sexta-feira, maio 13, 2016

O que sobrar - RUY CASTRO

Folha de S. Paulo - 13/05

Lula anunciou que montará um "governo paralelo" para fiscalizar a gestão de Michel Temer. É o que os ingleses chamam de "shadow cabinet" - um ministério informal, agindo à sombra do oficial, para ver se este está trabalhando a favor dos interesses da população. Já leu? Pois esqueça. Lula disse isto todas as vezes em que foi derrotado numa eleição. O "shadow cabinet" é um de seus factoides, destinado apenas a fazer espuma e adoçar seu minguante eleitorado interno.

Se Lula não fiscalizou seu governo, nem o de Dilma, como fiscalizará um governo alheio? Nos 13 anos de PT no poder, houve o aparelhamento e a tomada do Estado, o assalto à Petrobras, o festival de propinas, a farra das montadoras e das empreiteiras, a venda de medidas provisórias, a bacanal fiscal e o rombo nas contas públicas. Tudo isto levou o país para o buraco e, como a Carolina do Chico Buarque, só Lula não viu.

Lula não fiscalizou as manhas e artimanhas de seus amigos José Dirceu,Delúbio Soares, José Genoíno, João Vaccari, Silvinho Pereira, Delcídio do Amaral e demais cartolas do PT, dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura, dos empreiteiros Leo Pinheiro e Marcelo Odebrecht, do pecuaristaJosé Carlos Bumlai e de outros que ficam, literalmente, na geladeira.

Aliás, Lula não fiscalizou nem a si mesmo. Deslumbrou-se com os vinhos e jatinhos da elite golpista loura e de olhos azuis, promoveu reformas em sítios e tríplex que não lhe pertenciam e fez palestras milionárias de que não se conhece uma palavra.

E, agora, Lula já não conseguirá fiscalizar seus antigos aliados, que estão presos na Lava Jato e a fim de contar o que sabem para mitigar as sentenças de que não escaparão. Marcelo Odebrecht, por exemplo, quer falar para reduzir os 100 anos de cadeia a que está sujeito e, quem sabe, dividir com Lula o que sobrar.


A luta continua - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 13/05

O PT está fora do poder. E, acreditem, é para sempre. "E você vai fazer depois disso o quê?", perguntam-me os inconformados, como se a minha profissão fosse ser antipetista; como se eu me definisse pelo "não".

Ocorre, para a eventual decepção dos desafetos, que eu me defino pela "coragem grande de dizer 'sim'", citando trecho de uma música de Caetano Veloso –que se deve escrever apenas "Caetano". O que dizer nessa hora? Como Aquiles e Heitor, a despeito do confronto cruento, estou preparado para admirar meu adversário. Mas esse é eco de uma luta mais ancestral do que a "Ilíada", de um tempo em que cada litigante reconhecia no outro grandeza e legitimidade para ser o que é.

Que coisa curiosa! Se os petistas não tivessem reduzido todas as divergências à luta entre a boa-fé, de que se querem monopolistas, e a má-fé –a vontade do outro–, então viveríamos no que um poeta chamou certa feita de "a cidade exata, aberta e clara", em que as divergências não se fazem de virtudes que se negam.

A propósito: se o entendimento que os petistas têm do marxismo não fosse tão pedestre, a divergência seria uma etapa do aprimoramento do argumento. Mas não há chance, na terra petista, de o "Deus crucificado beijar uma vez mais o enforcado". Os petistas são incapazes de reconhecer que o arcabouço legal que lhes conferiu quatro mandatos é o mesmo que afastou a presidente.

Que pena! E eu vou fazer o quê? Ah, "hipócrita leitor, meu igual, meu semelhante!" Continuarei na minha militância em favor do individualismo radical. Certa feita, há muitos anos, enviei a um amigo que ainda está nesta Folha o soneto "Spleen", de Baudelaire, a título de um credo político: "Sou como o rei sombrio de um país chuvoso".

Não! Não sou melancólico, mas sei que todas as hipóteses de felicidade jamais estarão fora de nós. Quero um governo que não nos roube o direito à subjetividade mais extremada, ao individualismo mais radical, ao egoísmo mais virtuoso. A demagogia coletivista, de esquerda ou de direita, é nauseante.

Ah, esta é a semana em que o PT vai para o diabo. Eu poderia aqui lembrar um dia de 2010 em que um blogueiro petista muito reputado propôs uma pauta à imprensa: quem eram, onde moravam e como viviam os 5% que achavam o governo Lula ruim ou péssimo? Ele sugeriu no texto que eram leitores deste escriba. E seu post vazava aquele desejo incontrolável de aprisioná-los num campo de concentração moral.

A minha vocação para o vitimismo passivo-agressivo ou para exultação na modalidade falsa modéstia é bem pequena. No fim das contas, lastimo tanta bobagem dita nesses anos e tanta resposta igualmente energúmena. Há muita coisa a fazer neste país, meus caros! Há tanto atraso a vencer neste nosso renitente orgulho nacional da pobreza cheia de caráter!

Dilma se foi! Fico feliz porque ela me deixava mais cansado do que bravo. Seguirei tocando a minha vidinha. Reproduzo os primeiros versos de um poema da admirável Adélia Prado: "Eu fiz um livro, mas oh, meu Deus,/ não perdi a poesia./ Hoje depois da festa,/ quando me levantei para fazer café,/ uma densa neblina acinzentava os pastos,/ as casas, as pessoas com embrulho de pão./ O fio indesmanchável da vida tecia seu curso. (...)"

Eu me interesso, de verdade, é por esse fio. A política é só o tributo que pago ao vício.

Credibilidade e confiança são o começo - JOSEF BARAT

O ESTADÃO - 13/05

Com Dilma Rousseff, a longa passagem do petismo pelo poder foi coroada com um cortejo macabro de recessão prolongada, descontrole das contas públicas e combinação explosiva de inflação e desemprego. Ademais, emergiram na política do País ressentimento, rancor, truculência e mau humor. A insistência em submeter o Congresso levou à hostilidade dos parlamentares. A tentativa de “emparedar” o Supremo Tribunal Federal (STF) revelou o desespero dos que não aceitam a alternância do poder.

Tais atitudes inconsequentes e as trapalhadas recentes tornaram ridículo o discurso do golpe. Difícil tachar de golpistas mais de 2/3 dos deputados federais e senadores, além dos ministros do STF. Exclui-se, é claro, um deputado que, de forma grotesca, enalteceu os métodos da ditadura. Mas não se deve esquecer os que defenderam a presidente exibindo a Constituição, sabendo que os constituintes petistas não a endossaram, e os que enalteceram “heróis”, sabendo que eles não eram defensores da democracia...

Mas tudo isso pertence ao passado. Agora, é hora de refletir sobre o futuro e propor alternativas. Hora de os agentes produtivos perguntarem: o que temos de objetivo? A situação econômica, das contas públicas e da Previdência Social é gravíssima e não faltam economistas competentes e isentos para bem assessorar o futuro presidente. Claro que não será tarefa fácil propor um rigoroso ajuste fiscal e dar uma solução para o rombo da Previdência, mas convenhamos que a alternativa de postergá-la será muito pior.

É crucial restabelecer a credibilidade e a confiança dos agentes produtivos e investidores. O que remete à uma reflexão sobre a situação alarmante das nossas infraestruturas, pois o caminho para a sua recuperação será, inevitavelmente, o das concessões e grandes aportes de capital privado externo. Os gargalos nas infraestruturas de logística, transporte, energia, tecnologia da informação e saneamento são de proporções ciclópicas. Em meio ao caos das contas públicas, não se poderá contar com recursos públicos para remover gargalos que comprometem as exportações, o abastecimento interno, a logística de suprimentos e escoamento, assim como a fluidez das decisões de quem produz e investe.

Ficando em um só aspecto das dificuldades, como oferecer confiança e credibilidade aos investidores diante da fragilidade das agências reguladoras e as incertezas do ambiente da regulação? As agências, além de capturadas por interesses partidários e setores regulados, não têm conseguido cumprir o seu papel mais básico: medidas que induzam o equilíbrio entre a capacidade das infraestruturas e o crescimento da demanda. Se, de um lado, a era petista estimulou e exacerbou o consumo, de outro não conseguiu oferecer as infraestruturas de apoio ao vertiginoso crescimento da demanda. A consequência foi a rápida degradação dos serviços regulados, em prejuízo dos consumidores.

Dois exemplos ilustram a construção das incertezas e falta de confiança. O primeiro foi o do chamado apagão aéreo, no qual a agência reguladora foi incapaz de exercer a sua autoridade para encaminhar soluções visando à modernização e ampliação das infraestruturas aeroportuárias. Não houve resposta ante o crescimento continuado da demanda em dois dígitos, a ampliação da frota de aeronaves e as nítidas restrições de capacidade nos aeroportos. Os dois maiores acidentes da nossa aviação e o caos nos aeroportos levaram à paralisia das ações da agência. A solução óbvia das concessões aeroportuárias foi adiada por uma década.

O exemplo mais recente é o do apagão da internet, cuidadosamente construído e culminando com a decisão absurda da agência reguladora de limitar o acesso dos consumidores aos serviços de banda larga. Na mesma linha do apagão aéreo, após comemorar a grande inclusão de consumidores, o governo se dá conta tardiamente de que não há capacidade das infraestruturas para suporte ao crescimento da demanda. E as agências reguladoras, inoperantes, fazem cara de paisagem.


Primeiras emergências - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 13/05

O dramático dia 12 de maio, em que o Brasil amanheceu com um presidente e terminou com outro, ficará na história como o fim do período de 13 anos do PT no poder. O presidente interino, Michel Temer, assumiu com todos os seus homens e o ônus de enfrentar uma crise sem paralelo na história do país. A primeira pergunta que não se consegue responder: qual é o rombo nas contas públicas?

Oprocesso continuará no Senado, sob o comando do STF, mas os integrantes do governo Dilma já não têm esperanças de que ela volte. Por isso, o cenário mais provável é que a presidente Dilma — que saiu ontem falando em traição e injustiça — encerrou ontem seus dias no Planalto, onde foi poderosa ministra e depois presidente por 10 anos.

O ministro Henrique Meirelles terá sob seu controle duas grandes máquinas, a da Fazenda e a da Previdência. Para se ter uma ideia do que a Fazenda terá que digerir, o INSS tem 43 mil funcionários e paga mais de 30 milhões de benefícios. Juntando a Previdência pública e a dos trabalhadores do setor privado, segundo a conta que era feita pelo novo ministro Romero Jucá, o buraco chega a R$ 200 bilhões. Meirelles tem que procurar soluções para uma economia que está encolhendo 8% em dois anos, com inflação acima do teto, enorme déficit público, e ainda conduzir a reforma da Previdência.

Romero Jucá, novo ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, disse que tem uma lista de 80 emergências para o governo olhar. Uma dessas é a nova meta fiscal para este ano. O governo Dilma havia proposto uma alteração da meta, de superávit para um rombo de R$ 96 bilhões. O problema é que ninguém sabe qual é a real situação das contas públicas brasileiras. E por isso Jucá usou a expressão forte que publiquei no blog. “Não há fundo do poço. Há areia movediça”.

Uma das ideias no governo para o saneamento financeiro é receber de volta uma parte do que emprestou ao BNDES. O governo Lula e Dilma transferiram para o banco 9% do PIB, ou R$ 500 bilhões. O problema é que o banco não tem como reduzir essa dívida e o valor total da carteira do BNDESPar não chega a R$ 75 bi segundo cálculos preliminares feitos na nova equipe. De qualquer maneira, esse assunto permanece em análise. O BNDES está ligado ao Planejamento.

Uma das mudanças que podem ocorrer nas relações internacionais é a proposta de que o Mercosul deixe de ser uma união aduaneira e passe a ser uma zona de livre comércio. A vantagem é dar ao Brasil mais liberdade para negociar acordos bilaterais com outros países. Hoje o país só pode negociar se o Mercosul estiver de acordo. Há resistência a essa ideia no Itamaraty.

O economista Ilan Goldfajn para o Banco Central foi excelente escolha. Ele tem o respeito do mercado e da academia. É considerado bom economista, já experimentado no BC, especialista em política monetária, metas de inflação, dívida pública. Tudo o que se precisa neste momento. Outra escolha feliz da nova equipe é o economista Mansueto Almeida, especialista em finanças públicas, para a Secretaria do Tesouro.

O temor continua sendo o de que o presidente Michel Temer queira pôr os bancos públicos na roda de distribuição de cargos para os políticos. O problema que levou ao afastamento da presidente Dilma foi exatamente o uso político dos bancos públicos. É preciso proteger as instituições financeiras com uma direção técnica e profissional. Até porque é preciso saber, principalmente em relação à Caixa, qual é a real situação do seu balanço financeiro.

O mercado financeiro já havia antecipado o cenário de troca de governo e por isso não houve grandes oscilações ontem. Desde janeiro, o índice Ibovespa subiu 42%, o dólar, que bateu em R$ 4,15, caiu para R$ 3,47, e os juros futuros e o risco-país recuaram ao menor patamar em quase um ano.

O governo Temer começou com a forte marca conservadora pela opção de ter apenas homens e por certas escolhas. O novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, protagonizou em São Paulo uma série de controvérsias, entre elas a de tentar esconder estatísticas de criminalidade. O novo ministro da Agricultura, Blairo Maggi, é relator de um projeto de lei para acabar com o licenciamento ambiental. Mas o Brasil é sempre surpreendente: Kátia Abreu, com toda a fama de antidireitos sociais, terminou saindo abraçada ao PT.


Temer, retrô e vintage - VINÍCIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 13/05

O primeiro discurso de presidente de Michel Temer foi uma espécie de último discurso de campanha eleitoral. O presidente apertou a mão de todo o mundo, dos interesses sobressaltados de medo com a queda do PT aos ansiosos com as oportunidades advindas com a ascensão do PMDB e de todas as suas versões genéricas.

No governo ainda há indecisão sobre quem será esfolado, sobre quem vai pagar mais ou menos da conta do ajuste que terá de vir caso o país pretenda evitar outra rodada de degradação na espiral recessiva. Ainda não foram tomadas decisões cruciais (impostos, Previdência, desregulamentações e flexibilizações do trabalho e dos negócios).

Medidas econômicas podem ser divulgadas nesta sexta (12) na Fazenda, mas o DNA do ajuste ainda parece estar sendo estudado.

Na posse, o governo Temer parecia coração de mãe, onde sempre cabe mais um, para usar uma expressão retrô, conveniente para ocasião, pois.

Tomava posse um ministério apenas masculino, sob o lema que inaugurou a velha república conservadora, ordem e progresso, e sob pedidos de bênção divina e religação espiritual da nação. A suavidade do discurso do presidente interino era arranhada apenas pelas mesóclises, sê-lo-ia , que não frequentavam o Planalto desde Jânio Quadros.

Temer começou por dizer que ninguém tem as melhores receitas das reformas : juntos , teremos. O programa ultraliberal que lançou em outubro, Uma Ponte para o Futuro , apareceu só como uma passarela genérica para privatizações, parcerias público-privadas e a afirmação de que o Estado não pode tudo fazer .

Mas não haveria desmanche dos programas sociais do PT, que foram elogiados: ficam Bolsa Família, Pronatec, ProUni, Fies, Minha Casa, Minha Vida. As reformas trabalhista e previdenciária não vão afetar direitos adquiridos -Temer, porém, voltou a falar em mudança de lei trabalhista, coisa que parecia largada no governo de transição do Jaburu.

Como será a reforma da Previdência? Para já ou depois? Mexe nos reajustes pelo salário mínimo ou apenas na idade mínima? Mexe mais? Não se sabe.

Na economia, Henrique Meirelles nem ainda fechou equipe. O Ministério do Desenvolvimento foi de fato, mas disfarçadamente, desidratado. Romero Jucá, do agora Planejamento e Desenvolvimento , leva o BNDES; comércio exterior será sub-repticiamente furtado por Temer e Serra.

Houve a grande e previsível mesura para a Lava Jato, que recebeu galante promessa de proteção do cavalheiro Temer. Também o mercado , assim chamado, recebeu uma palavra de afeto na promessa de preservação da autonomia do BC.

Houve grande louvação da harmonia dos Poderes e do Congresso. Metade do ministério veio do Parlamento degolador de reformas e governantes. Estados e municípios, por sua vez, teriam até autonomia verdadeira , pois haverá revisão do pacto federativo (grosso modo, isso quer dizer mais autonomia para tributar e se endividar. A ver).

De fato, governadores na pindaíba podem colocar pedras no caminho de Temer no Congresso. Já está decidida vasta renegociação de dívidas, mas os Estados terão de ceder na simplificação do ICMS e em tetos para gastos com salários e aposentadorias


Cabe ao 'novo' servir de fato como a 'ponte para o futuro' - MONICA DE BOLLE

O ESTADÃO - 13/05

O momento é difícil, os nervos à flor da pele, todos prontos para acreditar que qualquer mudança só pode ser para melhor. Por óbvio, os dados do governo de Dilma Rousseff, sobretudo desses que, provavelmente, foram seus últimos dezessete meses no poder, alimentam a esperança de que o porvir será melhor do que aquilo que não foi a lugar algum. Contudo, o momento pede cautela e ressalvas. Muitas ressalvas.

Na política econômica, há poucas dúvidas de que os pouco mais de 24 meses do provável governo Temer haverão de superar os 17 meses de desgoverno do segundo mandato de Dilma Rousseff. Os desafios são enormes. Os rombos fiscais, desconhecemos seu tamanho. Afinal, há dívidas estaduais e municipais a renegociar, injeções de capital em estatais a providenciar, recapitalizações e auditorias de bancos públicos a fazer. No entanto, há esperança de que o governo liderado por Michel Temer siga as diretrizes traçadas em A Ponte para o Futuro, documento do PMDB publicado no ano passado delineando agendas e medidas. Mantidas as premissas elaboradas nesse documento, é de se esperar que haja ao menos um caminho para a política fiscal, além de olhar diferente sobre a necessidade de reinserir o Brasil no mundo. Não é pouca coisa depois de tantos anos de desmandos e desvarios capitaneados pela presidente-economista, que, delegar, jamais soube.

No entanto, ainda que a restauração de rumos seja motivo para alívio depois de tantos abusos cometidos contra o País e a população brasileira, o “novo” não tem cara de “novo”. O “novo” é formado por grupo de pessoas que fazem parte da política nacional há décadas. O “novo” chama novamente aos Ministérios pessoas capazes, mas que já deram a sua contribuição ao menos algumas vezes durante outros governos. O “novo” tem ranços da distribuição pegajosa de cargos que marcou os anos do lulopetismo – afinal, o “novo” foi parte integrante do lulopetismo. No “novo”, não parece haver lugar para gente com ideias novas, para a diversidade, para o mosaico que é o Brasil. Tal situação incomoda. Tal estado de coisas deixa gosto amargo depois do trauma de um afastamento presidencial que se arrasta por tanto tempo. Tal arranjo remete, inevitavelmente a Don Fabrizio, o sábio de Lampedusa: “Para que tudo permaneça igual, é preciso que tudo mude”.

Cabe ao “novo” o desafio de mostrar para a sociedade brasileira que o objetivo final não é a manutenção do status quo na política e na estrutura de nossas lideranças. Cabe ao “novo” servir de fato como a “ponte para o futuro” que almeja ser. Há esperança. Mas o risco de decepcionar quem apostou na “ponte” é grande. Grande demais.

Avante.

Desenho de Temer para a Esplanada é quase parlamentarista - IGOR GIELOW

Folha de S. Paulo - 13/05

Michel Temer teria dois caminhos a seguir a partir do momento em que se tornou uma certeza o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência, na votação da admissibilidade de seu impeachment pela Câmara em abril.

Poderia ousar e fazer o tal "ministério de notáveis", encaminhando reformas políticas estruturantes ao lado das decantadas medidas econômicas. Ou poderia seguir dentro da tradição política brasileira, a busca de consensos, focando no problema mais imediato: a crise econômica.

A montagem e a estreia de seu governo sugerem a opção pela segunda hipótese até aqui. Não só pelo caráter conservador do interino, mas também pela realidade: por mais que a "velha política" esteja sob fogo desde os protestos de 2013, não se achou ainda alternativa. Como pontuou Temer em seu discurso inaugural, "não será fácil".

Assim, o ministério foi gestado de forma a agradar os principais atores de Brasília; a presença de um sorridente Aécio Neves em lugar de destaque na "posse" de Temer não foi casual. O peemedebista sabe que sem uma agenda mínima emplacada rapidamente, sofrerá pressão do mercado e ameaças no Senado que ainda vai julgar Dilma –apesar de hoje as chances de a petista voltar para o poder serem negativas, prudência sempre é recomendável.

Acertos heterodoxos, como um turbinado Ministério dos Transportes manter as pastas que agregou com partidos diferentes, terão de ser testados. A fusão Previdência-Trabalho tentada por Dilma em 2015 fracassou, para ficar num exemplo próximo de outro simulacro de enxugamento administrativo.

O desenho de Temer, evidenciado nos acenos em seu discurso, é quase parlamentarista. Ele trouxe uma maioria de congressistas para o gabinete, deixando a economia com quem é do ramo.

No geral, a fotografia não é bonita. Falta diversidade naquele mar de senhores brancos com ternos de gosto duvidoso e, em alguns casos, prontuários carregados de suspeitas. Um ministério mais ético e plural em gênero e raça não garante melhor governo, mas no século 21 é impensável a mera replicação do plenário da Câmara na Esplanada. Mas Temer fixou uma meta que precisa da representação que está aí, e hoje risco de imagem parece ser o menor a que se expõe.

Do ponto de vista retórico, o interino estreou no púlpito visando acomodar todas as críticas que recebe. Defendeu Lava Jato, programas sociais, direitos trabalhistas, emprego, combate à inflação e, acusado de golpismo, prometeu usar como régua o "livrinho" —como o presidente Dutra chamava a Constituição.

Fracassou ao recorrer ao anódino clichê da "salvação nacional", tão anos 50, mas dialogou com as ruas de 2013 ao falar das demandas por eficiência nos serviços de um Estado de resto nominalmente mais liberal, aberto.

Fiel à fama, adotou tom conciliador. Estendeu até uma mesura a Dilma, para quem pediu "respeito institucional" dos hostis presentes. Os petistas vão considerar a fala tardia ou hipócrita, mas não deixa de ser raridade no tom das manifestações públicas no Planalto.

Cadê ‘o povo’? - ELIANE CANTANHÊDE

O ESTADÃO - 13/05

Cumpriu-se a profecia de Eduardo Campos: Dilma Rousseff é a única presidente do Brasil contemporâneo a deixar o País pior, muito pior, do que encontrou. Michel Temer não assumiu interinamente “só” com o desafio de recuperar a confiança, reequilibrar as contas públicas e aquecer a economia de forma a acolher o máximo possível dos 11 milhões de desempregados – o que já é um trabalho hercúleo. Ele terá, também, de refazer o governo, desaparelhar o Estado e restaurar as instâncias de controle, como a inteligência e as agências reguladoras. A sensação é de terra arrasada.

Ao lançar Dilma para a primeira eleição, em 2010, Lula contou como se encantara com aquela moça tão disciplinada, que andava para lá e para cá com um laptop e tinha todas as respostas na ponta da língua. Foi assim que Dilma, que não era próxima dele, não é da história do PT e nunca tinha tido destaque nacional, virou ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil e, enfim, candidata à Presidência, por um único motivo: Lula quis, quis porque ela era... craque no Google.

No seu derradeiro discurso no Planalto ontem, ladeada por ministros, parlamentares e amigos petistas, Dilma repetiu o mesmo discurso de sempre, atribuindo a desagregação política e o desastre na economia à oposição. Não ganhou um voto com isso nesses meses. E não convenceu ninguém ontem. A maioria da Câmara, do Senado, dos agentes econômicos, dos analistas e da opinião pública não comprou a versão.

Dilma sai porque, apesar de manejar bem um computador, não sabe negociar, ceder, ouvir – nem mesmo o padrinho Lula –, nem compreender o jogo da política. Porque, apesar de economista, tomou decisões erradas na macroeconomia, na gestão dos juros, na intervenção no setor elétrico. E porque, apesar de “técnica”, cumpriu à risca a única coisa que aprender na política: “fazer o diabo” para ganhar eleições. Daí as pedaladas fiscais, o descalabro das contas públicas.

“Estou vivendo a dor da traição e da injustiça”, disse Dilma ontem, com voz surpreendente firme e segura, ao se despedir do Planalto sem jamais ter admitido claramente seus erros. Se não admitiu, também não aprendeu com os próprios erros. Entrou e saiu do governo sem perceber que ganhar eleição é só o começo; o problema é governar depois. Especialmente depois de prometer – e fazer – “o diabo”.

Para Temer, muda-se o verbo, não o princípio: chegar ao poder é só o começo; o problema é governar depois. Especialmente quando se chega lá sem as urnas, precisando conquistar legitimidade pela imagem, pela palavra, pela ação – e por resultados que, no seu caso, têm de ser já. Apoio político e sólida base aliada no Congresso ele tem, boa vontade dos mercados, também. Mas lhe falta o principal: confiança popular.

A foto do dia da votação do Senado que a afastou foi do fotógrafo Dida Sampaio: Dilma e Jaques Wagner puxando a cortina do Planalto e olhando os arredores do Congresso e do palácio, como que repetindo a surpresa de Jânio Quadros depois da renúncia: “Cadê o povo?”. O povo, que é agente da mudança e desde junho de 2013 vai às ruas, foi o grande ausente nesta semana tão intensa em Brasília. Algumas centenas de militantes foram apoiar a saída de Dilma do Planalto. Um único cidadão se dignou a prestigiar a posse de Temer do lado de fora.

Militante petista está sempre a postos para quando seu mestre Lula mandar. Mas Temer não tem militantes, movimentos organizados e “povo”. Entre tantos e tão graves desafios, ele vai, de um lado, tourear MST, CUT, UNE e MTST e, de outro, lutar por índices nas pesquisas e por gente de carne e osso – especialmente as mulheres, mais da metade da população – que acredite e torça para que realmente dê um jeito nesse País tão pior que Dilma deixou.

Depois da queda - NELSON MOTTA

O GLOBO -13/05

Caiu marcada por seu estilo grosseiro e autoritário que a aproxima de uma caricatura dos machões mais truculentos



Na reta final, uma das acusações mais patéticas aos que queriam o impeachment de Dilma é a de machismo.

Todo golpista é machista? Todo machista é golpista? Parece papo de Cristina Kirchner no tango do desespero. Quem ousaria tentar depor Margaret Thatcher, Angela Merkel ou Hillary Clinton? É como comparar Michelle Obama com Marisa Letícia. Afinal, Dilma foi eleita pelo machão Lula.

Dilma caiu não por ser mulher, mas por seus erros, teimosias e irresponsabilidades, marcada pelo estilo grosseiro e autoritário que a aproxima de uma caricatura dos machistas mais truculentos.

Diz que não é dura, que é honesta, como se os cordiais, os tolerantes, os amistosos não pudessem ser decentes. Ou como se os corretos não pudessem ser durões.

Mas ser honesta não é só não roubar. Será honesto mentir, esconder dívidas, prometer o que não poderia cumprir, acusar os adversários do que depois ela faria, permitir que uma organização criminosa tomasse a Petrobras e outras estatais para financiar um projeto de poder? Para ela e para Lula, não é desonestidade, é “luta política”.

Mas o vale-tudo é só para eles. Na oposição, o PT foi um denunciante e perseguidor implacável de adversários políticos, destruindo reputações, estabelecendo o padrão nós contra eles para a vida política nacional. Sim, a ascensão do bonde do PMDB não inspira esperanças, apenas alívio para uma situação insustentável. Quem sabe o PT seja útil na oposição?

Fiel à sua formação marxista e suas crenças econômicas brizolistas, Dilma decidiu exercer seu poder para baixar os juros na marra e a energia elétrica no grito, certa de que estava fazendo um bem ao Brasil e aos pobres. E à reeleição. Não ouviu nenhuma opinião divergente, mesmo quando as consequências devastadoras de suas decisões já eram evidentes. As maiores vítimas foram os pobres.

Será possível que alguém que se expressa tão confusamente possa pensar da forma clara, objetiva e analítica que a função exige ?

Recordista no anedotário da República, seu estilo se sintetiza na piada final:

“Dilma faz delação premiada. Mas investigadores não entendem nada”.

O número mágico - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 13/05

A preocupação explicitada pelo presidente Michel Temer ontem, na sua primeira manifestação pública depois de investido no cargo, foi com os parlamentares, não sem razão. A curto prazo, ele precisará de apoio congressual para desmontar bombas deixadas pelo caminho pela administração afastada; aprovar medidas imediatas, como a mudança da meta fiscal ou a DRU; e também as reformas delicadas que pretende encaminhar para discussão.

Mas, a médio prazo, ele tem outra preocupação, garantir a manutenção dos votos necessários para a retirada definitiva da presidente afastada Dilma Rousseff de seu caminho. Ter tido 55 votos já de saída para a admissibilidade do impeachment indica que a tarefa pode ser mais fácil do que se supunha, pois pelas contas oficiais são necessários pelo menos 54 votos para o afastamento definitivo de Dilma.

Mas, curiosamente, a tarefa pode ser mais fácil ainda, pois, segundo o jurista José Paulo Cavalcanti, ex-ministro da Justiça do governo Sarney e membro da Comissão da Verdade, a interpretação do parágrafo único do artigo 52 da Constituição, que trata do assunto, está sendo feita de maneira equivocada. Diz lá que a condenação "será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal".

Contam 2/3 do total de 81 senadores e chegam 54 votos, ironiza José Paulo Cavalcanti, para em seguida explicar "que não é bem assim". Quóruns constitucionais, diz ele, podem ser calculados relativamente ao número de componentes do colégio eleitoral, ou ao número de presentes.

No primeiro caso, ele cita a Itália, que no artigo 138 da sua Constituição pede aprovação "pela maioria absoluta dos componentes de cada Câmara". No caso de número de presentes, ele cita os Estados Unidos, cujo artigo V da Constituição exige para proposição de emendas dois terços dos presentes de cada Casa do Congresso, e não dois terços da totalidade dos seus membros.

José Paulo Cavalcanti diz que o problema central para a correta interpretação do artigo 52 da nossa Constituição é entender que ele não pede votos de dois terços dos membros do Senado Federal, e, sim, dois terços dos votos dos membros do Senado.

Não é a mesma coisa, explica. "Voto não é o abstrato poder-dever de votar, mas o concreto exercício desse poder-dever", ressalta. A Constituição não pede, portanto, votos de dois terços dos senadores, mas dois terços dos votos pronunciados pelos senadores. Sendo assim, o número mágico para afastar definitivamente Dilma no seu julgamento no Senado seria 54 votos apenas se todos os 81 senadores votarem. Sem ausências, nem abstenções.

No caso da votação de quarta, houve 3 ausências e 1 abstenção, a do presidente do Senado, Renan Calheiros. Com 77 votantes, o número mágico passaria a ser 51 votos, e não 54. No máximo 52, pois a conta é quebrada. A situação melhora ainda para Temer, pois o suplente do senador cassado Delcídio do Amaral deve votar pelo impeachment, apesar de seu vínculo familiar com o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula: uma filha de Pedro Chaves dos Santos é casada com um dos filhos do pecuarista.

Também o senador Jader Barbalho, que não compareceu por motivo de doença, se puder comparecerá na votação final para apoiar Temer, que colocou seu filho Helder no Ministério da Integração Nacional. E outro faltante, o senador Eduardo Braga, deve estar magoado, pois, embora fosse o candidato de Renan Calheiros, não entrou no Ministério, talvez porque não tenha convencido de que tinha justa causa para faltar.

José Paulo Cavalcanti destaca que o sistema exposto no texto é precisamente o do Direito Eleitoral brasileiro. Ele lembra que, no último segundo turno, Dilma foi eleita não por ter maioria entre os brasileiros, nem mesmo entre os eleitores. Contando os votos dados, ela teve maioria, sem considerar quem não tem título de eleitor, nem as abstenções, nem em branco e nulos. Dilma teve 54.501.111 votos (51,54% dos votos válidos) de um total de 112.683.879 votos apurados, descontando-se 1.921.819 votos em branco; 5.219.787 votos nulos; e 30.137.479 abstenções.

Otimismo com o novo tom do Planalto - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 13/05

Temer rebate o catastrofismo de Dilma e cita reformas necessárias, para as quais é necessário trânsito no Congresso, um dos predicados do presidente em exercício



Dilma Rousseff deixou o Planalto, na manhã de ontem, na condição de presidente afastada por um processo de impeachment em andamento, bem ao seu estilo. O momento não era mesmo ameno e para sorrisos, mas a dureza do seu pronunciamento, com a reiterada denúncia do “golpe”, faz parte de sua marca registrada em cinco anos e cinco meses incompletos de poder.

Esta marca tornava-se mais forte à medida que o pedido de impedimento tramitava na Câmara para desembarcar e ser admitido no Senado, enquanto a presidente e o PT convertiam o principal salão do Planalto em palanque de comícios.

À tarde, o presidente em exercício Michel Temer ocupou os mesmos espaços para dar posse ao novo Ministério. A cor vermelha deixou de predominar, num evento mais condizente com os ares de um palácio de governo.

Mudou também o discurso, e para melhor. Pela manhã, Dilma fez um pronunciamento agressivo, para a militância. Com as ameaças importadas das campanhas eleitorais petistas: profetizou, por exemplo, o corte de programas e gastos sociais, um catastrofismo digno do marqueteiro João Santana, ainda preso em Curitiba.

Temer disse que não pensava em fazer um pronunciamento mais substantivo, mas fez. Deve ter mudado de ideia para responder a Dilma e ao lulopetismo, que prometem fazer uma guerra contra seu governo. O presidente em exercício foi direto ao garantir a manutenção dos programas sociais, com a citação do Bolsa Família, do Fies, do Prouni, do Pronatec e da Minha Casa Minha Vida.

Ainda vice de Dilma, Temer defendeu que o Brasil precisava de quem o unificasse. Passou a ser tratado como conspirador e traidor. E ontem, com Dilma no Alvorada, onde aguardará o desfecho do julgamento propriamente dito do seu impedimento, Temer defendeu que é “urgente pacificar e unificar o Brasil.” De fato.

Acenou, ainda, para reformas na legislação trabalhista e na Previdência, relacionando-as com a necessidade de o Estado poder continuar a pagar os benefícios à população e à geração de empregos. Um avanço enorme, depois de 13 anos em que o PT se recusou a fazer estas e outras reformas essenciais. O resultado aí está.

Não faltaram referências ao grave problema do desequilíbrio fiscal, à necessidade de se melhorar o ambiente de negócios no país e à intenção de impulsionar a realização de parcerias público-privadas (PPPs), a fim de que o Estado se circunscreva a suas funções básicas (segurança, saúde, educação).

Outra mudança radical em relação aos tempos de Dilma foi a maciça presença no Planalto de parlamentares, não fosse Temer um político de longa experiência no Congresso, em que presidiu a Câmara por três vezes.

Também por isso o novo governo estimula o otimismo, pois, sem o apoio do Legislativo, nada poderá ser feito para se sair da crise.

A reconstrução do Brasil - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 13/05

O primeiro desafio do novo governo é iniciar a arrumação das contas federais, devastadas por uma longa sequência de erros e desmandos. Enfrentar com disposição e coragem essa tarefa é condição essencial para a conquista da confiança de investidores, empresários e consumidores, mesmo com medidas severas e impopulares. Sem esse trabalho, nenhum outro avanço importante será possível. Mas também será preciso, desde já, cuidar de um conjunto de ações de maior alcance. A nova equipe de governo terá de remontar de ponta a ponta a estratégia de crescimento, com novos objetivos, muito mais ambiciosos que os dos últimos 13 anos, de integração do Brasil no sistema internacional. Desde o começo da gestão petista, em 2003, a política foi dirigida para inscrever o País, uma das maiores economias do mundo, na segunda ou terceira divisão da liga mundial – mais provavelmente na terceira, submetido a uma relação semicolonial com a China e outras potências dinâmicas.

O presidente Michel Temer e seus ministros têm mostrado a disposição necessária para enfrentar essa dupla agenda, com medidas para o curto e para o longo prazo. De imediato, será preciso cuidar da mudança da meta fiscal fixada para este ano. O grupo da presidente Dilma Rousseff nem sequer conseguiu a aprovação, no Congresso, do possível déficit primário de até R$ 96,65 bilhões. Nesta altura, até essa projeção parece muito otimista. Por prudência, talvez seja necessário projetar um resultado pior, embora o governo deva trabalhar, nos próximos meses, para reduzir o desequilíbrio fiscal e conter, pouco adiante, o endividamento.

Como parte desse trabalho, pode-se prever uma severa revisão dos programas e até dos itens obrigatórios. Um pente-fino bem manejado poderá produzir ganhos importantes. Além disso, o esforço poderá dar credibilidade a toda a política econômica. O presidente Michel Temer prometeu evitar aumentos de tributos. Na pior hipótese, ele deverá ter o bom senso de evitar uma solução aberrante, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Com o crédito soberano dois níveis abaixo do grau de investimento, o acesso ao financiamento externo poderá ser complicado, mas isso dependerá, em parte, da reação do mercado à mudança de governo. Internamente, os juros continuarão elevados, inflando o custo da rolagem da dívida pública. Iniciar logo uma redução dos juros básicos será um lance arriscado, como indicaram os atuais diretores do Banco Central (BC) na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

Será uma surpresa se os membros da nova equipe, incluída a nova diretoria do BC, decidirem arriscar logo de início um corte da taxa Selic. Mas uma clara reorientação da política orçamentária, com um compromisso crível de seriedade, poderá facilitar, dentro de algum tempo, um afrouxamento da política monetária. Também por isso a peça mais importante do jogo, ainda por tempo razoável, será a reorientação das contas públicas. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ex-presidente do BC, sabe disso muito bem.

O sentido da política de crescimento está indicado na importância atribuída ao comércio exterior pelo presidente Michel Temer. Uma vigorosa política de comércio terá de envolver uma preocupação muito maior com a competitividade e, portanto, com os ganhos de produtividade, itens largados em plano muito inferior pela política petista. A ênfase no protecionismo e nos critérios de componentes nacionais são aspectos do desastre econômico brasileiro. Também será preciso repensar a pauta de negociações internacionais. O novo ministro de Relações Exteriores, José Serra, mais de uma vez criticou os erros estratégicos – como a vinculação a um Mercosul emperrado – da diplomacia econômica. Se os itens principais dessa pauta forem executados, o Brasil deixará de ser uma grande economia em processo de encolhimento para se converter, finalmente, num ator importante da cena global.

Hora de virar a página - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - 13//05

Oxalá o Congresso Nacional entenda a gravidade da situação e colabore com a aprovação das medidas que precisam ser tomadas para fazer o Brasil voltar a crescer



O primeiro discurso de Michel Temer como presidente interino do país deixou claro que o esforço será de construir pontes com o Congresso Nacional. Temer apresentou diversas medidas que julga necessárias para tirar o país da crise, entre elas o incentivo a parcerias público-privadas, a revisão do pacto federativo, assim como temas que tendem a ser impopulares – e de difícil costura no Legislativo –, entre eles, as reformas trabalhista e previdenciária. E por diversas vezes enalteceu a importância do diálogo entre poderes para levar adiante um projeto de salvação nacional.

É importante lembrar que no governo de Dilma Rousseff a palavra diálogo, no sentido republicano, na prática não existia. Mas, como aos ouvidos de muitos parlamentares a palavra “diálogo” tem o efeito do canto das sereias – rememorando tempos passados de negociatas as mais diversas –, Temer precisa agir rápido. Nestes instantes iniciais de seu governo ainda vive uma lua-de-mel com o Congresso Nacional. E o momento é ideal para encaminhar as medidas de ajuste fiscal e outros projetos que tendem a ser impopulares. Garantiria assim, de um lado, menos obstáculos para a aprovação e daria sinais positivos ao mercado. De outro, evitaria que diálogo se transformasse em fisiologismo.

Na composição do ministério, Temer infelizmente deixou de lado a ideia de um gabinete de notáveis e privilegiou sua relação com o Congresso e os partidos, numa provável tentativa de estabelecer um diálogo “institucional” – numa interpretação benigna – com o Legislativo. Em relação à equipe de Dilma Rousseff, o percentual de parlamentares ministros triplicou: dos 23, 13 são congressistas. Além disso, outros quatro são presidentes de partido. Resta saber se a voracidade já conhecida dos parlamentares por cargos e verbas em troca de votos poderá ser contida pelo grupo de auxiliares do primeiro escalão.

Temer fez bem em reduzir as atuais 32 pastas para 23. Ao menos num primeiro momento, a medida tem o efeito simbólico de demonstrar preocupação com a austeridade e o enxugamento da máquina pública. Por outro lado, é lamentável que na composição do ministério sete nomes escolhidos apareçam mencionados em investigações da Operação Lava Jato. Uma das críticas ao governo Dilma foi precisamente o fato de vários auxiliares da presidente estarem sendo investigados na operação.

O presidente interino fez expressa menção à continuidade das investigações da Lava Jato e descartou qualquer tentativa de enfraquecê-la. Embora se reconheça que a declaração de Temer sobre a operação era necessária para firmar um compromisso com a sociedade e afastar dúvidas, ela acaba tendo efeito mais retórico que prático. É preciso aguardar movimentações e atos concretos que reforcem a independência da Polícia Federal.

No plano econômico, de saída, o peemedebista garantiu a simpatia do mercado, com a escolha de Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda. Assim, traz a segurança de que a condução da política econômica não mais será errática. De Meirelles, o mercado sabe o que esperar. E uma demonstração disse aguarda-se ainda para esta sexta-feira, quando o ministro pretende encaminhar projetos de lei e medidas provisórias para combater a crise.

Com Dilma Rousseff afastada da Presidência da República, o momento agora é de virar a página e de concentrar as atenções nos grandes problemas enfrentados pelo país. Oxalá o Congresso Nacional entenda a gravidade da situação e colabore com a aprovação das medidas que precisam ser tomadas para fazer o Brasil voltar a crescer.


Resgate da credibilidade - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 13/05

A retomada da economia é a grande aposta do presidente em exercício Michel Temer para os próximos meses. Ele conclamou o povo brasileiro a se unir para enfrentar os intrincados desafios econômicos do país. Em seu primeiro discurso como o novo presidente do Brasil, após dar posse ao seu ministério no Palácio do Planalto, Temer destacou ser seu dever pacificar a nação com a instalação de um governo de salvação nacional e a participação de todos os segmentos da sociedade brasileira nesse novo projeto.

Acredita que, ao resgatar a credibilidade do país, será possível tirá-lo do profundo poço para voltar a produzir e gerar renda - forma indiscutível de combate ao desemprego. "Nosso maior desafio é estancar a queda livre da economia e o diálogo é o primeiro passo para garantirmos a retomada do desenvolvimento, pois quem sofre com a inflação é o trabalhador", destacou. Suas palavras não deixam qualquer dúvida quanto ao rumo que dará ao seu governo, que se inicia com o afastamento da presidente Dilma Rousseff.

Ao invocar o lema "Ordem e progresso" da Bandeira Nacional, Temer demonstra, claramente, seu total respeito às tradições mais caras ao povo brasileiro. Diante de uma plateia que lotou o Palácio do Planalto, o presidente em exercício demonstrou que está firmemente comprometido com as urgentes mudanças econômicas, políticas e sociais que se fazem necessárias, garantir a retomada das prometidas reformas estruturantes para o país dar um salto à frente. As tão esperadas reformas trabalhista e previdenciária - fundamentais para a retomada do crescimento econômico - serão as primeiras sobre as quais se debruçará a nova equipe ministerial.

O Banco Central também será fortalecido na condução da política monetária e cambial, deixando de ser simples marionete controlada pelo gabinete presidencial, como acontecia nos últimos tempos. O estímulo para a eficiência do serviço público também faz parte do planejamento da nova administração.

O reequilíbrio das contas públicas é outra grande preocupação do governo que hora toma posse, com a eliminação de milhares de funções comissionadas usadas pelo PT e seus acólicos para aparelhar o Estado e, assim, garantir a perpetuação no poder, objetivo maior do grupo agora apeado do governo.

Outra inequívoca demonstração de comprometimento com a mudança de roteiro foi a promessa de revisão do pacto federativo, acalentada por todos os que acreditam no pleno funcionamento de um ente federativo nacional. O resgate da credibilidade do Brasil no concerto das nações também foi prometido por Temer.

O discurso alarmista dos aliados de Dilma Rousseff de que um governo do PMDB cortaria programas sociais como o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Fies, Pronatec e Prouni foi vigorosamente rebatido por Temer. Para ele, enterrar programas que deram certo seria contrasenso. E, para jogar uma pá de cal no palanque armado pelo PT e aliados, o presidente da República afirmou que dará total apoio à Operação Lava-Jato, que tantos benefícios tem trazido ao Brasil.

Mentiras até o último minuto - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 13/05

Fiel seguidora de uma ideologia que faz da mentira descarada e renitente um meio “legítimo” para atingir os fins, Dilma Rousseff manteve-se coerente até o seu afastamento temporário da Presidência: continuou a agredir a inteligência dos homens de bem do País, oferecendo-lhes uma versão delinquente dos fatos, com o objetivo de passar à história como pobre vítima de uma tramoia golpista. Felizmente, tal versão só encontra guarida entre aqueles militantes sectários do lulopetismo ou os que estão desesperados ante a perspectiva de perderem sua boquinha – uma minoria insignificante. A maioria da população do País que trabalha e está cansada da malandragem retórica dos petistas quer apenas seguir adiante, deixando para trás o caos criado pelas fantasias do chefão Lula e de sua patética pupila.

No pronunciamento que fez ontem no Palácio do Planalto, Dilma tornou a invocar os 54 milhões de votos que recebeu, como se estes, por si, fossem a garantia absoluta daquilo que chama de sua “legitimidade”. Segundo a petista, Michel Temer, que assumiu a Presidência interinamente, fará o “governo dos sem-voto”.

Trata-se de grosso embuste. Temer foi companheiro de chapa de Dilma nas eleições de 2010 e 2014, sendo decisivo em ambas as campanhas ao pôr em funcionamento a formidável máquina eleitoral do PMDB para obter os votos que deram a vitória à petista – os mesmos votos que ela diz que são só dela. Mas Dilma foi adiante e disse que um governo Temer “não terá legitimidade para propor e implementar soluções para os desafios do Brasil”. Tal conclusão, proferida por uma chefe de governo que não consegue o apoio nem de um terço do Congresso e que enfrentou manifestações de rua em razão de sua incapacidade política e administrativa, soa como escárnio.

Como se fosse uma líder democrata lutando contra uma tirania, Dilma incitou seus defensores a se mobilizarem nas ruas e insinuou que o governo Temer “pode se ver tentado a reprimir os que protestam contra ele”. Eis aí mais uma fraude típica do cardápio de artimanhas petistas. Em primeiro lugar, é dever das autoridades de segurança pública conter manifestações de rua que ferirem o direito de quem delas não participa, conforme o que prevê a lei. Em segundo lugar, um governo Temer não teria como reprimir nada, pois a manutenção da segurança pública é tarefa dos governos estaduais. Mas nada disso interessa. O que importa aos petistas, como sempre, é criar tumulto e com isso alimentar sua propaganda.

Dilma disse também que seu governo foi alvo de “incessante sabotagem” dos opositores, a quem responsabiliza pela criação de um “estado permanente de instabilidade política, impedindo a recuperação da economia com um único objetivo: tomar à força o que não conquistaram nas urnas”. Dilma quer fazer acreditar que a corrupção entranhada na administração pública, os dois anos de recessão, o desemprego que atinge mais de 10 milhões de trabalhadores, a alta da inflação, a perda de credibilidade internacional e o rombo nas contas públicas não são resultado de sua inépcia, mas de uma conspirata da oposição para derrubá-la.

Por fim, Dilma, a exemplo do que fizera Fernando Collor de Mello quando sofreu impeachment, em 1992, queixou-se da “dor da traição”, referindo-se, é claro, a Temer. Collor creditou seu afastamento a um “complô” dos deputados que antes o apoiavam, e não ao formidável escândalo de corrupção que protagonizou. Do mesmo modo, Dilma entende que está sendo afastada não pela série de crimes de responsabilidade que cometeu – e aqui nem se está falando da rombuda corrupção em seu governo e em seu partido –, mas sim porque seu vice tramou para tomar dela o poder.

No entanto, do mesmo modo que Collor traiu os que confiaram a ele a honra de ser o primeiro presidente eleito pelo voto direto depois do regime militar, é Dilma quem trai os milhões de eleitores que acreditaram em suas promessas de prosperidade e bem-estar social. O impeachment, portanto, é e continuará a ser a punição adequada para quem fez da irresponsabilidade e da burla um método de governo.