domingo, abril 05, 2009

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Quem tem raça é cachorro

O GLOBO 05/04/2009


No domingo passado, citei aqui a frase de meu amigo e conterrâneo Zecamunista que hoje uso como título.

Ele de fato diz isso, como eu também digo, nas conversas intermináveis havidas com amigos desde a juventude, quando nos ocorre a felicidade de revê-los. Coroas meio ou bastante chatos, compreendemos quando os mais novos nos cumprimentam com a possível afabilidade, depois mantendo prudente distância.

Portanto, a maior parte de nossas conversas não passa mesmo do papo de dois velhotes irresignados e rezinguentos, que não sai, e geralmente não deve ou não precisa sair dali, pois costuma ser algo sem o qual ou com o qual tudo permanece tal e qual, como sentenciava minha avó Pequena Osório, a respeito de meus livros.

Mas, no caso, quando estamos ameaçados de ver consagrada nas leis do país a divisão do povo brasileiro entre raças, acho que devemos fazer o nosso papo transcender os limites do Largo da Quitanda, a ágora da Denodada Vila de Itaparica, onde hoje vultos menores, como Zeca e eu, ocupam com bem pouco brilho o lugar de tribunos da plebe legendários, como Piroca (Piroca é um apelido para Pedro, no Recôncavo Baiano; não tem nada demais, é um fenômeno que atinge o nome “Pedro” de forma curiosa; quer ver, pergunte a um amigo americano o que quer dizer peter, com P minúsculo) e Zé de Honorina, este negro pouco misturado com branco, aquele mulato.

Zé, aliás, um dos homens mais inteligentes, argutos e eloquentes que já conheci — e cito o que se segue como um dado interessante — não tinha muita noção de que era negro e uma vez me pediu explicações sobre “negritude” e “irmandade” entre negros, conceitos que lhe eram pelo menos parcialmente estranhos.

Mas vou deixar de nariz de cera e de vaselina, porque creio que o assunto merece ser tratado na grossura mesmo, como vem sendo por muita gente, em todas as faixas de opinião.

Quem tem raça é cachorro (em inglês, breed, não race), gente não tem raça. Não vou repetir, porque qualquer um com acesso ao Google pode se encher de dados sobre isto, os argumentos científicos que desmoralizam a raça como um conceito antropologicamente irrelevante e equivocado, sem apoio algum entre os que estudam a genética humana. Entretanto, o atraso da espécie (ou raça) humana leva a que continuemos a lhe emprestar importância desmedida e irracional, odiando por causa dele, matando por causa dele e até ameaçando o planeta por causa dele. De qualquer forma, incorporando o conceito de raça a seu sistema jurídico, o Brasil estará dando um ridículo (mas de consequências possivelmente temíveis, ou no mínimo indesejadas) passo atrás, mais ou menos como se o Ministério da Saúde consagrasse a geração espontânea de micro-organismos como fonte de infecções.

Mais ridículo e até grotesco é que os defensores do reconhecimento das “raças” que compõem a povo brasileiro façam isso depender de uma declaração ou opção da pessoa racialmente classificada, até mesmo em circunstâncias nas quais essa opção pode não ser honesta, mas apenas de conveniência, como nos casos, já acontecidos, de gente que se considerava branca declarar-se negra para obter a vaga destinada a um “negro”. Ao se verem num mato sem cachorro para definir a raça de alguém, exceto copiando manuais nazistas e tornando Gobineau e Gumplovicz autores básicos para a formação de nossos cientistas sociais, médicos, dentistas, músicos, atletas e profissionais de outras áreas onde as diferenças de aptidão ou fisiologia são “visíveis”, assim como era visível a superioridade dos atletas de Hitler que o negro Jesse Owen botou num chinelo, os defensores de cotas raciais se valeram desse recurso atrasado, burro, grotesco e patético em sua hipocrisia básica. Não há como defender critério tão estapafúrdio e destituído de qualquer fundamento.

Outra coisa chata, enquanto vemos o Brasil querer botar na letra da lei, o que outros países onde houve e há até mesmo apartheid, como nos Estados Unidos, não só de ontem como ainda de hoje, apesar do presidente Obama, fazem força para retirar, é a persistência do que eu poderia chamar de síndrome de Mama África, contra a qual quem eu mais vejo protestar são escritores amigos meus de países africanos, que não aguentam mais ser embolados num mesmo pacote como “africanos”, transformando em folclore disneyano a enorme complexidade cultural de um continente como a África. Burrice falar em “cultura africana”, “comida africana” e similares, em vez de pluralizar essas entidades, porque são plurais. Além disso, nada mais racista e simplório do que achar que os negros são “irmãos”. Os negros são tão irmãos entre si quanto os europeus entre si, ou seja, irmãos em Cristo, tudo bem. Mas o racismo contra si mesmos de muitos que se acham negros insiste em que há essa irmandade. Documentos escravagistas do Segundo Império, no Brasil, recomendavam que se mantivessem escravos de nacionalidades diversas na mesma senzala, porque muitos se odiavam ou desprezavam entre si mais do que ao opressor. Quem já viu um alemão racista olhar um polonês (eslavo, que curiosamente tem a mesma origem que “escravo”) sabe o que estou dizendo. Desumaniza-se o negro, tornando-o imune à baixeza de seus companheiros de humanidade (mas não de raça). Isto, claro, é outra asnice desmentida pelos fatos ontem e hoje. Ontem, quando mercadores negros de escravos vendiam outros negros por eles mesmos escravizados; hoje, quando negros continuam a escravizar negros e a guerrear entre si, exatamente como os homens de outras raças, o que lá seja isso, desgraça de atraso de vida na cabeça das pessoas, triste exemplo de um país misturado pela graça de Deus querer jogar no lixo esse dom inestimável e irreproduzível, “modernizandose” pela condenação por vontade própria ao que a História não o condenou.

O IDIOTA


PARA...HIHIHI


Ambulância


Três bichas estavam discutindo o que ia ser na próxima encarnação:

A primeira bicha: - Eu quero ser uma flor!

As outras perguntam: -Por que uma flor?

-Para meu macho me pegar arrancar do chão me cheirar, me cheirar todinhaaaaaaaa!

A segunda bicha: - Eu quero ser um chicletes!

As outras bichas perguntam: -Por um chiclete?

Para meu macho me pegar me arrancar o papel me jogar na boca, me morder mas me morde, me jogar no chão e eu ainda ficar grudada no pé dele!

A terceira bicha: -Eu quero ser uma ambulancia!

Por que uma ambulancia pergunta as bichas?

-Para o macho de voceis me abrir a trazeira entrar com maca e tudo e eu ainda sair gritando uhuhuhuhuhuhuhuh!

FERREIRA GULLAR

Quem governa?

FOLHA DE S. PAULO - 05/04/09


Se o presidente não para no Palácio e não despacha, não pode saber o que se passa

UM RECURSO manjado, de que lançam mão os regimes autoritários e os caudilhos, é inventar um inimigo do povo, que eles estão sempre prontos a combater. Esse inimigo hipotético serve para justificar muita coisa e, sobretudo, para manter a popularidade do regime ou do líder. Lembram-se da guerra das Malvinas, a que a ditadura militar arrastou a Argentina, tentando com isso salvar-se da morte iminente? Um desastre político e militar, mas que, no primeiro momento, contou com o apoio de boa parte do povo argentino, induzida pela convicção de que os ingleses lhe roubaram aquelas ilhas.

E quando não são ilhas são alhos ou bugalhos, já que a mania de perseguição parece latente na alma de quase todos nós. Mas, se as ditaduras precisam disso para se garantir, o fantasma do inimigo comum tem sido usado por muitos políticos, particularmente pelos chamados populistas. Chávez, por exemplo, elegeu o Bush inimigo número um do povo venezuelano e chegou até a comprar armas de guerra para se defender de uma suposta iminente invasão do país pelos norte-americanos. A eleição de Barack Obama tornou-se uma ameaça às avessas para Chávez, que, por isso mesmo, já começou a demonizá-lo.

Lula não é tão óbvio mas, aqui e ali, nas declarações que dá, deixa sempre implícito que os brasileiros ricos são inimigos dos brasileiros pobres e que ele, Lula, está a postos para impedir que essa perseguição se mantenha. Não o estou equiparando a Chávez com sua revolução bolivariana que, no Brasil, seria motivo de galhofa, e Lula, que sabe muito bem disso, tampouco pensa em revoluções de qualquer tipo.

Gostaria, é claro, de se reeleger indefinidamente, mas, como não dá, contenta-se em eleger a Dilma, para retornar em 2014.

Logo, não vejo nas insinuações de Lula outro propósito senão o de explorar, em seu benefício, as desigualdades que, sem dúvida, existem, mas que têm causas bem mais complexas do que a suposta maldade de ricos contra pobres ou de brancos contra negros. Ao fazê-las, na condição de presidente da República e líder político, lança na sociedade o germe do ódio racial e de classes, que poderá acabar em lamentáveis consequências.

Admito não ser essa a sua intenção e que fale assim para tirar partido das contradições latentes na sociedade. E se o admito é, entre outras razões, pela obviedade como o faz. Logo após a vitória eleitoral de Obama -que se elegeu afirmando que, antes de ser um candidato negro, era norte-americano-, Lula fez questão de frisar que, assim como o Brasil elegera um operário para a presidência da República, os Estados Unidos acabavam de eleger um negro. Noutras ocasiões, repetiu ter pena de Obama, insinuando que, por ser negro, iria atrair o ódio dos brancos e não poder governar. É evidente que não o dizia para Obama, mas para o brasileiro negro. Nesse terreno, a última gafe que cometeu foi, diante do primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, ao afirmar que a responsabilidade pela crise mundial cabe "aos brancos de olhos azuis". Não se dá conta da indigência intelectual de semelhante afirmação, que nos constrange a todos...

Não estou dizendo nenhuma novidade. Que o Lula é um político populista todo mundo sabe, já que essa é a marca de seu governo. Se ainda restasse alguma dúvida, bastaria o recente anúncio do PAC da habitação, que promete construir 1 milhão de casas para os pobres, sem ter projeto claro, sem saber onde serão erguidas essas casas e sem data estabelecida para que o plano se realize. E ele mesmo declarou: "Não me cobrem datas". Sim, porque o que lhe importa não é realizar o projeto, mas apenas anunciá-lo. Contado, ninguém acredita.

Aliás, ele não faz outra coisa, senão anunciar novos programas, lançar pedras fundamentais, assinar investimentos futuros, proclamar realizações que não saem do papel. Por falar nisso, cabe perguntar: quem será mesmo que governa o país? Dei-me ao trabalho de anotar as "realizações" do nosso presidente durante o mês de março: dia 12, estava no canteiro de obras da hidrelétrica do Jirau, em Rondônia; dia 13, seguia para os Estados Unidos, onde ficou 14 e 15, quando deu conselhos a Obama; dia 16 embarca de volta, chega na madrugada de 17 a Brasília; dia 18, já está no Rio e dia 20 em São Paulo, com Cristina Kirchner; segunda-feira, 22, vai a Recife, depois a Salvador e, 25, em Brasília, lança o pacote da habitação, dia 26,de novo em São Paulo e 28 no Chile...

Se o presidente não para no Palácio e não despacha com os ministros, não pode saber o que se passa nos 37 ministérios. Então, quem governa?

INFORME JB

O Dr. Bastos e a bela Maria Farinha

Leandro Mazzini

JORNAL DO BRASIL -05/04/09

Há histórias de amor que transcendem a relação entre os seres. O caso, por exemplo, da paixão de um homem por uma praia paradisíaca em Pernambuco. A história do doutor João Bastos Colaço Dias e a praia de Maria Farinha, na cidade de Paulista (PE). Ex-deputado federal todo-poderoso por lá – Bastos, não contente com sua mansão, resolveu invadir a areia, domínio público, lembra a Marinha. Cercou a grande área até a praia no pontal, plantou coqueiros, construiu piscina, casa de apoio, um heliporto gramado e distribuiu cães pela área (foto) – invadiu 22.100m². A Procuradoria Regional da União e o MP Federal ajuizaram ação civil pública contra ele. A ação deve ter um desfecho esta semana. O MP quer que o doutor Bastos pague também a derrubada da cerca.

Air bag Inflando...

Efeito da lei que obriga todo veículo a ter air bag: 8% da frota produzida em janeiro de 2010 deverão sair da fábrica com o adicional de segurança. A resolução do Contran foi publicada sexta-feira.

A exigência sobe para 15% em janeiro de 2011, até chegar a 100%, gradativamente, em 2014.

Que assim seja

Outra exigência a ser cumprida é a instalação do poderoso sistema de freio ABS. "Tudo para preservar vidas", argumenta o ministro da Cidade, Marcio Fortes.

Tentação

Por falar em Fortes, um diplomata filiado ao PP – ele pode sair candidato a deputado federal ano que vem, pelo Rio. Assim quer gente graúda do partido.

Mexe-mexe

O vice-governador do Distrito Federal, Paulo Octávio, quer voltar para o Senado ano que vem. José Roberto Arruda terá outro vice na chapa de reeleição.

Dr. Bill

Celso Atayde, da Central Única de Favelas do Rio, já pensava há um ano em lançar o rapper MV Bill a algum cargo político. Só precisava de um porta-voz. Usou Caetano Veloso, que mandou logo a dica para o Senado. Mas o cantor pode tentar a Câmara.

Os leitores

A Frente Parlamentar Mista da Leitura na Câmara estuda a elaboração de um projeto de lei de fomento ao livro e à leitura no país. A novidade: os deputados preveem preço único de capa para livro editado no Brasil. E desconto de 10% na venda.

Vista grossa

O TCU descobriu que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deixou de cobrar R$ 3,8 bilhões dos planos de saúde, referentes ao ressarcimento que o SUS deve receber por atendimentos de alto custo a pacientes de planos e de seguradoras.

Vista grossa 2

A ANS só exigia a indenização por internações hospitalares. Mas o tribunal atentou para a lei: a agência deve cobrar também pelos atendimentos ambulatoriais. A ANS deverá apresentar um plano de cobrança em 90 dias.

Pechincha

A Alfândega da Receita Federal no Porto de Santos (SP) realiza dia 16 leilão de mercadorias apreendidas. Serão 165 os lotes de produtos avaliados no total de R$ 9,8 milhões. Há roupas, eletrônicos e produtos químicos.

No ar

Só para constar, a página da Receita Federal na internet passa a ter novo layout.

Pajelança

Minas Gerais sedia amanhã o X Fórum de Governadores do Nordeste em Montes Claros e a 5ª Reunião do Conselho Deliberativo da Sudene.

Derivativos

Ricardo Genis Mourão, especialista em finanças, faz um seminário sobre aplicações realizadas em derivativos, dia 27, às 14h (Av. Paulista, 2006, 9º andar).

Gole sem crise

Striding Man, ícone de Johnnie Walker, comemora 100 anos e recebe garrafa especial com detalhes em ouro. A edição limitada será vendida em bares de São Paulo, Rio e Brasília.

GOSTOSA


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ELIANE CANTANHÊDE


O futuro do Samuel

FOLHA DE SÃO PAULO - 05/04/09

DUBAI - Começaram as apostas sobre o destino do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães a partir do mês de outubro, quando completa 70 anos e deverá, ou deveria, se aposentar.
Todo-poderoso secretário-geral do Itamaraty, Samuel é bacharel pela Faculdade Nacional de Direito do Rio, mestre em economia pela Universidade de Boston e ex-professor da UnB, da UFRJ e da UERJ. Com tantos títulos, só virou secretário-geral depois de um jeitinho. Faltava-lhe um requisito funcional: ele nunca havia sido (como continua sem ser) embaixador em país nenhum.
Para a mão se amoldar à luva, foi editada MP abrindo o cargo para "ministros de primeira classe" em geral (embaixadores com ou sem embaixadas), retirando a exigência de que alguma vez tivessem apresentado credenciais no exterior. Agora, a melhor aposta é que um novo jeitinho está em gestação: um parecer da Consultoria Jurídica simplesmente dizendo que o cargo é de "ministros de primeira classe", agora sem especificar se têm de ser da ativa ou podem ser aposentados. Casado com uma americana, Samuel liderou o enterro da Alca e é o símbolo do antiamericanismo da atual gestão do Itamaraty -algo que ele, evidentemente, nega. Mas não nega e até se orgulha de ser o símbolo da política externa "de esquerda", de ser o petista número um entre os diplomatas e de frequentar os palanques eleitorais de Lula em 2006.
Enquanto Celso Amorim se digladia na OMC e faz o trabalho de campo para Lula brilhar com suas teses "de improviso", Samuel é uma espécie de técnico que cuida da casa, dos diplomatas, dos funcionários. Mas, enterrada a Alca, a luta continua. Nas horas vagas, é o fiel escudeiro do assessor internacional Marco Aurélio Garcia, em infindáveis idas e vindas à Argentina.
Aliás, essa é uma outra aposta: Buenos Aires. Seria uma forma de não encerrar a carreira como embaixador sem embaixada.

ÉLIO GASPARI


Sem favelados, o que será de nós?

O GLOBO - 05/04/09

O Instituto Pereira Passos informa: a expansão física das favelas da zona sul do Rio é uma lorota


O 'GOVERNO do doutor Sérgio Cabral quer murar 11 comunidades da zona sul do Rio de Janeiro. O objetivo proclamado pelos seus sábios é a defesa da mata e o controle da expansão das favelas. Deve-se aos repórteres André Zahar e Italo Nogueira a desmistificação dessa patranha. Os números do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, o centro de pesquisas da prefeitura carioca, informam que, entre 1999 e 2008, a expansão física das favelas cariocas foi de 6,9%.
Pode ser muito, mas as 11 comunidades escolhidas pelo governo de Cabral cresceram 1,2%. A Dona Marta, onde a construção do muro já começou, encolheu 1%. O doutor só quer murar comunidades encravadas na zona sul.
Não bastou o vexame ocorrido em dezembro de 2007, quando uma patrulha ecológica subiu à favela da Chácara do Céu para derrubar barracos que invadiam a mata e achou apenas um puxadinho. No lance, seus patrulheiros souberam (e viram) que um condomínio vizinho privatizara o meio ambiente, construindo duas quadras de tênis.
O Muro do Cabral é uma construção do imaginário demófobo. Já em 1926 reclamava-se da "infestação avassaladora das lindas montanhas do Rio de Janeiro pelo flagelo das favelas, lepra da estética". Em 1930, o arquiteto francês Alfred Agache, um dos reformadores do Rio, lembrava que, com a burocracia urbana da cidade, "o operário pobre fica descoroçoado e reúne-se aos sem-teto para levantar uma choupana".
Trocando-se o trabalho objetivo da revisão das posturas pelo culto à subjetividade da teoria da lepra, produziu-se o urbanismo do medo. A primeira proibição de obras em favelas é de 1937.
Às vezes as pessoas, cidades ou até mesmo nações acreditam que seus problemas estão encapsulados numa anomalia (a favela, ou a violação de sepulturas) e que as soluções demandam a imposição da disciplina a um pedaço demonizado da sociedade (o muro, ou a perseguição aos índios).
Sepulturas e índios entram nessa história por conta de um episódio da Guerra Civil Americana. Sullivan Ballou, um advogado de Rhode Island, alistou-se como major nas tropas da União e, em julho de 1861, escreveu à sua mulher Sarah uma das cartas mais bonitas da história.
Ballou morreu uma semana depois, no primeiro grande combate da guerra e foi sepultado na vizinhança de uma igreja. Gente de seu Estado chegou à região para resgatar os mortos e achou o horror. O major fora retirado da sepultura e decapitado. A cabeça sumira e o corpo havia sido queimado. A selvageria foi atribuída aos índios que acompanhavam as tropas do Sul. Mentira. Uma comissão do Congresso investigou o caso e concluiu que não havia índios no lance. Como diria Nosso Guia, quem roubou a cabeça de Ballou foram os "brancos de olhos azuis", muito provavelmente do 21º Regimento da Geórgia, o Estado de Scarlett O'Hara e de Ashley Wilkes (Vivian Leigh e Leslie Howard em "...E O Vento Levou").
O crânio de Ballou pode ter se transformado em suvenir, pois alguns sulistas desenterravam soldados do Norte e guardavam ossos para mostrar em casa. Convinha acreditar que as tropas do general Lee jamais fariam coisas assim. Era serviço de índio, mas índios não havia.
Quando a exaltação prevalece sobre o raciocínio, alguma coisa acaba dando errado. Se os índios tivessem degolado Ballou, os americanos não teriam que lidar com a realidade dos soldados da Causa Nobre violando sepulturas para roubar caveiras. Se as favelas estivessem engolfando a zona sul do Rio, o medo e os muros poderiam alavancar um plano de governo.
Se o doutor Cabral quisesse apenas demarcar a mata e evitar a expansão das favelas, o muro não precisaria ter três metros de altura, bastariam 30 centímetros. Essa medida atende a uma fantasia demófoba e irracional: murando o outro, eu me protejo. Felizmente os números do Instituto Pereira Passos tiram o véu da iniciativa: estão murando a Dona Marta (que encolheu) e pretendem murar comunidades da zona sul cuja expansão foi irrelevante.
É o caso de recitar as últimas linhas do poema "À Espera dos Bárbaros", do egípcio Constantino Kaváfis:
"Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! Eles eram uma solução".

TRAIDOR
Em 2005, quando a Polícia Federal varejou a contabilidade da Daslu, o presidente da empreiteira Camargo Corrêa, doutor Fernando de Arruda Botelho, fazia pequenos comícios sociais contra o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Na suas palavras, permitindo que a polícia entrasse na Daslu, o advogado traía "sua gente". Passou o tempo, a Polícia Federal varejou a Camargo Corrêa e o doutor Arruda Botelho contratou Thomaz Bastos para chefiar a equipe de advogados que defenderá a empresa. No mínimo, mudou de ideia a respeito do que vem a ser uma traição.

FUMAÇA
A banda de música das empresas que vendem tabaco deveria engavetar o terrorismo tributário a que recorre para condenar a alta do IPI dos cigarros, que elevará o custo do maço em pelo menos 20%.
Segundo a Souza Cruz, a elevação do imposto estimulará o contrabando e provocará um efeito contrário, baixando a arrecadação. Admitindo-se que o argumento seja verdadeiro, sobra uma questão: o contrabando precisará dos fabricantes brasileiros para se expandir. Atualmente o Paraguai exporta ilegalmente 19 bilhões de cigarros para Pindorama.
Uma parte é de produtos falsificados. A outra é comprada legalmente em fábricas brasileiras, livres de impostos.
Se o contrabando aumentar, a indústria do fumo pode ajudar a Viúva.
Basta ficar de olho nas suas vendas ao Paraguai. Se aparecerem importações esquisitas, deve alertar o governo. De certa maneira, é o que os bancos fazem quando não querem se acumpliciar com mecanismos de lavagem de dinheiro.

"ESSE É O CARA"
Ainda não se pode garantir que o companheiro Obama visitará o Brasil durante o governo de Nosso Guia. Se isso acontecer, será a primeira passagem de um chefe de Estado estrangeiro por Pindorama com clima de Carnaval.

ARMADILHA
Na terça-feira, Lula foi surpreendido ao ver que comeria ao lado de Omar Al-Bashir, o soba do Sudão. Felizmente, deu uma desculpa e foi-se embora.
Nunca na história deste país um presidente foi para uma mesa sem que a turma do seu cerimonial lhe dissesse quem sentaria ao seu lado.

JUIZ QUALQUER
Na quarta-feira, os ministros Carlos Ayres Britto e Eros Grau deram seus votos pela revogação da Lei de Imprensa. A sessão do STF poderia ter continuado, mas Gilmar Mendes houve por bem suspendê-la. Antes de levantar da cadeira, o presidente da corte disse que, a seu juízo, ainda há alguns aspectos a ponderar. Tudo bem, mas, se ele tinha algo a dizer, não deveria ter encerrado os trabalhos. Se precisava terminar a reunião, poderia ter deixado o comentário para a sessão do dia 22.
Como diria Neném Prancha, "jogador joga no campo, quem dá entrevista na boca do túnel é massagista".
As dúvidas do ministro relacionam-se com a pronta cessão de espaço para as vítimas dos jornalistas: "Não se pode entregar a qualquer juiz ou tribunal a construção do que é direito de resposta".
Falta definir "qualquer". Só o presidente do Supremo pode fazê-lo porque, se a patuleia tentar, vai em cana por desacato ao meritíssimo, qualquer que seja.

DORA KRAMER

Obama é o cara


O ESTADO DE SÃO PAULO - 05/04/09


O presidente Luiz Inácio da Silva saiu muito bem na foto da reunião do G20, mas o presidente Barack Obama saiu-se muitíssimo melhor. A comparação não diminui Lula em nada, ao contrário. É preciso ter um certo charme, muita simpatia e carregar alguma simbologia para ser chamado a dividir a cena com um catedrático na matéria artimanhas da sedução.

Obama poderia ter escolhido qualquer outro para destacar da roda de presidentes no momento reservado à descontração. Escolheu Lula porque lhe pareceu o parceiro perfeito, entre aqueles senhores e senhoras desprovidos de peculiaridades pessoais, para chamar de “meu chapa”.

O único a reunir origem operária, nacionalidade de emergente, ficha aprovada no item condução da economia, em dia no quesito democracia e de bem com a vida no que diz respeito à popularidade interna.

Tudo nos conformes para Barack Obama mais uma vez acentuar seu perfil “gente como a gente” no monumental trabalho de relações públicas para reaproximar os Estados Unidos do mundo e tirar do país o ranço de império do mal levado ao paroxismo pelo antecessor.

Ao elogiar Lula – “eu adoro esse cara”, “é o político mais popular da terra”–, Obama atrai para si tudo o que aquela atitude reflete: desprendimento, naturalidade de expressão afetiva, capacidade de reconhecer qualidades alheias em público e ressaltá-las, alegria, leveza, jovialidade, zero de afetação e por aí seguem-se atributos que o traduzem como o melhor dos contrapontos à representação contida na figura de George W. Bush

Evidentemente, Obama sabe quem é o político mais popular do planeta, bem como consegue perceber que o presidente brasileiro não estaria entre os finalistas em concurso de “boa-pinta”. Não era, porém, a exatidão o que estava em jogo ali.

E, no jogo proposto, o presidente americano mostrou-se um craque: fez brilhar a própria estrela lustrando o brilho do outro; transpareceu humildade, enaltecendo a grandeza do realmente mais humilde no sentido de poder, importância e influência.

Lula, por sua vez, fez direito a parte que lhe cabia: “Obama tem a cara da gente”, declarou feliz, como quem recebera a recompensa por toda a existência. Terá sido ainda mais bem recompensado se perceber que ganhou de Obama mais que elogios. Recebeu de presente uma lição. Caberá a ele absorver – ou não – da melhor forma o conselho involuntário transmitido por seu novo “chapa”: o verdadeiro astro é aquele que sabe atrair a luz por gravidade.

Sem cabotinismo, auto-exaltação, apropriação dos méritos alheios, anulação das qualidades de outrem, manifestações de egolatria, sem ira nem ressentimento. Com modéstia, simplicidade, classe, compostura verbal e respeito ao contraditório.

Por tabela

Uma comparação entre o valor do salário mínimo e o subsídio dos parlamentares mostra que de 1995 a 2009 houve uma substancial redução entre um e outro. Há 14 anos o mínimo era de R$ 100, sendo necessários 80 deles para pagar os R$ 8 mil da remuneração mensal de um congressista.

Hoje, os deputados e senadores ganham R$ 16.512. Com o mínimo valendo R$ 465, são necessários 35 salários para remunerar um parlamentar.

Porém, se for somada a verba indenizatória de R$ 15 mil mensais, o subsídio do congressista vai para R$ 31.512 e o número de salários mínimos contidos nesse valor sobe para 67.

Esses números circulam a propósito de comprovar que o Congresso sofreu uma redução salarial e que as resistências aos aumentos criam uma polêmica demagógica.

Olhando bem as contas percebe-se que o mínimo subiu mais de quatro vezes no período, de R$ 100 para R$ 465, e o salário dos congressistas (somada a verba indenizatória) aumentou quase na mesma proporção, de R$ 8 mil para R$ 31.512.

A verba não pode ser vista como salário? Tecnicamente não, mas na prática é, e ainda melhor. Sobre ela não há desconto de Imposto de Renda nem repasse para os partidos que cobram porcentual de contribuição dos parlamentares. No caso do PT, salgados 30%.

Por essas e talvez algumas outras, a retomada da proposta de incorporação da verba aos salários, de fato e direito, pode encontrar resistência. Como o teto do funcionalismo é R$ 24.500, os deputados e senadores teriam uma redução na quantia recebida por mês e ainda precisariam pagar imposto sobre mais R$ 8 mil em relação ao salário oficial de hoje.

Agora, se a ideia for incorporar a verba até a quantia máxima permitida e preservar a diferença (entre R$ 24.500 e R$ 31.512) como ressarcimento, aí sim haverá adesão total.

Passo a passo

O ex-governador Geraldo Alckmin abraçou a causa da chapa puro-sangue José Serra-Aécio Neves para a Presidência em 2010. Quando era ele o pretendente, em 2006, defendia outra tese: “O Brasil é um país multipartidário, por isso precisamos de alianças.”

LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

LADO A LADO


O GLOBO - 05/04/09


Encosto ou não encosto? Só o joelho. O que pode acontecer? Ela dizer “Mr. Lula, please!” Aí eu recolho o joelho, peço desculpas, “aimsórri, aimsórri” e pronto. Se eu soubesse falar inglês, explicaria. Sabe o que é, Elizabeth? Eu estava aqui pensando: quando é que, lá em Pernambuco, eu ia imaginar que um dia estaria sentado ao lado da rainha da Inglaterra? Não sei quem é que me botou aqui para tirar esta fotografia dos G-20. Não acho que tenha sido um pedido seu, “Quero o bonitinho de barba à minha esquerda”. Claro que não. Mas o fato é que estou aqui e o Barack está aí atrás em algum lugar, de pé e se perguntado o que eu tenho que ele não tem. O Sarkozy não deve nem estar aparecendo. Ficou atrás da Merkel e não vai sair na foto. E eu aqui ao seu lado, na primeira fila. Isto significa muito, viu Elizabeth? Lá na minha terra vai ter gente se mordendo de raiva. Onde já se viu, aquele retirante nordestino que nem fala direito sentado à esquerda da rainha da Inglaterra?

Quando eu me elegi muita gente ficou horrorizada: como é que vai ser quando ele, um torneiro mecânico, tiver que nos representar num jantar oferecido, por exemplo, pela coroa inglesa? Vai ser servido na cozinha, para não dar vexame na escolha dos talheres. E aqui estou eu, sentado ao lado – com todo o respeito – da coroa inglesa em pessoa.

Se foi o protocolo que me botou aqui, ele acertou, viu Beth? Você, queira ou não, não é só a rainha dos ingleses, é, simbolicamente, a rainha de todos os loiros de olhos azuis do mundo, incluindo o Barack. De todos os bandidos que causaram esta crise e hoje nos infernizam a vida. E, de certo modo, eu sou o seu oposto. Sou uma espécie de rei republicano dos não-loiros do mundo – ou pelo menos deve ter sido essa a ideia do protocolo aos nos botar lado a lado. Todos os outros chefes de Estado desta fotografia seriam dispensáveis. A foto poderia ser só de nós dois e estariam todos representados. E isto significa outra coisa também, viu Beth? Eu não me contentei em ter nascido na miséria, no Nordeste, e quis mais. Não me contentei em ser um torneiro mecânico em São Paulo e quis mais. Não me contentei em ser um líder sindical e quis mais. Não me contentei em perder eleição atrás de eleição, insisti e acabei presidente.

Agora estou aqui, lado a lado com a rainha da Inglaterra, num dos pontos mais altos da minha carreira, e também quero mais. Por isso minha perna se moveu e meu joelho encostou no seu. De certa forma, o movimento da minha perna foi o passo final da caminhada que começou em Pernambuco, tantos anos atrás. Já que, ao contrário de você, Beth, não posso ficar no poder para sempre.

DANUSA LEÃO

A mania de mudar

FOLHA DE SÃO PAULO - 05/04/09

A cada casa que vejo, acho que a minha, além de ser um lixo, deveria ser no estilo daquela


TEM GENTE QUE não sossega; não porque não queira, mas porque não consegue. Eu sou um desses casos perdidos.
Adoro me mudar de casa, e a cada vez que me instalo, com tudo no lugar, sempre acho, com a maior sinceridade, que desta vez é para sempre. Só que não é.
A cada casa que vejo, acho que a minha, além de ser um lixo, deveria ser no estilo daquela. Mas estilos são vários, e a cada um acontece a mesma coisa. Se é uma casa toda colorida, cheia de móveis e enfeites, fico querendo fazer a minha igual. Se é toda branca, com apenas fotografias em preto-e-branco na parede, penso logo em mudar tudo e fazer igualzinho. É difícil a vida dos que não conseguem ficar sossegados.
Outro dia fui ao apartamento de um amigo, desses bem modernos, com cozinha americana dando para a sala, sem quarto de empregada, uma sala legal que daria para não mais que um sofá e umas duas ou três poltronas, o chamado só um ambiente, e uma mesinha para quatro pessoas. Pirei.
Pirei e fiquei pensando: para que preciso morar num apartamento em que posso convidar 20 ou 30 pessoas para jantar, se não convido nunca? Para que preciso de uma mesa onde cabem oito pessoas, se nem eu mesma janto nela, já que só como numa bandeja? E as bugigangas que compro em qualquer viagem que faça, seja em Belém do Pará ou Nova York? De Belém, aliás, tenho uma pele de cobra de quase dois metros que mandei emoldurar e botar na sala. Agora me responda: e eu preciso dessa cobra? E ela por acaso embelezou minha casa? Claro que não. Mas é a mania de acumular, acumular, e quem tem essa mania deveria frequentar um grupo de compradores compulsivos. Eu, por exemplo (e isso sem falar nas roupas).
Aí tomei uma decisão: me mudar para um lugar muito menor e me desembaraçar de tudo o que eu não preciso porque é supérfluo, porque é demais. E comecei a procurar um apartamento.
O primeiro a que me levaram foi um apart, e quase desmaiei já na entrada, com a quantidade de homens que -via-se- deve ter vindo ao Rio a trabalho, para passar uma única noite. Saí de lá quase correndo, e aí fui ver o segundo. Parecia que tinham jogado uma bomba dentro dele. Saí ventando e recomecei a procura nos classificados.
E comecei a pensar que jamais encontraria um apartamento totalmente a meu gosto; teria que fazer uma obra -coisa que, por sinal, eu adoro. Até aí, tudo bem. Mas comecei a me deprimir quando pensei em outras coisas que acontecem quando se muda. Em primeiro lugar: o telefone seria o mesmo? Depois, teria que ligar para vários amigos -com direito a um papo com cada um, contando por que mudei e como é o novo apartamento- para dizer o novo endereço; e avisar ao banco, e à Net, e ao UOL, ouvindo sempre aquele robô me dizendo que, dependendo do assunto, para teclar um número diferente (e marcar dia e hora para a Net vir instalar o decodificador -será esse o nome?). E a correspondência? Avisar aos Correios que mudei de endereço é acima de minhas forças; e o rapaz que cuida do meu computador, que passaria o dia inteiro -porque eles demoram- instalando o wireless, será que eu teria saúde para tudo isso? Acho que não.
Comecei a achar meu apartamento a coisa mais linda do mundo, e se resolver quebrar uma parede, quebro, sem toda essa mão de obra.

MÍRIAM LEITÃO

No túnel do tempo


O GLOBO - 05/06/09


Na crise, está crescendo um dos males econômicos do qual tentamos nos livrar: a transferência de renda para cima. Como na ditadura, o caminho é o mesmo: uso dos bancos estatais, dos subsídios, dos incentivos fiscais, da rolagem de dívidas, dos fundos de poupança pública. A conversa é a mesma: fortalecer as empresas nacionais. A leitura local da crise, de suas causas e remédios, reabilitará velhos hábitos.

O governo atual sempre acreditou na ideologia econômica do governo militar. A ideia do crescimento liderado, dirigido, financiado e subsidiado pelo Estado sempre fez sentido para muitos deles. Como se o dinheiro público gasto sem controle não prenunciasse mais extorsão da sociedade, através de uma carga tributária alta. Eles se definem com o simpático nome de “desenvolvimentistas”, como se houvesse quem fosse contra o progresso. A questão sempre foi sobre a qualidade das escolhas para se chegar ao desenvolvimento.

Rondam, de novo, a economia brasileira as famigeradas operações-hospital do BNDES. O banco tem entrado de sócio e dado dinheiro para empresas com conhecidas dificuldades. Um dos possíveis candidatos ao dinheiro do banco é o Frigorífico Independência, que está em recuperação judicial e tem abatedouros em áreas de desmatamento. Os fundos públicos têm sido usados para rolar as dívidas de setores que têm dívidas com a sociedade. Alguns setores escolhidos estão tendo alívios fiscais que outros não têm.

Tudo lembra o caminho feito na época do governo militar. No primeiro ano do regime, quando anunciaram o PAEG, o Plano de Ação Econômica do Governo, os militares falaram em austeridade e cortaram gastos, mas deram aumentos salariais de 100% para os funcionários públicos e de 120% para os próprios militares. A tese de, na escassez, primeiro os nossos gastos, data daquela época.

O crescimento que aconteceu depois dos primeiros anos de tentativa de equilíbrio foi inflacionista e baseado em farta distribuição de recursos públicos para cima, sem controle e sem contrapartida. “O governo não hesitou em lançar mão de um amplo esquema de subsídios e incentivos fiscais para promover setores e regiões específicas, que passaram a fazer parte da política industrial do governo”, ensina Luiz Aranha Corrêa do Lago, no capítulo que escreveu para o livro “A Ordem do Progresso”, organizado por Marcelo Paiva Abreu, da PUC do Rio de Janeiro. “Todas as declarações em favor do desenvolvimento do setor privado e da livre operação do mercado contrastavam com a proliferação de incentivos, novos subsídios, isenções específicas” diz o texto.

Tudo era feito para criar empresas fortes e forjar o Brasil grande, mas acabou criando apenas empresas dependentes do Estado. O governo se agigantou. O brasilianista Tom Trebat, da Universidade de Columbia, registrou em seus estudos que de 1968 a 1974 foram criadas 231 empresas estatais.

Reli, durante a semana, textos sobre a história da política econômica dos anos do regime militar para um evento pedido pela CBN. Eu teria que responder – num programa gravado e com público, na Livraria da Travessa –, se os militares tinham acertado na economia. Apesar dos avanços, como a criação do Banco Central e investimentos em infraestrutura, minha convicção é que o saldo daquele período é negativo também na economia.

A democracia herdou a armadilha inflacionária, a divida externa, o Estado agigantado, uma estrutura fiscal tosca, um país fechado, uma indústria formada por monopólios e cartéis e empresários viciados em Estado. Anos foram gastos para desarmar alguns desses defeitos da economia. Outros ainda estão entre nós e crescem à sombra, e com o pretexto, da crise atual. Depois da palestra, uma amiga me falou que, quando ouviu a descrição do gigantismo do Estado e da distribuição de favores a empresas, pensou: “não mudou muito não”.

Houve uma lenta construção de alguns princípios e instituições que deram um pouco mais de transparência ao gasto do dinheiro público. O Banco Central deixou de ser banco de fomento para ser apenas autoridade monetária. A sangria de dinheiro público pelos bancos estaduais foi estancada. As siderúrgicas deixaram de ser estatais e, portanto, pararam de subsidiar com matéria prima barata grandes empresas e multinacionais. Foram fechados alguns monstros engolidores de dinheiro do contribuinte, tipo a Siderbrás. Acabaram monopólios, como o das telecomunicações. O país foi, aos poucos, entrando numa nova lógica.

Muito entulho do estatismo ficou. Muita gente no governo, com poder de decisão, acredita neste ideário de fortalecer a “burguesia nacional”, fazer um Brasil grande pela mão forte do Estado, criar estatais ou rever privatizações, salvar empresas mesmo que tenham quebrado por má gestão. Agora, eles ouvem do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, que inflação não é mais problema, que agora é a era do expansionismo fiscal e monetário, que os governos devem fazer tudo o que for possível contra crise. Entendem isso como um sinal de que o mundo se curva, afinal, a eles. Que agora há uma licença global para gastar, que a ideia estatista sempre esteve certa. Esse é o risco do momento. O governo não está entendendo nossas limitações e pode aplicar, literalmente, um receituário que vai nos levar ao regresso institucional e gerar a crise fiscal futura.

O IDIOTA

DOMINGO NOS JORNAIS

Globo: Tráfico controla até rede de prostituição infantil no Rio

 

Folha: Brasil gasta com ‘spread’ 2,5 vezes o orçamento da Saúde

 

Estadão: Crise devolve 563 mil às classes D e E

 

JB: Leme e Copacabana serão bairros modelo

 

Correio: Castelo de Areia - Senadores questionam PF sobre investigação