segunda-feira, junho 13, 2011

Reinações de Narizinho - REVISTA VEJA


Reinações de Narizinho
Daniel Pereira
Revista Veja 

A queda de Palocci guinda a senadora Gleisi Hoffman à Casa Civil. Chamada de “Barbie” no Congresso, ela tem tudo para mostrar que as aparências enganam apenas a quem se deixa enganar

Na última terça-feira, a presidente Dilma Rousseff demitiu Antonio Palocci do cargo de ministro-chefe da Casa Civil. Pela segunda vez em pouco mais de cinco anos, o petista foi obrigado a deixar uma posição de destaque no governo. Em 2006, quando Lula era presidente, Palocci caiu do Ministério da Fazenda depois da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, que o acusara de frequentar uma mansão de má reputação, em Brasília, alugada por lobistas interessados em verbas públicas. Na semana passada, ele deixou o Palácio do Planalto após resistir a dar explicações convincentes sobre os clientes de sua empresa de consultoria, a Projeto, cujo faturamento financiou a expressiva evolução patrimonial do agora ex-ministro. Na gestão Dilma, Palocci tinha tarefas e poderes que transcendiam, e muito, os de um típico chefe da Casa Civil. Ele coordenava o ministério, era o principal interlocutor do empresariado e negociava a votação de projetos e o preenchimento de cargos com os partidos aliados. Ou seja: depois de coordenar a campanha eleitoral de Dilma, tornara-se uma espécie de primeiro-ministro.

Demitir um auxiliar tão influente foi a decisão política mais difícil tomada por Dilma em cinco meses e dez dias de mandato. “Agradeço, do fundo do meu coração, ao meu amigo Antonio Palocci por tudo o que ele fez pelo governo, por mim e pelo Brasil”, disse Dilma, com a voz embargada, na cerimônia de transmissão de cargo na Casa Civil. Para o posto de Palocci, a presidente escolheu a senadora Gleisi Hoffmann, do PT do Paraná, esposa do ministro das Comunicações, o petista Paulo Bernardo. Chamada carinhosamente de “polaquinha” e de “Barbie” por colegas de partido, adepta da meditação e mãe de dois filhos, Gleisi é filiada ao PT desde 1989. Formada em direito, foi secretária de estado em Mato Grosso do Sul e de Gestão Pública em Londrina – sempre em governos petistas. É considerada estudiosa e reconhecida pela dureza nos debates. Um “pit bull”, segundo senadores oposicionistas. “A Dilma da Dilma”, como vem sendo chamada em Brasília. Na Casa Civil, promete manter o estilo: “Quero agir como a presidente, porque ela age com clareza, razão e sentido público, sempre em defesa do Brasil. A presidente é um exemplo para mim”, disse ao tomar posse.

A troca do ministro da Casa Civil marca uma inflexão no governo da presidente. Dilma deixou claro que Gleisi só cuidará de gestão na Casa Civil. A pasta, portanto, será desidratada, num processo inverso ao perpetrado por Lula justamente para dar musculatura à então candidata a presidente Dilma Rousseff. O ministério perderá a atribuição de chefiar a negociação política com o Congresso – uma tarefa espinhosa que traz desgastes mas também prestígio. Gleisi ainda cumprirá uma função indireta. Bonita e simpática, é vista como o dínamo capaz de mudar a imagem casmurra da gestão atual. O mais relevante, porém, é que, a partir de agora, Dilma emitiu sinais claros de que está assumindo, de fato, a condução do governo, montando sua equipe, afastando-se da tutela de Lula e exercendo na plenitude a Presidência da República, sem intermediários.

No Brasil, o presidente tem uma atuação quase imperial. Legisla por meio de medidas provisórias, usurpando uma competência dos congressistas, impõe entendimentos jurídicos ao Supremo Tribunal Federal, como no caso do pedido de extradição do terrorista italiano Cesare Battisti, e pode demitir diretores do Banco Central quando bem entender. Dilma dividia esses poderes com Palocci. Agora, assumirá a tarefa de desatar sozinha ou, pelo menos, sem a ajuda de um “primeiro-ministro” – nós como a reforma tributária, a privatização dos aeroportos e de obras de infraestrutura da Copa, além de afiançar ao mercado que não haverá mudança na política econômica, compromisso do qual Palocci era símbolo. Diz o cientista político Paulo Kramer, professor da Universidade de Brasília (UnB): “A troca na Casa Civil pode ser o começo de uma guinada para longe da influência do PT de São Paulo, que é a causa de todos os infortúnios da era Lula”.

São muitos os indícios de que essa guinada vai acontecer. O mais importante deles é o fato de Gleisi ter sido uma escolha solitária da presidente Dilma Rousseff. Até segunda-feira à noite, véspera da demissão de Palocci, Lula defendia a manutenção do correligionário na Casa Civil. Chegou a dizer a Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, que não aceitava a nomeação de Gleisi Hoffmann, e garantiu ao próprio Palocci, em uma conversa telefônica, que lutaria por ele. Horas antes dessa intervenção imprópria do ex-presidente, Palocci havia recebido um atestado de boa conduta do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que não viu razão para abrir uma investigação sobre a sua suspeita evolução patrimonial. Preocupada com o desgaste de imagem do governo e disposta a estancar a crise política, Dilma decidiu contrariar o tutor. Agiu numa tentativa também de recuperar a autoridade perdida duas semanas antes, quando Lula circulou por Brasília posando para fotos com petistas e peemedebistas e articulando uma operação a fim de salvar Palocci. A troca no ministério nem sequer foi combinada previamente com o aliado PMDB.

“Aquela intervenção do Lula deu à sociedade a clara ideia de que este governo não tem comando. Isso pode ter criado na presidente a vontade de dar ao governo uma cara mais dilmista”, diz o cientista político Rubens Figueiredo. Quando era ministro, Palocci servia de anteparo a Dilma. Era ele quem se sentava à mesa para negociar liberação de verbas e indicações para postos na máquina federal. Por ordem da presidente, Palocci implantou uma relação tensa com o Congresso, materializada na demora para realizar nomeações e no corte de emendas parlamentares. Esse papel explica parte por que ele foi minado por aliados, sobretudo petistas, quando apenas cumpria ordens. Com a demissão do ministro, Dilma perde esse poderoso biombo. Resultado: comandará pessoalmente essas negociações. Sem a sombra de um “primeiro-ministro”, terá melhores condições de aferir, no dia a dia, a temperatura da base aliada, seu grau de satisfação ou de rebeldia. O lado negativo é a possibilidade de se desgastar nas infindáveis e perigosas negociações no varejo. “Haverá uma mudança de perfil do governo. A saída do Palocci exigirá uma atuação muito maior da presidente no campo da política”. diz o senador Jorge Viana (PT-AC).

Em teoria, Dilma poderia ungir um articulador político tão poderoso quanto Palocci. Mas não foi isso que aconteceu. A presidente promoveu um remanejamento. O ministro de Relações Institucionais, Luiz Sérgio, foi transferido para a Pesca; e a ministra da Pesca, Ideli Salvatti, foi nomeada para as Relações Institucionais. Nos oito anos de mandato de Lula, Ideli liderou duas vezes o governo no Senado, onde ganhou notoriedade mais pela disposição do que pela inspiração. Esbanja força de trabalho, mas, segundo os próprios colegas de partido, peca pela falta de habilidade para negociar. Na melhor versão, era chamada de “trator”. Na pior delas, de “burro trabalhador”. Esse histórico foi lembrado à exaustão por petistas e peemedebista na tentativa de vetar a escolha. Dilma, porém, se fez de surda. Como no caso da substituição de Palocci, a presidente preferiu se afirmar diante das pressões do PT e de caciques governistas reconhecidos pelo apego ao fisiologismo. Resta saber os impactos da decisão.

O fato é que, a partir de agora, Dilma terá de se dedicar mais às conversas com partidos e parlamentares. É o que diz um ex-ministro da articulação política de Lula, para quem o governo passado colheu recorde de aprovação popular por equilibrar sucessos nas áreas da política, comandada pelo petista, e da gestão, sob a batuta de Dilma. “Para ser presidente da República, tem de fazer política, mesmo que a contragosto.” Desde o início do mandato, Dilma adotou como regra mandar ordens do Planalto, cobrando cumprimento à risca dos parlamentares. Foi assim na votação do salário mínimo. Repetiu a dose na votação do Código Florestal, quando o governo foi derrotado, resultado atribuído, em parte, ao tratamento dado aos congressistas pela dupla Dilma-Palocci, considerada centralizadora e dura na hora de recompensar os votos governistas no Congresso.

A condução da crise envolvendo Palocci também revelou muito do perfil de Dilma Rousseff. Reservada, ela toma decisões consultando pouquíssimos conselheiros, buscando evitar ao máximo o vazamento de informações. O estilo discreto e autossuficiente vem surpreendendo a classe política, habituada aos antecessores Fernando Henrique Cardoso e Lula, que costumavam ouvir muito, reunir aliados e vazar inconfidências estratégicas antes de anunciar decisões mais importantes. Dilma sempre teve aversão a encontros e conversas com políticos. Depois da crise que envolveu Palocci, até deu início, premida pelas cobranças, a uma rodada de conversas com partidos governistas. Mas a prioridade da presidente são reuniões técnicas para discutir a execução de projetos.

Um ministro de Lula comparou as atuações dos presidentes. Em 2005, no auge do escândalo do mensalão, Lula convocou um gabinete de crises, composto de Márcio Thomaz Bastos, Eduardo Campos, Aldo Rebelo, Ciro Gomes, José Múcio e José Alencar. O grupo se reunia todo dia, às 9 da manhã, analisava o noticiário e os problemas no Congresso e discutia os rumos a seguir. “Aquelas reuniões foram fundamentais para enfrentar a maior crise do governo, quando havia até o risco de impeachment. A gente saía de lá com um discurso unificado e uma estratégia clara de ação”, afirma o ex-ministro. Dilma não ouviu ninguém de fora do seu grupo. O ex-ministro José Dirceu, réu do esquema do mensalão, mas reverenciado no PT, passou três dias em Brasília sem conseguir falar com Dilma. Voltou para São Paulo sem saber que Luiz Sérgio, seu afilhado político, fora rebaixado. O governo Dilma começou.

GUILHERME FIUZA - A CPI de Palocci, o “querido companheiro”


A CPI de Palocci, o “querido companheiro”
GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA

O ex-Ministro-Chefe da Casa Civil já estava sangrando havia quase um mês, quando subitamente resolveu não ficar mais no governo. Assim como Lula um dia acordou invocado e resolveu ligar para o Bush, Antonio Palocci acordou invocado e resolveu pedir demissão. O procurador-geral tinha até dado de presente ao ministro consultor um parecer de inocência – cumprindo sua função de procurador, que é procurar e não achar –, mas Palocci resolveu ir assim mesmo, arrancando lágrimas de Dilma. Quase um mártir.

Nos bastidores, Lula estava trabalhando firme pela permanência do ministro consultor. A convocação dele para dar explicações à Comissão de Agricultura da Câmara já estava neutralizada: o presidente da Casa, o petista Marco Maia (que obedece porque tem juízo), estava pronto para "desconvocar" Palocci – em mais um ato tipicamente democrático da República progressista.

No Jornal Nacional, o ministro já explicara que o debate sobre suas consultorias não interferia em nada no funcionamento do governo. Nada de crise, estava tudo bem. A única preocupação de Palocci era não dar os nomes de seus clientes, para não expô-los. Uma questão de ética.

Estava tudo encaminhado para o final feliz, que celebraria a união estável entre os dois Paloccis: o político governista e o consultor privado. Duas pessoas distintas, juridicamente independentes, por acaso abrigadas no mesmo corpo físico. Os R$ 20 milhões arrecadados magistralmente pelo Palocci consultor em 2010 nada tinham a ver com o Palocci político, aquele que foi comandante da campanha presidencial de Dilma. Talvez os dois Paloccis nem tivessem conta no mesmo banco. Uma união moderna, em que cada um cuida do que é seu.

É uma história plena de compreensão de parte a parte. O consultor entendeu quando o político lhe pediu para fechar a empresa. Afinal, ele ia assumir um ministério no novo governo. O Palocci consultor ainda deve ter argumentado que isso não fazia muita diferença, já que sua empresa atingira o auge quando o Palocci político trabalhava na montagem do novo governo. Influência por influência, só mudava mesmo o endereço para correspondência. Mas o político ia ter de passar mais tempo em Brasília, e, como o consultor estava baseado em São Paulo, o vai e vem poderia desgastar a relação.

Faltavam poucas assinaturas para a instalação da Comissão. E qual seria a finalidade? Seguir o dinheiro

O consultor concordou então em encerrar as atividades da empresa, dando uma aula de inovação. Como ele explicou na televisão, o grosso da dinheirama entrou de uma vez só porque a empresa anunciou um "fim de papo" a seus clientes, e assim todos imediatamente meteram as mãos nos bolsos e pagaram tudo a Palocci – independentemente dos prazos dos contratos e dos cronogramas de serviços e remunerações. Um belo ato de solidariedade corporativa, algo inteiramente novo no mundo empresarial.

Numa história repleta de gestos compreensivos e magnânimos, dá para entender a emoção de Dilma ao se despedir do "amigo" e "querido companheiro" Palocci. Com tanta inocência, doçura e gratidão, o pedido de demissão do ministro soou quase como um acidente natural, uma trapaça do destino. Afinal, estava tudo bem entre o governo, o partido, o ministro, o consultor e seus clientes.

O único detalhe que não aparecia muito bem nesse álbum de família era um requerimento de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Faltavam poucas assinaturas para a instalação da CPI do Palocci. E qual seria a finalidade dela? Basicamente, seguir o dinheiro. Os parlamentares iam querer saber quem quer ser um milionário à custa de Palocci – supondo que talvez ele não quisesse tudo para si, dado o espírito solidário que caracteriza seu partido.

Foi aí que, subitamente, a mão salvadora de Lula sumiu e o ministro pediu o boné.

Uma tristeza, como declarou Dilma. Agora, o mínimo que o Brasil pode fazer é seguir adiante com a CPI do Palocci. Não é justo deixar um amigo cair no esquecimento.

PAULO GUEDES - As bolsas no novo cenário da economia


As bolsas no novo cenário da economia
PAULO GUEDES
REVISTA ÉPOCA

Mais inflação e menos crescimento em todo o mundo: essa dura realidade, que havíamos repetidamente antecipado nesta coluna, está agora registrada nos indicadores nacionais de produção e preços. E, também como alertamos, os choques de custos transmitidos ao longo da cadeia produtiva vieram de fortes elevações dos preços de energia, alimentos e matérias-primas e depois foram repassados aos preços finais de serviços e bens de consumo.

Advertimos seguidamente para esse fenômeno do “cost-push”, pressões de custos que comprimem as margens de lucro, empurram para cima os preços e derrubam as vendas. As bolsas levaram bom tempo para reagir a esse cenário. Os mercados acionários haviam não apenas interpretado a alta das taxas de inflação como transitória, mas também considerado temporária a desaceleração do crescimento. Após várias arremetidas na tentativa de atingir patamares mais elevados, houve finalmente a capitulação dos preços das ações quando se espalham os registros de compressão das margens e queda do ritmo de vendas.

As economias emergentes já ensaiavam políticas de contenção, e suas bolsas apresentavam pior desempenho do que a própria bolsa americana, epicentro da última e mais formidável crise da história econômica contemporânea. Os preços das ações finalmente cederam, com o rebaixamento das expectativas de crescimento da economia americana, a compressão dos lucros e o fim iminente da política de injeção de dinheiro na economia.

Há o receio de que a economia dos Estados Unidos desabe num segundo mergulho recessivo, arrastando consigo as bolsas. As taxas de juros de longo prazo também afundaram por semanas a fio, confirmando tal receio. Quando a taxa de juros de cinco anos cai para 1,5% ao ano, e a de dez anos vem a quase 2,5% ao ano, apesar do gigantesco deficit público, os sinais emitidos são que os americanos podem atolar na mesma armadilha em que caíram os japoneses e até hoje não escaparam. É verdade que essas taxas de juros foram artificialmente reduzidas pela ação de afrouxamento monetário do banco central americano, o Fed. Mas a interrupção anunciada dessa política já deveria ter provocado nos mercados uma antecipação de seus efeitos, atenuando a distorção. No entanto, o colapso das expectativas de crescimento econômico parece ter soterrado até o momento qualquer reação de alta esboçada pelos juros.

O movimento de alta parece ter acabado, mas o ritmo de investimento pode se manter – por enquanto
As bolsas brasileiras já mostravam desempenho sofrível nos últimos meses. Apesar do descaso de alguns analistas quanto à eficácia das medidas “macroprudenciais” do governo, o fato é que se verifica uma inequívoca desaceleração da oferta de crédito. Embora seja lento o ritmo de elevação das taxas de juros pelo Banco Central, a redução do ritmo de expansão do crédito é uma dentada na ampliação da demanda para conter a inflação ascendente.

Essa mordida na demanda é importante para bloquear o repasse integral das pressões de custos e também moderar os dissídios salariais em temporada de reajuste. As regras de indexação para preços administrados e para o salário mínimo são problemas já contratados à frente, tornando cada vez menos realista a expectativa do Banco Central de atingir o centro da meta inflacionária de 4,5% em 2012.

Mesmo antes da capitulação dos preços das ações nas bolsas americanas, especulações sobre a saúde da presidente Dilma Rousseff e a crise política que derrubou Antonio Palocci já causavam estragos por aqui. A tendência de alta das ações desde o fundo do poço em 2008-2009 parece interrompida. A nova configuração mais provável é a que os especialistas denominam “trading range”, ou seja, uma ampla faixa de flutuação em vez do embalo altista que exibiram as bolsas até 2010. A boa notícia para a economia real é que o ritmo de investimento pode prosseguir enquanto os preços das ações listadas em bolsa, ou seja, o valor dos negócios já estabelecidos, permanecerem bem acima dos custos de montagem de novos empreendimentos.

Senador gafanhoto - REVISTA VEJA


Senador gafanhoto
Hugo Marques
Revista Veja 

Suplente da ministra é citado pela polícia por envolvimento com grupo que desviava dinheiro público através de laranjas e funcionários-fantasmas

A exemplo do desmoralizado Senado Federal, a Assembleia Legislativa do Paraná foi infestada por atos secretos que permitiram aos parlamentares nomear parentes e compadres para cargos públicos. Eram funcionários de dois tipos: fantasmas ou laranjas. O primeiro grupo consistia naqueles que embolsavam o salário sem sequer aparecer no trabalho. O segundo era formado pelos que, de fato, trabalhavam, mas tinham de deixar parte do salário com o deputado que lhes concedera a graça do emprego. As irregularidades, operadas por um grupo que ficou conhecido como o esquema dos “gafanhotos” são investigadas pela Polícia Federal desde 2008. Foram identificadas 74 contas bancárias de pessoas que ajudaram de alguma forma a desviar milhões de reais do contribuinte. Dois desses insetos paranaenses pousaram em Brasília na semana passada. O mais vistoso deles é o advogado Sérgio de Souza, que vai assumir, na condição de suplente, a vaga da recém-empossada ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann.

Sérgio Souza é apontado como um “gafanhoto” do gabinete do ex-governador paranaense Orlando Pessuti, quando este era deputado estadual. A Polícia Federal descobriu que Erotildes Matias de Souza, uma dona de casa de 62 anos, mãe de Sérgio Souza, também constava como funcionária da Assembleia. Mãe e filho, além disso, recebiam os vencimentos na mesma coma bancária, mas ela nunca foi ao trabalho. Procurado por VEJA, o novo senador negou qualquer irregularidade. “Trabalho com o Pessuti desde 1992”, explicou. De fato, Sérgio é sócio do filho do ex-governador em um escritório de advocacia em Curitiba. Mas e a mãe? “Ela cuidava dos interesses do ex-deputado em Ivaiporã, ia de vez em quando ao gabinete”, justificou. A informação foi desmentida pelo próprio escritório político de Pessuti em Ivaiporã, no interior do estado. “A família dele tem mesmo ligação com o ex-governador, mas dona Erotildes nunca trabalhou aqui”, disse a VEJA Rosilda de Oliveira, funcionária do ex-governador há 22 anos.

Os gafanhotos são pragas. O ex-governador Pessuti, uma espécie de “gafanhoto-chefe”, recebia, até ser descoberto, salário de consultor administrativo na Assembléia, sem jamais ter prestado concurso público. Chegou lá guindado por um “ato secreto” eufemismo para ato clandestino. Ato idêntico beneficiou sua mulher, Regina Pessuti, que também recebia sem trabalhar. As péssimas credenciais de Pessuti, ao que parece, não atrapalharam em nada sua carreira. Pelas mãos do PMDB, na semana passada ele pousou no governo federal, mais precisamente no conselho de administração do BNDES. Ao mesmo tempo, no Senado, seu pupilo, Sérgio Souza, já se entrosava comodamente no novo habitar. Um de seus primeiros encontros foi com o líder de seu partido, o senador Renan Calheiros. “Senador Renan, estou aqui para servir. Conte comigo!”, disse, antes de trocarem um afetuoso abraço. Dado o passivo do senador-gafanhoto – e o histórico do líder do PMDB –, o ecossistema do Congresso está preservado.

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO - Sorria. A senhora está sendo filmada


Sorria. A senhora está sendo filmada
ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA VEJA
Está faltando alegria na vida da presidente Dilma. Está faltando sorriso. Não se pode exigir alegria, claro, de quem passou por uma crise como a das últimas três semanas. Mas a questão não é de hoje. Desde o início do mandato temos uma presidente reclusa e calada. A princípio foi um alívio. O antecessor expunha-se e falava além da conta. Com o tempo, a reclusão e o silencio se acentuaram. Em parte, sem dúvida, a questão é de temperamento. Em outra parte, pode expressar o natural trem de vida de alguém que, descasada há muito tempo, se habituou à solidão, e talvez mesmo encontre prazer nela. Até aí, ninguém tem nada com isso. O caso se politiza, e passa a ter interesse público, se a esses fatores somar-se um certo desgosto por ocupar o posto que ocupa. O cenho fechado, a expressão preocupada, em suas raras aparições, fazem suspeitar que Dilma não esteja feliz na Presidência.

Pode ser falta de costume da nossa parte. Os dois últimos ocupantes do cargo mostravam-se felizes, até escandalosamente felizes, na pele de presidente. A exuberância do presidente Lula na fruição da condição em que estava constituído está fresca na memória. O presidente Fernando Henrique Cardoso também gostava, e como gostava, da condição presidencial, embora o expressasse de modo mais sóbrio. Os dois tinham em comum o fato de terem cobiçado o cargo por décadas, e o terem atingido pelos próprios méritos, reunidos seus perfis e suas bagagens a certas circunstancias favoráveis. Dilma, como se sabe, trilhou caminho diverso. Só começou a imaginar-se presidente pouco mais de dois anos antes de a imaginação tornar-se realidade. E só se imaginou como tal depois de ter sido imaginada por outrem. Eis um fator que talvez constranja, e não permita o pleno desfrute da posição em que se encontra.

Há outro, e mais inquietante, problema. Dilma pode não se sentir plenamente na pele de presidente porque outros disputam a mesma pele. Um dos que o fazem já se sabe quem 6. O antecessor. Na crise do ministro Palocci, ele operou tanto às claras quanto às escondidas, como se ainda lhe coubesse fazê-lo, ou como se faltasse à sucessora capacidade para tal. Esse estorvo já se sabia desde sempre que esperava Dilma na primeira esquina. O outro candidato a aconchegar-se à pele presidencial 6 mais inesperado. Abrem-se as cortinas, e entra em cena Sua Excelência Reverendíssima o vice-presidente Michel Temer. Para surpresa geral, o PMDB, notório pela desunião, conheceu o milagre da união, tão logo raiou a era Dilma. Hoje essa união se expressa e toma corpo na figura do vice.

Michel Temer apresenta-se cada vez mais des... Não, "desenvolto" não seria a palavra. Não combina com sua expressão corporal. Temer 6 homem de gestos pausados e passos medidos. As mãos ora se esfregam uma à outra, ora se cruzam, ora marcam encontro, as pontas dos dedos de uma nas pontas dos dedos da outra. O ritmo é estudado. Cada pequeno movimento se reveste de eclesiástica solenidade - daí o tratamento de "Sua Excelência Reverendíssima" que fez por merecer no parágrafo anterior. Se desenvolto não é a palavra, seria... com perdão da verdadeira ocupante do cargo... "presidencial". Presidencialmente, Temer reúne no Palácio do Jaburu a corte de homens de cabelos pintados ou transplantados em que consiste a fina flor do PMDB. Presidencialmente, vai ao encontro da presidente Dilma como quem vai a uma conferência de cúpula, potencia contra potencia. Ao contrário de mansos aliados, como foram os vices Jos6 Alencar, para Lula, e Marco Maciel, para FHC, Sua Excelência Reverendíssima lidera uma facção rival.

Semelhante situação decorre de um desentendimento grave, que queiram os céus não venha a se revelar fatal, quanto à natureza da coligação entre PT e PMDB. O FI" entende que ao PMDB devem caber alguns ministérios em troca de votar com o governo no Congresso. Já o PMDB se pretende sócio do poder, ao mesmo título que o Fr. Nesse atrito, Dilma é criticada pelas virtudes -- como a de resistir à ganancia por cargos e verbas - e engambelada por eufemismos como "articulação política", apelido do balcão de negócios em que se desferirão as facadas. Haja estômago para digerir tal gororoba. Para o da presidente, visivelmente, está difícil. Nunca é bom ter alguém infeliz, não importa em que cargo. Pior se for na Presidência. Disfarce, presidente. Sorria. As condições são adversas, mas, se acharem que a senhora está satisfeita, muito à vontade e dona de si, avançarão com mais cuidado.

GOSTOSA

CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA - Fora da curva


Fora da curva
CARTA AO LEITOR
Revista Veja

Os brasileiros devem aos integrantes da Polícia Federal, nos últimos anos, o desbaratamento de perniciosas quadrilhas especializadas na dilapidação do patrimônio público. Profissional e eficiente, a PF tem estado ao lado das luzes em um país que precisa delas tanto quanto do ar que respiram seus habitantes. Em 2005, os policiais federais encarregados da Operação Curupira prenderam uma quadrilha que vivia da extração e comércio ilegal de madeira na Amazônia, produzindo a primeira inflexão positiva na luta ambiental na região. No ano seguinte, a Operação Sanguessuga desmantelou um grupo que enriquecia com o desvio de dinheiro público destinado à compra de ambulâncias, trabalho que levou ao indiciamento de dezenas de deputados federais, senadores e ex-parlamentares. A Operação Navalha, de 2007, cortou a linha ilegal que alimentava corruptos com dinheiro de obras públicas. No mesmo ano, a Operação Hurricane abriu uma fresta no fechado mundo do Judiciário e, pela primeira vez, prendeu juízes e desembargadores que vendiam sentenças.Nesse cenário de sucesso, surgiu como "fora da curva", nas palavras de um dos mais altos dirigentes da Polícia Federal, uma operação de 2008 batizada de Satiagraha e que se vendia como um divisor de águas na condução de investigações policiais no Brasil, com o enquadramento, inédito, de um banqueiro, no caso o baiano Daniel Dantas, do Opportunity. VEJA se espantou com o fato de a operação ter sido desfechada sem o conhecimento do diretor-geral da PF e com os "julgamentos apressados e convulsões ideológicas" do delegado responsável pela investigação. "O resultado do amadorismo e da incompetência do trabalho policial será, provavelmente, a impunidade de Dantas (...). Uma pena", registrou a Carta ao Leitor.

Uma reportagem desta edição relata que, na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ilegal a operação comandada pelo delegado Protógenes Queiroz, hoje deputado federal, eleito com a sobra dos votos dados ao palhaço Tiririca em São Paulo. Ao justificar sua decisão, o STJ observou que "a Operação Satiagraha violou os princípios constitucionais da impessoalidade, da legalidade e do devido processo legal". Como consequência, também foi anulada a condenação do banqueiro Daniel Dantas.

Os jornalistas não sabem fazer investigações policiais. Mas podem criticá-las. O jornalismo é um dos pilares da democracia, papel que exerce na cobrança de prestação de comas pelos donos do poder, o que na Grécia clássica foi definido de maneira bela e exata: "Só alguns poucos cidadãos ascendem na hierarquia oficial a ponto de terem o poder de tomar decisões e fazer políticas públicas – mas todos podem criticá-las". Foi o que VEJA fez, nadando, então, contra a maré de entusiasmo pela Satiagraha e antevendo seus ruinosos resultados. Registre-se que a própria Polícia Federal já havia se dado conta da estranheza da operação, tendo afastado o delegado Protógenes e encomendado novo relatório a um profissional competente. Mas os desvios originais eram tantos e tamanhos que o STJ não teve outra escolha senão anular o processo, deixando impunes suspeitos que, não fosse a "operação fora da curva", poderiam ter sido penalizados.

MAÍLSON DA NÓBREGA - A ascensão da China


A ascensão da China
MAÍLSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA

A China é o maior fenômeno econômico da história. Nenhum outro país cresceu por trinta anos seguidos (1980-2010), à taxa média de 12% ao ano. Em 2010, ela se tornou a segunda maior economia do mundo. Ainda nesta década poderá ser a primeira.

Por aqui, esse êxito é explicado por teses simplistas. Decorreria de taxas de câmbio valorizadas, de políticas industriais ou da ação de empresas estatais. Na verdade, o sucesso chinês tem raízes mais amplas, profundas e provavelmente duradouras.

A China despertou de um longo declínio, que começou por volta do século XV, quando Portugal e Espanha se lançavam na aventura ultramarina. N época, ela representava cerca da metade da economia mundial. Em 1800, em plena Revolução Industrial inglesa, a China ainda respondia por 33% da produção mundial de manufaturados (28% na Europa e apenas 0,8% nos Estados Unidos).

A China evoluiu da tribo para o estado organizado muito antes do Ocidente. Francis Fukuyama diz que o estado chinês foi fundado por Ying Zheng (259-210 a.C.). Possuía um exército que fazia cumprir a lei e uma burocracia profissional que arrecadava tributos. Pesos e medidas uniformes eram obrigatórios. O setor público construía a infraestrutura de estradas, canais e sistemas de irrigação.

Nos séculos XIX e XX, a China foi ocupada por potências estrangeiras. No período comunista, a expansão da educação se interrompeu e muitas universidades foram fechadas. Políticas desastradas de Mao, como a de produzir aço a qualquer custo, e a insana Revolução Cultural aceleraram o declínio.

A reversão começou em 1978 com Deng Xiaoping, que restabeleceu a prioridade à educação, acolheu o investimento estrangeiro, privatizou empresas estatais e permitiu ampla participação do setor privado na economia. No ensino superior, foram adotados os modelos britânico e americano.

A partir de 1997, o ensino experimentou forte internacionalização. Em 2007, o relacionamento educacional alcançava 188 países e regiões. Em 2008, 180 000 chineses estudavam fora (39 000 em 2000). No período, 420 000 frequentaram cursos superiores no exterior. As reformas econômicas aumentaram o retorno propiciado pela educação.

A educação é central no êxito da China. Três de suas universidades já estão entre as 100 melhores do mundo. O plano é incluir duas delas entre as vinte mais prestigiadas. Em 2010, alunos do ensino médio da província de Xangai obtiveram o primeiro lugar nas provas de leitura, matemática e ciência do Pisa.

A ciência e a tecnologia são parte do processo. Neste ano, a China investirá em pesquisa e desenvolvimento 154 bilhões de dólares. Ultrapassará o Japão (144 bilhões de dólares) e ficará atrás apenas dos Estados Unidos (405 bilhões de dólares). Em 2010, conforme mostrou Cláudio Frischtak, a China solicitou 12 300 patentes internacionais, 25 vezes mais do que o Brasil (era quatro vezes em 2000). Em 2008, enviou um astronauta ao espaço e planeja colocar outro na Lua em vime anos.

Na política externa, os diplomatas chineses concluíram que o país não podia (nem deveria) desafiar tão cedo a dominância global dos Estados Unidos. Ao contrário, a estratégia foi a de cooperação com os americanos, a melhor fonte de tecnologia, investimento e demanda por seus produtos. Buscava-se a “ascensão pacífica”. Algo muito diferente do antiamericanismo da diplomacia petista.

A China escolheu o modelo de desenvolvimento fundado na exposição de suas empresas à competição internacional, que já havia dado certo no Japão, na Coreia do Sul e em Taiwan. Era o oposto da estratégia de economia fechada do Brasil. O comércio exterior saltou de 18,8% em 2000 para 56,7% do PIB em 2010 (23,1% no Brasil).

O êxito chinês combina múltiplos fatores: educação, ciência, tecnologia, economia aberta e orientada pelo mercado, elevados investimentos em infraestrutura, empreendedorismo e pragmatismo diplomático, para citar os mais relevantes.

Lula afirmou que o século XXI seria o do Brasil. Está mais para ser o da China, salvo os riscos de uma futura abertura democrática. O Brasil pode ganhar ou perder com a ascensão da China. Depende de como enfrentemos as deficiências da educação e retomemos as reformas, interrompidas nos últimos oito anos.

Entrevista JOAQUIM BARBOSA - REVISTA VEJA


Entrevista JOAQUIM BARBOSA

REVISTA VEJA
Hugo Marques

O relator do mensalão no STF descreve o foro privilegiado para parlamentares como "a racionalização da impunidade" e diz que é "patético" a Justiça ter quatro instâncias

Nos últimos seis meses. o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, perdeu 9 quilos. Ele cortou as massas e aumentou a quantidade de verduras no prato - em mais uma tentativa de arrefecer as dores na coluna, problema de saúde que o persegue há anos. Aos 56 anos de idade, o ministro também carrega sobre os ombros a pesada responsabilidade de relatar o processo do mensalão - o maior escândalo de corrupção da história brasileira. que tanto pode levar para a cadeia figurões da política, o que seria um fato inédito, como também pode ajudar a consolidar o descrédito na Justiça, confirmando a máxima de que poderosos e prisão percorrem caminhos paralelos. Em entrevista a VEJA, Joaquim Barbosa, que deve assumir a presidência da Cone no fim do ano que vem, se diz formalmente impedido de comentar o caso do mensalão. Por outro lado, o ministro deixa clara a sua preocupação com as barreiras criadas pela própria legislação brasileira com o objetivo, segundo ele, de inviabilizar a punição de políticos corruptos.

O protagonismo do STF dos últimos tempos tem usurpado as funções do Congresso?

Temos uma Constituição muito boa, mas excessivamente detalhista, com um número imenso de dispositivos e, por isso, suscetível a fomentar interpretações e toda sorte de litígios. Também temos um sistema de jurisdição constitucional, talvez único no mundo, com um rol enorme de agentes e instituições dotadas da prerrogativa ou de competência para trazer questões ao Supremo. E um leque considerável de interesses. de visões, que acaba causando a intervenção do STF nas mais diversas questões, nas mais diferentes áreas, inclusive dando margem a esse tipo de acusação. Nossas decisões não deveriam passar de 200, no máximo 300 por ano. Hoje, são analisados 50000, 60000 processos. E uma insanidade.

Qual é a consequência direta dessa sobrecarga?

O pouco tempo de que dispomos para estudar e refletir sobre as questões verdadeiramente importantes, como anencefalia, ficha limpa, células-tronco. homoafetividade, regime de cotas raciais na educação. Estes, sim, são casos apropriados para uma Corte como o Supremo Tribunal Federal. Hoje, consumimos boa parte do nosso tempo julgando ações que não precisariam chegar aqui.

O senhor pode dar um exemplo?

Julguei um caso de um homem que foi processado criminalmente porque deu um chute na canela da sogra. Ele foi condenado e ingressou com um habeas corpus que veio parar aqui. Parece brincadeira. mas isso é recorrente.

Há vários diagnósticos sobre o tema. Para o senhor, por que a Justiça no Brasil é tão lenta?

Os processos demoram muito porque as leis são muito intrincadas, malfeitas. As leis não foram pensadas para dar solução rápida aos litígios. E um problema cultural, de falta de sentido prático para resolver as coisas. Deveríamos nos espelhar um pouco na Justiça americana. na rapidez com que ela resolve a maioria dos casos. Se um sistema judiciário não dá resposta rápida às demandas de natureza econômica. de natureza criminal, ele produz evidentemente uma descrença, um desanimo, que atingem a sociedade como um todo. inibindo investidores e empreendedores.

Essa percepção tem do exercício da magistratura?

O país atravessa um excelente momento econômico. Tenho amigos no exterior que dizem que hå muita gente querendo investir no Brasil. Ao chegarem aqui, porém, essas pessoas depararam com um emaranhado de problemas de ordem legal, que vai da emissão do visto de permanência à criação de uma empresa. São muitos os obstáculos.

Esse emaranhado legal também está entre as causas da impunidade?

A Justiça solta porque, muitas vezes, a decisão de prender não está muito bem fundamentada. Os elementos que levaram à prisão não são consistentes. A polícia trabalha mal, o Ministério Público trabalha mal. Na maioria dos casos que resultam em impunidade. é isso que ocorre. Por outro lado, o sistema penal brasileiro pune e muito... principalmente os negros, os pobres. as minorias em geral. Às vezes. de maneira cruel, mediante defesa puramente formal ou absolutamente ineficiente.

O senhor concorda, então, com a ideia generalizada de que os poderosos não vão para a cadeia?

O foro privilegiado, como o nome já diz. reflete bem essa distinção cruel que não deveria existir. Uma vez es chamei atenção para isso aqui no plenário do tribunal. Você se lembra quando o presidente Bill Clinton foi inquirido pelo Grand Jury? O que é um Grand Jury nos Estados Unidos? Nada mais que um órgão de primeira instância, composto de pessoas do povo. Era o presidente dos Estados Unidos comparecendo perante esse júri. falando sob juramento, sem privilégio algum. O homem mais poderoso do planeta submetendo-se às mesmas leis que punem o cidadão comum. O foro privilegiado é a racionalização da impunidade.

Como assim?

A criação do foro privilegiado foi uma aposta que se fez na impossibilidade de os tribunais superiores levarem a bom termo um processo judicial complexo. Pense bem: um tribunal em que cada um dos seus componentes tem 10000 casos para decidir, e cuja composição plenária julga questões que envolvem direitos e interesses diretos dos cidadãos. pode se dedicar às minucias características de um processo criminal? Não é a vocação de uma corte constitucional. Isso foi feito de maneira proposital.

Para garantir impunidade?

Evidente. O foro privilegiado foi uma esperteza que os políticos conceberam para se . proteger. Um escudo para que as acusações formuladas contra eles jamais tenham consequências.

E, pelos exemplos recentes, parece que tem realmente funcionado.

Político na cadeia? Vai demorar muito ainda para que se veja um caso. Um processo criminal, por colocar em jogo a liberdade de uma pessoa em única e última instância, tem de ser um processo feito com a máxima atenção. E difícil conciliar esse rol gigantesco de competências que o Supremo tem com a condução de um processo criminal. Coordenar a busca de provas, determinar medidas de restrição à liberdade, invasivas da intimidade, são coisas delicadíssimas.

Esse raciocínio que o senhor acaba de fazer se aplica ao caso do mensalão?

Não vou falar sobre isso. Esse é um processo que está em andamento. está sob os meus cuidados e. por isso. estou impedido de falar sobre ele.

O senhor é o primeiro ministro negro do STF. Qual é a sua opinião sobre as politicas afirmativas?

Em breve o Supremo vai se posicionar sobre a questão das cotas raciais. Não posso me antecipar sobre um tema que ainda está sob análise. O que posso dizer 6 que existem experiencias bem-sucedidas no mundo, mas isso não significa necessariamente que a receita possa ser copiada no Brasil. Não é um tema simples, mas é extremamente relevante.

O senhor concorda com a forma como são escolhidos os ministros das cortes superiores?

Não é o sistema ideal, mas não vislumbro outro melhor. Há os que criticam essa prerrogativa do presidente da República, mas acho que ele carrega consigo representatividade e legitimidade para isso. Qual seria a alternativa a esse sistema? A nomeação pelo Congresso? Seguramente essa alternativa teria como consequência inevitável o rebaixamento do Supremo a um cabide de emprego para políticos sem voto, em fim de carreira, como ocorre com o Tribunal de Contas da Unimo. Muita gente defende que se deva outorgar a escolha ao próprio Judiciário. Mas, com certeza, essa também não seria uma alternativa eficaz. Um corporativismo atroz se instalaria. Talvez, como ideia, poderíamos pensar em estabelecer um prazo fixo para o mandato dos ministros dos tribunais superiores.

Quais serina es méritos dessa ideia de encartar a vida útil dos ministros?

É sempre uma aventura institucional mudar subitamente a forma de funcionamento de um órgão que já tem 120 anos de vida e que, bem ou mal, é a mais estável das nossas instituições. Mas penso que pode haver ganhos no estabelecimento de mandatos, com duração fixa, de doze anos, por exemplo, sem renovação. Mandatos curtos trariam insegurança e suscitariam a discussão sobre a possibilidade de renovação, o que não seria bom.

Da maneira como é feita hoje, a escolha dos ministros pelo presidente da República não leva a ma comportamento submisso ao Executivo?

No Brasil de hoje nao vejo nenhuma submissão do Judiciário ao Executivo. Nenhuma. O Judiciário brasileiro tem todas . as garantias, todas as prerrogativas para ser um dos mais independentes do mundo. Nem mesmo.os Estados Unidos contam com as nossas prerrogativas. As garantias da Constituição mudaram radicalmente a face do Poder Judiciário, que saiu de uma situação de invisibilidade, antes de 1988, para essa enorme visibilidade atual. O problema do Judiciário é de outra ordem, 6 organizacional, no plano da lei. Falta ousadia, falta coragem de propor mudanças que tornem a prestação jurisdicional mais rápida e pragmática.

A Justiça é tarda e falha no Brasil por quais razões?

É absurdo um sistema judiciário que conta com quatro graus de jurisdição! Deveriam ser apenas . duas instancias, como é no mundo inteiro. Essas instâncias favorecem o excesso de recursos. Faz sentido em um . país do tamanho do Brasil ter um sistema judicial em que tanto a Justiça Federal quanto a Justiça dos estados tenham como órgãos de cúpula das suas decisões duas cortes situadas na capital federal, uma com onze ministros e outra com 33? Bastaria uma. Em vez de termos duas cortes superiores para a Justiça comum, o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, poderíamos ter pequenas cortes, de no máximo sete juízes, em cada estado. Uma estrutura mínima que pulverizaria o trabalho do Superior Tribunal de Justiça. Só viriam para o Supremo os processos que tratassem de questões verdadeiramente constitucionais. Essa seria a maneira correta de o sistema funcionar.

Então o senhor é a favor da proposta que prevê a execução imediata das decisões judiciais após o pronunciamento dos tribunais de segunda instância?

O Brasil precisa urgentemente de um sistema judicial que de respostas rápidas às demandas do cidadão por Justiça. Repito: não há como obter essas respostas rápidas com um sistema judicial com quatro graus de jurisdição. Isso é patético! Eu desafio qualquer um a me apontar uma única democracia minimamente funcional em que sejam necessárias quatro instâncias, que permitem dezenas de recursos, para que as decisões dos juízes, por mais singelas que sejam, tenham efetividade.

O governo pretende flexibilizar a legislação para facilitar as compras e contratações para as obras da Copa do Mundo. Assunto que, provavelmente, vai acabar ocasionando um processo no STF. O que o senhor acha dessa saída?

Sou contra abrir exceções para a Fifa. A Fifa é uma organização privada, que não presta contas a ninguém. Eu adoro futebol, mas as exigências que estão sendo feitas pela Fifa para organizar o Mundial no Brasil me parecem exorbitantes. Esse é mais um caso que não precisaria chegar ao Supremo.

O STF confirmou na semana passada, inclusive com o voto do senhor a favor, a legalidade da decisão do ex-presidente Lula de neo extraditar o terrorista Cesare Battisti. O Brasil não corre o risco do virar refúgio de criminosos?

O que tenho a dizer sobre este caso está detalhado no meu voto. Não tenho nada a acrescentar.

MARIA INÊS DOLCI - Teleproblemas


Teleproblemas
MARIA INÊS DOLCI
Folha de S. Paulo - 13/06/2011

Os consumidores querem apenas que as teles prestem bons serviços, a preços justos; não é pedir demais

POR QUE AS operadoras de telefonia estão boicotando o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL)?
Pelo mesmo motivo que as leva a prestar um serviço ruim e caro -dos mais caros do mundo, aliás. Porque "há algo de muito errado no reino das telecomunicações".
O PNBL nem é um plano tão ousado assim, uma vez que pretende levar internet a 68% dos domicílios, com velocidade de até 1 Mbps, por até R$ 35. Convenhamos que o "até 1 Mbps" ainda nos deixará longe da banda larga de outros países.
Mas, pelo menos, o PNBL fixa um teto de preço e tem abrangência boa, uma vez que o acesso à internet é fundamental para que os cidadãos não fiquem fora do mundo digital, inclusive em termos de informação e de conhecimento.
A exclusão digital, hoje, tende a se transformar em perda de qualidade de vida e em limitação no mercado de trabalho. Consequentemente, com queda de rendimento e de ascensão social.
É preciso que o governo federal aproveite esse episódio -a resistência das teles- para mudar o tratamento que recebem quando não retornam aos consumidores o que cobram por seus serviços, principalmente em telefonia móvel.
Uma das saídas para o impasse -a ameaça de convidar empresas estrangeiras para o PNBL- deveria valer também para os demais serviços de má qualidade.
Há certa reserva de mercado que não se justifica, pois as companhias são privadas.
Nunca é demais lembrar que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) trata as teles a pão de ló, como se dizia antigamente.
Por exemplo, a agência se nega a tornar pública a lista dos bens, como imóveis e softwares -que devem retornar à União em 2025. São os chamados "bens reversíveis". Muitos desses bens já foram vendidos, embora a Lei Geral de Telecomunicações proíba que isso ocorra sem a autorização da Anatel.
Então, há por aqui um estranho panorama: tarifas caríssimas, serviço ruim, tratamento meia-boca e total e absoluta complacência da agência reguladora e do Ministério das Comunicações com as companhias responsáveis por essas infrações ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). Somente isso já valeria uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso, para que os brasileiros saibam o que há por trás das telecomunicações no país.
A impressão que fica é a de que as operadoras de telefonia fazem o que fazem porque são grandes e fortes. Que não há ninguém, entre as autoridades dos três Poderes, com coragem para enfrentá-las.
Até agora, a presidente Dilma Rousseff sinalizou mudanças no relacionamento com as operadoras.
Primeiramente, ao exigir mais velocidade no PNBL. E, como a Folha noticiou, teria autorizado o convite a empresas estrangeiras para participar do PNBL, se a resistência das operadoras continuar.
São reações adequadas, mas há que mudar o principal, no dia a dia de atuação dessas empresas. Não por acaso, são elas que lideram os rankings de reclamações dos órgãos de defesa do consumidor.
As operadoras móveis querem participar da popularização da banda larga. Aqui, caberia uma avaliação criteriosa, porque também não se destacam pela qualidade dos serviços prestados.
Uma das áreas vitais para o desenvolvimento de uma nação moderna está, então, nas mãos de empresas que deixam muito a desejar em todos os sentidos, inclusive bens públicos, que retornarão à União em pouco mais de dez anos, se não forem dilapidados até lá.
Ninguém está satisfeito, mas as providências para mudar esse quadro não parecem suficientes.
Não há nada que justifique a tranquilidade com que as companhias dessa área passam por cima dos interesses dos consumidores.
Queremos somente bons serviços, a preços justos. Não é pedir demais, exceto se as teles, como os bancos, tiverem licença e proteção para fazer as coisas como acharem certo, mesmo quando estiverem erradas.
É uma resposta que os cidadãos esperam para ontem.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG - FHC merece os parabéns


FHC merece os parabéns
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O Estado de S. Paulo - 13/06/2011

Fernando Henrique Cardoso completa 80 anos no próximo dia 18. Eis aqui minha opinião sobre como ele mudou o Brasil.

Pode-se dizer que ele caiu de paraquedas no Ministério da Fazenda do governo Itamar Franco, em 19 de maio de 1993. FHC era chanceler desde 1992, estava satisfeito no cargo e foi surpreendido pela decisão de Itamar, que acabava de perder seu terceiro ministro da Fazenda.

FHC não é economista nem era especialmente entusiasmado pelo tema. Meio de brincadeira, meio a sério, sempre deixava escapar aqui e ali suas ironias a respeito do, digamos, excesso de confiança dos economistas. E foi assim que liderou talvez a maior virada econômica da história brasileira.

Nada foi por acaso. Ao contrário, foi um caso exemplar em que um líder político enxerga um caminho, reúne colaboradores para apoiá-lo tecnicamente e constrói a sustentação política para tocar o projeto.

FHC definiu o objetivo central: eliminar a inflação, devolver ao País uma moeda confiável. Cercou-se de economistas que ainda não tinham a fórmula pronta, mas eram acadêmicos que trabalhavam numa determinada linha de pensamento - o pessoal da PUC-Rio, mais ortodoxo. Deixou de lado, assim, uma turma paulista que sempre o acompanhara, mas que, na visão (acertada) de FHC, não tinha propostas firmes para enfrentar a inflação brasileira.

Muitos economistas convidados por FHC já tinham passado pelo governo. Haviam trabalhado no fracassado Plano Cruzado (1986-1987) e traziam dessa experiência uma impressão negativa do ambiente político brasileiro. Achavam difícil viabilizar um plano de estabilização, dadas as enormes mudanças que seriam necessárias em praticamente todos os setores da vida econômica.

Por exemplo: na ocasião, até como herança do regime militar, era tudo estatal (mineração, siderúrgicas, telecomunicações, bancos estaduais) e tudo ineficiente. Os políticos da democracia haviam gostado muito desse monte de vagas a ocupar. Como dizer a eles que seria preciso um amplo programa de privatização?

Só o prestígio pessoal e a liderança de FHC poderiam reunir, num fraco governo Itamar, os talentosos economistas chamados para a enorme tarefa de refazer a moeda brasileira.

A história da URV/real já é bastante conhecida. Menos conhecida é a arquitetura política desenhada por FHC para conseguir que o plano fosse aprovado dentro do governo, no Congresso e na sociedade.

Mesmo o sucesso imediato do real não tornou fácil aprovar as complementações, especialmente a reforma da Previdência, a Lei de Responsabilidade Fiscal, as privatizações, a quebra do monopólio da Petrobrás. Já como presidente, FHC certamente tinha mais poder, mas ainda assim precisou gastar muito capital político na votação das reformas constitucionais.

A oposição a essas medidas não vinha apenas do PT, mas dos próprios aliados de FHC, de seus amigos da academia e de amplos setores da sociedade, todos ainda com a cabeça antes da queda do Muro de Berlim.

FHC foi um dos raros políticos de seu tempo a entender o novo mundo. E soube como realizar essa agenda que mudou o Brasil de forma duradoura. Certamente houve equívocos e acidentes de percurso.

Mas eis o que importa: ficamos com uma moeda de verdade e todo um arcabouço institucional que preserva a estabilidade macroeconômica. Um outro país.

Custo Brasil. Não vamos entrar no mérito da decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre a fusão Perdigão-Sadia, que resultou na Brasil Foods. Mas digamos que o Conselho, em sua reunião da próxima quarta-feira, determine que a fusão seja desfeita. A decisão terá sido dada mais de dois anos depois de o negócio ter sido fechado e a nova empresa, posta em movimento.

E, principalmente, há acionistas minoritários que compraram as ações da nova companhia na maior boa-fé, já que os papéis circulavam com autorização das autoridades reguladoras. Passam-se os meses e aparece outra autoridade reguladora dizendo que aquela empresa não poderia estar funcionando.

É evidente que o processo está errado. Se considerarmos que fusões são um importante instrumento da economia contemporânea - com frequência um caminho para ganhos de eficiência -, está claro que a regulação atual é mais um capítulo do custo Brasil.

Ninguém está propondo que as fusões sejam carimbadas pelas autoridades reguladoras sem maiores análises. Mas apenas que o processo seja mais eficiente e menos custoso. Se não pode, é bom que se diga logo.

É exatamente a mesma situação das licenças ambientais. A concessão ou a negativa demoram demais - representando um custo enorme para as empresas e, sobretudo, para o País. E um atraso no crescimento.

Os projetos ficam empacados nos órgãos ambientais - e, enquanto se espera, não vale a pena tentar alternativas. Não faz sentido econômico desenhar uma nova rodovia enquanto se espera (ou se luta) pela licença do projeto já encaminhado aos órgãos reguladores. Negada a licença, começa tudo de novo, tempo perdido duas vezes.

Além disso, essa situação leva a interferências políticas. Foram notórias as pressões de Lula, como presidente e ex, para o licenciamento de Belo Monte, por exemplo. Isso termina por arruinar o processo.

Na falta de uma boa legislação e de órgãos reguladores eficientes e realmente independentes, ficamos entre o custo do atraso e o custo da interferência política.

GOSTOSA

RICARDO YOUNG - A sociedade reage


A sociedade reage
RICARDO YOUNG
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/06/11

Nesta semana que passou, a presidente Dilma Rousseff prorrogou por 180 dias o decreto que obrigava os agricultores a averbar suas reservas legais com o objetivo de regularizar a situação de suas propriedades.
Sem a prorrogação, o prazo teria vencido dia 11 passado e imporia àqueles que não cumpriram a determinação legal pesadas multas e sanções que demonstrariam que o país não mais tergiversaria nas questões do desmatamento.
Pois bem, tudo sugere que mais uma vez serão anistiados os infratores.
Enquanto aqui em Pindorama brinca-se em serviço e abusa-se da condição de país de maior extensão de florestas contínuas do planeta, a China, país devastado pela degradação ambiental e com riscos reais de desertificação, toca como prioridade nacional o projeto da "Grande Muralha Verde", que pretende reflorestar 356 mil quilômetros quadrados de terra, até 2050.
O Brasil é o país com a maior reserva hídrica do planeta, mas algumas regiões, como o Sudeste, já sentem os problemas da escassez do recurso, com prejuízo para algumas lavouras.
Não é por acaso que a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) advertiu em relatório na última quinta-feira que a mudança climática terá graves consequências na disponibilidade de água destinada à produção de alimentos e na produtividade dos cultivos durante as próximas décadas.
A garantia da perenidade da água está na governança deste recurso. E a base desta governança é o Código Florestal, com as regras que definem APPs e RLs, recuperação e manejo. Todas essas normas protegem as nascentes e, com isso, a produção de água tão necessária para a agricultura.
Nossa maior commodity não é a soja, a carne ou o café. É a água! Somos os maiores exportadores de água do mundo.
Assim, é exatamente para que se garanta o desenvolvimento agrário do pais é que o compromisso com a recomposição das RLs e das APPs não pode ser adiado.
A maioria dos partidos e o governo federal parecem não entender essa correlação entre o Código Florestal e o desenvolvimento econômico.
Como resposta, a sociedade civil organizada iniciou uma mobilização cujo arco de alianças não se vê desde as Diretas Já. O Comitê em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável do Brasil, instalado na última semana, promete dar muito, mas muito trabalho ao governo nos próximos meses.
Novas formas de fazer politica começam a surgir e apontam esperança contra a estreiteza abissal que parece tomar conta das forças políticas hegemônicas do país

FERNANDO DE BARROS E SILVA - Com açúcar, com afeto


Com açúcar, com afeto
FERNANDO DE BARROS E SILVA

FOLHA DE SÃO PAULO - 13/06/11

SÃO PAULO - Dilma Rousseff poderia ter se desincumbido de maneira mais ou menos protocolar do compromisso. A carta que endereçou a Fernando Henrique Cardoso vai muito além disso. A presidente foi efusiva no depoimento que integra a homenagem aos 80 anos do tucano (www.fhc80anos.com.br).
"Acadêmico inovador", "político habilidoso", "ministro-arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação", "presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica", "democrata". Depois de elencar essas qualidades, sem esconder que eles têm divergências, Dilma reconhece ter "admiração por sua abertura ao confronto franco e respeitoso de ideias". E termina com um "afetuoso abraço" ao "querido presidente". Imagine se alguém ficou enciumado "neste país"...
Afora o tom carinhoso, que nela não é comum, prevalece na sua fala a perspectiva histórica, e não a lógica da disputa política. Dilma dá um sentido de continuidade aos governos de FHC e Lula, além de estabelecer uma identidade de fundo entre a militante e o intelectual que combateram a ditadura.
É curioso que Dilma faça o gesto que Lula, enquanto presidente, jamais foi capaz de fazer. Pelo contrário, seu governo deu livre curso à narrativa da "herança maldita". Entre outras coisas, porque Lula tinha a necessidade, mais pessoal do que só política, de derrotar FHC em todas as frentes para se apresentar como marco zero de uma nova era.
É mais irônico, no entanto, que Dilma tenha feito o reconhecimento histórico que o próprio PSDB não soube ou não quis fazer ao longo dos últimos dez anos. Em três campanhas presidenciais -2002, 2006, 2010-, o legado do ex-presidente foi posto de lado por Serra e Alckmin, distintos em quase tudo.
A forma de Dilma se relacionar com o passado e com seus principais adversários políticos é diferente da que herdou do seu antecessor. Mais sóbria e menos autoindulgente. Parece melhor assim.

LUIZ FELIPE PONDÉ - Meu irmão Kierkegaard


Meu irmão Kierkegaard 

LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SÃO PAULO - 13/06/11

Quando você estiver lendo esta coluna, estarei em Copenhague, Dinamarca, terra do filósofo Soren Kierkegaard (1813-1855), pai do existencialismo. Ao falarmos em existencialismo, pensamos em gente como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, tomando vinho em Paris, dizendo que a vida não tem sentido, fumando cigarros Gitanes.

O ancestral é Pascal, francês do século 17, para quem a alma vive numa luta entre o "ennui" (angústia, tédio) e o "divertissement" (divertimento, distração, este, um termo kierkegaardiano).

O filósofo dinamarquês afirma que nós somos "feitos de angústia" devido ao nada que nos constitui e à liberdade infinita que nos assusta.

A ideia é que a existência precede a essência, ou seja, tudo o que constitui nossa vida em termos de significado (a essência) é precedido pelo fato que existimos sem nenhum sentido a priori.

Como as pedras, existimos apenas. A diferença é que vivemos essa falta de sentido como "condenação à liberdade", justamente por sabermos que somos um nada que fala. A liberdade está enraizada tanto na indiferença da pedra, que nos banha a todos, quanto no infinito do nosso espírito diante de um Deus que não precisa de nós.

O filósofo alemão Kant (século 18) se encantava com o fato da existência de duas leis. A primeira, da mecânica newtoniana, por manter os corpos celestes em ordem no universo, e a segunda, a lei moral (para Kant, a moral é passível de ser justificada pela razão), por manter a ordem entre os seres humanos.

Eu, que sou uma alma mais sombria e mais cética, me encanto mais com outras duas "leis": o nada que nos constitui (na tradição do filósofo dinamarquês) e o amor de que somos capazes.

Somos um nada que ama.

A filosofia da existência é uma educação pela angústia. Uma vez que paramos de mentir sobre nosso vazio e encontramos nossa "verdade", ainda que dolorosa, nos abrimos para uma existência autêntica.

Deste "solo da existência" (o nada), tal como afirma o dinamarquês em seu livro "A Repetição", é possível brotar o verdadeiro amor, algo diferente da mera banalidade.

É conhecida sua teoria dos três estágios como modos de enfrentamento desta experiência do nada. O primeiro, o estético, é quando fugimos do nada buscando sensações de prazer. Fracassamos. O segundo, o ético, quando fugimos nos alienando na certeza de uma vida "correta" (pura hipocrisia). Fracassamos. O terceiro, o religioso, quando "saltamos na fé", sem garantias de salvação. Mas existe também o "abismo do amor".

Sua filosofia do amor é menos conhecida do que sua filosofia da angústia e do desespero, mas nem por isso é menos contundente.

Seu livro "As Obras do Amor, Algumas Considerações Cristãs em Forma de Discursos" (ed. Vozes), traduzido pelo querido colega Álvaro Valls, maior especialista no filósofo dinamarquês no Brasil, é um dos livros mais belos que conheço.

A ideia que abre o livro é que o amor "só se conhece pelos frutos". Vê-se assim o caráter misterioso do amor, seguido de sua "visibilidade" apenas prática.

Angústia e amor são "virtudes práticas" que demandam coragem.

Kierkegaard desconfia profundamente das pessoas que são dadas à felicidade fácil porque, para ele, toda forma de autoconhecimento começa com um profundo entristecimento consigo mesmo.

Numa tradição que reúne Freud, Nietzsche e Dostoiévski (e que se afasta da banalidade contemporânea que busca a felicidade como "lei da alma"), o dinamarquês acredita que o amor pela vida deita raízes na dor e na tristeza, afetos que marcam o encontro consigo mesmo.

Deixo com você, caro leitor, uma de suas pérolas:

"Não, o amor sabe tanto quanto qualquer um, ciente de tudo aquilo que a desconfiança sabe, mas sem ser desconfiado; ele sabe tudo o que a experiência sabe, mas ele sabe ao mesmo tempo que o que chamamos de experiência é propriamente aquela mistura de desconfiança e amor... Apenas os espíritos muito confusos e com pouca experiência acham que podem julgar outra pessoa graças ao saber."

Infelizes os que nunca amaram. Nunca ter amado é uma forma terrível de ignorância.

MÔNICA BERGAMO - EMBALO DA REDE


EMBALO DA REDE
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/06/11

O ex-ministro Antonio Palocci vai demorar um tempo para reabrir sua empresa de consultoria. Ele cumprirá quarentena de quatro meses, como exige a lei, para voltar às atividades privadas. Neste período, continuará recebendo do governo salário mensal de R$ 26.723.

QUE ESPANTO
De todas as manifestações depois de sua saída, a que mais surpreendeu Palocci, de acordo com seus interlocutores, foi a do secretário-geral do PT, Elói Pietá. Não foram poucas as vezes, dizem eles, que o petista, agora "indignado" com o patrimônio do ex-ministro, telefonou para ele pedindo emprego a correligionários. Fez isso mesmo depois que a Folha revelou os rendimentos de Palocci com os quais agora se diz espantado.

FILA
Entre os pleitos que teriam sido encaminhados por Pietá estão as indicações de Altemir Gregolin, ex-ministro da Pesca, e da ex-governadora Ana Julia, do Pará, para conselhos de empresas controladas pelo BNDESPar.

EU NEGO

Pietá nega. Diz que "esta não é tarefa atribuída à secretaria geral do PT". E que nunca tratou com Palocci "sobre cargos no governo de quem quer que fosse".

ESCOVA DA CHEFE

A nova ministra Gleisi Hoffmann frequentava a barbearia do Senado para fazer escova, uma vez por semana, com o cabeleireiro Fernando Matias. Apareceu por lá na terça de manhã, horas antes de ser anunciada chefe da Casa Civil.

DO BAÚ
A Executiva do PSDB encomendou estudo para reestruturar a estratégia de marketing do partido. Vai ouvir os principais líderes tucanos sobre a imagem da legenda. E pesquisará nos Estados quais programas de governo deram certo e que podem ser nacionalizados. O resultado sai em 60 dias.

KLEITINHO
Kleiton e Kledir gravam CD infantil. Uma das músicas é inspirada no poema "Pé de Pilão", de Mario Quintana.

PAZ DIFERENCIADA
Após organizar o abaixo-assinado pela transferência da estação do metrô, a Associação Defenda Higienópolis foca na segurança da região. O grupo se reuniu para "discutir melhorias na iluminação do bairro" e vai propor à PM ainda neste mês a criação de uma "estrutura de acompanhamento" à polícia da região, diz o presidente da associação, Pedro Ivanow.

SUSTO

Um avião da Gol deixou o aeroporto de Salvador na terça às 8h40 e só pousou em Guarulhos às 2h da manhã de quarta. A ventania em São Paulo fez o avião desviar para o Rio três vezes. Na última, às 22h, o avião chacoalhou muito e chegou a perder altura por alguns segundos. Os passageiros entraram em pânico e reclamam da falta de assistência da tripulação. A Gol diz que, "apesar do desconforto, a segurança não foi comprometida".

SUSTO 2
E o voo 1205 da TAM que saiu de Brasília rumo a Congonhas na sexta ficou sobrevoando São Paulo por uma hora. No pouso, arremeteu. Como Guarulhos estava lotado, foi desviado para Viracopos, em Campinas.

VALOR DA CONSULTA
A cirurgiã Angelita Habr-Gama conquistou o prêmio anual de medicina da Fundação Conrado Wessel. Receberá R$ 300 mil hoje, em cerimônia que homenageará também o cineasta Nelson Pereira dos Santos e o químico Jairton Dupont. O evento será na Sala São Paulo. No total, a fundação desembolsará R$ 1,1 milhão em prêmios.

PRODUÇÃO NACIONAL
Os filmes "A Suprema Felicidade", "Nosso Lar", "De Pernas pro Ar" e "Malu de Bicicleta" foram selecionados para o Cine Fest Petrobras Brasil - NY. O festival de cinema, que começou ontem e vai até domingo no Tribeca Cinemas, em Nova York, tem curadoria de Fernando Meirelles e Paula Barreto. No último dia, Martnália canta no Central Park, seguida da exibição do filme "Elza".

TERNURINHA E AMIGOS

Wanderléa

shows no bar Baretto, no Hotel Fasano de SP. A cantora convidou amigos para dividir o microfone. Um deles foi Zeca Baleiro, que cantou com ela a música "Horóscopo", de Carlos Imperial.

AMIGO É COISA PRA FESTEJAR

O arquiteto Paulus Magnus deu festa homenageando a jornalista Erika Palomino, o produtor Cacá Ribeiro e o fotógrafo e curador Renato de Cara em sua casa, em SP. A atriz Vera Zimmermann e o designer Fabio Gurjão estavam entre os convidados.

CURTO - CIRCUITO

Guilherme Afif faz palestra hoje à noite no Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação de São Paulo.

A cantora Roberta Spindel faz show para convidados amanhã, no Tom Jazz. Na quinta, ela canta na Fnac Paulista. Classificação: livre.

O Prêmio Melhores da Gastronomia Prazeres da Mesa Bohemia acontece hoje, às 19h30, no Grand Hyatt.

O Anexo SB , bar dentro do Boteco São Bento Itaim, abre amanhã a partir das 19h30.

A artista Mônica Simões abre hoje, às 18h30, a exposição "inéditaMesas" no Quintal dos Orgânicos.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA, THAIS BILENKY e CHICO FELITTI

GOSTOSA

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


Superavit comercial cresce 58,5%
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/06/11

O superavit comercial brasileiro cresceu 58,5%, no acumulado do ano, até o dia 9, e atingiu US$ 10,3 bilhões.
No ano passado, o saldo comercial nessa mesma data foi de US$ 6,5 bilhões.
O superavit resulta de exportações acumuladas de US$ 100 bilhões.
Apesar do aumento no número de importações, o Brasil mantém um registro de 30% nas vendas externas, enquanto as importações avançam 28%, em média.
A meta de exportação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior é atingir US$ 245 bilhões (cerca de R$ 386 bilhões) até dezembro de 2011.
Entre as razões para o avanço do superavit estão a manutenção da alta das commodities e, de outro lado, a queda de preços de produtos que o país importa, em razão do arrefecimento da economia nos países desenvolvidos. Sem contar a redução da demanda por importados por conta do freio na economia.

JUROS PARA FACULDADES

A Ideal Invest e o banco Itaú Unibanco fecharam parceria para o setor de crédito universitário. A empresa, gestora do programa Pravaler, espera absorver as faculdades clientes do banco.
"Atuaremos em mais sete Estados", diz o presidente da empresa, Oliver Mizne.
Desde o início do ano, os alunos não pagam juros sobre as mensalidades de algumas faculdades. Os juros, segundo Mizne, são pagos pelas próprias entidades.
O índice de inadimplência é de 3% e os alunos pagam, em média, juros de 5% ao ano, incluindo aqueles que ingressaram em 2011.
Os estudantes pagam metade do valor da faculdade durante o curso, com desembolso médio de R$ 400 por mês. O restante é pago após a formatura, em período de mesma duração do curso. "Com o financiamento, os alunos fazem cursos melhores e mais caros."
No Fies (Financiamento Estudantil do governo), os juros são de 7,5% ao ano para alunos que não fazem pedagogia ou cursos de tecnologia, e o tempo para pagamento é mais extenso.

OS MILIONÁRIOS

O Brasil tem quase 5.000 milionários com patrimônio superior a US$ 30 milhões, segundo levantamento da consultoria e empresa de pesquisas Wealth-X.
Esse número coloca o Brasil no topo do ranking dos ultramilionários da América Latina, com 31% de participação na região.
A consultoria estima que 15.125 latino-americanos possuem riqueza de ao menos US$ 30 milhões.
Somadas, as fortunas desses ultramilionários da América Latina atingem aproximadamente US$ 2,3 trilhões.
O México está em segundo lugar do ranking, com 19%, seguido pela Argentina (7%).
As informações para o cálculo do patrimônio incluem imóveis, ações de empresas, coleções de arte, aviões, dinheiro em banco, entre outros ativos.

ESCRITÓRIOS LOCADOS

A taxa de vacância dos escritórios em São Paulo é a mais baixa do continente americano, de acordo com estudo da consultoria Jones Lang LaSalle.
O índice da capital paulista foi o único que ficou abaixo de 7% no primeiro trimestre deste ano.
Com poucas unidades disponíveis na cidade, o preço dos aluguéis aumentou quase 30% no mesmo período.
A inauguração de novos empreendimentos nos próximos meses deve desacelerar o crescimento dos aluguéis, segundo a consultoria.
A média de vacância nas oito cidades do continente americano analisadas na pesquisa ficou em 17,5% nos três primeiros meses de 2011.
Na Europa e no Pacífico-Asiático, a taxa de vacância é menor, de 10,3% e 10,9%, respectivamente.

CHURRASCO PRÉ-CRISE
Após um ano sem abrir restaurantes, a rede de churrascarias Fogo de Chão retoma os planos de expansão.
A empresa vai inaugurar até o final deste mês a sua primeira unidade no Rio de Janeiro e, até março de 2012, mais duas no território norte-americano.
A unidade carioca, que recebeu investimentos de R$ 12 milhões, ficará sob o Mourisco Mar, um complexo de esportes aquáticos do clube Botafogo.
"Restauramos o prédio, sem modificar o projeto original, datado de 1962", diz Arri Coser, sócio-fundador da rede, que tem como sócia a GP Investimentos, com 35% de participação.
Os restaurantes nos EUA serão em Las Vegas e em Orlando, com inaugurações previstas para novembro próximo e março do ano que vem, respectivamente.
Essas unidades receberam investimentos de US$ 10 milhões (cerca de R$ 16 milhões). "Com a recuperação econômica do país, voltamos aos números de 2007, pré-crise", diz Coser.
Com as inaugurações previstas, a rede passará a ter sete restaurantes no Brasil e 18 nos Estados Unidos.

com JOANA CUNHA, ALESSANDRA KIANEK, VITOR SION e LUCIANA DYNIEWICZ