O Congresso contra-ataca, em nome da treva
O GLOBO - 03/05/09
Quando o governo ou o Congresso não sabem o que dizer, anunciam um projeto de reforma política (ou tributária). Sem ter como explicar as malfeitorias que empestearam o Legislativo, alguns hierarcas da Câmara e do Senado querem tirar do sarcófago a múmia de um projeto de reforma política. Com o apoio silencioso das cúpulas de todos os grandes partidos, são dois os defensores ostensivos da iniciativa: o deputado Ibsen Pinheiro, na Câmara, e o doutor Marco Maciel, no Senado.
Se um inimigo do Parlamento quisesse aprofundar a desmoralização do atual Congresso, não inventaria coisa melhor.
O primeiro pilar da reforma é o voto de lista. Coisa simples, os contribuintes deixariam de votar em candidatos à Câmara. Teriam direito a escolher uma sigla, e só. Os eleitos sairiam de uma lista preparada, antes da eleição, sob forte influência das máquinas partidárias. A confiança que merecem os atuais partidos pode ser facilmente aferida. Nenhum deles condenou nominalmente qualquer dos seus deputados que avançou sobre as passagens da Viúva. (O presidente do DEM, bem como o atual presidente do PT e seu antecessor somaram seis viagens com as mulheres para o exterior.) Nenhum partido subscreveu qualquer iniciativa para que sejam abertas as contas das verbas indenizatórias.
O segundo pilar da reforma seria a instituição do financiamento público de campanha. Na teoria, esse sistema acaba com as doações privadas. Numa conta que andou por aí, a Viúva pagaria algo em torno de R$ 7 por eleitor, e esse dinheiro seria rateado entre os partidos (de novo a mesma turma). Hoje o candidato e seus aliados gastam o dinheiro deles.
Com a mudança, gastarão o dos outros. Mais: dada a versatilidade dos doutores, aparecerá o magano que se candidata a qualquer coisa para embolsar um caraminguá, mesmo sabendo que não se elege.
Hoje a patuleia vota no candidato de sua escolha e não paga nada por isso. Com o golpe dos doutores, o contribuinte pagará para votar, perdendo o direito de exercer sua preferência nominal.
A melhor maneira para se começar esse debate seria a exposição pública das opiniões de José Serra, Aécio Neves e Dilma Rousseff a respeito do assunto. Afinal, só um irresponsável (ou um sonso) seria candidato à Presidência sem ter a capacidade de opinar a respeito de uma reforma desse tamanho.
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A banca criou a gripe da poupança
Entristecida com a queda da taxa de juros, a banca inventou um problema inexistente, a gripe das cadernetas de poupança. Através dos tempos, a taxa de juros com que o Banco Central remunera as aplicações financeiras do andar de cima sempre foi superior ao rendimento das cadernetas de poupança do andar de baixo. (45 milhões de pessoas tem depósitos de até R$ 100 nessa modalidade de aplicação.) Agora que as duas taxas se aproximam, querem baixar a remuneração da patuleia. Em setembro de 2007, quando os fundos de renda fixa rendiam 0,89% ao mês contra 0,76% da poupança, ninguém reclamava.
O problema é falso porque ainda não existe, pois a Bolsa Copom paga mais que a caderneta. A ultrapassagem só ocorre para o cidadão que aplicou num fundo que cobra acima de 1,5% ao ano pela administração do dinheiro. Essa é a taxa da Caixa Econômica em aplicações de R$ 5 mil a R$ 10 mil por seis meses, mas há bancos que cobram até 4%. O “Tesouro Direto”, uma iniciativa do governo que permite a compra de papéis atrelados à Selic, cobra uma taxa de 0,3% ao ano. Se um feirante vende berinjelas a R$ 1,50, e outro cobra R$ 4, o problema está no preço, não no legume.
Como diz Warren Buffett, quando a água baixa, a gente vê quem está nadando nu.
Golpe, não
Nosso Guia fez chegar à oposição paraguaia o recado de que não deve esperar apoio brasileiro para depor o presidente (pedófilo-enquanto-bispo) Fernando Lugo.
Lugo é o segundo presidente sul-americano que a diplomacia de Lula ajuda a segurar. Se os separatistas de Santa Cruz de la Sierra tivessem a simpatia brasileira, Evo Morales talvez já estivesse exilado em Caracas.
Pacto republicano
O ministro Gilmar Mendes poderia incluir um mimo no Pacto Republicano que negocia com o Executivo. O Judiciário colocaria na internet os nomes de todos os seus doutores que venham a solicitar atendimento especial nos aeroportos (e nas alfândegas).
Faz tempo, um passageiro da ponte Nova Iorque-Washington cruzou com uma senhora loura na sala de espera. Era a ministra Sandra O’Connor, na Corte Suprema. Foi ao estacionamento buscar o carro e viu que, na fila, estava o general Omar Bradley, que comandou o desembarque norte-americano na Normandia, em 1944.
Esgotos paulistas
Num anúncio publicado na revista Foreign Policy, a Sabesp e o governo de São Paulo informam que cuidam da boa qualidade da água que fornecem aos seus clientes e que esse serviço “continua na estação de tratamento de esgotos, afinal, reciclar a água é uma questão de honra para a Sabesp, honra e respeito.”
Lorota. A Sabesp despeja esgoto in natura em 6.670 pontos de rios e córregos de São Paulo. Na mesma publicação, o presidente da empresa, Gesner de Oliveira, reconhece que só trata 70% do material recolhido pelos esgotos.
Talvez seja o caso de se criar uma estação de tratamento para a publicidade da Sabesp.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e vai a Brasília oferecer consolo aos seus amigos do PMDB, sobretudo ao líder do partido no Senado, Romero Jucá.
O senador aborreceu-se com a decisão do conselho de Administração da Infraero que reduziu de 100 para 12 o número de cargos ocupados por pessoas que entraram na empresa sem concurso público. Na faxina demitiram seu irmão, Oscar.
O idiota acredita que tem dois conselhos a dar ao senador:
1) Inscreva seu irmão no próximo concurso da estatal.
2) Para que não pareça nepotista, passe a defender o emprego dos irmãos dos outros.
(A direção da Infraero passou pela humilhante situação de se ver obrigada a readmitir 13 janeleiros. Com a decisão do conselho, eles foram para a rua.)
Atos falhos
Durante o julgamento do STF em que foi sepultada a Lei de Imprensa da ditadura, o ministro Celso de Mello citou uma das mais conhecidas frases da bibliografia do assunto.
Ela é do grande juiz Oliver Wendell Holmes (1841-1935) e, nas palavras de Mello, diz que a liberdade de expressão não protege “quem grita fogo num teatro cheio”.
Pobre Holmes. Sua frase completará cem anos e continua torturada. Ele não desamparou “quem grita fogo num teatro cheio”, mas quem “falsamente grita fogo num teatro cheio”. Até porque, se o teatro estiver pegando fogo, é bom que se grite. O advérbio faz toda a diferença. Holmes explicitou a mentira, enquanto a versão expurgada insinua que o grito era mentiroso.
Até um presidente da Corte Suprema norte-americana (Warren Burger) já cometeu esse erro.