FOLHA DE SP - 23/05
Michel Temer está com crédito. Apesar de críticas, a tolerância ainda é grande. Pelo menos entre os mais ou menos adeptos da "ponte para o futuro" liberal que o presidente prometeu no ano passado.
Por enquanto, Temer gasta quase tudo em casos tidos e havidos como perdidos: contas a pagar do governo Dilma Rousseff, aumentos de funcionários, esqueletos, a ruína dos Estados. Jogou um tanto de recursos fora, com nomeações obviamente furadas para ministérios e cercanias.
As elites econômicas, que andaram meio dispersas antes do impeachment, declaram apoio a Temer, até porque mesmo os grandes recalcitrantes acreditam que não haveria alternativa antes de 2018.
Há paciência (cara) na praça do mercado, anestesiado pela relativa calmaria na praça mundial. A taxa de juro real de um ano está mais ou menos no mesmo degrau desde meados de março (6,6% ou 6,7% ao ano), em boa parte cortesia da trégua em Estados Unidos e China.
Mas, ainda assim, os juros acompanham a lentíssima queda das expectativas de inflação. No colapso final do plano econômico de Dilma 2-Levy, em setembro, uma combinação de rolos externos com domésticos levou a taxa de juro a algo entre 8% e 9%. O câmbio, também ancorado pela mundo lá fora, está "tranquilo". Em suma, o governo Temer por si só não buliu muito com a finança, mas não azedou o caldo.
Há tolerância e crédito porque, parece, se acredita que o governo Temer vai pagar suas contas políticas, óbvio. Isto é, o plano de congelamento dos gastos do governo federal, algumas reformas na Previdência e alguma mexida nas leis trabalhistas, pelo menos a terceirização geral e irrestrita do trabalho, como prometido.
Então se tolerou o deficit ainda mais estourado das contas federais neste ano e uma renegociação das dívidas estaduais com contrapartidas ainda frouxas (e talvez mais frouxas que a proposta por Dilma Rousseff). Tolerou-se mesmo não sabendo o preço dessas contas.
De quanto será o deficit neste ano? As contrapartidas da renegociação da dívida serão quais? Nos termos vagos de agora, pode bem ser que essa conta estoure de novo, lá por 2018, se tanto.
Temer gasta o crédito para comprar capital político, está claro para todo o mundo. Conta com paciência porque, enfim, tem pouco tempo de governo, além do mais, menos de um mês e meio. Ain- da acerta as lideranças e presidências no Congresso. Paga as contas do impeachment, despesa que não acaba antes de agosto.
Por alguma sorte, trégua a contragosto ou cansaço temporário de quase dois anos de tumulto, as ruas estão relativamente calmas, embora cada vez mais cheias de desempregados, mendigos e dos mortos de quase sempre, de violência ou, agora, até de frio.
É tudo brasa dormida, porém, que pode ser soprada e virar fogo a qualquer hora.
Os donos do dinheiro do mundo são meio imprevisíveis e há problemas represados lá fora. Embora a Lava Jato pareça agora inevitável, seus efeitos são incalculáveis, ainda mais com as delações-mores que virão. As ruas podem até ficar quietas, mas virão as pesquisas de opinião.
Dados os anos de confusão, parece haver trégua. Mas não convém abusar da sorte.
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