados e municípios era necessária e precisava ser feita, mas demorou tempo demais. Ela começou em 2013, para dar um socorro ao município de São Paulo. Na visão de Tafner, a carência evitará um movimento generalizado de calotes dos estados. Mas a capacidade financeira da União, que vai ficar um período sem receber os pagamentos, também tem que ser preservada. O acordo vai custar ao Tesouro R$ 50 bi em três anos.
O efeito imediato da renegociação é “suavizar” a delicada situação financeira dos estados. Os governadores ganharam um fôlego, mas a solução para o desequilíbrio financeiro é mais complexa. Além da definição sobre a dívida, Tafner defende que os estados façam sua parte. No caso do Rio, o governador Francisco Dornelles adiantou que vai tomar “medidas muito duras” após decretar o estado de calamidade. Com exceção da Cedae, o Rio tem poucos ativos interessantes para privatizar. Tafner acredita que alguns benefícios terão que ser revogados. O estado ainda concede adicional por tempo de serviço ao funcionalismo. É uma regra sem sentido, diz ele, já abolida por alguns governos. Universidades de alta qualidade têm um custo elevadíssimo e são usufruídas pelos mais ricos, na maioria dos casos. O programa Aluguel Social, conta o economista, deveria ser revisto para focar nas pessoas que realmente precisam. O mesmo vale para o Bilhete Único e o Renda Melhor.
O Rio paga cerca de R$ 6 bi ao ano em dívidas à União e terá pelos próximos seis meses um espaço maior no Orçamento para cumprir com suas obrigações. A preocupação com a Olimpíada não é apenas pelas obras, mas também com o pleno funcionamento dos serviços. Seria um desastre para o país, explica Tafner, se a saúde e a segurança no Rio ficarem paralisadas durante o evento. O acordo e a injeção direta de recursos vão garantir a sensação de normalidade na operação do estado nos próximos meses, acredita o economista, mas o problema estrutural persiste.
Tafner lembra que no setor privado as dívidas também são renegociadas. O que preocupa é que não é a primeira vez que estados são beneficiados. Ele acredita que o efeito dessa crise nas contas vai fortalecer a importância de ter políticas públicas responsáveis. Algumas são impopulares, mas o respeito às boas práticas fiscais é uma forma de responsabilidade social.
O economista Paulo Tafner foi subsecretário geral da Fazenda do Rio até outubro de 2015 e viu de perto alguns dos erros do estado. Houve um forte aumento de gastos, ou mesmo farra em algumas situações. A queda do preço do petróleo e o “descalabro na Petrobras", como define, tiveram sério impacto na economia fluminense. O socorro da federação alivia, mas o estado ainda tem um problema estrutural para resolver.
A receita bruta total do Rio cresceu 46% em termos reais entre 2008 e 2014, para R$ 91 bi, de acordo com dados da Fazenda. Em 2015, o montante caiu 15%. A despesa liquidada total subiu mais no período de bonança e caiu menos na tempestade. Até 2014, a alta foi de 50%, para R$ 90 bi. No ano seguinte, ela recuou 10%, e foi maior que a receita. O Rio fez escolhas erradas e criou despesas permanentes. Os gastos com pessoal e encargos subiram 59% entre 2008 e 2015.
Segundo Tafner, o estado adotou uma política de aumentos reais para os servidores da Saúde, Educação e Segurança. Os reajustes tiveram impacto também nos gastos previdenciários porque os ganhos são repassados aos inativos. Com essa regra, cada R$ 1 de aumento no salário do servidor gera despesa de R$ 4. O governo manejava a receita do petróleo para bancar os gastos com benefícios. Cerca de 95% dos recursos de royalties e participações especiais eram usados para cobrir a previdência do estado. Com a queda na arrecadação, o déficit previdenciário saltará de R$ 8 bi em 2015 para R$ 13 bi neste ano, previsão revisada recentemente. As despesas com pessoal foram tomando espaço cada vez maior no Orçamento. Hoje, quase 100% da receita com ICMS é destinada ao pagamento da folha salarial.
— No Rio, talvez tenha havido um exagero na recomposição de salários, especialmente na saúde, educação e segurança, que representam quase 90% da folha. Na previdência, a regra que corrige as aposentadorias pelo salário dos ativos precisa ser discutida, mas os estados têm pouca ingerência sobre a legislação — diz Tafner, que é especialista em sistema previdenciário.
A renegociação da dívida dos estados e municípios era necessária e precisava ser feita, mas demorou tempo demais. Ela começou em 2013, para dar um socorro ao município de São Paulo. Na visão de Tafner, a carência evitará um movimento generalizado de calotes dos estados. Mas a capacidade financeira da União, que vai ficar um período sem receber os pagamentos, também tem que ser preservada. O acordo vai custar ao Tesouro R$ 50 bi em três anos.
O efeito imediato da renegociação é “suavizar” a delicada situação financeira dos estados. Os governadores ganharam um fôlego, mas a solução para o desequilíbrio financeiro é mais complexa. Além da definição sobre a dívida, Tafner defende que os estados façam sua parte. No caso do Rio, o governador Francisco Dornelles adiantou que vai tomar “medidas muito duras” após decretar o estado de calamidade. Com exceção da Cedae, o Rio tem poucos ativos interessantes para privatizar. Tafner acredita que alguns benefícios terão que ser revogados. O estado ainda concede adicional por tempo de serviço ao funcionalismo. É uma regra sem sentido, diz ele, já abolida por alguns governos. Universidades de alta qualidade têm um custo elevadíssimo e são usufruídas pelos mais ricos, na maioria dos casos. O programa Aluguel Social, conta o economista, deveria ser revisto para focar nas pessoas que realmente precisam. O mesmo vale para o Bilhete Único e o Renda Melhor.
O Rio paga cerca de R$ 6 bi ao ano em dívidas à União e terá pelos próximos seis meses um espaço maior no Orçamento para cumprir com suas obrigações. A preocupação com a Olimpíada não é apenas pelas obras, mas também com o pleno funcionamento dos serviços. Seria um desastre para o país, explica Tafner, se a saúde e a segurança no Rio ficarem paralisadas durante o evento. O acordo e a injeção direta de recursos vão garantir a sensação de normalidade na operação do estado nos próximos meses, acredita o economista, mas o problema estrutural persiste.
Tafner lembra que no setor privado as dívidas também são renegociadas. O que preocupa é que não é a primeira vez que estados são beneficiados. Ele acredita que o efeito dessa crise nas contas vai fortalecer a importância de ter políticas públicas responsáveis. Algumas são impopulares, mas o respeito às boas práticas fiscais é uma forma de responsabilidade social.
A regra do jogo - BERNARDO MELLO FRANCO
Folha de S.Paulo - 23/06
O escândalo do mensalão mostrou por que tantos políticos se estapeiam pelo controle de estatais. A disputa pelas empresas públicas é parte do jogo sujo das eleições. Os órgãos mais cobiçados são chamados de "fabriquinhas". Produzem milhões de incentivos para bancar partidos e campanhas.
Quem nomeia passa a influir em contratos e licitações. Também garante acesso privilegiado aos fornecedores, que pagam pedágios e retribuem favores com doações. Assim funciona a parceria ancestral entre políticos e empreiteiros, foco das investigações da Lava Jato.
A regra é tão conhecida que passou a ser vista como o padrão normal da política. "Alguém imaginava que os partidos disputavam diretorias de estatais para fazerem coisa boa?", ironizou nesta quarta (22) o ministro Luís Roberto Barroso, em julgamento no Supremo Tribunal Federal.
A corte discutia o caso do deputado Eduardo Cunha, que virou réu pela segunda vez sob a acusação de desviar dinheiro da Petrobras para as contas que ele diz não ter na Suíça.
"Isso faz parte da rotina brasileira há muito tempo. O propósito era este mesmo: desviar recursos", afirmou Barroso, ao comentar a guerra por cargos na estatal. "É triste. Dá uma sensação muito ruim de que o jogo é jogado de uma forma muito feia."
Apesar do diagnóstico sombrio, o ministro concluiu o voto com uma mensagem positiva. "Há uma coisa nova acontecendo no Brasil. Não é mais aceitável desviar dinheiro público, seja para o financiamento eleitoral ou para o próprio bolso", disse.
Ele lembrou que a sociedade já deixou de ser tolerante com outros males antigos, como o racismo e a violência contra a mulher. "Estamos vivendo o fim de uma era de aceitação do inaceitável", afirmou.
Gostaria de compartilhar do otimismo do ministro, mas as ofertas de Dilma Rousseff para barrar o impeachment e de Michel Temer para aprová-lo sugerem que a regra do jogo ainda não mudou.
O escândalo do mensalão mostrou por que tantos políticos se estapeiam pelo controle de estatais. A disputa pelas empresas públicas é parte do jogo sujo das eleições. Os órgãos mais cobiçados são chamados de "fabriquinhas". Produzem milhões de incentivos para bancar partidos e campanhas.
Quem nomeia passa a influir em contratos e licitações. Também garante acesso privilegiado aos fornecedores, que pagam pedágios e retribuem favores com doações. Assim funciona a parceria ancestral entre políticos e empreiteiros, foco das investigações da Lava Jato.
A regra é tão conhecida que passou a ser vista como o padrão normal da política. "Alguém imaginava que os partidos disputavam diretorias de estatais para fazerem coisa boa?", ironizou nesta quarta (22) o ministro Luís Roberto Barroso, em julgamento no Supremo Tribunal Federal.
A corte discutia o caso do deputado Eduardo Cunha, que virou réu pela segunda vez sob a acusação de desviar dinheiro da Petrobras para as contas que ele diz não ter na Suíça.
"Isso faz parte da rotina brasileira há muito tempo. O propósito era este mesmo: desviar recursos", afirmou Barroso, ao comentar a guerra por cargos na estatal. "É triste. Dá uma sensação muito ruim de que o jogo é jogado de uma forma muito feia."
Apesar do diagnóstico sombrio, o ministro concluiu o voto com uma mensagem positiva. "Há uma coisa nova acontecendo no Brasil. Não é mais aceitável desviar dinheiro público, seja para o financiamento eleitoral ou para o próprio bolso", disse.
Ele lembrou que a sociedade já deixou de ser tolerante com outros males antigos, como o racismo e a violência contra a mulher. "Estamos vivendo o fim de uma era de aceitação do inaceitável", afirmou.
Gostaria de compartilhar do otimismo do ministro, mas as ofertas de Dilma Rousseff para barrar o impeachment e de Michel Temer para aprová-lo sugerem que a regra do jogo ainda não mudou.
Delação à vera - LUIZ CARLOS AZEDO
CORREIO BRAZILIENSE - 23/06
Investigações revelam a existência de muitas conexões entre a Odebrecht e as campanhas de candidatos aliados do PT nos países onde a empresa tem obras financiadas pelo BNDES
O empresário norte-americano Percival Farquhar (1864-1953) foi uma das figuras mais controvertidas da história econômica do Brasil. Natural da Pensilvânia, formou-se em engenharia na Universidade de Yale e tornou-se um magnata dos transportes, da energia e da mineração no começo do século passado. Seu império incluiu os bondes em Nova Iorque, a Companhia de Eletricidade de Cuba, ferrovias na Guatemala e minas na Europa Central. Na Rússia, negociou seus investimentos nesses setores pessoalmente com Lênin, para quem "o socialismo era a eletrificação". Entre 1905 e 1918, foi o maior investidor privado do Brasil.
Seus interesses por aqui surgiram após a anexação do Acre, por causa da borracha. Construiu o porto de Belém e a famosa estrada Madeira-Mamoré. No ramo ferroviário, adquiriu o controle e concluiu as ferrovias São Paulo-Rio Grande, Sorocabana e Vitória-Minas. Explorou as jazidas de ferro de Itabira (MG) e implantou uma siderúrgica em Santa Cruz (ES), negócios que deram origem à Companhia Vale do Rio Doce. Amante dos bons restaurantes e hotéis, construiu em São Paulo a Rotisserie Sportsman, para o qual contratou o chef Henri Galon, do famoso Elisée Palace Hotel de Paris. Na mesma época, deu início à construção do balneário de Guarujá, onde comprou e reformou o Grande Hotel de La Plage.
Farquhar rivalizou em ambição e audácia com o Conde Francisco Matarazzo e com Irineu Evangelista de Sousa, o Visconde de Mauá. Foi à falência duas vezes, na I Guerra Mundial (1014-1918) e no Grande Recessão de 1929. Quem lhe deu o golpe misericórdia foi o presidente Getúlio Vargas, durante o Estado Novo (1937-1945), ao estatizar suas propriedades. Sua história nos remete ao empresário falido Eike Batista, cujo império desmoronou, mas não é dele que estamos falando. Nosso personagem é outro candidato à ruína espetacular: o empresário Marcelo Odebrecht, o ex-presidente da maior empreiteira do país, que negocia sua delação premiada e promete entregar todos os políticos que receberam dinheiro da sua companhia, na tentativa desesperada de salvar os negócios da família no Brasil, na África e na América Latina.
Ontem, Camilo Gornarti, responsável pela informática utilizada pelo "setor de propina" da Odebrecht, afirmou à Justiça Federal que o servidor do sistema ficava na Suíça "por questões de segurança". A existência do mesmo havia sido revelado por Maria Lúcia Tavares, que era responsável dentro do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht por gerenciar requerimentos de propina e repassá-los aos entregadores, que por sua vez fariam chegar os recursos aos destinatários finais. As comunicações eram feitas através de um sistema de intranet chamado Drousys. Marcelo Odebrecht resolveu "profissionalizar", "modernizar" e "globalizar" o esquema da propina.
Cervejaria
Gornarti é testemunha de acusação contra o ex-presidente da empresa Marcelo Odebrecht e o publicitário João Santana, que teria recebido dinheiro de caixa dois no exterior, em pagamento da campanha de Dilma Rousseff, com base em acerto feito entre a presidente afastada e o empresário preso em Curitiba. Segundo ele, o sistema funcionou entre os anos de 2008 e 2014. Quando foi bloqueado pelo Ministério Público federal, um novo sistema foi criado na Suíça e esteve operacional até dois meses atrás. Em sua defesa, Santana alegou que os recursos obtidos no exterior tinham origem nas campanhas eleitorais que fez vários países, como Angola, Argentina, Equador e República Dominicana. Outras delações e informações obtidas nas investigações revelam a existência de muitas conexões entre a Odebrecht e as campanhas de candidatos aliados do PT nos países onde a empresa tem obras financiadas pelo BNDES.
Outro delator, Vinícius Veiga Borin, revelou a existência de um banco para operar o esquema da propina. Para fazer as operações financeiras no exterior, um grupo de funcionários da Odebrecht teve a ideia de comprar 51% do Meinl Bank Antigua, um banco austríaco que tinha uma filial sem atividade em Antígua. Foram acertados pagamentos de US$ 3 milhões e mais quatro parcelas anuais de US$ 246 mil para a compra de 51% do Meinl Bank Antiqua. Essa sociedade foi dividida em três partes: uma para Borin e seus sócios, uma para os funcionários da Odebrecht, e uma terceira para uma Vanuê Farias, que teve US$ 50 milhões bloqueados, e vendeu sua participação para os outros dois grupos, que ainda compraram mais ações do Meinl Bank Antiqua e chegaram a 67% da sociedade. Vanuê é sobrinho de Walter Farias, dono da cervejaria Itaipava (Grupo Petrópolis) e amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Investigações revelam a existência de muitas conexões entre a Odebrecht e as campanhas de candidatos aliados do PT nos países onde a empresa tem obras financiadas pelo BNDES
O empresário norte-americano Percival Farquhar (1864-1953) foi uma das figuras mais controvertidas da história econômica do Brasil. Natural da Pensilvânia, formou-se em engenharia na Universidade de Yale e tornou-se um magnata dos transportes, da energia e da mineração no começo do século passado. Seu império incluiu os bondes em Nova Iorque, a Companhia de Eletricidade de Cuba, ferrovias na Guatemala e minas na Europa Central. Na Rússia, negociou seus investimentos nesses setores pessoalmente com Lênin, para quem "o socialismo era a eletrificação". Entre 1905 e 1918, foi o maior investidor privado do Brasil.
Seus interesses por aqui surgiram após a anexação do Acre, por causa da borracha. Construiu o porto de Belém e a famosa estrada Madeira-Mamoré. No ramo ferroviário, adquiriu o controle e concluiu as ferrovias São Paulo-Rio Grande, Sorocabana e Vitória-Minas. Explorou as jazidas de ferro de Itabira (MG) e implantou uma siderúrgica em Santa Cruz (ES), negócios que deram origem à Companhia Vale do Rio Doce. Amante dos bons restaurantes e hotéis, construiu em São Paulo a Rotisserie Sportsman, para o qual contratou o chef Henri Galon, do famoso Elisée Palace Hotel de Paris. Na mesma época, deu início à construção do balneário de Guarujá, onde comprou e reformou o Grande Hotel de La Plage.
Farquhar rivalizou em ambição e audácia com o Conde Francisco Matarazzo e com Irineu Evangelista de Sousa, o Visconde de Mauá. Foi à falência duas vezes, na I Guerra Mundial (1014-1918) e no Grande Recessão de 1929. Quem lhe deu o golpe misericórdia foi o presidente Getúlio Vargas, durante o Estado Novo (1937-1945), ao estatizar suas propriedades. Sua história nos remete ao empresário falido Eike Batista, cujo império desmoronou, mas não é dele que estamos falando. Nosso personagem é outro candidato à ruína espetacular: o empresário Marcelo Odebrecht, o ex-presidente da maior empreiteira do país, que negocia sua delação premiada e promete entregar todos os políticos que receberam dinheiro da sua companhia, na tentativa desesperada de salvar os negócios da família no Brasil, na África e na América Latina.
Ontem, Camilo Gornarti, responsável pela informática utilizada pelo "setor de propina" da Odebrecht, afirmou à Justiça Federal que o servidor do sistema ficava na Suíça "por questões de segurança". A existência do mesmo havia sido revelado por Maria Lúcia Tavares, que era responsável dentro do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht por gerenciar requerimentos de propina e repassá-los aos entregadores, que por sua vez fariam chegar os recursos aos destinatários finais. As comunicações eram feitas através de um sistema de intranet chamado Drousys. Marcelo Odebrecht resolveu "profissionalizar", "modernizar" e "globalizar" o esquema da propina.
Cervejaria
Gornarti é testemunha de acusação contra o ex-presidente da empresa Marcelo Odebrecht e o publicitário João Santana, que teria recebido dinheiro de caixa dois no exterior, em pagamento da campanha de Dilma Rousseff, com base em acerto feito entre a presidente afastada e o empresário preso em Curitiba. Segundo ele, o sistema funcionou entre os anos de 2008 e 2014. Quando foi bloqueado pelo Ministério Público federal, um novo sistema foi criado na Suíça e esteve operacional até dois meses atrás. Em sua defesa, Santana alegou que os recursos obtidos no exterior tinham origem nas campanhas eleitorais que fez vários países, como Angola, Argentina, Equador e República Dominicana. Outras delações e informações obtidas nas investigações revelam a existência de muitas conexões entre a Odebrecht e as campanhas de candidatos aliados do PT nos países onde a empresa tem obras financiadas pelo BNDES.
Outro delator, Vinícius Veiga Borin, revelou a existência de um banco para operar o esquema da propina. Para fazer as operações financeiras no exterior, um grupo de funcionários da Odebrecht teve a ideia de comprar 51% do Meinl Bank Antigua, um banco austríaco que tinha uma filial sem atividade em Antígua. Foram acertados pagamentos de US$ 3 milhões e mais quatro parcelas anuais de US$ 246 mil para a compra de 51% do Meinl Bank Antiqua. Essa sociedade foi dividida em três partes: uma para Borin e seus sócios, uma para os funcionários da Odebrecht, e uma terceira para uma Vanuê Farias, que teve US$ 50 milhões bloqueados, e vendeu sua participação para os outros dois grupos, que ainda compraram mais ações do Meinl Bank Antiqua e chegaram a 67% da sociedade. Vanuê é sobrinho de Walter Farias, dono da cervejaria Itaipava (Grupo Petrópolis) e amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Assinar:
Postagens (Atom)