domingo, maio 03, 2009

MÍRIAM LEITÃO

Capitalismo estatal

O GLOBO - 03/05/09

As treze maiores empresas de petróleo do mundo são estatais. O Estado, na Rússia, controla da telefonia fixa às fábricas de armas. No Brasil, ele é dono de 40% do mercado bancário, da produção de petróleo e de 70% da geração de energia. A China é quase toda estatal. Empresas privadas vivem das benesses do Estado. Nos países emergentes e pobres, o Estado sempre foi o dono do jogo.

Esta é a tese do artigo publicado na revista Foreign Affairs por Ian Bremmer, presidente do grupo Eurásia. Uma tese que merece reflexão nestes tempos em que se diz que houve no mundo um exagero liberal, e em que governos, como o brasileiro, acham que a intervenção dos governos dos países ricos para enfrentar a crise é uma rendição à ideia de que o Estado é que deve gerir a economia.

Segundo o economista, a diferença é que nos países de economia madura, como os Estados Unidos e a Inglaterra, os governos sabem que qualquer controle estatal deve ser revertido tão logo passe a crise. Mas em muitos países emergentes e em desenvolvimento, a mão pesada do Estado nunca saiu da economia e há, em vários desses países, uma rejeição doutrinaria à economia de mercado. Rejeição que deve, agora, se fortalecer.

O mais impressionante é o inventário que ele faz da presença existente do Estado na economia, anterior até à crise econômica, quando era um bordão muito repetido – no Brasil inclusive – a ideia de que a privatização tinha ido longe demais. Começa pelos fundos soberanos, que mesmo tendo perdido US$ 1 trilhão, continuam tendo US$ 3 trilhões de patrimônio. Ao contrário do nosso, que é pequeno, feito na undécima hora e constituído com endividamento, os fundos soberanos de inúmeros outros países foram formados pelo excesso de poupança com a alta dos preços das commodities nos últimos anos. A alocação desse dinheiro é toda feita pelo Estado. “Hoje, os emergentes já emergiram e funcionários estatais em Abu Dhabi, Ancara, Pequim, México, Moscou, Nova Délhi, tomam decisões econômicas – sobre investimento estratégico, propriedade estatal e regulação – que se refletem no mundo inteiro.”

Um dos maiores empregadores do mundo na área não-militar é a empresa ferroviária da Índia. Tem um milhão e meio de empregados. Na China, são as estatais que controlam o monopólio do alumínio, as maiores empresas de telecomunicações, a transmissão de energia e as companhias aéreas, por exemplo. Medidas pelas reservas que controlam, as treze maiores empresas de petróleo do mundo são estatais, entre elas a nossa Petrobras. A Aramco, da Arábia Saudita, a Companhia Iraniana, a Petróleos da Venezuela, a Grazprom e Rosneft, da Rússia, a Petronas, da Malásia, a Corporação Nacional de Petróleo da China. Empresas estatais controlam 75% das reservas globais de petróleo e a sua produção. O governo ficou sócio em outras indústrias e ativos do setor de tal forma que empresas totalmente privadas controlam só 10% da produção mundial, diz Bremmer.

E tem mais, ele explica. “Uma tendência recente complicou mais o fenômeno. Em alguns países em desenvolvimento, grandes companhias que continuam em mãos privadas dependem do patrocínio governamental em termos de crédito, contratos e subsídios.” Esse patrocínio governamental para as grandes empresas, que são tratadas como “campeãs nacionais”, o Brasil conhece bem e tem se aprofundado nos últimos tempos, a pretexto da crise econômica. Na Rússia, esses “campeões nacionais” são “controlados por pequenos grupos de oligarcas, que são pessoalmente favorecidos pelo Kremlim”, como os grupos que controlam a mineração, a metalurgia e a siderurgia. Na China, entre várias empresas mais favorecidas pelo governo e dirigidas por pessoas bem conectadas com os poderosos do regime, o autor inclui a Lenovo. Entre os “campeões nacionais”, empresas que as autoridades tratam como estratégicas, o autor inclui a Vale, no Brasil. Se for da perspectiva de receber dinheiro subsidiado, a lista brasileira é extensa, e ficou maior ainda durante o atual governo.

O artigo deixa claro que nunca houve um exagero de privatização, como se apontou. Houve um movimento nos anos 80 e 90 que reduziu a força do capitalismo de estado nos países desenvolvidos, como a Inglaterra, por exemplo, mas que nem alcançou completamente a Europa. A França ainda tem estatais em áreas como energia. Nos países emergentes, o capitalismo de estado continua forte, vigoroso e se fortalecendo à sombra das dramáticas decisões que os governos dos EUA e de diversos países europeus estão tomando na esteira da atual crise econômica. O argumento contra o capitalismo estatal perdeu força quando se vê o campeão da economia de mercado virando sócio de fabricantes de automóveis, de seguradoras e de bancos, como é o caso dos EUA.

A diferença é que, nos EUA, o custo político de manter o Estado controlando empresas será tão alto que todos sabem que é um período transitório. Mas em países como o Brasil, o que se vive é um retrocesso mesmo no aumento da presença do Estado na economia, e também na mistura de interesses partidários com as empresas estatais.

Certos desafios à frente, como, por exemplo, os desastres ambientais, diz o autor, podem provar que burocratas, ou militantes partidários, não são os melhores gestores da economia.

Com Leonardo Zanelli

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