De salto alto
RICARDO NOBLAT
O GLOBO - 13/06/11
Dez de cada dez das raposas mais felpudas com assento ou trânsito livre no Congresso apostam no fracasso do que batizaram de a 1a- República da Saia Justa, a experiência de termos no Palácio do Planalto os três cargos mais importantes ocupados por mulheres — a Presidência, a chefia da Casa Civil e a Secretaria de Relações Institucionais.
República da Saia Justa dá a impressão de algo envolvido em uma situação embaraçosa. Ou de algo que deve explicações. Não é o caso. O mais justo seria chamar o modelo inaugurado por Dilma na semana passada de a 1a- República do Salto Alto. Tem mais a ver com a personalidade arrogante e briguenta de suas titulares.
Além do sexo, é isso que torna parecidas Dilma, Gleisi Hoffmann, a nova chefe da Casa Civil da Presidência da República, e Ideli Salvatti, remanejada do Ministério da Pesca para a Secretaria de Relações Institucionais, encarregada da articulação política do governo. As três são mulheres que gostam de mandar.
Nunca antes na História deste país o núcleo do poder foi feminino. Nunca antes paulistas, mineiros e cariocas estiveram fora dele. Dilma é mineira por ter nascido lá, mas fez carreira política no Rio Grande do Sul. Gleisi é senadora pelo Paraná. E Ideli foi senadora por Santa Catarina e candidata derrotada ao governo na eleição passada.
A República do Salto Alto marca o fim de um mito — o de Antonio Palocci como principal avalista dos governos do PT junto às forças
que comandam a economia nacional. De fato, ele exerceu tal papel quando Lula se elegeu pela primeira vez. Dizia- se que agora estava destinado a exercê-lo no governo Dilma.
Palocci caiu por se recusar a explicar seu enriquecimento súbito — e nem por isso o mercado emitiu o menor sinal de abalo. É cedo
para dizer que a República do Salto Alto marca também o fim do governo Lula e o começo do governo Dilma. Lula jamais se distanciará
de Dilma. E Dilma jamais dispensará a ajuda dele. Por que o faria?
É fato que Lula aconselhou Dilma a manter Palocci na Casa Civil. Assim como é fato que aconselhou o PT a não criar maiores dificuldades para as mudanças promovidas por Dilma. A mais recente pesquisa nacional do Instituto Datafolha mostrou que 64% dos brasileiros concordam com a participação de Lula nas decisões tomadas por Dilma.
Nada mais compreensível. Afinal, Dilma só foi eleita porque Lula a indicou. A maioria dos brasileiros espera que ela dê continuidade
ao governo passado — e faça mais. Enquanto a economia estiver nos trinques, Dilma continuará sendo bem avaliada por aqueles que atenderam ao pedido de Lula para elegê-la.
Junto a certa fatia do eleitorado refratária a Lula ou cansada do seu estilo pirotécnico, Dilma ganha alguns pontinhos ao passar a impressão de que se afasta dele. Mais adiante, se a República do Salto Alto atravessar zonas de pesada turbulência, Dilma voltará a ganhar reforçando a impressão de que nunca se afastou de Lula.
Houve uma inflexão no trabalho de se criar uma imagem própria para Dilma. Com Palocci funcionando como uma espécie de primeiro-
ministro, ela poderia pontificar como uma rainha. Não combinava com o temperamento dela, mas — quem sabe? — daria certo. A rainha deu lugar à presidente técnica, que mantém distância dos políticos.
Está mais de acordo com o que Dilma é ou parece ser. Em conversa recente com Lula, o senador José Sarney (PMDB-AP) se referiu a Dilma como “a sacerdotisa da administração pública”. Partindo de Sarney, o melífluo, não se sabe se a definição foi um elogio ou uma
crítica amena.
De forma moderada, Fernando Henrique Cardoso compartilhou o poder com os partidos. Lula adotou todas as formas ortodoxas e heterodoxas para se manter no poder. Embora saiba que é impossível governar sem o apoio do Congresso, Dilma vem sendo avara nas concessões feitas aos partidos — o que é bom.
Até quando se comportará assim? Depende da economia.
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