quinta-feira, agosto 26, 2010

DORA KRAMER

Crime organizado 
Dora Kramer 

O Estado de S.Paulo - 26/08/2010

Quando o presidente Luiz Inácio da Silva ordena que seus correligionários criem "fatos políticos" capazes de inverter a tendência do eleitorado de São Paulo em prol do tucano Geraldo Alckmin para favorecer o petista Aloizio Mercadante, é o caso de se pôr um pé atrás.

A penúltima tentativa oriunda do PT de criar um "fato" para tentar influir na direção da preferência dos eleitores foi em 2006. Um grupo de petistas foi pego pela Polícia Federal em um hotel de São Paulo quando se preparava para comprar um dossiê para ser usado contra o então candidato ao governo do Estado, José Serra.
A última, ainda em execução, a bem-sucedida - não obstante feita ao arrepio da lei - estratégia do presidente Lula de usar a máquina pública durante dois anos para construir uma representação eleitoral que pudesse ocupar o seu lugar no interregno entre mandatos.

Portanto, quando se fala em "fato" convém ouvir com reservas, pois talvez esteja em andamento um truque.
Conjeturava a respeito quando Leandro Colon e Rui Nogueira soltam ontem à tarde a nova no estadão.com.br: investigação da Receita Federal revela que além de Eduardo Jorge Caldas, mais três pessoas ligadas ao PSDB tiveram seus sigilos fiscais violados. No mesmo dia, hora, computador e mediante o uso da mesma senha.
Eduardo Jorge é vice-presidente do PSDB. Os outros são Luiz Carlos Mendonça de Barros, ministro das Comunicações que sucedeu a Sérgio Motta no governo Fernando Henrique; Gregório Preciado, empresário casado com uma prima de José Serra; Ricardo Sérgio de Oliveira, diretor do Banco do Brasil no governo FH.
Já se localizaram as funcionárias donas da senha e do computador que acionaram as informações das declarações de renda dos quatro tucanos. Ambas negam envolvimento. Faz parte.
Parte dessas informações, aquela relativa a Eduardo Jorge, foi parar nas mãos do grupo de "inteligência" do PT e de lá na redação do jornal Folha de S. Paulo, que divulgou a história.

O dossiê propriamente dito até agora ninguém sabe ninguém viu. E é a isso que o PT se apega para negar participação.

O partido pediu formalmente a abertura de investigações, mas depois disso não fez outra coisa a não ser desqualificar não só a acusação, mas o acontecimento em si.

O governo tampouco se mostra indignado com o fato de cidadãos sob sua proteção terem seus sigilos violados. Silencia e tergiversa, como fez o secretário-geral da Receita quando foi ao Congresso falar sobre o assunto.

Escondeu informações que em seguida seriam descobertas pela imprensa e marcou a divulgação da conclusão do caso para depois das eleições.

Pode ser que as coisas se apressem agora que a Justiça deu a Eduardo Jorge acesso às investigações da Receita e que ficou claro o seguinte: quebras de sigilo não são fatos isolados.

Sede ao pote. Nesta altura em que Dilma Rousseff fala como "presidenta" eleita, já é possível perceber o que a candidata pensa sobre os melhores critérios para escolha de ministros.

"Não acho que tem (sic) uma área exclusiva para técnico e outra para político. Acho que o político deve combinar competência técnica e capacidade, e que o técnico deve ter jogo de cintura. Não pode ser o técnico frio nem o político sem capacidade, competência e qualificação", diz.

Noves fora, Dilma Rousseff não pensa coisa alguma a respeito. Caso pense não diz nada que possa indicar conhecimento de causa nem vontade de melhorar o modelo de distribuição de cargos mediante crédito partidário e não por mérito pessoal/profissional.

Se não sabe como administrar o Congresso, ou o governante é guiado por alguém que saiba ou é triturado por ele.

O verbo. Lula diz que poderia ter mandado "emendinha" ao Congresso para ter novo mandato. Não é verdade. Gostaria, mas desistiu porque não conseguiria fazê-la passar pelo Senado nem pelo Supremo.



MÔNICA BERGAMO

Se chorei ou se sofri 
Mônica Bergamo 

Folha de S.Paulo - 26/08/2010

O cantor Roberto Carlos deve ser a atração principal das comemorações do centenário do Corinthians. O show, para mais de 2.000 convidados, está sendo agendado para o dia 27 de setembro, no Anhembi. O presidente Lula, torcedor fanático do Timão, deve estar na festa. Confirmado o show, será o primeiro encontro do Rei com o presidente.

DESEJO
E o acordo que o Corinthians negocia com a Odebrecht para a construção de sua arena inclui o "naming rights" do clube. Ou seja, a empreiteira -que tem sido "estimulada" por Lula a topar a parada -terá o direito de dar nome ao estádio, podendo revendê-lo a outros patrocinadores. O lucro seria dividido com o Timão. O estádio, de 48 mil lugares, custará cerca de R$ 300 milhões.

NA PARADA
Se o acordo der certo, o Corinthians começa a sonhar em abrigar partidas da Copa 2014 em seu novo estádio.

AVISA A MÃE
Netinho aposentou o bordão "vote na loira e vote no negão" para pedir votos para ele mesmo e para Marta Suplicy ao Senado -porque "ouvi dizer que ela não gostou". Mas alguém precisa avisar Dilma Rousseff (PT). Dias atrás, em SP, ela se referiu aos dois como "meu negão" e "minha loira".

ASA BRANCA
José Serra (PSDB) vai lançar um santinho de campanha inspirado no filme "Central do Brasil", de Walter Salles. Distribuirá cartões postais em rodoviárias e estações de trem de SP, para que os eleitores de origem nordestina enviem aos parentes que vivem na região. O texto dirá que ele "fez muito por nós em São Paulo", onde os migrantes vieram "tentar melhorar de vida".

NÃO É PRA TODOS
A produção de "5x Favela, Agora por Nós Mesmos", que estreia na sexta, entrou com pedido no Ministério da Justiça solicitando classificação indicativa livre ao menos para o trailer do longa. O órgão indicou a censura de 14 anos, já que o filme contém "linguagem chula, tráfico de drogas e assassinato".

CLÁSSICOS NO MURO
O Masp (Museu de Arte de São Paulo) exibirá reproduções de 40 telas de seu acervo em muros da região da avenida Paulista. Entre as pinturas estão trabalhos de Goya e Toulouse-Lautrec. As reações das pessoas diante das obras serão registradas por um fotógrafo. A intervenção começa no dia 20.

TEATRO EM PÁGINAS
O livro infantil "Até as Princesas Soltam Pum", de Ilan Brenman, vai virar peça de teatro em 2011. O projeto está em fase de captação e será adaptado e dirigido por Angelo Brandini. A obra, da editora Brinque-Book, já vendeu 30 mil exemplares, número considerado alto para o mercado infantojuvenil.

POSSE
O médico Raul Cutait assume hoje a cadeira número 30 na Academia Paulista de Letras. A cerimônia de posse ocorre às 19h no salão nobre da entidade, no largo do Arouche. O novo acadêmico será saudado pelo escritor Gabriel Chalita.

MEU LIMOEIRO
Erykah Badu, que faz show no domingo em SP, pediu limões frescos no camarim. Como não come carne nem ovos, quer hambúrguer vegetariano e tofu. E vetou morango, laranja e abacaxi.

CLARK KENT
O responsável pelo perfil falso de Nair Bello, que conta com quase 60 mil seguidores no Twitter, vai revelar a sua identidade amanhã. O gerente de marketing Gustavo Braun, 26 anos, carioca que mora em SP, vai ser apresentado em uma boate de Brasília, onde será jurado de um concurso de calouros.

Ele também vai participar do "Teleton", programa do SBT em prol da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente).
CANÇÃO PREMIADA

O HSBC Arena, no Rio de Janeiro, sediou a entrega da 17ª edição do Prêmio Multishow de Música Brasileira. A cerimônia foi apresentada por Fernanda Torres e Bruno Mazzeo e contou com shows de Claudia Leitte, Victor & Leo, Caetano Veloso, Maria Gadú, Nando Reis e Skank. Ana Carolina recebeu o troféu de melhor cantora.

AQUELE ABRAÇO

O governador do Rio, Sérgio Cabral, se reuniu anteontem com empresários e com Ricardo Teixeira, presidente da CBF, para discutir obras da Copa de 2014. Eike Batista, da EBX, um dos principais doadores de recursos, levou o filho Thor à reunião.

CURTO-CIRCUITO

O músico George Israel se apresenta hoje, às 21h, no evento "Parcerias com Cazuza", no Club A, em prol da ONG Viva Cazuza. 18 anos.

Luiza Brunet participa hoje de desfile da Bebesh em prol do Lar das Crianças da Congregação Israelita Paulista.

Luiza Setubal inaugura hoje, às 19h, nova loja da Lool no shopping Iguatemi.

Erika dos Mares Guia lança hoje coleção da M&Guia.

O livro "Histórias de Adoção: as Mães", de Ana Amélia Macedo e Solange Diuana, tem lançamento hoje, às 18h30, na Livraria da Vila da Fradique Coutinho.

A doçaria Folie inaugura hoje espaço em Pinheiros.

O chef Caio Henri estreia novo cardápio de jantar, hoje, no Las Favas Contadas.

SERRA PRESIDENTE

JOSÉ (MACACO) SIMÃO

Uau! Quero debate de sogras! 
José Simão
FOLHA DE SÃO PAULO - 26/08/10

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O Esculhambador-Geral da República!
Ereções 2010! Twitter do dia: avisa a Folha/UOL que queremos debate com as SOGRAS dos candidatos. Esse, sim, ia pegar fogo, um debate boca!
E eu quero ver a sogra do Plinio Arruda. Rarará! E será que a sogra do Eymael tem jingle? E o Levy Fidelix tem aerossogra?
E a pergunta: "Dona sogra da Dilma, a senhora tem medo de que a Dilma pegue seu lugar?". Sogra da Dilma é pleonasmo! A Dilma é a sogra do Brasil!
E a sogra do Serra revela: ele solta pum na mesa! Rarará! Aliás, a sogra do Serra é a mãe da Noiva-Cadáver.
E a sogra da Marina revela: ela fazia fogueira na Amazônia quando criança! Rarará! A Marina tá parecendo uma tartaruga sem casco!
E atenção! A Galera Medonha! A Turma da Tarja Preta! Hilário Eleitoral. Ops, OTÁRIO ELEITORAL! Tem até o KLB? O K e o L são candidatos, e cadê o B? Mudou de planeta com vergonha alheia.
E ainda bem que o otário eleitoral tem legenda, pra gente entender os projetos do Maguila!
E a doutora Havanir! O Fliperama desgovernado. Quando ela apareceu com os olhos esbugalhados e gritando "Meu Nome é Havanir", eu corri e me tranquei na cozinha!
Ela não é candidata, é um soco do Rocky Balboa! E ainda tem gente que vai no Playcenter e paga pra levar susto!
E mais uma candidata bombástica pro meu Partido da Genitália Nacional, o PGN: Shanna Dias. De BH! Profissão: cabeleireira. A Shanna é cabeleireira. Vai fazer bigodinho de Hitler? Como a Cléo Pires? Rarará!
E o Serra, para obter apoio para a campanha, não para. O Sensacionalista flagrou o Serra pedindo dinheiro num farol no Rio. Rarará!
E o Garotinho? Condenado por formação de quadrilha. Errado. Ele devia ser condenado por formação de família. E vai pra Febem! Penas alternativas pro Garotinho: levar surra de cinto, uma semana sem videogame e chupar bala perdida! E o apelido do Garotinho é jacaré: fora do Rio não é nada!
E diz que o Maluf, quando pequeno, fugiu com o circo. E nunca mais devolveu! E sabe como se chama o assessor do Tiririca? MAIONESE!
A situação tá ficando psicodélica. Parece que o Brasil tomou um ácido no café da manhã! Ainda bem que nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

GOVERNO LULA

UMA GRANDE "OBRA" DO LULA

MERVAL PEREIRA

A máquina
Merval Pereira
O GLOBO - 26/08/10 

Agora ficamos sabendo, graças ao jornalismo da grande imprensa que o governo Lula tenta constranger justamente para que fatos como este não sejam divulgados, que o vice-presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, não foi o único tucano a ter o sigilo fiscal quebrado dentro da Receita Federal. Outros três personagens, ligados de alguma maneira a José Serra, candidato tucano à Presidência da República, também tiveram seus dados acessados irregularmente no dia 8 outubro, em 16 minutos de atividades através de um mesmo computador e com a utilização da mesma senha

O processo aberto na Receita Federal, que ainda não foi divulgado oficialmente, demonstra que, sem motivação profissional, as declarações de Imposto de Renda do exministro das Comunicações do governo de Fernando Henrique Cardoso Luiz Carlos Mendonça de Barros, do exdiretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio e de Gregório Marin Preciado, casado com uma prima de Serra, também foram acessadas.

A quebra de sigilo de “adversários” políticos é apenas uma faceta do aparelhamento do Estado posto em prática pelo governo.

Uma análise aprofundada dessa máquina está no livro “A elite dirigente do governo Lula”, da cientista política Maria Celina D’Araujo, atualmente professora na PUC do Rio de Janeiro.

O próximo presidente da República vai herdar uma máquina pública “experiente e bem formada”, com fortes vínculos políticos com o PT e a CUT, relação aprofundada no governo Lula.

Segundo o estudo, uma máquina formada por pessoas altamente escolarizadas, com experiência profissional, a maioria proveniente do serviço público, com fortes vínculos com movimentos sociais, partidos políticos, especialmente o PT, sindicatos e centrais sindicais, principalmente a CUT.

Na análise de Maria Celina, os integrantes das carreiras públicas estão majoritariamente filiados a sindicatos e têm preferencialmente adotado o PT, “de forma que mesmo que o governo seja de outro partido, a máquina pública irá refletir essa tendência”.

Esse “sindicalismo de classe média”, onde predominam professores e bancários, tem sua base no funcionalismo público, fundamental para reativar o sindicalismo brasileiro a partir da redemocratização nos anos 1980, e está na origem do Partido dos Trabalhadores.

Dados oficiais indicam que em julho de 2009 havia 47.500 cargos e funções de confiança na administração direta, autárquica ou em fundações, que podiam ser preenchidos discricionariamente pelo Poder Executivo federal.

É essa máquina, dominada pelos sindicalistas, que atua nas sombras para produzir dossiês ou comprá-los com dinheiro escuso de que até agora não se sabe a origem, como no caso dos “aloprados”, de 2006, que pagaram com montanhas de dinheiro vivo um dossiê contra o então candidato ao governo de São Paulo, o mesmo José Serra que hoje concorre à Presidência da República.

Dossiês e insinuações contra Mendonça de Barros, Ricardo Sérgio ou Gregório Marin Preciado surgem desde a campanha eleitoral de 2002, especialmente por conta das privatizações.

Mas Mendonça de Barros, o ex-presidente da Anatel Renato Guerreiro e dois ex-presidentes do BNDES, André Lara Resende e José Pio Borges, foram absolvidos, depois de dez anos de insinuações e acusações, que agora a Justiça diz serem infundadas.

O dossiê contra Eduardo Jorge foi descoberto pela “Folha de S. Paulo” e, no decorrer das investigações sobre o caso, descobre-se agora que mais pessoas foram “investigadas”.

O comitê de campanha de Dilma Rousseff, onde circulava o dossiê sobre Eduardo Jorge, é o mesmo que se viu envolvido em espionagens e contratações de arapongas para grampear telefones de adversários da campanha de Serra, inclusive o próprio, segundo declaração de um policial que foi sondado para a tarefa.

O jornalista acusado de responsável pela tentativa de criar um núcleo de espionagem na campanha, Luiz Lanzetta, foi afastado do comitê, mas continua trabalhando na campanha de maneira indireta, em outra empresa.

Ao mesmo tempo, a campanha de Dilma contratou um jornalista “investigativo”, Amaury Ribeiro Jr., que supostamente escreveu um livro com denúncias sobre o processo de privatização no governo Fernando Henrique. Depois do escândalo, ele também foi afastado do comitê.

Como não é a primeira vez que um órgão federal quebra o sigilo de “adversários” do governo — não se deve esquecer nunca o caso do caseiro Francenildo Pereira, que teve seu sigilo na Caixa Econômica Federal quebrado na tentativa de proteção do então ministro da Fazendam Antônio Palocci, hoje um dos coordenadores da campanha de Dilma —, seria preciso que a cidadania se escandalizasse com essa prática antidemocrática, que fere os direitos individuais.

São as “janelas quebradas” do sigilo de que falou o juiz Antônio Cláudio Macedo da Silva, que mandou abrir para Eduardo Jorge a investigação da Receita.

Mas nada mais espanta, nem causa constrangimentos aos donos do poder, que já se sentem nomeados para pelo menos mais quatro anos de governo, quem sabe mais oito, ou talvez mais 12 caso Lula reivindique para si a candidatura em 2014, assumindo o lugar que sua “laranja eleitoral” esquentou para seu retorno glorioso.

A vontade de permanecer, mesmo por interposta pessoa, é tamanha que o próprio Lula já se acha em condições de fazer piadinhas com o continuísmo sonhado.

“Podia ter uma emendazinha para mais alguns anos de mandato”, brincou ontem ao assinar a reorganização do Ministério da Defesa.

De brincadeira em brincadeira, mas levando muito a sério a missão de eleger sua escolhida, Lula demonstra um apetite pelo poder que tem reflexo na máquina partidária que está montada e em ação, trabalhando dentro do governo para garantir a permanência do grupo.

SERRA PRESIDENTE

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

A arma do papel-jornal
EDITORIAL
O Estado de S.Paulo 26/08/10

Do vasto arsenal de formas de arrocho da mídia ao alcance dos governos autocráticos e populistas na América Latina, a Argentina de Cristina Kirchner parece ter escolhido a variante de um antigo estratagema adotado nos seus tempos áureos pela "ditadura perfeita", como o ensaísta mexicano Octavio Paz certa vez definiu o sistema político em seu país, com fachada democrática, resultados eleitorais forjados, corrupção endêmica e controle total do Estado pelo Partido Revolucionário Institucional, o notório PRI.

Para consolidar o seu poder, exercido de 1929 a 2000, o PRI teve o estalo de acabar com a liberdade de imprensa mediante um recurso mais sutil e menos truculento na aparência do que o empastelamento das redações e a prisão ou assassínio de jornalistas - algo entre a força bruta e a criação de conselhos tutelares da atividade informativa, como há quem queira adotar no Brasil. O governo decretou o monopólio da importação de papel-jornal, criando a famosa PIPSA - Produtora y Importadora de Papeles S.A. - e estabeleceu cotas do insumo para cada jornal, conforme o grau de sua docilidade aos ditadores-eleitos de turno.

Esse é o caminho por onde a presidente argentina acaba de enveredar, ao anunciar na terça-feira o projeto de lei que considerará de "interesse nacional" a produção e o comércio de papel-jornal, com a instituição de um marco regulatório para as suas operações. Na realidade, a medida - concebida para o governo se apropriar do setor - tem um único alvo. Trata-se da empresa Papel Prensa, que fabrica 75% do insumo usado no país e abastece 170 diários. O controle acionário da companhia é compartilhado por dois jornais, Clarín (49%) e La Nación (22,49%), e pelo Estado argentino (27,46%). O restante pertence a pequenos investidores.

Dos dois jornais - originalmente havia um terceiro, La Razón, que quebrou -, ambos independentes e críticos do kirchnerismo, a fúria da Casa Rosada de há muito se abateu em primeiro lugar sobre o Clarín. A contar de setembro do ano passado, a intimidação contra o grupo que edita o periódico incluiu a razzia em sua sede e nas residências de seus diretores por 200 agentes da Receita Federal; a interrupção da distribuição do diário por um boicote de caminhoneiros orquestrado pelo sindicato de extração peronista e, como tal, alinhado com o governo; e o cancelamento da licença outorgada à empresa para vender serviços de internet.

A ofensiva liberticida não se limitou à proposta que se destina, numa etapa subsequente, à estatização da Papel Prensa. Há mais de um ano, aliás, que os dois jornais vêm denunciando o intento da presidente. Outra ponta da tenaz por ela empunhada foi o anúncio de que pedirá à Justiça uma investigação sobre a compra da empresa, nos anos 1970, sob a ditadura militar argentina, portanto. O objetivo alegado é caracterizar os "crimes contra a humanidade" que os seus acionistas privados teriam cometido ao supostamente contar com a ajuda do regime para adquirir a Papel Prensa da família Graiver, que a controlava, por uma fração de seu valor de mercado.

A própria Cristina Kirchner apresentou, numa audiência televisada, o que seria o fundamento da acusação: um relatório de 400 páginas, cuja fidedignidade pode ser julgada pela afirmação de que o clã - que passou a ser chefiado pela matriarca Lidia Papaleo, depois de enviuvar do poderoso banqueiro David Graiver - foi praticamente obrigado pelos militares, até com a tortura de alguns de seus integrantes, a se desfazer da empresa. A alegação peca por anacronismo. O negócio se consumou em novembro de 1976. A tortura dos membros da família, acusada de gerir as finanças da organização de luta armada Montoneros, ocorreu 6 meses depois.

O historiador argentino Marcelo Larraquy chama a atenção para um detalhe do caso: desde a redemocratização do país, há 27 anos, é a primeira vez que se levantam dúvidas sobre a legitimidade da transação. Segundo o Clarín e o La Nación, Lidia Papaleo foi cooptada pelo governo para "inventar uma história" a fim de anular a compra da papelera. Desse modo, o controle efetivo do suprimento de papel de imprensa na Argentina ficaria com o casal Cristina e Nestor Kirchner. Ele pretende voltar à Casa Rosada em 2011.

GOSTOSA

EDITORIAL - O GLOBO

Banaliza-se a invasão de privacidade
EDITORIAL
O GLOBO - 26/08/10
Relatada do início até o veredicto lavrado terça-feira pelo juiz federal Antonio Claudio Macedo da Silva, a história do vazamento de dados fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, é perfeita para enfatizar a necessidade de antídotos contra a crescente onda de invasão de arquivos confidenciais dos cidadãos deixados à guarda do Estado, e exemplar dos riscos que qualquer um corre hoje em dia.

Informações da declaração de Imposto de Renda de Eduardo Jorge foram retiradas dos computadores da Receita Federal e, segundo a “Folha de S.Paulo”, circularam num bunker eleitoral da candidata Dilma Rousseff, onde iriam alimentar um dossiê de aloprados contra tucanos — mais um. Os desmentidos e a veemência foram os de praxe, mas, pressionada, a Receita abriu sindicância e revelou que uma funcionária de São Paulo, Aparecida Rodrigues dos Santos Silva, foi quem teve acesso não justificado às informações do tucano.

O caso continua nebuloso, pois Aparecida teria emprestado a senha a colegas de trabalho — seria uma laranja na operação de invasão do arquivo.

Porém, agora, a Justiça, em decisão louvável, determinou que a Receita passe a Eduardo Jorge todas as informações levantadas na morosa investigação.

Com precisão, o juiz comparou o aparato burocrático que não para de alimentar arquivos sobre a vida de cada brasileiro, sem proteger as informações como deveria, com o “big brother” de George Orwell, o estado onisciente e onipresente do livro “1984”, e o estado absolutista do “Leviatã”, de Thomas Hobbes.

Apontou o juiz para a “relação promíscua entre setores da administração pública e setores da imprensa”. Cabe, aqui, um reparo: o x da questão não está em possíveis relações espúrias entre servidores e a imprensa, pelo menos no caso dos grupos que praticam o jornalismo profissional e independente. Estes se pautam por códigos de ética, protegem a privacidade alheia, a não ser em casos de interesse público. O problema se encontra, sim, nas vinculações de partidos e organismos sindicais dentro da máquina burocrática.

Os tentáculos que procuraram atingir o tucano existem porque, no governo Lula, há uma tentativa grave de partidarização de áreas do Estado, com grupos de militantes políticos, alguns com ramificações sindicais, no manejo de instrumentos públicos, usando-os com fins privados. É um estágio avançado de metástase da conhecida doença brasileira do patrimonialismo, em que se “privatiza” o Estado com finalidades políticoeleitorais, pecuniárias ou ambas.

O assunto é mais amplo. Em reportagens publicadas terça-feira e ontem, O GLOBO comprovou como é possível, nas ruas do Centro velho de São Paulo, adquirir arquivos em forma digital com dados do INSS, Receita, Denatran e até de bancos privados, como o Itaú Unibanco, referentes a milhões de pessoas. Os arquivos podem ser usados tanto por call centers e em empresas de mailings, como por sequestradores, chantagistas, assaltantes.

O Estado, portanto, virou um queijo suíço dentro do qual agem quadrilhas de toda a espécie, de militantes a ladrões comuns, praticando inomináveis crimes contra o direito à privacidade. Esta decisão do juiz deveria balizar, daqui para a frente, a posição da Justiça ao lado do cidadão, para protegêlo do “big brother” e do “Leviatã”.

Existem quadrilhas assaltando arquivos confidenciais

EDITORIAL - FOLHA DE SÃO PAULO

Delinquência estatal
EDITORIAL 
FOLHA DE SÃO PAULO - 26/08/10


Notícia de que sigilo fiscal de mais três tucanos foi violado expõe de maneira didática o aparelhamento do Estado em prol de interesses partidários

Sabe-se, desde ontem, que Eduardo Jorge Caldas Pereira, vice-presidente do PSDB, não foi a única vítima da ação criminosa de funcionários da Receita Federal. Além dele, tiveram os seus sigilos fiscais violados três outros nomes ligados ao PSDB: Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso; Ricardo Sérgio, ex-diretor da Previ; e Gregorio Marin Preciado, parente do candidato tucano à Presidência, José Serra.
O caso, que já era grave, assume agora contornos escandalosos. Conforme a Folha noticiou em junho, os dados fiscais do dirigente do PSDB constavam de dossiê confeccionado pelo "grupo de inteligência" da campanha presidencial de Dilma Rousseff.
Caracteriza-se, agora de maneira cristalina, uma operação ilegal urdida no interior do organismo estatal com a intenção inequívoca de atingir José Serra, de quem todas as figuras envolvidas são ou foram próximas.
Consta que as informações do Imposto de Renda dos tucanos foram acessadas, sem nenhuma motivação profissional, nos terminais de agentes do fisco de Mauá (SP), local onde foram feitas as cópias das declarações de EJ.
Estamos diante de um caso exemplar de "aparelhamento do Estado", expressão que, de tão rotinizada, perdera o impacto que o novo escândalo lhe restitui. Mais do que a simples ocupação fisiológica da máquina, o que se tem neste didático episódio de aparelhamento são servidores públicos delinquindo no exercício de suas funções em benefício do partido.
Não se trata de ocorrência isolada. Não estamos diante de um deslize, mas de um método.
Recorde-se o grupo de petistas flagrados em 2006, num hotel em São Paulo, com uma montanha de dinheiro de origem equívoca ao que tudo indica destinado a comprar dossiê contra o mesmo Serra, então candidato ao governo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva os batizou à época como "aloprados". Sob a aparência de reprimenda, é uma maneira de tratá-los como inimputáveis. O apelido já traduz algo da temerária leviandade com que o chefe do Executivo tem relevado atos de delinquência praticados por servidores e militantes, cada vez menos discerníveis uns dos outros.
O escândalo agora em tela guarda óbvia semelhança com a violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, o episódio talvez mais simbólico do atropelo das garantias individuais por agentes graduados de um Estado posto a serviço de seus membros.
A sucessão desses acontecimentos se beneficia do ambiente de impunidade que este governo desde o início cultivou para os seus apaniguados -e que só fez aumentar, à sombra da popularidade asiática do presidente.
A aclamação de Lula e da candidata que inventou para lhe suceder não pode tornar cidadãos (ontem o caseiro, hoje os adversários, amanhã quem?) reféns da sanha de um Estado desvirtuado por interesses particulares. Se dependesse de alguns setores que compõem o atual grupo dominante, não há dúvida de que o país caminharia na direção de um regime de vigilância policial.

CONTROLE

PAINEL DA FOLHA

"O alvo era Serra"
RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 26/08/10 

Primeira vítima do vazamento de dados fiscais sigilosos, Eduardo Jorge diz que o relatório da Corregedoria da Receita mostrando acesso imotivado às declarações de renda de Ricardo Sérgio, Gregório Preciado e Luiz Carlos Mendonça de Barros evidencia "ação orquestrada". "O objetivo era atingir a candidatura do Serra e não simplesmente pessoas ligadas ao PSDB. Se a ministra Dilma pedia provas, elas estão aí." 
Até a noite de ontem, a posição da campanha era a de não levar o caso aos dois programas de televisão que serão exibidos hoje no horário eleitoral. Quanto aos programas seguintes, a decisão está em aberto. 


Seletivo Não foi à toa que o programa de TV de Serra pegou mais pesado com José Dirceu, o "do mensalão", do que com Antonio Palocci, citado sem menção a nenhum escândalo. O candidato não se sente à vontade em expor o ex-ministro da Fazenda, com quem tem bom relacionamento. 

Arrastão SP, Rio Grande do Sul, Paraná, eleitores com renda superior a dez salários mínimos: as últimas cidadelas de vantagem de José Serra caíram no novo Datafolha. 

Escorregou Assim como Serra, Marina Silva (PV) também registrou queda na faixa de maior renda: tinha 20%; agora, são 16%. 

Divã Em reunião com 350 dirigentes, o PSDB-SP evocou a virada de Mário Covas na eleição de 98 para inflamar a militância pró-Serra e distribuiu kits com DVDs e adesivos. O evento teve até "terapia de grupo", quando um prefeito denunciou colegas que "escondem" a campanha em suas cidades. 

Gargarejo A tarefa não é fácil, mas a coordenação da campanha petista está fazendo o que pode para poupar a voz de Dilma Rousseff. Com vários discursos no mesmo dia, as crises de rouquidão têm sido frequentes. 

Tenho dito Resposta de Lula a quem lhe perguntou sobre a pressão do PMDB de Geddel Vieira Lima para que o presidente não fosse a comício com Jaques Wagner (PT) na Bahia: "Quando o Geddel decidiu ser candidato, ele não perguntou o que eu achava. E palpite sobre onde vou só a Marisa dá". 

Lexotan Para aplacar a insatisfação do peemedebista, a coordenação da campanha prepara evento de Dilma com Geddel para breve. 

Cofre 1 Aloizio Mercadante (PT-SP) foi o candidato que declarou maior volume de despesas em dinheiro na prestação de contas individual relativa ao primeiro mês da campanha. Foram R$ 13 milhões, de um total de R$ 149 milhões de gastos. 

Cofre 2 Osmar Dias (PDT-PR), com R$ 4,9 milhões, e Sérgio Cabral (PMDB-RJ), com R$ 4 milhões, aparecem respectivamente em segundo e terceiro lugares na lista. Candidata à Presidência, Dilma Rousseff está em sétimo lugar no ranking. José Serra e Marina Silva (PV) optaram por apresentar despesas em dinheiro somente nas contas de comitês criados para a campanha deles. 

Ampulheta Recordista de votos entre os tucanos em 2006, o deputado federal Emanuel Fernandes teve registro de candidatura à reeleição indeferido pelo TRE-SP por atraso no envio de certidão judicial. Seus advogados correm contra o tempo para reverter a decisão. 

Visita à Folha Fábio Bibancos, dentista e presidente do Instituto Bibancos de Odontologia e da Turma do Bem, visitou ontem a Folha. 
com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELLI 

tiroteio 

Isso só comprova o uso da Receita Federal para fazer luta política. A Dilma não pode fingir que não é importante. 
DO SENADOR SÉRGIO GUERRA (PE), presidente do PSDB, sobre a revelação de que, além de Eduardo Jorge, três pessoas de algum modo relacionadas ao candidato José Serra tiveram seus dados fiscais vasculhados. 

contraponto 

Horário gratuito 

No heliponto da Lagoa Rodrigo de Freitas, Ana Maria Braga fazia entrevistas para o "Mais Você". 
-Bom dia. O senhor é o comandante? 
Um assessor explicou à apresentadora: 
-Este é o nosso vice-governador, Ana. 
Surpresa, ela trocou algumas palavras com Luiz Fernando Pezão (PMDB), para em seguida se dirigir ao acompanhante do vice: 
-Você também vai pegar o helicóptero? 
-Sim, Ana. Sou Lindberg Farias (PT), muito prazer. Sou candidato ao Senado e estou indo pro interior! 

EUGÊNIO BUCCI

Uma doutrina por trás da censura
Eugênio Bucci 
O Estado de S.Paulo - 26/08/10 

Na semana passada, um tribunal venezuelano proibiu os jornais do país de publicarem fotografias de vítimas de assassinatos. O fato foi noticiado no Brasil com bastante destaque, mas os fundamentos que estão por trás da medida não foram bem explicados. O assunto merece menos alarmismo e um pouco mais de atenção.

O episódio é sintoma da precoce degeneração de uma doutrina que subordinou a comunicação social aos ditames da segurança da pátria e que, levada ao extremo, vem conferindo ao Estado a função de zelar pela qualidade do jornalismo. A censura às fotos, em si, é patética e caricata, mas a doutrina que a inspira ainda preocupa.

Por certo, já se tornou ocioso protestar contra o autoritarismo de Hugo Chávez, que sucumbe aos seus defeitos ao ritmo que se distancia de suas promessas; em nome de aspirações coletivas, muitas delas legítimas, o governante montou para si mesmo um regime avesso às críticas e à renovação, adepto de militarismos e do culto à personalidade, que vai gerando infelicidade, medo e fracassos. Não há muito que fazer em relação a isso, a não ser lamentar. Mas a origem e os desdobramentos daquela doutrina autoritária, que ainda ilude entusiastas em todo o continente, isso é preciso entender com mais profundidade. É preciso aprender com a experiência, enfim.

A pedra angular dessa doutrina pode ser lida na Constituição da República Bolivariana da Venezuela, de 1999. O artigo 58, sob o disfarce de condenar expressamente a censura, veio para consagrar as razões mesmas da censura. Uma contradição involuntária do legislador apressado? Não: o artigo 58 é isso mesmo, um truque para autorizar a intervenção do Estado na imprensa.

Diz o texto: "(...) Toda persona tiene derecho a la información oportuna, veraz e imparcial, sin censura, de acuerdo con los principios de esta Constitución, así como a la réplica y rectificación cuando se vea afectada directamente por informaciones inexactas o agraviantes. (...)"

À primeira leitura, tudo bem. Além de repelir a censura, esse artigo enaltece o direito de todos à informação "oportuna, veraz e imparcial". Nada nessa ideia parece impróprio, nada parece errado.

Nada a não ser aquilo que o artigo não diz que diz. Com seu palavreado épico, valente, próprio de uma Constituição que se propõe a "refundar" uma República "protagônica", o texto contém uma armadilha essencial. Ao afirmar o direito de todos à informação "oportuna, veraz e imparcial", lança suspeitas sobre o direito que todas as pessoas também têm às informações que, na opinião das autoridades, talvez sejam de veracidade duvidosa, inoportunas e nem tão imparciais assim. Com sua malícia retórica, a Constituição venezuelana põe no ar uma dúvida: quem é que vai dizer se a informação é "oportuna, veraz e imparcial"? O juiz? O Poder Executivo? A polícia?

A tradição democrática ensina que isso não é papel do Estado. A célebre Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que impediu os congressistas de legislarem contra a liberdade de imprensa, data de 1791. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da França, com sua defesa da livre comunicação das ideias como um dos direitos "mais preciosos" do homem, é de 1789. Naquela época, tanto na América como na Europa, praticamente inexistiam jornais equilibrados, desapaixonados, imparciais, oportunos, etc. Na América, havia publicações abertamente militantes, partidárias, que não hesitavam em recorrer à calúnia sanguinária. Em Paris, os filósofos e seus devezenquandários não redigiam noticiários isentos; empenhavam-se no proselitismo e na apologia do novo regime, que celebrava o individualismo, a propriedade privada e a guilhotina.

A História ensina que, nos Estados Unidos e na França, a conquista da liberdade de imprensa não veio para premiar jornalistas bem comportados, mas para garantir ao cidadão o direito de dizer o que bem entende, no tempo que quiser. A liberdade não foi o coroamento da ética jornalística, mas o seu pré-requisito: a ética de imprensa só se pode desenvolver em liberdade. Com o tempo, o jornalismo melhorou, ao menos um pouco, e a democracia se aperfeiçoou, estabelecendo formas de punir os excessos e os abusos da liberdade. Mas, atenção, o julgamento e a punição dos erros ocorrem depois que os erros são publicados; o direito fundamental que todos temos de publicar aquilo que pensamos não pode ser violado, não pode sofrer cerceamentos por antecipação.

O artigo 58 da Constituição Bolivariana é contra essa conquista da humanidade - que veio com o liberalismo, é verdade, mas se firmou como direito de todas as pessoas, sejam elas de direita ou de esquerda, tanto faz. O artigo 58 esconde a conquista desse direito universal. As pessoas não têm direito apenas à informação "oportuna, veraz e imparcial", mas também a notícias que, na opinião das autoridades, talvez não atendam a esses requisitos. Elas têm o direito de ler publicações que juram ter entrevistado duendes e extraterrestres, ou panfletos declaradamente parciais, principistas e inoportunos. Não pode caber ao Estado - por nenhum dos seus três Poderes - dizer se a informação é ou não é "veraz" ou "imparcial". Cabe a cada cidadão julgar isso por si mesmo, isso sim.

Quando um veículo jornalístico, livre de ingerências governamentais, assume compromisso com a informação "oportuna, veraz e imparcial", isso até pode ser uma boa notícia (se não for puro fingimento). Agora, quando o Congresso Nacional aprova na sua Lei Maior a separação doutrinária entre a informação "oportuna, veraz e imparcial" e as outras informações, aí a notícia é tenebrosa. E dá no que vem dando.

A lei não melhora o jornalismo, mas pode piorá-lo, assim como pode embrutecer o Estado e infernizar a vida em sociedade. A Venezuela que o diga.


JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP

GOSTOSA

CELSO MING

Ruim com ruim 
Celso Ming 

O Estado de S.Paulo - 26/08/2010 

A caldeira da mais poderosa locomotiva do mundo continua falhando. E não há o que consiga reverter o baixo-astral que domina corações e mentes.
Em poucos dias, o mundo ficou sabendo que o desemprego nos Estados Unidos aumentou, que a venda de imóveis usados caiu mais de 27% em julho (em comparação com os números de junho) e que os negócios com imóveis novos, também em julho, caíram 12%, para 276 mil unidades, o pior resultado mensal desde que esse levantamento começou a ser feito, em 1963.
É um momento em que uma informação econômica negativa reforça outra. As vendas de imóveis estão despencando porque o desemprego continua alto (de 9,5% da força de trabalho) e tende a crescer. Nessas condições, o mutuário não consegue honrar as prestações nem encontra comprador para sua casa. A devolução do imóvel ao banco que concedeu o crédito, por sua vez, exige a execução da hipoteca, aumenta o despejo de imóveis no mercado e deprime o setor.
Nesse ponto, o foco do problema é o desemprego. Mas por que ele cresce se, mal ou bem, a economia está avançando? Ora, porque os empresários não contratam. E eles não contratam porque o desemprego aumenta e os negócios com imóveis diminuem.
Isso pode parecer tautológico, assim como dizer que o sujeito é bêbado porque bebe e bebe porque é bêbado. Mas não é. Os empresários não contratam porque olham para as estatísticas de desemprego e para a de queda das vendas dos imóveis e concluem: "Com essa quebra de salário, o consumo vai cair, isso vai derrubar as vendas, nem pense em contratar mais." Assim, o emprego continua deprimido e a economia, também.

Ontem, na Bloomberg, o economista-chefe do Goldman Sachs, Jim O"Neill, avisou que, se a sequência de números ruins continuar, o Fed (banco central americano) será empurrado para mais uma rodada de recompra de títulos do Tesouro, operação que está sendo chamada de afrouxamento monetário quantitativo.

Trata-se de algo heterodoxo para um grande banco central, que só mesmo uma situação de exceção justificaria. Fácil entender: se são títulos do Tesouro, foram emitidos para dar cobertura a despesas do governo. Quando os recompra com dólares que ele próprio imprime, o Fed abre espaço para a colocação de mais títulos que vêm para cobrir mais despesas.

Os juros já estão próximos do zero. O Fed não pode baixá-los mais. Dia 10, anunciou que não reduziria o total de empréstimos feitos durante a crise, equivalente a US$ 2,05 trilhões. À medida que, no vencimento, os recebesse dos devedores, remeteria os recursos de volta ao mercado por meio da recompra de títulos do Tesouro. Agora, reforça-se a percepção de que essa soma não seria suficiente para reerguer a situação econômica.

Em 2009, o afrouxamento quantitativo ajudou a tirar a economia da prostração. Agora, não há a mesma certeza de que novas injeções diretas reativariam o crédito, os negócios, o consumo e a produção sem provocar efeitos colaterais. Por isso, o Fed pode recolocar em marcha seu plano heterodoxo - na contramão da recomendação dos conservadores que sugerem a retomada da alta dos juros para perfurar novas bolhas já em formação.

A Petrobrás sangrando
As indefinições do governo e a demora em formatar o processo de capitalização da Petrobrás são as principais responsáveis pela desvalorização das ações da Petrobrás no mercado. O gráfico mostra como foi a queda ao longo deste ano. As ações preferenciais (PN) perderam 27,3% do seu valor em 2010, 5,7% apenas em agosto.

Controlador sem capital
A questão de fundo é a necessidade de aumentar fortemente o capital de uma empresa estatal sem que o Tesouro tenha recursos para isso.

LUIZ EDUARDO ROCHA PAIVA

Governos submissos, Nação conivente
Luiz Eduardo Rocha Paiva 
O Estado de S.Paulo -26/08/10

"...se não te apercebes para integrar a Amazônia na tua civilização, ela, mais cedo
ou mais tarde, se distanciará, naturalmente, como se desprega um mundo de uma nebulosa - pela expansão centrífuga de seu próprio movimento"

Euclides da Cunha 


Um princípio fundamental à boa condução do Estado é a coerência entre políticas, estratégias e ações efetivamente adotadas, mas não é assim no Brasil. Ao mesmo tempo que anunciam a Amazônia como prioridade nacional e bravateiam - "a Amazônia é nossa" -, os governos tomam decisões que comprometem a soberania e a integridade territorial na região, submetendo-se a pressões externas. Isso ficou claro quando o príncipe Charles, filho do presidente de honra da WWF, se envolveu pessoalmente na questão da Terra Indígena (TI) Raposa-Serra do Sol, realizando reuniões na Europa e visitas ao Brasil antes das sessões decisórias do Supremo Tribunal Federal sobre a demarcação daquela TI, chegando a ser recebido pelo presidente da República na véspera da última sessão do tribunal. O resultado dessa pressão explícita demonstra a submissão da liderança nacional, iniciada na demarcação da TI ianomâmi em 1991, imposta pelos EUA e aliados. O interesse inglês em Roraima vem da Questão do Pirara (1835-1904) e ressurge como ameaça.

A perda do Acre pela Bolívia, em 1903, é um alerta ao Brasil, pois as semelhanças entre o evento passado e o presente amazônico são evidentes, em particular no tocante às TIs. A Bolívia no Acre, por dificuldade, e o Brasil na Amazônia, por omissão, exemplificam vazios de poder pela fraca presença do Estado e de população nacional em regiões ricas e cobiçadas. O Acre, vazio de bolivianos, era povoado por seringalistas e seringueiros brasileiros, respectivamente líderes e liderados, sem nenhuma ligação afetiva com a Bolívia. No Brasil, ONGs internacionais lideram os indígenas e procuram conscientizá-los de serem povos e nações não-brasileiros, com o apoio da comunidade mundial. Assim, no século 19 uma crescente população brasileira estava segregada na Bolívia e hoje o mesmo ocorre com a crescente população indígena do Brasil nas TIs, ambas sob lideranças sem compromisso algum com os países hospedeiros, e sim com atores externos. Ao delegarem autoridade e responsabilidades a ONGs ligadas a atores alienígenas, nossos governos autolimitaram sua soberania, como fez a Bolívia ao arrendar o Acre ao Bolivian Syndicate, binacional anglo-americana com amplos poderes e autonomia para administrá-lo. Décadas de erros estratégicos enfraqueceram a soberania boliviana no Acre, direito não consumado, pois aqueles brasileiros se revoltaram e o separaram da Bolívia, que o vendeu ao Brasil. Não é que a História se repita, mas situações semelhantes em momentos distintos costumam ter desfechos parecidos, para o bem ou para o mal, se as decisões adotadas forem similares. Um cenário de perda, semelhante à sofrida pela Bolívia, desenha-se na calha norte do Rio Amazonas, na faixa de fronteira, com destaque para Roraima.

A História tem outros exemplos semelhantes. Na ex-província sérvia do Kosovo, cerca de 90% da população não era nacional, mas albanesa separatista. Em 1974 o Kosovo recebera autonomia, cuja cassação em 1999 revoltou sua população. Ante a violenta reação da Sérvia, e não tendo seu aval para entrar com forças de paz na região, a Otan moveu uma campanha aérea arrasadora, dobrando aquele país. O direito de soberania sérvia, reconhecido no mandato da ONU que autorizou a intervenção de uma força de paz, não impediu a independência do Kosovo em 2008.

Conclusão: num país onde uma região rica é um vazio de poder, sem população nacional, ocupada por população segregada, considerada estrangeira e sob liderança alienígena ligada a outros países, projeta-se um cenário de perda de soberania e integridade territorial, a despeito do direito internacional. Ao contrário de Bolívia, Brasil e Sérvia, a China povoou Xinjiang com etnia han, neutralizando o separatismo dos uigures. Sua liderança aprendeu com a História a resistir a pressões estrangeiras.

A Amazônia brasileira nos pertence por direito, mas só a ocupação e a integração efetivarão a sua posse. Em poucas décadas haverá grandes populações indígenas desnacionalizadas e segregadas, ocupando imensas terras e dispostas a requerer autonomia com base na Declaração de Direitos dos Povos Indígenas, aprovada na ONU com apoio do Brasil. Se não atendidas, solicitarão a intervenção das Nações Unidas com base na Responsabilidade de Proteger, resolução de 2005. Um sem-número de TIs, com mais autonomia que os Estados da Federação, comprometerão a governabilidade e a integridade territorial num país ainda em formação, pois a Amazônia não está totalmente integrada.

Hoje, é forte a pressão para transformar TIs em territórios autônomos administrados por índios, iniciativa que reúne atores externos e a quinta-coluna de órgãos governamentais e da sociedade, agindo em consonância com interesses alienígenas. Há indícios de omissão e acomodação de órgãos dos Poderes da União à constituição de polícias indígenas nas TIs. Ou seria apoio implícito? Essa polícia ilegal, paralelamente às ações ditas de segurança pública, já está achacando os índios nas aldeias, sendo possível que, em breve, façam aliança com grupos ilícitos transnacionais, o narcotráfico ou a narcoguerrilha das Farc. Poderão, ainda, compor a milícia indígena dos pretensos territórios autônomos supracitados, não como forças policiais, mas sim embrião de uma guerrilha separatista com reconhecimento internacional.

Povo e nação em território com organização política, social, jurídica e militar, haja vista a Declaração de Direitos dos Povos Indígenas, e com autonomia reconhecida nacional e internacionalmente é Estado-nação independente. Assim seja! Só merece um bem quem o ama e defende.

GENERAL DA RESERVA, MEMBRO DA ACADEMIA DE HISTÓRIA MILITAR TERRESTRE DO BRASIL, PROFESSOR EMÉRITO E EX-COMANDANTE DA ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO