domingo, abril 13, 2014
A dor do crescimento - MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA - 13/04
Eu tentava descrever como era aquela dor, mas não encontrava jeito. Acontecia nas pernas, nas duas ao mesmo tempo. Não era fadiga muscular, não era um machucado, nem torção, nada tinha inflamado, eu não havia batido com elas numa mesa, nem tropeçado, não parecia nem mesmo dor, e sim um incômodo, um alerta interno. Eu podia caminhar, até correr, se quisesse. Mas não estava tudo bem, e quando eu vencia a vergonha de não conseguir explicar exatamente o que sentia e me queixava daquilo que nem parecia existir de tão aleatório alguém dizia: não esquenta, é a dor do crescimento.
Um diagnóstico poético demais para uma criança. Como assim, dor do crescimento? Eu crescia numa velocidade irritantemente lenta, tão poucos centímetros por ano, não acreditava que esse ganho ínfimo de estatura, imperceptível, pudesse originar dor. Dor vem do choque, vem do baque, deixa marca, tem motivo, não poderia nascer assim de um alongamento que ninguém conseguia enxergar a olho nu.
Reumatismo também não era, porque reumatismo era doença de avós. Tudo bem que eu já estivesse com quase 11 anos, mas não era assim tão velha.
“É dor do crescimento, menina, todo mundo tem, não te bobeia. Já já passa”.
Não passou. Apenas subiu das pernas para o coração e depois foi ainda mais para cima, alojando-se no cérebro. Abandonou os membros inferiores e passou a fazer turismo em duas regiões de mais prestígio. Essa transferência aconteceu logo que eu parei de alongar verticalmente e virei o que se chama por aí de gente grande e estabilizada.
Mas gente grande continua crescendo?
Pois é. Não me peça para explicar, porque sigo não encontrando um jeito de. Às vezes dói no peito, às vezes na cabeça, às vezes nos dois lugares ao mesmo tempo, mas não há nada sangrando, e também não é fadiga, mesmo já se tendo vivido bastante e cansativamente. Torção... Não, também não. De novo, ninguém esbarrou numa mesa, nenhuma parte do corpo ficou roxa, não é um arranhão, nem parece dor.
Então é o quê? Um esgotamento por fazer sempre as mesmas perguntas irrespondíveis, por se retorcer com questões que aparentam ter soluções simples, mas não têm, por não aceitar que seja difícil o que deveria ser fácil, por se flagrar tendo reações contundentes quando a vontade era de chorar baixinho, por tentar estabelecer uma forma de vida que organize o caos, mesmo sabendo que o caos está sempre atrás da porta rindo das nossas tentativas de controlá-lo. Nada fica roxo, mas turva a visão. Nada deixa cicatriz aparente, mas não fecha. Fica aberto, latente, insistentemente lembrando a existência daquilo que não se explica, sobre o qual pouco se conversa, mas que, de alguma forma, também faz a gente ganhar em estatura.
Ainda é a dor do crescimento, e não cessa.
Mas a Petrobras é deles - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 13/04
A verdade é que a história da Petrobras, desde que caiu nas mãos de Lula, tem sido desastrosa
Os escândalos que envolvem a Petrobras merecem ser considerados com atenção porque revelam quem são as pessoas que nos governam e às mãos de quem nosso país foi entregue.
Todos certamente se lembram do uso que Lula fez da Petrobras durante a campanha eleitoral, inventando que o adversário iria privatizá-la. O adversário ganhou as eleições e não a privatizou; ele, Lula e sua turma, chegados ao governo, usaram-na politicamente, levando-a a prejuízos sucessivos, levando-a da condição de empresa lucrativa, mundialmente respeitada, à situação crítica em que se encontra hoje, com a perda preocupante de seu valor de mercado: caiu de aproximadamente R$ 500 bilhões para R$ 150 bilhões, ou seja, para menos de um terço do que valia.
Até aqui, nós brasileiros atribuíamos esse desastre ao uso eleitoral que Lula fez da empresa, obrigando-a a vender seus produtos por um preço inferior ao que paga para importá-los. Até aí, o abuso se limitava a prejudicar o desempenho da Petrobras em função de seus interesses partidários.
Mas o escândalo da compra da refinaria de Pasadena já é outra coisa: envolve Lula, então presidente da República, e Dilma Rousseff, chefe de sua Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobras naquela época. Trata-se de uma inexplicável transação de que resultou um prejuízo de milhões de dólares para a empresa brasileira.
Mas o problema não se limita a esse vultoso prejuízo, pois foi agravado pelo modo como a coisa se deu. Como se não bastasse ter a Petrobras pago US$ 360 milhões pela metade da refinaria que havia sido comprada, um ano antes, por apenas US$ 42 milhões, ainda foi obrigada a adquirir por US$ 680 milhões a outra metade, conforme a obrigava o contrato!
E Dilma, como presidente de Conselho, concordou com isso? Diante do escândalo, ela soltou uma nota afirmando que aquelas cláusulas haviam sido omitidas no contrato que lhe foi apresentado, do contrário, não teria aprovado a compra. E puniu o suposto responsável, Nestor Cerveró, que lhe teria apresentado o suposto documento, demitindo-o cargo de diretor internacional. O curioso é que tudo isso já era conhecido desde 2012 e ninguém havia sido punido.
No entanto, nossa surpresa não para aí. Após a nota da presidente Dilma, admitindo a falcatrua, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, veio a público afirmar que a compra da refinaria de Pasadena foi feita de acordo com as estritas normas administrativas, não tendo havido nenhuma trapaça. Se isso é verdade, então a nota de Dilma é mentirosa e a demissão de Cerveró, uma medida farsesca para ocultar a verdade. Afinal, qual dos dois está mentindo?
A verdade é que a história da Petrobras, desde que caiu nas mãos de Lula, tem sido desastrosa. Lembram-se da propalada iniciativa do presidente Lula ao decidir construir, em Pernambuco, uma refinaria em sociedade com presidente venezuelano Hugo Chávez? A tal refinaria Abreu e Lima, que custaria US$ 2,5 bilhões, já está custando US$ 18 bilhões e ainda não funciona. A Venezuela não entrou com um tostão que fosse.
Como se vê, pelo menos no que se refere a petróleo, o estadista Lula é um fracasso. Sim, porque tem mais: ele também inventou de comprar uma refinaria no Japão por US$ 71 milhões, mas, até agora, a Petrobras já gastou US$ 200 milhões. A consequência de tudo isso é que, como seria inevitável, a grande empresa brasileira vem se descapitalizando, chegando hoje, na avaliação do mercado internacional, a menos de um terço do que valia antes de ser entregue ao populismo petista.
Como se sabe, uma das características do populismo é usar empresas do Estado como moeda de troca no jogo do poder. Nesse jogo, entram desde o presidente da República até vigaristas como Paulo Roberto Costa, preso por lavagem de dinheiro.
E o pior é que a senadora Gleisi Hoffmann, do PT, até recentemente ministra da Casa Civil de Dilma, teve a coragem de afirmar que a finalidade da Petrobras é melhorar a vida do brasileiro pobre e não dar lucro, pois isso só interessa aos acionistas. Ou seja, a Petrobras está no caminho certo, falindo.
A verdade é que a história da Petrobras, desde que caiu nas mãos de Lula, tem sido desastrosa
Os escândalos que envolvem a Petrobras merecem ser considerados com atenção porque revelam quem são as pessoas que nos governam e às mãos de quem nosso país foi entregue.
Todos certamente se lembram do uso que Lula fez da Petrobras durante a campanha eleitoral, inventando que o adversário iria privatizá-la. O adversário ganhou as eleições e não a privatizou; ele, Lula e sua turma, chegados ao governo, usaram-na politicamente, levando-a a prejuízos sucessivos, levando-a da condição de empresa lucrativa, mundialmente respeitada, à situação crítica em que se encontra hoje, com a perda preocupante de seu valor de mercado: caiu de aproximadamente R$ 500 bilhões para R$ 150 bilhões, ou seja, para menos de um terço do que valia.
Até aqui, nós brasileiros atribuíamos esse desastre ao uso eleitoral que Lula fez da empresa, obrigando-a a vender seus produtos por um preço inferior ao que paga para importá-los. Até aí, o abuso se limitava a prejudicar o desempenho da Petrobras em função de seus interesses partidários.
Mas o escândalo da compra da refinaria de Pasadena já é outra coisa: envolve Lula, então presidente da República, e Dilma Rousseff, chefe de sua Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobras naquela época. Trata-se de uma inexplicável transação de que resultou um prejuízo de milhões de dólares para a empresa brasileira.
Mas o problema não se limita a esse vultoso prejuízo, pois foi agravado pelo modo como a coisa se deu. Como se não bastasse ter a Petrobras pago US$ 360 milhões pela metade da refinaria que havia sido comprada, um ano antes, por apenas US$ 42 milhões, ainda foi obrigada a adquirir por US$ 680 milhões a outra metade, conforme a obrigava o contrato!
E Dilma, como presidente de Conselho, concordou com isso? Diante do escândalo, ela soltou uma nota afirmando que aquelas cláusulas haviam sido omitidas no contrato que lhe foi apresentado, do contrário, não teria aprovado a compra. E puniu o suposto responsável, Nestor Cerveró, que lhe teria apresentado o suposto documento, demitindo-o cargo de diretor internacional. O curioso é que tudo isso já era conhecido desde 2012 e ninguém havia sido punido.
No entanto, nossa surpresa não para aí. Após a nota da presidente Dilma, admitindo a falcatrua, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, veio a público afirmar que a compra da refinaria de Pasadena foi feita de acordo com as estritas normas administrativas, não tendo havido nenhuma trapaça. Se isso é verdade, então a nota de Dilma é mentirosa e a demissão de Cerveró, uma medida farsesca para ocultar a verdade. Afinal, qual dos dois está mentindo?
A verdade é que a história da Petrobras, desde que caiu nas mãos de Lula, tem sido desastrosa. Lembram-se da propalada iniciativa do presidente Lula ao decidir construir, em Pernambuco, uma refinaria em sociedade com presidente venezuelano Hugo Chávez? A tal refinaria Abreu e Lima, que custaria US$ 2,5 bilhões, já está custando US$ 18 bilhões e ainda não funciona. A Venezuela não entrou com um tostão que fosse.
Como se vê, pelo menos no que se refere a petróleo, o estadista Lula é um fracasso. Sim, porque tem mais: ele também inventou de comprar uma refinaria no Japão por US$ 71 milhões, mas, até agora, a Petrobras já gastou US$ 200 milhões. A consequência de tudo isso é que, como seria inevitável, a grande empresa brasileira vem se descapitalizando, chegando hoje, na avaliação do mercado internacional, a menos de um terço do que valia antes de ser entregue ao populismo petista.
Como se sabe, uma das características do populismo é usar empresas do Estado como moeda de troca no jogo do poder. Nesse jogo, entram desde o presidente da República até vigaristas como Paulo Roberto Costa, preso por lavagem de dinheiro.
E o pior é que a senadora Gleisi Hoffmann, do PT, até recentemente ministra da Casa Civil de Dilma, teve a coragem de afirmar que a finalidade da Petrobras é melhorar a vida do brasileiro pobre e não dar lucro, pois isso só interessa aos acionistas. Ou seja, a Petrobras está no caminho certo, falindo.
O aluguel do xodó e outros espantos - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O GLOBO - 13/04
Não faz muitos anos, sempre que eu voltava de qualquer estadazinha no exterior, por mais curta que tivesse sido, caía em cima de jornais e revistas brasileiros com uma fome de javali, lamentando sempre não ter estado presente a tal ou qual episódio. Só não lamentei em 64, porque mandaram me prender, acho que em meados do ano, e eu, Deus é grande, desde fevereiro estava, vejam vocês, estudando na Califórnia, com bolsa americana. Eu devia ser um tremendo subversivo safado mesmo, disseminando ideologias exóticas com a maior desfaçatez, no seio da pátria capitalista e ainda por cima à custa dela, sem tocar num miligrama do ouro de Moscou.
Havia rumores horripilantes e diziam que as cartas eram lidas pelos órgãos de segurança, além de todo mundo ser suspeito de deduragem. Os jornais eram difíceis e estavam sob censura ou severa marcação. Glauber apareceu em Los Angeles, vindo do México, onde lhe contaram que pegaram um colega de turma nosso, lhe enfiaram uma granada na boca e puxaram o pino. Bem mais tarde, já em Salvador, eu soube que esse colega tinha morrido mesmo, mas de um tumor no cérebro - sabe como é, tumor no cérebro, cabeça explodindo, clima de boataria sinistra, o pessoal vai confundindo as coisas. A gente acreditava em tudo, é claro, e aí, quando assustaram minha mãe, botando na televisão minha cara e meu nome completo (que é indecentemente comprido) e dizendo que eu estava sendo procurado por subversão ou crime contra a segurança nacional, fui me aconselhar com um ilustre professor meu, dr. Sherwood, e disse a ele que, com aquela conversa de granada na boca e similares, eu não voltaria ao Brasil nem arrastado. Ele me tranquilizou, daríamos um jeito.
Mas não precisou. Transcorrido o tempo que passei em Los Angeles, já tinham esquecido minha subversão, até porque fui um subversivo de quinta categoria e nem acertei a me tornar comunista, apesar de haver chegado a encarar O Capital - se bem que mande a honestidade confessar que não passei das primeiras cem páginas, se tanto. Mas, até mesmo por causa do clima político da época, minha avidez de saber tudo o que sucedera em minhas ausências do Brasil só fez crescer.
Agora não. Cheguei de volta e não corri atrás de revista ou jornal nenhum, mal e porcamente espiei os noticiários da internet. Estava fora e minhas duas crônicas mais recentes foram, digamos, de viagem. Agora talvez esteja na hora de voltar aos assuntos locais. É, pode ser, mas, espero que com a vênia dos gentis leitores, resolvi que não volto. Semana que vem, eu volto, quem sabe, aí já deve ter havido tempo bastante para a descompressão. Mesmo a passada de olhos rápidos e apreensivos que dei nas notícias mostrava que as novidades eram as velhidades de sempre, em suas cada vez mais exuberantes manifestações. Não há teclado que aguente, nem juízo que não amoleça.
Explicado o transe, passo a comentar, a troco de nada, um documentário a que assisti, complementado por um par de leituras curiosas. É sobre uma novidade japonesa. Segundo essas fontes, o Japão está longe, muitíssimo longe de ser uma nação pudica e de sexualidade reprimida, como muita gente acha. Dizem elas que o negócio lá é da pá virada e tudo quanto é serviço ou prática sexual tem uso corrente e aceito socialmente, dentro de algumas linhas mestras (que eles não dizem quais são, mas devem ser todas abaixo da cintura).
Bem, não sei direito, nem vem muito ao caso. O caso é que agora estão comerciando por lá o xodó. É o seguinte, por exemplo: o freguês ou a freguesa não querem casar ou ter compromisso. Comumente, compram o sexo que desejam, do jeito que desejam, com os parceiros que desejam. Mas cada vez mais se espalha entre eles a falta de um elemento presente nos antigos namoros, noivados e casamentos. Aquele chameguinho, a convivência de segredos, mãozinhas dadas e dedinhos entrelaçados, bolinação discreta no cinema, ciumeirinhas e arrufos, pipoquinha na boca, risadinhas cúmplices, mãos dadas na calçada - enfim, namoro mesmo, namorico. Tudo isso abrange romance nos gestos, olhares e palavras, mas sem envolvimento emocional de nenhum dos dois lados e imagino que cobrado por hora. O contratado faz uma espécie de papel teatral, o contratante também. E há quem goste de repetir o parceiro e quem não goste, há quem não faça sexo com o contratado, há todos os tipos. Os japoneses são danados, daqui a pouco aparecem com um aplicativo de iPhone que baixa papos chameguentos de vários tipos, debitados na conta do celular. Acho que o próximo passo será contratar cônjuges por hora ou temporada. Ou já se faz isso, inclusive aqui? Será que Nelson Rodrigues tinha razão, quando disse que o dinheiro compra tudo, inclusive amor sincero?
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P.S. - Sei que disse que não ia tocar em certos assuntos, mas acaba não dando para segurar e aí me despeço com umas perguntinhas locais. Caso sejam descabidas ou asnáticas, perdoem a ignorância - e perguntar não ofende. A primeira pergunta é sobre o prejuízo da Petrobrás, com a compra da tal refinaria. Já que ninguém sabia do negócio, a compra se fez sozinha? E, mais uma coisa, não havia um tal "domínio do fato" no caso do mensalão, ou seja, quem está no comando não tem responsabilidade ou culpabilidade? Ninguém tinha domínio do fato, na cúpula da Petrobrás? Assinaram sem ler a aprovação de um negócio que já foi qualificado de criminoso, contra o patrimônio da empresa. Não pega nada? Segundo eu soube, o deputado Genoino não escapou da cana em parte por ter assinado uns cheques sem lê-los. Finalmente, uma homenagem a meu saudoso amigo Zózimo: "E o pessoal do kkkkk, hein? Vai continuar cacacacando".
Não faz muitos anos, sempre que eu voltava de qualquer estadazinha no exterior, por mais curta que tivesse sido, caía em cima de jornais e revistas brasileiros com uma fome de javali, lamentando sempre não ter estado presente a tal ou qual episódio. Só não lamentei em 64, porque mandaram me prender, acho que em meados do ano, e eu, Deus é grande, desde fevereiro estava, vejam vocês, estudando na Califórnia, com bolsa americana. Eu devia ser um tremendo subversivo safado mesmo, disseminando ideologias exóticas com a maior desfaçatez, no seio da pátria capitalista e ainda por cima à custa dela, sem tocar num miligrama do ouro de Moscou.
Havia rumores horripilantes e diziam que as cartas eram lidas pelos órgãos de segurança, além de todo mundo ser suspeito de deduragem. Os jornais eram difíceis e estavam sob censura ou severa marcação. Glauber apareceu em Los Angeles, vindo do México, onde lhe contaram que pegaram um colega de turma nosso, lhe enfiaram uma granada na boca e puxaram o pino. Bem mais tarde, já em Salvador, eu soube que esse colega tinha morrido mesmo, mas de um tumor no cérebro - sabe como é, tumor no cérebro, cabeça explodindo, clima de boataria sinistra, o pessoal vai confundindo as coisas. A gente acreditava em tudo, é claro, e aí, quando assustaram minha mãe, botando na televisão minha cara e meu nome completo (que é indecentemente comprido) e dizendo que eu estava sendo procurado por subversão ou crime contra a segurança nacional, fui me aconselhar com um ilustre professor meu, dr. Sherwood, e disse a ele que, com aquela conversa de granada na boca e similares, eu não voltaria ao Brasil nem arrastado. Ele me tranquilizou, daríamos um jeito.
Mas não precisou. Transcorrido o tempo que passei em Los Angeles, já tinham esquecido minha subversão, até porque fui um subversivo de quinta categoria e nem acertei a me tornar comunista, apesar de haver chegado a encarar O Capital - se bem que mande a honestidade confessar que não passei das primeiras cem páginas, se tanto. Mas, até mesmo por causa do clima político da época, minha avidez de saber tudo o que sucedera em minhas ausências do Brasil só fez crescer.
Agora não. Cheguei de volta e não corri atrás de revista ou jornal nenhum, mal e porcamente espiei os noticiários da internet. Estava fora e minhas duas crônicas mais recentes foram, digamos, de viagem. Agora talvez esteja na hora de voltar aos assuntos locais. É, pode ser, mas, espero que com a vênia dos gentis leitores, resolvi que não volto. Semana que vem, eu volto, quem sabe, aí já deve ter havido tempo bastante para a descompressão. Mesmo a passada de olhos rápidos e apreensivos que dei nas notícias mostrava que as novidades eram as velhidades de sempre, em suas cada vez mais exuberantes manifestações. Não há teclado que aguente, nem juízo que não amoleça.
Explicado o transe, passo a comentar, a troco de nada, um documentário a que assisti, complementado por um par de leituras curiosas. É sobre uma novidade japonesa. Segundo essas fontes, o Japão está longe, muitíssimo longe de ser uma nação pudica e de sexualidade reprimida, como muita gente acha. Dizem elas que o negócio lá é da pá virada e tudo quanto é serviço ou prática sexual tem uso corrente e aceito socialmente, dentro de algumas linhas mestras (que eles não dizem quais são, mas devem ser todas abaixo da cintura).
Bem, não sei direito, nem vem muito ao caso. O caso é que agora estão comerciando por lá o xodó. É o seguinte, por exemplo: o freguês ou a freguesa não querem casar ou ter compromisso. Comumente, compram o sexo que desejam, do jeito que desejam, com os parceiros que desejam. Mas cada vez mais se espalha entre eles a falta de um elemento presente nos antigos namoros, noivados e casamentos. Aquele chameguinho, a convivência de segredos, mãozinhas dadas e dedinhos entrelaçados, bolinação discreta no cinema, ciumeirinhas e arrufos, pipoquinha na boca, risadinhas cúmplices, mãos dadas na calçada - enfim, namoro mesmo, namorico. Tudo isso abrange romance nos gestos, olhares e palavras, mas sem envolvimento emocional de nenhum dos dois lados e imagino que cobrado por hora. O contratado faz uma espécie de papel teatral, o contratante também. E há quem goste de repetir o parceiro e quem não goste, há quem não faça sexo com o contratado, há todos os tipos. Os japoneses são danados, daqui a pouco aparecem com um aplicativo de iPhone que baixa papos chameguentos de vários tipos, debitados na conta do celular. Acho que o próximo passo será contratar cônjuges por hora ou temporada. Ou já se faz isso, inclusive aqui? Será que Nelson Rodrigues tinha razão, quando disse que o dinheiro compra tudo, inclusive amor sincero?
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P.S. - Sei que disse que não ia tocar em certos assuntos, mas acaba não dando para segurar e aí me despeço com umas perguntinhas locais. Caso sejam descabidas ou asnáticas, perdoem a ignorância - e perguntar não ofende. A primeira pergunta é sobre o prejuízo da Petrobrás, com a compra da tal refinaria. Já que ninguém sabia do negócio, a compra se fez sozinha? E, mais uma coisa, não havia um tal "domínio do fato" no caso do mensalão, ou seja, quem está no comando não tem responsabilidade ou culpabilidade? Ninguém tinha domínio do fato, na cúpula da Petrobrás? Assinaram sem ler a aprovação de um negócio que já foi qualificado de criminoso, contra o patrimônio da empresa. Não pega nada? Segundo eu soube, o deputado Genoino não escapou da cana em parte por ter assinado uns cheques sem lê-los. Finalmente, uma homenagem a meu saudoso amigo Zózimo: "E o pessoal do kkkkk, hein? Vai continuar cacacacando".
Carecas - MARIO CORSO
ZERO HORA - 13/04
Meu amigo caminhava na Borges, ladeava o Parque Marinha, quando passa um ônibus de excursão de colégio. Entre a algazarra escuta algo particular: E aí, careca!. Olha para os lados numa derradeira esperança, mas não resta dúvida, não há mais ninguém, o careca é ele. O ônibus da juventude passou, e ele não estava dentro.
Ele já sabia. Acompanhava triste as partidas cotidianas, o travesseiro lhe fazia confidências, a limpeza do ralo era uma tortura. Porém, nunca tinha ouvido a maldita palavra, e isso faz toda a diferença. Seu antigo cabelo cacheado, que já não consistia, ganhara uma tesourada verbal.
Este foi o último dia de seu lamento, raspou o cabelo. Ao não esconder nada, recuperou a felicidade e a autoestima. Insiste que a única atitude digna de um homem é assumir, pouco importa a idade em que venha o infortúnio. Segundo ele, não se trata de colocar de lado a vaidade e a elegância, mas cabelo é projeção de uma atitude masculina por excelência.
A experiência lhe fez adotar uma filosofia: julga os homens a partir de como tratam a decadência de seus cabelos. Diz que ali moram informações valiosas sobre o caráter masculino. Afirma que já não se engana com eles, e acredita que se as mulheres prestassem atenção a esse detalhe evitariam muitos dissabores.
Para as mulheres, que talvez não nos entendam, falamos da mesma desordem cósmica que afligem os seios e seus problemas com a gravidade, ou a gramática psicótica que cerca o drama da celulite.
Todo homem um dia depara com esse pequeno caos. As entradas, que são o preâmbulo do suplício, só perdem em desespero para o aparecimento da tonsura, o pesadelo cristalizado. É a fase em que os homens entram na dança dos malabarismos capilares, penteados esdrúxulos que passam de cá para lá, de baixo para cima, na tentativa vã de esconder o impossível. Recorremos a tudo, desde o corte melancólico, que é o careca com rabinho, até o desespero alucinado: a peruca. Todas variações de uma enganação patética que não engana ninguém.
A verdade é que o complexo de Sansão nos pega a todos. Nossos cabelos são identificados à potência da juventude, sua queda é prenúncio do outono da vida. Despedir-se deles é duríssimo. Tenho que concordar com meu amigo: a maneira como envelhecemos diz muito de nós.
Não seja surpreendido pelos valentões, enfrente-os! - BRIAN BROWN
GAZETA DO POVO - PR - 13/04
Muitos estão chocados pelo fato de Brendan Eich ter sido forçado a renunciar ao cargo de CEO da Mozilla quando se soube que ele havia feito uma contribuição à campanha da Proposição 8, na Califórnia, para proteger o casamento como a união entre um homem e uma mulher, em 2008. Eich é o criador do JavaScript e havia muito tempo tinha posições de chefia na Mozilla, empresa que produz o navegador Firefox.
As ferramentas usadas com mais frequência pelos radicais do “casamento” gay são a intimidação e a coerção. Eles exigem não apenas a aceitação do “casamento” homossexual, mas o apoio total. Qualquer um que acredite que o casamento é a união de um homem e uma mulher é chamado de preconceituoso, promotor do ódio, alguém para quem não deve haver lugar na sociedade.
O ataque a Eich é uma caça às bruxas típica do macartismo, e infelizmente não é a primeira vez que tais situações acontecem – e também não será a última, a não ser que passemos a enfrentá-las.
No fim do ano passado, o canal A&E demitiu Phil Robertson, a estrela do reality show Duck Dynasty, um dos principais programas da emissora. Por quê? Porque Robertson, em entrevista a uma revista, disse acreditar que o casamento é a união entre um homem e uma mulher. Em 2011, o movimento gay atacou o CEO da rede de fast food Chick-Fil-A por expressar sua defesa do casamento tradicional. Os prefeitos de Chicago, Boston e Washington chegaram a dizer que a empresa não era bem-vinda em suas cidades!
Essas são táticas totalitárias que parecem surgir sempre e em todo lugar em que se redefine o casamento. Não importa o talento, as conquistas ou capacidades de alguém, a oposição ao “casamento” gay será tudo que importa para tornar uma pessoa incapaz de assumir cargos de liderança corporativa ou até mesmo de ser empregada, impedindo que tenha uma participação significativa na sociedade civil.
E os alvos não são apenas os “peixes grandes”. Pequenos empreendedores já ouviram de tribunais e “comissões de direitos humanos” que eles precisam transigir em suas convicções para manter as portas abertas. No estado do Novo México, um juiz disse que esse era o “preço da cidadania”. Floristas, confeiteiros e donos de pousadas foram processados e ameaçados, forçados a se curvar ao novo regime ou enfrentar punições.
Os ativistas do “casamento” gay conseguiram até se intrometer entre pais e filhos. Os pais têm negado o seu direito a proteger seus filhos de material escolar que doutrina as crianças sobre a nova regra do “casamento sem gênero”.
O que podemos fazer? Há apenas duas opções, desistir ou enfrentar. E nós escolhemos enfrentar.
A única maneira de parar os valentões é enfrentá-los. Defender a verdade – não apenas uma opinião – sobre o que é o casamento. Defender o direito das crianças de serem criadas por uma mãe e um pai. Defender a liberdade de expressão, de associação e de religião – religião que não se vive apenas da porta da igreja para dentro, mas que também influencia o modo como as pessoas conduzem seus negócios e criam seus filhos.
Não estamos surpresos pelo modo como os valentões do “casamento” entre pessoas do mesmo sexo trataram Eich e muitos outros antes dele. É o que valentões fazem. E nós devemos fazer o que qualquer pessoa decente faria. Enfrentá-los e dizer “não mais”!
Brian Brown é presidente da National Organization for Marriage nos Estados Unidos. Tradução: Marcio Antonio Campos
Muitos estão chocados pelo fato de Brendan Eich ter sido forçado a renunciar ao cargo de CEO da Mozilla quando se soube que ele havia feito uma contribuição à campanha da Proposição 8, na Califórnia, para proteger o casamento como a união entre um homem e uma mulher, em 2008. Eich é o criador do JavaScript e havia muito tempo tinha posições de chefia na Mozilla, empresa que produz o navegador Firefox.
As ferramentas usadas com mais frequência pelos radicais do “casamento” gay são a intimidação e a coerção. Eles exigem não apenas a aceitação do “casamento” homossexual, mas o apoio total. Qualquer um que acredite que o casamento é a união de um homem e uma mulher é chamado de preconceituoso, promotor do ódio, alguém para quem não deve haver lugar na sociedade.
O ataque a Eich é uma caça às bruxas típica do macartismo, e infelizmente não é a primeira vez que tais situações acontecem – e também não será a última, a não ser que passemos a enfrentá-las.
No fim do ano passado, o canal A&E demitiu Phil Robertson, a estrela do reality show Duck Dynasty, um dos principais programas da emissora. Por quê? Porque Robertson, em entrevista a uma revista, disse acreditar que o casamento é a união entre um homem e uma mulher. Em 2011, o movimento gay atacou o CEO da rede de fast food Chick-Fil-A por expressar sua defesa do casamento tradicional. Os prefeitos de Chicago, Boston e Washington chegaram a dizer que a empresa não era bem-vinda em suas cidades!
Essas são táticas totalitárias que parecem surgir sempre e em todo lugar em que se redefine o casamento. Não importa o talento, as conquistas ou capacidades de alguém, a oposição ao “casamento” gay será tudo que importa para tornar uma pessoa incapaz de assumir cargos de liderança corporativa ou até mesmo de ser empregada, impedindo que tenha uma participação significativa na sociedade civil.
E os alvos não são apenas os “peixes grandes”. Pequenos empreendedores já ouviram de tribunais e “comissões de direitos humanos” que eles precisam transigir em suas convicções para manter as portas abertas. No estado do Novo México, um juiz disse que esse era o “preço da cidadania”. Floristas, confeiteiros e donos de pousadas foram processados e ameaçados, forçados a se curvar ao novo regime ou enfrentar punições.
Os ativistas do “casamento” gay conseguiram até se intrometer entre pais e filhos. Os pais têm negado o seu direito a proteger seus filhos de material escolar que doutrina as crianças sobre a nova regra do “casamento sem gênero”.
O que podemos fazer? Há apenas duas opções, desistir ou enfrentar. E nós escolhemos enfrentar.
A única maneira de parar os valentões é enfrentá-los. Defender a verdade – não apenas uma opinião – sobre o que é o casamento. Defender o direito das crianças de serem criadas por uma mãe e um pai. Defender a liberdade de expressão, de associação e de religião – religião que não se vive apenas da porta da igreja para dentro, mas que também influencia o modo como as pessoas conduzem seus negócios e criam seus filhos.
Não estamos surpresos pelo modo como os valentões do “casamento” entre pessoas do mesmo sexo trataram Eich e muitos outros antes dele. É o que valentões fazem. E nós devemos fazer o que qualquer pessoa decente faria. Enfrentá-los e dizer “não mais”!
Brian Brown é presidente da National Organization for Marriage nos Estados Unidos. Tradução: Marcio Antonio Campos
O sujeito (nem tão) oculto - JOÃO BOSCO RABELLO
O Estado de S.Paulo - 13/04
O simbolismo da operação de busca e apreensão na Petrobrás pela Polícia Federal é computado nos meios políticos como dano eleitoral que abala ainda mais o poder competitivo da presidente Dilma Rousseff , em busca da reeleição.
Porém, mais afasta do que aproxima o ex-presidente Lula de uma candidatura em 2014. Segundo o raciocínio, o ex-presidente é o sujeito (nem tão) oculto do enredo que, nas aparências, abala apenas a presidente e reforça o pretexto para a troca de candidatos.
As operações da Petrobrás investigadas pela Polícia Federal ocorreram no seu governo e, em que pese dele ter feito parte também a presidente, na condição de ministra das Minas e Energia e, depois, da Casa Civil, a fonte de poder era Lula.
É um contexto em que o pau que bate em Chico bate em Francisco. Se candidato, como deseja uma parcela do PT, Lula terá de enfrentar o mesmo calvário de denúncias que desabam sobre a sucessora, com a agravante de ter sido o chefe do governo à época dos acontecimentos.
Os malfeitos na Petrobrás ocorreram não só sob as vistas de ambos, mas com uma divergência, agora revelada pela presidente, quanto ao pivô das investigações, o ex-diretor Paulo Roberto Costa, preso sob acusação de conduzir uma operação de lavagem de dinheiro a partir de contratos intermediados junto à empresa.
Na versão da presidente, Costa sustentou-se como diretor à sua revelia e contra sua vontade. Outro preso, o doleiro Alberto Youssef, tem notórias ligações com parlamentares (ele soma 47 em suas contas), o mais vistoso, o ex-vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), cujo mandato pôs a serviço de um projeto de desvio de recursos públicos concebido por ambos.
Não por acaso, sumido do noticiário, Lula voltou à cena ao mesmo tempo em que a CPI da Petrobrás deu às denúncias alguma expectativa de investigação, fora do controle do governo.
O ex-presidente se insere no enredo como advogado da afilhada política, mas o faz em causa própria.
Não se sabe integralmente o teor da recente conversa de três horas entre Dilma e Lula, mas é certo que a versão da presidente para a aprovação da compra da refinaria de Pasadena, considerada pelo PT um tiro no pé, acendeu a luz amarela na relação entre criador e criatura.
Vai ganhando sentido agora a iniciativa de Dilma de situar-se como vítima de omissão da Petrobrás para fazer aprovar uma operação que, conhecidos seus termos , dela não receberia chancela.
Com a sua manifestação, Dilma vincula seu antecessor às fontes dos problemas do PT diante do que se afigura um escândalo maior ou da mesma proporção do mensalão.
O simbolismo da operação de busca e apreensão na Petrobrás pela Polícia Federal é computado nos meios políticos como dano eleitoral que abala ainda mais o poder competitivo da presidente Dilma Rousseff , em busca da reeleição.
Porém, mais afasta do que aproxima o ex-presidente Lula de uma candidatura em 2014. Segundo o raciocínio, o ex-presidente é o sujeito (nem tão) oculto do enredo que, nas aparências, abala apenas a presidente e reforça o pretexto para a troca de candidatos.
As operações da Petrobrás investigadas pela Polícia Federal ocorreram no seu governo e, em que pese dele ter feito parte também a presidente, na condição de ministra das Minas e Energia e, depois, da Casa Civil, a fonte de poder era Lula.
É um contexto em que o pau que bate em Chico bate em Francisco. Se candidato, como deseja uma parcela do PT, Lula terá de enfrentar o mesmo calvário de denúncias que desabam sobre a sucessora, com a agravante de ter sido o chefe do governo à época dos acontecimentos.
Os malfeitos na Petrobrás ocorreram não só sob as vistas de ambos, mas com uma divergência, agora revelada pela presidente, quanto ao pivô das investigações, o ex-diretor Paulo Roberto Costa, preso sob acusação de conduzir uma operação de lavagem de dinheiro a partir de contratos intermediados junto à empresa.
Na versão da presidente, Costa sustentou-se como diretor à sua revelia e contra sua vontade. Outro preso, o doleiro Alberto Youssef, tem notórias ligações com parlamentares (ele soma 47 em suas contas), o mais vistoso, o ex-vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), cujo mandato pôs a serviço de um projeto de desvio de recursos públicos concebido por ambos.
Não por acaso, sumido do noticiário, Lula voltou à cena ao mesmo tempo em que a CPI da Petrobrás deu às denúncias alguma expectativa de investigação, fora do controle do governo.
O ex-presidente se insere no enredo como advogado da afilhada política, mas o faz em causa própria.
Não se sabe integralmente o teor da recente conversa de três horas entre Dilma e Lula, mas é certo que a versão da presidente para a aprovação da compra da refinaria de Pasadena, considerada pelo PT um tiro no pé, acendeu a luz amarela na relação entre criador e criatura.
Vai ganhando sentido agora a iniciativa de Dilma de situar-se como vítima de omissão da Petrobrás para fazer aprovar uma operação que, conhecidos seus termos , dela não receberia chancela.
Com a sua manifestação, Dilma vincula seu antecessor às fontes dos problemas do PT diante do que se afigura um escândalo maior ou da mesma proporção do mensalão.
A bomba na conta de luz - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 13/04
Há uma bomba armada nas contas de luz, mas, para não irritar os consumidores em ano de eleição, ela só deverá explodir em 2015. Trata-se da consequência financeira inevitável do pacote do setor elétrico com que a presidente Dilma Rousseff pretendeu reduzir (apenas temporariamente, ressalve-se) o custo da energia elétrica para os consumidores. A estiagem nas regiões das maiores hidrelétricas forçou o acionamento por longo período das usinas termoelétricas, que operam a custos bem mais elevados, e acrescentou valores bilionários à bomba inicial.
Por causa das mudanças feitas no plano de ajuda às empresas do setor, não se sabe com precisão qual será o custo para os consumidores - e para os contribuintes, pois a redução forçada das tarifas implicou subsídios com recursos do Tesouro. Cálculos iniciais, alguns de iniciativa oficial, outros de analistas do setor privado, indicam que o aumento da tarifa no próximo ano não deverá ficar abaixo de 8% e poderá alcançar até 19%. Haverá novos aumentos nos anos seguintes, pois será inevitável que os efeitos dessa bomba tarifária se estendam para além de 2015.
Acabará saindo muito caro para o País o que ficou relativamente barato em 2013, por conta do plano energético de Dilma Rousseff, eleita com a fama de grande gerente de programas públicos, sobretudo de energia, depois de ter ocupado o cargo de ministra de Minas e Energia no governo Lula.
Os números já conhecidos e sua oscilação em razão de necessidades não previstas pelo governo revelam a precariedade do programa de redução tarifária. Mostram também os problemas de gestão do plano de expansão do parque energético, pois o atraso no cronograma de construção e operação de hidrelétricas programadas há muitos anos obrigou o País a consumir mais energia das termoelétricas.
Em março, quando anunciou o socorro às empresas distribuidoras - cuja saúde financeira foi abalada por causa da necessidade de comprar energia das termoelétricas, pela qual pagavam mais caro mas eram forçadas a vender para o consumidor por preços controlados -, o governo estimou em R$ 8 bilhões a necessidade de financiamento para elas, valor ao qual adicionaria R$ 4 bilhões de recursos do Tesouro. Com a confirmação pelo governo, na quarta-feira (16/4), de que o empréstimo alcançará R$ 11,2 bilhões, a serem concedidos por um pool de bancos (inclusive estatais), viu-se que a conta estava subestimada.
O dinheiro que viria do Tesouro foi reduzido para R$ 1,2 bilhão, pois, dos R$ 4 bilhões inicialmente anunciados, o governo desviou R$ 2,8 bilhões para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), utilizada para indenizar as empresas que aderiram ao programa energético do governo e para compensar os descontos de tarifas, entre outras finalidades. O reforço do caixa da CDE, como outras medidas do governo, tem a finalidade de reduzir o aumento das tarifas em 2014.
Como mostrou o jornalista Ribamar Oliveira, no jornal Valor (10/4), em fevereiro, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) havia calculado que, para fechar as contas de 2014, as empresas do setor elétrico necessitariam de R$ 5,6 bilhões adicionais, oriundos da CDE. Obtê-los implicaria elevar as tarifas em 4,6% já neste ano. Para não ter de impor aumento dessas dimensões em ano eleitoral - e num momento em que são fortes as pressões inflacionárias -, o governo desviou recursos inicialmente programados para as distribuidoras e, com outras transferências para a CDE, reduziu sua necessidade adicional para R$ 1,6 bilhão. Com isso, o impacto sobre as tarifas foi igualmente reduzido, limitando o aumento para 1%.
Se se levar em conta que, em 2013, o governo já tinha colocado R$ 9 bilhões para ajudar o setor por conta da redução tarifária e outros R$ 9,8 bilhões para compensar as distribuidoras (parte desse valor será reposta com os financiamentos agora acertados), tem-se ideia do custo do programa energético do governo Dilma. A persistência da estiagem deverá torná-lo ainda maior para os consumidores e contribuintes.
Inflação eleitoral - HENRIQUE MEIRELLES
FOLHA DE SP - 13/04
O Datafolha vem mostrando o crescimento da preocupação com a alta dos preços no país. De outubro para cá, a parcela dos brasileiros que espera aumento da inflação foi de 54% para 65%, maior patamar da série. A sensibilidade da população a uma inflação mais alta representa mudança histórica e positiva no cenário econômico, cultural e eleitoral.
Uma das razões pelas quais o país teve um dos mais longos períodos de hiperinflação da história recente da humanidade foi por sua tolerância a "um pouco de inflação". Mudava só o vilão da vez: chuchu, gasolina, tomate...
A inflação não é obra de vilões, mas resultado de desequilíbrios entre a demanda e a oferta de bens e serviços.
Ela aumenta na medida em que há maior disponibilidade de recursos, fruto de políticas monetária e/ou fiscal expansionistas não acompanhadas de uma maior capacidade de produção. E, quanto mais persistente, maior a expectativa de inflação futura, o que cobra ações mais enérgicas e custosas para combatê-la. Esse custo cria resistência de alguns setores à adoção das medidas na dose necessária. Muitas vezes acaba-se combatendo mais os efeitos do que as causas.
A eficácia do controle das expectativas de inflação e da própria inflação passa fundamentalmente pelos resultados obtidos. Com ela na meta, a população tende a achar que ela seguirá ao redor da meta. E a meta de inflação no Brasil é uma só: 4,5% ao ano. O intervalo de tolerância de 2 pontos serve só para acomodar choques de ofertas, como os de alimentos, que são temporários.
A população viu na última década que é possível viver com inflação controlada e aprendeu a identificar melhor os custos da inflação mais alta.
São custos que impactam de forma bem diferente os vários setores da sociedade. Um trabalhador, por exemplo, tem o salário reajustado uma vez ao ano, enquanto comerciantes podem reajustar preços diariamente. A arrecadação de tributos também cresce com a inflação, pois incide sobre preços mais altos. Assim, quanto maior a inflação, maior a perda de poder de compra da maioria da população. É isso o que reflete o Datafolha.
A população e os agentes econômicos aprenderam na década passada que não é destino conviver com inflações elevadas. E que inflação na meta e previsível gera mais emprego, mais investimentos e maior crescimento no médio e longo prazo, pois, entre outros benefícios, eleva a confiança de produtores e consumidores no futuro e preserva o poder de compra.
A inflação, portanto, tem importantes consequências políticas, um fenômeno novo e altamente positivo. A população brasileira aprendeu, incorporou e tomou como seu o valor de uma inflação mais baixa e estável.
A Petrobrás capturada - SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 13/04
"Poucos ministérios têm o poder que tem a Petrobrás", dizia Carlos Sant'Anna, um funcionário de carreira que conhecia muito bem as entranhas da estatal e que a presidiu no último ano de ditadura militar. Manipular negócios de investimentos que movimentarão US$ 220,6 bilhões (R$ 507 milhões) até 2018 é poder de causar inveja e cobiça à classe política, governadores, deputados, senadores e seus partidos, ávidos por capturar dinheiro grande para financiar campanhas eleitorais. E muitos dos negócios fechados escapam da fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União porque envolvem conhecimentos técnicos muito específicos.
Exemplo: é mais fácil detectar superfaturamento na compra de uma refinaria no exterior, como Pasadena, do que identificar subfaturamento na exportação de gasolina, em que centavos de dólar subfaturados por barril vendido viram milhões multiplicados pelo volume final em centenas de operações efetuadas. E não só na exportação, muitas outras operações (compra de plataformas, por exemplo) são encomendas com especificações tão detalhadas que dificultam comparar valor no mercado. Só mesmo os próprios funcionários - que acompanham o cotidiano do mercado e os negócios da estatal - são capazes de identificar certas fraudes escondidas por trás do conhecimento técnico. Esse é o poder mencionado por Sant'Anna - e o alvo da cobiça dos partidos políticos, loucos por ganhar uma fatia de poder na Petrobrás.
Por isso, políticos com poder na Petrobrás partiram para aliciar funcionários. Um deles, Paulo Roberto Costa, empregado de carreira - feito diretor de Abastecimento por José Janene (PP), abençoado por Lula e José Dirceu e operador do PMDB -, foi preso há dias acusado de lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, da Polícia Federal (PF). O aliciado tem por meta arrecadar quantia predeterminada para os partidos que o puseram no cargo.
No governo Collor, o secretário de Assuntos Estratégicos Pedro Paulo Leoni Ramos designou o advogado João Muniz de Oliveira Alves para cooptar funcionários para o esquema que montou na Petrobrás. Na conversa, o advogado levantava suspeita contra o funcionário, sugerindo que seria demitido do cargo caso não cooperasse com o esquema. Fez isso com mais de uma dezena de executivos graduados, conseguiu a adesão de alguns, mas outros negaram e denunciaram o esquema à imprensa. Operado por três empresas que pertenciam a Sérgio Rocha, amigo e afilhado de casamento de Leoni Ramos, o esquema PP funcionou na Petrobrás até a demissão de seu mentor, em 30 de março de 1992. Foi a ponta do fio da meada que levou à queda de Collor nove meses depois.
Pedro Paulo Leoni Ramos volta à cena agora, no governo Dilma Rousseff, liderando o obscuro consórcio Constantinopla, que, associado a Furnas, arrematou a concessão da Hidrelétrica de Três Irmãos. A PF investiga ligações de suas empresas - GPI e Investminas - com o doleiro Alberto Youssef, preso e acusado de lavagem de dinheiro e distribuição de propina a partidos políticos. O TCU suspendeu a assinatura do contrato da usina por outro motivo, mas é provável que as empresas de Leoni Ramos saiam do consórcio. Já seu padrinho de casamento, o senador Fernando Collor, tem dois assentos garantidos na diretoria da BR Distribuidora.
Com Lula na Presidência, o método de cooptação do funcionário mudou. Loteados todos os cargos de direção entre partidos aliados, o funcionário passou a ser aliciado diretamente pelo partido. Acima de servir à Petrobrás, sua missão é arrecadar dinheiro grande para o partido. Esse novo modelo foi tão vulgarizado que o ex-presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti bradou irritado o que PMDB, PT, PTB e PP fazem às escondidas em Brasília: "Quero é aquela diretoria que fura poço e acha petróleo!".
Dilma Rousseff afastou boa parte de diretores partidários, mas deixou remanescentes. E sobrou para Graça Foster administrar os estragos das fraudes herdadas da gestão anterior e explicar o inexplicável para evitar a criação da CPI no Congresso.
"Poucos ministérios têm o poder que tem a Petrobrás", dizia Carlos Sant'Anna, um funcionário de carreira que conhecia muito bem as entranhas da estatal e que a presidiu no último ano de ditadura militar. Manipular negócios de investimentos que movimentarão US$ 220,6 bilhões (R$ 507 milhões) até 2018 é poder de causar inveja e cobiça à classe política, governadores, deputados, senadores e seus partidos, ávidos por capturar dinheiro grande para financiar campanhas eleitorais. E muitos dos negócios fechados escapam da fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União porque envolvem conhecimentos técnicos muito específicos.
Exemplo: é mais fácil detectar superfaturamento na compra de uma refinaria no exterior, como Pasadena, do que identificar subfaturamento na exportação de gasolina, em que centavos de dólar subfaturados por barril vendido viram milhões multiplicados pelo volume final em centenas de operações efetuadas. E não só na exportação, muitas outras operações (compra de plataformas, por exemplo) são encomendas com especificações tão detalhadas que dificultam comparar valor no mercado. Só mesmo os próprios funcionários - que acompanham o cotidiano do mercado e os negócios da estatal - são capazes de identificar certas fraudes escondidas por trás do conhecimento técnico. Esse é o poder mencionado por Sant'Anna - e o alvo da cobiça dos partidos políticos, loucos por ganhar uma fatia de poder na Petrobrás.
Por isso, políticos com poder na Petrobrás partiram para aliciar funcionários. Um deles, Paulo Roberto Costa, empregado de carreira - feito diretor de Abastecimento por José Janene (PP), abençoado por Lula e José Dirceu e operador do PMDB -, foi preso há dias acusado de lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, da Polícia Federal (PF). O aliciado tem por meta arrecadar quantia predeterminada para os partidos que o puseram no cargo.
No governo Collor, o secretário de Assuntos Estratégicos Pedro Paulo Leoni Ramos designou o advogado João Muniz de Oliveira Alves para cooptar funcionários para o esquema que montou na Petrobrás. Na conversa, o advogado levantava suspeita contra o funcionário, sugerindo que seria demitido do cargo caso não cooperasse com o esquema. Fez isso com mais de uma dezena de executivos graduados, conseguiu a adesão de alguns, mas outros negaram e denunciaram o esquema à imprensa. Operado por três empresas que pertenciam a Sérgio Rocha, amigo e afilhado de casamento de Leoni Ramos, o esquema PP funcionou na Petrobrás até a demissão de seu mentor, em 30 de março de 1992. Foi a ponta do fio da meada que levou à queda de Collor nove meses depois.
Pedro Paulo Leoni Ramos volta à cena agora, no governo Dilma Rousseff, liderando o obscuro consórcio Constantinopla, que, associado a Furnas, arrematou a concessão da Hidrelétrica de Três Irmãos. A PF investiga ligações de suas empresas - GPI e Investminas - com o doleiro Alberto Youssef, preso e acusado de lavagem de dinheiro e distribuição de propina a partidos políticos. O TCU suspendeu a assinatura do contrato da usina por outro motivo, mas é provável que as empresas de Leoni Ramos saiam do consórcio. Já seu padrinho de casamento, o senador Fernando Collor, tem dois assentos garantidos na diretoria da BR Distribuidora.
Com Lula na Presidência, o método de cooptação do funcionário mudou. Loteados todos os cargos de direção entre partidos aliados, o funcionário passou a ser aliciado diretamente pelo partido. Acima de servir à Petrobrás, sua missão é arrecadar dinheiro grande para o partido. Esse novo modelo foi tão vulgarizado que o ex-presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti bradou irritado o que PMDB, PT, PTB e PP fazem às escondidas em Brasília: "Quero é aquela diretoria que fura poço e acha petróleo!".
Dilma Rousseff afastou boa parte de diretores partidários, mas deixou remanescentes. E sobrou para Graça Foster administrar os estragos das fraudes herdadas da gestão anterior e explicar o inexplicável para evitar a criação da CPI no Congresso.
A reforma tributária do ICMS - EVERARDO MACIEL
GAZETA DO POVO - PR - 13/04
Para enfrentar as sucessivas crises econômicas no atribulado governo João Goulart, o ministro Celso Furtado, do Planejamento, com a colaboração do ministro Santiago Dantas, da Fazenda, lançou o Plano Trienal de Desenvolvimento (1963-1965), com o objetivo de promover desenvolvimento sem inflação. O plano resultou em completo fracasso: em 1963, a inflação anual atingiu 79%, enquanto o crescimento do PIB limitou-se a 1%. Para prevenir o vácuo político, Goulart construiu um novo discurso, consistindo no anúncio das “reformas de base”. Era uma mixórdia de ideias mal alinhavadas, sem a devida correspondência com projetos que lhe dessem concretude. Vocalizadas no comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, serviu tão-somente como um pretexto a mais para o golpe que resultou na deposição do presidente.
Distintamente do clima festivo das reformas de base, em setembro de 1963 foi instalada uma Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda, presidida por Simões Lopes. Originalmente focados na reestruturação administrativa daquele ministério, os trabalhos evoluíram para um projeto ambicioso de reforma tributária, cuja concepção final somente veio a ocorrer já no governo militar, com a constituição de uma comissão na qual se destacavam Rubens Gomes de Souza, Gilberto Ulhoa Canto, Gerson Augusto da Silva e Mário Henrique Simonsen.
Foram pródigos os frutos dessa comissão. O Brasil aderiu à tese da tributação sobre o valor agregado (antes limitada à França), com a instituição do IPI e do ICM. Além disso, construiu-se um consistente modelo de federalismo fiscal e editou-se o Código Tributário Nacional. Em seguida, foram feitas grandes mudanças na administração tributária: reestruturação das declarações do Imposto de Renda e, em caráter pioneiro em todo o mundo, fusão da administração federal de tributos internos com a aduaneira, criação de uma empresa de apoio informático para o Fisco (a Serpro) e arrecadação de impostos pela rede bancária.
Essa reforma é seguramente a mais importante reestruturação na tributação do consumo no Brasil, ainda que não estivesse limitada a esse objetivo. Sua implantação, entretanto, só se tornou possível por força das condições específicas de uma ditadura recém-instaurada, na qual eram escassas as possibilidades de reação.
A despeito de suas qualidades, o projeto cometeu um erro crucial e insanável quando atribuiu aos estados a titularidade do ICM (que hoje é o ICMS). Isso explica, em boa medida, a grande diversidade e consequente complexidade do imposto. A Constituição de 1988 agravou esse erro. O ICMS é, hoje, o principal problema tributário brasileiro, pois carga tributária relativamente elevada é matéria que remete a uma reestruturação do gasto público. Reformar o ICMS, todavia, é tarefa extremamente difícil, porque implica complexas negociações com os secretários de Fazenda, em que afloram grandes conflitos federativos que findam, quase sempre, em impasses.
Uma reforma plausível do ICMS deveria ser comedida, centrando-se em questões estratégicas (disciplinamento da competição fiscal, redução do número de alíquotas, restrições à redução da base de cálculo, regulamentação da substituição tributária, prevenção e liquidação dos créditos acumulados), sempre que possível com base em soluções infraconstitucionais. Esse processo só terá êxito se liderado pela União, em um contexto que inclua outros temas federativos.
Para enfrentar as sucessivas crises econômicas no atribulado governo João Goulart, o ministro Celso Furtado, do Planejamento, com a colaboração do ministro Santiago Dantas, da Fazenda, lançou o Plano Trienal de Desenvolvimento (1963-1965), com o objetivo de promover desenvolvimento sem inflação. O plano resultou em completo fracasso: em 1963, a inflação anual atingiu 79%, enquanto o crescimento do PIB limitou-se a 1%. Para prevenir o vácuo político, Goulart construiu um novo discurso, consistindo no anúncio das “reformas de base”. Era uma mixórdia de ideias mal alinhavadas, sem a devida correspondência com projetos que lhe dessem concretude. Vocalizadas no comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, serviu tão-somente como um pretexto a mais para o golpe que resultou na deposição do presidente.
Distintamente do clima festivo das reformas de base, em setembro de 1963 foi instalada uma Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda, presidida por Simões Lopes. Originalmente focados na reestruturação administrativa daquele ministério, os trabalhos evoluíram para um projeto ambicioso de reforma tributária, cuja concepção final somente veio a ocorrer já no governo militar, com a constituição de uma comissão na qual se destacavam Rubens Gomes de Souza, Gilberto Ulhoa Canto, Gerson Augusto da Silva e Mário Henrique Simonsen.
Foram pródigos os frutos dessa comissão. O Brasil aderiu à tese da tributação sobre o valor agregado (antes limitada à França), com a instituição do IPI e do ICM. Além disso, construiu-se um consistente modelo de federalismo fiscal e editou-se o Código Tributário Nacional. Em seguida, foram feitas grandes mudanças na administração tributária: reestruturação das declarações do Imposto de Renda e, em caráter pioneiro em todo o mundo, fusão da administração federal de tributos internos com a aduaneira, criação de uma empresa de apoio informático para o Fisco (a Serpro) e arrecadação de impostos pela rede bancária.
Essa reforma é seguramente a mais importante reestruturação na tributação do consumo no Brasil, ainda que não estivesse limitada a esse objetivo. Sua implantação, entretanto, só se tornou possível por força das condições específicas de uma ditadura recém-instaurada, na qual eram escassas as possibilidades de reação.
A despeito de suas qualidades, o projeto cometeu um erro crucial e insanável quando atribuiu aos estados a titularidade do ICM (que hoje é o ICMS). Isso explica, em boa medida, a grande diversidade e consequente complexidade do imposto. A Constituição de 1988 agravou esse erro. O ICMS é, hoje, o principal problema tributário brasileiro, pois carga tributária relativamente elevada é matéria que remete a uma reestruturação do gasto público. Reformar o ICMS, todavia, é tarefa extremamente difícil, porque implica complexas negociações com os secretários de Fazenda, em que afloram grandes conflitos federativos que findam, quase sempre, em impasses.
Uma reforma plausível do ICMS deveria ser comedida, centrando-se em questões estratégicas (disciplinamento da competição fiscal, redução do número de alíquotas, restrições à redução da base de cálculo, regulamentação da substituição tributária, prevenção e liquidação dos créditos acumulados), sempre que possível com base em soluções infraconstitucionais. Esse processo só terá êxito se liderado pela União, em um contexto que inclua outros temas federativos.
De quem é o IBGE? - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 13/04
As crises do IBGE e Ipea são diferentes, mas assustam igualmente. O IBGE tem feito, com independência, pesquisas que trazem números incômodos para o governo. O Ipea, desde Lula, tem sofrido desvio de função. O adiamento do cronograma da Pnad Contínua, que levou à demissão de Marcia Quintslr, foi estranho pelo momento e pela maneira como foi feito. O instituto se rebelou.
A Pnad Contínua vem sendo preparada há anos. Houve um esforço de explicação, treinamento, prévias, porque a transição é muito complexa. Esse trabalho começou há três anos e todo o cronograma foi decidido com antecedência e vinha sendo cumprido. Afinal, o objetivo é ter uma grande base de dados pesquisados em 211 mil domicílios de 3.500 municípios.
No desemprego, nas primeiras divulgações, ela trouxe uma informação valiosa para as políticas públicas e das empresas: o de que olhando-se o Brasil além das seis regiões metropolitanas, o desemprego é dois pontos percentuais maior. Não são índices comparáveis. Não se pode dizer que o desemprego subiu de 5% para 7%. Mas se pode dizer que, com um novo e mais amplo termômetro, o quadro do mercado de trabalho é diferente do que se imaginava.
Os economistas vêm dizendo que a baixa taxa de desemprego reduziu o crescimento potencial do Brasil. O que o novo número indica é que talvez haja mais espaço para crescer - e empregar - do que se imagina e que no interior há mais mão de obra desocupada. Entre os jovens, o número é muito maior do que já é na PME. No Nordeste, chegam a quase 20% os jovens que procuram e não encontram emprego.
O quadro do mercado de trabalho brasileiro é mais complexo do que supõe a visão apenas economicista. Dados mais nacionais melhoram o debate. Um mercado de trabalho estrangulado - sem oferta de trabalhadores - não se dá ao luxo de discriminar. O nosso permanece pagando 70% menos para mulheres no mesmo nível de escolaridade. Cria mais barreiras à entrada de negros e não quer investir na qualificação de jovens, apesar de eles entrarem no mercado com mais escolaridade que seus pais.
Tudo isso estava começando a ter dados mais nacionais e mais exatos. O problema é que o novo índice reduziu o brilho de um dos números a se mostrar na campanha: o da taxa de desemprego de 5%. Uma bobagem esse temor, até porque a nova taxa também mostra tendência de queda do desemprego.
Mas aí entrou em ação a chefe da tropa de choque do governo, senadora e ex-ministra chefe da Casa Civil e candidata ao governo do Paraná, Glesi Hoffmann. Ela e seu conhecido colega Armando Monteiro levantaram dúvidas sobre as margens de erro nos dados de renda. O instituto decidiu suspender a pesquisa e só voltar com ela em janeiro de 2015.
O IBGE tem 80 anos de bons serviços prestados ao país. Enfrentou com coragem a tentativa de interferência dos governo Sarney e Collor. A presidente Wasmália Bivar é uma funcionária de carreira que manteve a tradição de independência, mas o adiamento do cronograma e a saída de Márcia Quintslr deixaram um temor no ar.
O Brasil já sabe os estragos que este governo pode fazer em uma instituição pública. O problema do Ipea não é o de um percentual errado. Há muita gente séria e competente, até entre os atingidos por esse erro, trabalhando no órgão. Mas a direção do instituto tem se dedicado mais a agradar ao governo do que em ser a voz crítica interna que sempre foi.
O Ipea tradicionalmente usa a vasta e rica base de dados do IBGE, e outros bancos de dados, para fazer estudos reveladores. Ainda há quem trabalhe assim no órgão. Na gestão do ex-presidente Márcio Pochmann, virou um centro de autolouvação petista. Pochmann afastou-se para ser candidato à prefeitura de Campinas, pelo PT, mas perdeu a eleição.
Foi horrível o erro da pesquisa sobre violência contra a mulher, mas o pior é o Ipea estar se dedicando à pesquisa de opinião, que nunca foi sua função. Também não faz sentido ter uma sucursal na Venezuela.
Distorcer a função de um Ipea prejudica o país, mas interferir no instituto oficial de estatísticas é trágico. Torço para que tudo se esclareça e que a senadora Hoffmann guarde distância do órgão. Ele é um patrimônio do Brasil. Não pode ser visto como governamental. O IBGE é do Estado brasileiro.
A Pnad Contínua vem sendo preparada há anos. Houve um esforço de explicação, treinamento, prévias, porque a transição é muito complexa. Esse trabalho começou há três anos e todo o cronograma foi decidido com antecedência e vinha sendo cumprido. Afinal, o objetivo é ter uma grande base de dados pesquisados em 211 mil domicílios de 3.500 municípios.
No desemprego, nas primeiras divulgações, ela trouxe uma informação valiosa para as políticas públicas e das empresas: o de que olhando-se o Brasil além das seis regiões metropolitanas, o desemprego é dois pontos percentuais maior. Não são índices comparáveis. Não se pode dizer que o desemprego subiu de 5% para 7%. Mas se pode dizer que, com um novo e mais amplo termômetro, o quadro do mercado de trabalho é diferente do que se imaginava.
Os economistas vêm dizendo que a baixa taxa de desemprego reduziu o crescimento potencial do Brasil. O que o novo número indica é que talvez haja mais espaço para crescer - e empregar - do que se imagina e que no interior há mais mão de obra desocupada. Entre os jovens, o número é muito maior do que já é na PME. No Nordeste, chegam a quase 20% os jovens que procuram e não encontram emprego.
O quadro do mercado de trabalho brasileiro é mais complexo do que supõe a visão apenas economicista. Dados mais nacionais melhoram o debate. Um mercado de trabalho estrangulado - sem oferta de trabalhadores - não se dá ao luxo de discriminar. O nosso permanece pagando 70% menos para mulheres no mesmo nível de escolaridade. Cria mais barreiras à entrada de negros e não quer investir na qualificação de jovens, apesar de eles entrarem no mercado com mais escolaridade que seus pais.
Tudo isso estava começando a ter dados mais nacionais e mais exatos. O problema é que o novo índice reduziu o brilho de um dos números a se mostrar na campanha: o da taxa de desemprego de 5%. Uma bobagem esse temor, até porque a nova taxa também mostra tendência de queda do desemprego.
Mas aí entrou em ação a chefe da tropa de choque do governo, senadora e ex-ministra chefe da Casa Civil e candidata ao governo do Paraná, Glesi Hoffmann. Ela e seu conhecido colega Armando Monteiro levantaram dúvidas sobre as margens de erro nos dados de renda. O instituto decidiu suspender a pesquisa e só voltar com ela em janeiro de 2015.
O IBGE tem 80 anos de bons serviços prestados ao país. Enfrentou com coragem a tentativa de interferência dos governo Sarney e Collor. A presidente Wasmália Bivar é uma funcionária de carreira que manteve a tradição de independência, mas o adiamento do cronograma e a saída de Márcia Quintslr deixaram um temor no ar.
O Brasil já sabe os estragos que este governo pode fazer em uma instituição pública. O problema do Ipea não é o de um percentual errado. Há muita gente séria e competente, até entre os atingidos por esse erro, trabalhando no órgão. Mas a direção do instituto tem se dedicado mais a agradar ao governo do que em ser a voz crítica interna que sempre foi.
O Ipea tradicionalmente usa a vasta e rica base de dados do IBGE, e outros bancos de dados, para fazer estudos reveladores. Ainda há quem trabalhe assim no órgão. Na gestão do ex-presidente Márcio Pochmann, virou um centro de autolouvação petista. Pochmann afastou-se para ser candidato à prefeitura de Campinas, pelo PT, mas perdeu a eleição.
Foi horrível o erro da pesquisa sobre violência contra a mulher, mas o pior é o Ipea estar se dedicando à pesquisa de opinião, que nunca foi sua função. Também não faz sentido ter uma sucursal na Venezuela.
Distorcer a função de um Ipea prejudica o país, mas interferir no instituto oficial de estatísticas é trágico. Torço para que tudo se esclareça e que a senadora Hoffmann guarde distância do órgão. Ele é um patrimônio do Brasil. Não pode ser visto como governamental. O IBGE é do Estado brasileiro.
Reduzido espaço de manobra - PEDRO MALAN
O Estado de S.Paulo - 13/04
Em junho próximo, o governo Dilma deve definir a meta de inflação para 2016. O mais provável é que, sem muito alarde, seja reafirmada a meta em vigor há anos, ou seja, 4,5% mais ou menos dois pontos porcentuais. O momento não sugere mudança, já que, em reiteradas declarações, nossa presidente e seu ministro da Fazenda insistem em que a inflação está "há dez anos" dentro da meta. Dado que a inflação média anual nos quatro anos do governo Dilma deverá ficar em cerca de 6% ou pouco mais, a expressão "dentro da meta" passou a significar "abaixo do teto da meta", que é de 6,5%.
Alguém poderia perguntar: e qual é o problema com isso, se a meta está sendo cumprida? Deixando claro que não há nenhum desastre à vista nessa área, o fato é que há problemas, sim. E o que é grave: o espaço para manobra, e para erro, é cada vez mais reduzido.
Na verdade, a inflação só está "dentro da meta/abaixo de seu teto" porque, preocupado com determinados itens de peso no cálculo do índice oficial de preços ao consumidor, o governo recorreu ao controle direto ou indireto de preços administrados, que cresceram apenas no insustentável nível de 1,5% em 2013, enquanto os preços livres aumentaram 7,3% - e os serviços, mais de 8%.
Com efeito, estimativas hoje disponíveis mostram que acumulamos uma "inflação reprimida" da ordem de 1,5 ponto porcentual no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo(IPCA). Em outras palavras, na ausência dos vários controles sobre preços administrados direta ou indiretamente pelo governo, a inflação brasileira estaria hoje certamente acima de 7%. Não há, portanto, espaço para o discurso do "estamos dentro da meta/abaixo do teto". Na realidade, não estamos.
Certamente teremos de voltar a uma inflação "dentro da meta" em 2015 e reduzi-la ainda mais em 2016 para que o discurso de que o objetivo é convergir ao longo do tempo para perto do centro da meta (4,5%) possa ter um mínimo de credibilidade. Uma estratégia de convergência que hoje, definitivamente, não depende apenas do Banco Central (BC) - o qual, justiça lhe seja feita, não embarcou no discurso do "abaixo de 6,5%" como a definição aceitável do "cumprir a meta".
O fato é que as expectativas quanto ao curso futuro da inflação estão há alguns anos desancoradas dos 4,5% do centro da meta. Supondo que esta não vai ser alterada agora em junho, e levando em conta que a inflação efetiva (isto é, não represada pelos controles de preços, que não se sustentam no tempo) hoje está bem acima do teto da meta, seria preciso reduzir a inflação efetiva atual em pelo menos dois pontos porcentuais.
E isso pode demandar de dois a três anos a partir de agora. A não ser que alguém espere que o BC possa elevar as taxas de juros para o "whatever it takes" (o nível que for necessário), ou que o real se valorize e se mantenha como tal por tempo relevante, ou que uma baixíssima taxa de crescimento force a queda da inflação por falta de demanda.
Ao menos pelos próximos seis ou nove meses o espaço de manobra para qualquer ação efetiva é extremamente reduzido - como é ainda mais o espaço para novos erros. Situações difíceis não implicam inexistência de opções. Mas estas podem exigir, para recuperação de confiança abalada, que o horizonte de tempo da política macroeconômica relevante não seja apenas o ano-calendário em curso, tampouco os próximos 12 meses, mas um período mais longo, à frente.
Refiro-me ao nosso verdadeiro calcanhar de Aquiles, nossa situação fiscal, que está a exigir uma sinalização: algo que seja factível, crível e defendido com convicção ainda neste ano de 2014. Falo do anúncio de uma decisão de começar a elaborar desde agora um programa fiscal para o triênio 2015-2017.
Estou convencido de que isso seria de interesse do País, e que poderia ser de interesse da própria presidente Dilma Rousseff, bem como dos outros principais candidatos ao cargo nas eleições de outubro. Afinal, estamos tratando da recuperação de uma margem de manobra, hoje muito reduzida, para respostas adequadas da política econômica - parte crucial da recuperação da confiança no Brasil.
Como já notei neste espaço, isso já foi feito mais de uma vez no passado recente, em 1998-1999 e em 2002-2003, e funcionou. Agora, em 2014, apesar da evidente recuperação da economia norte-americana e do clima mais confiante na capacidade da Europa de resolver gradualmente seus inúmeros problemas, não há nenhuma possibilidade de volta a um contexto internacional tão favorável quanto aquele que tanto beneficiou, por boa parte, o governo Lula.
Mais uma razão, se preciso fosse, para que o Brasil comece desde agora a fazer as coisas mais urgentes, a começar por destravar as inúmeras armadilhas visíveis à frente - algumas de "nossa" própria montagem, em particular nas áreas de energia elétrica, óleo e gás e infraestrutura.
Dentre as urgências no gradualismo está a questão fiscal: o nível, a composição e a eficiência tanto do gasto público quanto da arrecadação do governo. Daí a sugestão de um esforço, visando o próximo triênio, que tenha uma clara diretiva presidencial, expressa com crível convicção, de que é preciso começar a programar a redução da velocidade de crescimento das despesas primárias do governo em relação à velocidade de crescimento da economia. Bem como aumentar a participação dos investimentos em relação aos demais gastos.
Fica difícil quando se aceita a frase famosa de Néstor Kirchner: "Para mim, gasto é investimento". Ela expressa bem uma postura muita difundida entre nós. Mas sempre caberá perguntar: qualquer gasto? Porque haja Tesouro, haja carga tributária, haja aumento de dívida bruta, haja impostos sobre as gerações futuras, se qualquer gasto for considerado sempre como investimento em "alguma coisa". Sem definição clara de prioridades, sem fazer escolhas difíceis, sem avaliar o reduzido espaço para manobra - e para erro.
Em junho próximo, o governo Dilma deve definir a meta de inflação para 2016. O mais provável é que, sem muito alarde, seja reafirmada a meta em vigor há anos, ou seja, 4,5% mais ou menos dois pontos porcentuais. O momento não sugere mudança, já que, em reiteradas declarações, nossa presidente e seu ministro da Fazenda insistem em que a inflação está "há dez anos" dentro da meta. Dado que a inflação média anual nos quatro anos do governo Dilma deverá ficar em cerca de 6% ou pouco mais, a expressão "dentro da meta" passou a significar "abaixo do teto da meta", que é de 6,5%.
Alguém poderia perguntar: e qual é o problema com isso, se a meta está sendo cumprida? Deixando claro que não há nenhum desastre à vista nessa área, o fato é que há problemas, sim. E o que é grave: o espaço para manobra, e para erro, é cada vez mais reduzido.
Na verdade, a inflação só está "dentro da meta/abaixo de seu teto" porque, preocupado com determinados itens de peso no cálculo do índice oficial de preços ao consumidor, o governo recorreu ao controle direto ou indireto de preços administrados, que cresceram apenas no insustentável nível de 1,5% em 2013, enquanto os preços livres aumentaram 7,3% - e os serviços, mais de 8%.
Com efeito, estimativas hoje disponíveis mostram que acumulamos uma "inflação reprimida" da ordem de 1,5 ponto porcentual no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo(IPCA). Em outras palavras, na ausência dos vários controles sobre preços administrados direta ou indiretamente pelo governo, a inflação brasileira estaria hoje certamente acima de 7%. Não há, portanto, espaço para o discurso do "estamos dentro da meta/abaixo do teto". Na realidade, não estamos.
Certamente teremos de voltar a uma inflação "dentro da meta" em 2015 e reduzi-la ainda mais em 2016 para que o discurso de que o objetivo é convergir ao longo do tempo para perto do centro da meta (4,5%) possa ter um mínimo de credibilidade. Uma estratégia de convergência que hoje, definitivamente, não depende apenas do Banco Central (BC) - o qual, justiça lhe seja feita, não embarcou no discurso do "abaixo de 6,5%" como a definição aceitável do "cumprir a meta".
O fato é que as expectativas quanto ao curso futuro da inflação estão há alguns anos desancoradas dos 4,5% do centro da meta. Supondo que esta não vai ser alterada agora em junho, e levando em conta que a inflação efetiva (isto é, não represada pelos controles de preços, que não se sustentam no tempo) hoje está bem acima do teto da meta, seria preciso reduzir a inflação efetiva atual em pelo menos dois pontos porcentuais.
E isso pode demandar de dois a três anos a partir de agora. A não ser que alguém espere que o BC possa elevar as taxas de juros para o "whatever it takes" (o nível que for necessário), ou que o real se valorize e se mantenha como tal por tempo relevante, ou que uma baixíssima taxa de crescimento force a queda da inflação por falta de demanda.
Ao menos pelos próximos seis ou nove meses o espaço de manobra para qualquer ação efetiva é extremamente reduzido - como é ainda mais o espaço para novos erros. Situações difíceis não implicam inexistência de opções. Mas estas podem exigir, para recuperação de confiança abalada, que o horizonte de tempo da política macroeconômica relevante não seja apenas o ano-calendário em curso, tampouco os próximos 12 meses, mas um período mais longo, à frente.
Refiro-me ao nosso verdadeiro calcanhar de Aquiles, nossa situação fiscal, que está a exigir uma sinalização: algo que seja factível, crível e defendido com convicção ainda neste ano de 2014. Falo do anúncio de uma decisão de começar a elaborar desde agora um programa fiscal para o triênio 2015-2017.
Estou convencido de que isso seria de interesse do País, e que poderia ser de interesse da própria presidente Dilma Rousseff, bem como dos outros principais candidatos ao cargo nas eleições de outubro. Afinal, estamos tratando da recuperação de uma margem de manobra, hoje muito reduzida, para respostas adequadas da política econômica - parte crucial da recuperação da confiança no Brasil.
Como já notei neste espaço, isso já foi feito mais de uma vez no passado recente, em 1998-1999 e em 2002-2003, e funcionou. Agora, em 2014, apesar da evidente recuperação da economia norte-americana e do clima mais confiante na capacidade da Europa de resolver gradualmente seus inúmeros problemas, não há nenhuma possibilidade de volta a um contexto internacional tão favorável quanto aquele que tanto beneficiou, por boa parte, o governo Lula.
Mais uma razão, se preciso fosse, para que o Brasil comece desde agora a fazer as coisas mais urgentes, a começar por destravar as inúmeras armadilhas visíveis à frente - algumas de "nossa" própria montagem, em particular nas áreas de energia elétrica, óleo e gás e infraestrutura.
Dentre as urgências no gradualismo está a questão fiscal: o nível, a composição e a eficiência tanto do gasto público quanto da arrecadação do governo. Daí a sugestão de um esforço, visando o próximo triênio, que tenha uma clara diretiva presidencial, expressa com crível convicção, de que é preciso começar a programar a redução da velocidade de crescimento das despesas primárias do governo em relação à velocidade de crescimento da economia. Bem como aumentar a participação dos investimentos em relação aos demais gastos.
Fica difícil quando se aceita a frase famosa de Néstor Kirchner: "Para mim, gasto é investimento". Ela expressa bem uma postura muita difundida entre nós. Mas sempre caberá perguntar: qualquer gasto? Porque haja Tesouro, haja carga tributária, haja aumento de dívida bruta, haja impostos sobre as gerações futuras, se qualquer gasto for considerado sempre como investimento em "alguma coisa". Sem definição clara de prioridades, sem fazer escolhas difíceis, sem avaliar o reduzido espaço para manobra - e para erro.
PT dita o ritmo - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 13/04
O prazo formal é de 90 dias úteis. Descontado o recesso de julho, o Conselho de Ética deveria examinar o caso do deputado licenciado André Vargas (PT) em meados de agosto, mas o relator Julio Delgado (PSB) diz que terá seu parecer pronto em junho, antes da Copa do Mundo.
Se até lá o petista não renunciar ao mandato o partido estará diante do seguinte dilema: ou segue o rito sumário do relator e dá por encerrado um episódio cujo desfecho já se sabe de antemão que dificilmente deixará de ser a cassação ou tenta procrastinar o processo mediante o uso de manobras regimentais.
Nesta hipótese, a proximidade das eleições pode prejudicar ou beneficiar André Vargas. Prejudica se o julgamento em plenário já na regra do voto aberto acontecer em pleno período quente das campanhas, fim de agosto, início de setembro, por exemplo. Beneficia de algum modo se à protelação se aliar a habitual ausência de quorum no período eleitoral, de modo a que o plenário só examine o assunto em outubro. Nessa altura Vargas teria apenas mais dois meses de mandato.
O processo de José Dirceu, também relatado pelo deputado Júlio Delgado, em 2005, começou em junho daquele ano e só chegou cinco meses depois ao plenário. Na ocasião, Dirceu usou de todos os estratagemas para protelar o processo. Dificultou a coleta de provas, contestou depoimento de testemunhas, orientou os aliados a interromperem a leitura do relatório, manobrou nos bastidores ainda na posse da influência como chefe da Casa Civil que acabara de deixar para assumir o mandato de deputado.
"Agora é diferente", diz o relator, que não precisa produzir novas provas, pois, segundo ele, "o material contra ele é notório". A começar pelo fato de ter mentido na tribuna da Câmara sobre suas relações com o doleiro Alberto Youssef, ato arrolado como quebra de decoro.
Mal menor. Semana passada o governo havia decidido que era melhor a presidente da Petrobrás, Graça Foster, não atender ao convite para falar no Senado para evitar contradição com a já famosa nota em que a presidente Dilma Rousseff disse que não teria aprovado a compra da refinaria de Pasadena se tivesse conhecimento de todas as cláusulas do contrato.
Como depois disso a situação se deteriorou e o ex-presidente Lula alertou internamente que a coisa poderia ainda piorar, o Planalto avaliou que a incongruência nessa altura é o de menos. Daí a mudança de posição. Graça Foster falará na terça-feira dando explicações técnicas sobre a transação, tentando não desmentir a presidente e ao mesmo tempo baixar a temperatura no Congresso.
Mas, em suma, dirá o que sempre disse: que para as circunstâncias da época, a compra da refinaria no Texas foi um bom negócio.
Dona da festa. Amanhã Marina Silva anuncia que os institutos de pesquisa devem excluir o nome dela da lista dos candidatos a presidente porque concorrerá como vice de Eduardo Campos.
O lançamento da chapa inicialmente seria feito no Rio, mas o PSB mudou para Brasília a pedido da ex-senadora, que acha importante o simbolismo da capital do País. Ademais, Marina ficou em primeiro lugar no Distrito Federal na eleição presidencial de 2010.
Toque de caixa. A urgência do governo para que o Senado aprove o projeto do Marco Civil da Internet na semana que vem - antes da conferência internacional sobre governança na internet, nos dias 23 e 24 de abril - reproduz situação em que os senadores são obrigados a votar medidas provisórias às vésperas do prazo de vencimento, devido à demora na tramitação na Câmara.
Suas excelências consideram essa pressão um desaforo.
Férias. Parada técnica de 20 dias antes da jornada eleitoral.
O prazo formal é de 90 dias úteis. Descontado o recesso de julho, o Conselho de Ética deveria examinar o caso do deputado licenciado André Vargas (PT) em meados de agosto, mas o relator Julio Delgado (PSB) diz que terá seu parecer pronto em junho, antes da Copa do Mundo.
Se até lá o petista não renunciar ao mandato o partido estará diante do seguinte dilema: ou segue o rito sumário do relator e dá por encerrado um episódio cujo desfecho já se sabe de antemão que dificilmente deixará de ser a cassação ou tenta procrastinar o processo mediante o uso de manobras regimentais.
Nesta hipótese, a proximidade das eleições pode prejudicar ou beneficiar André Vargas. Prejudica se o julgamento em plenário já na regra do voto aberto acontecer em pleno período quente das campanhas, fim de agosto, início de setembro, por exemplo. Beneficia de algum modo se à protelação se aliar a habitual ausência de quorum no período eleitoral, de modo a que o plenário só examine o assunto em outubro. Nessa altura Vargas teria apenas mais dois meses de mandato.
O processo de José Dirceu, também relatado pelo deputado Júlio Delgado, em 2005, começou em junho daquele ano e só chegou cinco meses depois ao plenário. Na ocasião, Dirceu usou de todos os estratagemas para protelar o processo. Dificultou a coleta de provas, contestou depoimento de testemunhas, orientou os aliados a interromperem a leitura do relatório, manobrou nos bastidores ainda na posse da influência como chefe da Casa Civil que acabara de deixar para assumir o mandato de deputado.
"Agora é diferente", diz o relator, que não precisa produzir novas provas, pois, segundo ele, "o material contra ele é notório". A começar pelo fato de ter mentido na tribuna da Câmara sobre suas relações com o doleiro Alberto Youssef, ato arrolado como quebra de decoro.
Mal menor. Semana passada o governo havia decidido que era melhor a presidente da Petrobrás, Graça Foster, não atender ao convite para falar no Senado para evitar contradição com a já famosa nota em que a presidente Dilma Rousseff disse que não teria aprovado a compra da refinaria de Pasadena se tivesse conhecimento de todas as cláusulas do contrato.
Como depois disso a situação se deteriorou e o ex-presidente Lula alertou internamente que a coisa poderia ainda piorar, o Planalto avaliou que a incongruência nessa altura é o de menos. Daí a mudança de posição. Graça Foster falará na terça-feira dando explicações técnicas sobre a transação, tentando não desmentir a presidente e ao mesmo tempo baixar a temperatura no Congresso.
Mas, em suma, dirá o que sempre disse: que para as circunstâncias da época, a compra da refinaria no Texas foi um bom negócio.
Dona da festa. Amanhã Marina Silva anuncia que os institutos de pesquisa devem excluir o nome dela da lista dos candidatos a presidente porque concorrerá como vice de Eduardo Campos.
O lançamento da chapa inicialmente seria feito no Rio, mas o PSB mudou para Brasília a pedido da ex-senadora, que acha importante o simbolismo da capital do País. Ademais, Marina ficou em primeiro lugar no Distrito Federal na eleição presidencial de 2010.
Toque de caixa. A urgência do governo para que o Senado aprove o projeto do Marco Civil da Internet na semana que vem - antes da conferência internacional sobre governança na internet, nos dias 23 e 24 de abril - reproduz situação em que os senadores são obrigados a votar medidas provisórias às vésperas do prazo de vencimento, devido à demora na tramitação na Câmara.
Suas excelências consideram essa pressão um desaforo.
Férias. Parada técnica de 20 dias antes da jornada eleitoral.
O fracasso da grande gerente - SACHA CALMON
CORREIO BRAZILIENSE - 13/04
A economista Dilma Rousseff fez nome e ganhou fama de líder do planejamento de projetos no setor energético. Alçada à Presidência da República, ela assiste, no último ano do mandato, à consolidação de turbulências simultâneas nas áreas de eletricidade, petróleo e etanol, provocadas por decisões erradas. O conjunto estratégico de usinas de etanol do país - concentrado no Triângulo Mineiro, em Goiás e no oeste de São Paulo - começa a dar marcha a ré. Vai embora, mais uma vez, o processo de resistência energética do país, iniciado em 1975, com o Proálcool. Quase 40 anos depois, a mistura de álcool anidro à gasolina deixou de ser competitiva justamente no momento em que as importações de combustíveis devoram bilhões de reais da Petrobras e provocam rombos no comércio internacional do país. É um cenário bem diferente daquele dito pelo presidente Lula ao colega George W. Bush. O Brasil importa etanol dos Estados Unidos, em vez de exportar, e não consegue produzir a demanda doméstica de refinados de petróleo.
Somam-se às pressões sobre a petroleira brasileira as dificuldades do setor elétrico; compras externas de diesel e gás para mover as usinas termelétricas, acionadas a todo vapor para compensar o baixo nível dos reservatórios em pleno fim do período chuvoso. O consultor Ricardo Maia, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), ressalta que dos 1.796 empreendimentos termelétricos em operação, que somam 36,3 mil megawatts (MW), 31 pertencem à estatal, com 6 mil MW. "O peso da empresa nessa área é evidente", disse.
De acordo com dados da própria Agência Nacional do Petróleo (ANP), o deficit da balança comercial de combustíveis, resultado de importações maiores que exportações, vai se ampliar em 2014. O rombo do diesel será de US$ 9 bilhões este ano, enquanto o da gasolina será de US$ 2,5 bilhões. Isso, considerando uma alta de 4% da demanda de derivados de petróleo. Em nota, a Petrobras informou que, "no momento, não fará comentários sobre o assunto".
Segundo Adilson Oliveira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), "a geração térmica atual registra custo operacional elevadíssimo e ainda provoca no mercado livre tetos de cotações sem paralelos". Nesse sentido, apenas as hidrelétricas de concessionárias que não aderiram ao plano de redução da conta de luz, definido unilateralmente pela presidente Dilma Rousseff - como a Cemig, a Copel e a Cesp -, têm conseguido computar ganhos no atual caos energético.
Estima-se que, apenas nos dois primeiros meses do ano, tenham faturado, com outros agentes, como o Banco BTG Pactual, cerca de R$ 9 bilhões. Já as distribuidoras que comercializam energia mais cara no atacado vão receber do Tesouro Nacional, pelo menos, R$ 23 bilhões, mas sem evitar o reajuste extremo das tarifas para 2015 e depois. Em tempo: a Cemig, a Copel e a Cesp, das administrações tucanas, não aceitaram a quebra de contratos imposta pela gestora e estão muito bem! Mas foram acusadas de agir politicamente. Adilson listou os erros, área por área.
Setor elétrico - Ações equivocadas: renovação antecipada e condicionada das concessões; aportes do Tesouro para garantir o desconto na conta de luz; estímulo ao consumo elétrico em períodos de geração escassa; falta de diálogo com agentes e pouca transparência nas ações. Consequências: perda de receita e de valor patrimonial das concessionárias; elevação dos preços nos leilões de energia (mercado à vista), em razão da situação hídrica; aumento de risco de racionamento no segundo semestre de 2014; necessidade de socorro ao caixa de distribuidoras e estouro das tarifas futuras.
Petróleo e gás - Ações equivocadas: congelamento dos reajustes de combustíveis da Petrobras; importação crescente de gasolina cara, revendida barata; esforço extra imposto à estatal para a exploração do pré-sal; capitalização recorde desviada para o controle inflacionário. Consequências: crescentes perdas na soma de receitas da Petrobras; salto na dívida e rebaixamento da nota de crédito da companhia; prejuízos a investidores e queda no valor de mercado; atraso de projetos de exploração e venda de ativos no exterior (empobrecimento).
Etanol - Ações equivocadas: indexação aos preços da gasolina, congelados; promessas não cumpridas de financiamento de novas usinas; falta de política de preços e estoques no longo prazo; tributos sobre a gasolina zerados para compensar reajuste nas bombas. Consequências: ampliação da perda de competitividade em relação à gasolina; virada de negócios no rumo do açúcar e da geração termelétrica; fechamento de usinas e agravamento da situação financeira de produtores enganados que fizeram investimentos.
Sinceramente, o governo é incompetente. Dar aumento de salários e conceder bolsas disso e daquilo não é administrar o Estado. É fazer política de "coronel" (coronelismo de Estado).
Duas plutocracias, dois museus - ELIO GASPARI
O GLOBO - 13/04
O Metropolitan de NY e o Museu de Arte de São Paulo retratam o andar de cima de cada uma dessas cidades
Em 1871 havia em Nova York uma das mais endinheiradas plutocracias da história. Era demófoba, antissemita e racista. Do nada, ela criou o Metropolitan Museum com a ajuda de um general e conde italiano, que não era general nem conde, apenas um finório. O museu só abriu ao domingos em 1889 porque pobre cospe no chão. Judeu no conselho, só em 1909. Negro, em 1971. Hoje o Met abre sete dias por semana, recebe 6 milhões de visitantes a cada ano e os nomes de seus 960 grandes benfeitores estão nas placas de mármore que ladeiam sua escadaria.
São Paulo também tem sua plutocracia. Graças ao jornalista Assis Chateaubriand, dono da maior rede de comunicação do país na metade do século 20, existe o Museu de Arte. Recebe 50 mil visitantes por mês e está arruinado, deve R$ 8 milhões e recentemente ganhou notoriedade quando dele saiu a proposta para gradear seu vão livre.
Na sua enésima encrenca, saíram do Masp duas notícias. Uma boa, outra ruim. A boa é que existe a possibilidade de os bancos Itaú e Bradesco apadrinharem a instituição, remodelando-a. A ruim é que os governos do Estado e da cidade querem participar da gestão do museu.
O Masp precisa blindar sua natureza privada. Os impostos estaduais dos paulistas sustentam uma boa instituição, a Pinacoteca, e uma ruína, o velho museu do Ipiranga, que está fechado. (O Masp, pelo menos, está aberto.) O governo de São Paulo e a prefeitura sustentam mais museus que os governos do Estado e da cidade de Nova York. Os americanos dão benefícios às instituições, às vezes têm assentos em seus conselhos, mas não se metem na gestão.
O Itaú, o Bradesco e quem mais estiver disposto podem transformar o Masp na vitrine de excelência e gestão de uma elite. Nos anos 70, quando Nova York e o Metropolitan viviam dias de crise, quem presidiu a mudança do museu foi um banqueiro. Douglas Dillon, que havia sido secretário do Tesouro de John Kennedy, apoiou uma política que reorientou a instituição para o povo. O museu preocupou-se sobretudo em exibir. Foi na sua presidência que expandiram-se as lojas de lembranças, transformadas em agradáveis mafuás. Hoje o Metropolitan opera uma máquina que é o sonho de qualquer banqueiro. Tem 170 mil pequenos contribuintes que a cada ano depositam cerca de 30 milhões de dólares, e não sacam.
QUEM FALOU COM EDUARDO CUNHA?
O líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha, prestou um serviço à moralidade pública defendendo o veto ao dispositivo da medida provisória 627, na qual incluiu-se um contrabando que alivia as operadoras de planos de saúde das multas a que estão sujeitas por negarem os serviços que vendem. Ele foi claro: se o governo da doutora Dilma tivesse ficado contra a medida, teria tirado o gato da tuba. Mais: discutiu o assunto com comissários da Casa Civil, do Ministério da Fazenda, da Advocacia-Geral da União e, por certo, com a liderança governista na Câmara.
Tudo bem, mas ele poderia dar os nomes dos bípedes com quem falou. Cada um se explicaria, e o assunto ficaria no seu verdadeiro tamanho. Varrendo para baixo do tapete, arrisca-se uma situação perigosa. Amanhã aparece uma gravação na qual um barão dos planos de saúde conversa com um hierarca e produzem o seguinte diálogo:
- Como vai a MP 627?
- Acho que vai bem.
Não quer dizer nada, mas o silêncio de hoje acabará se transformando em suspeita.
Vale repetir: o contrabando fazia com que uma empresa multada cem vezes, devendo R$ 8 milhões, pagasse apenas R$ 320 mil. Isso em ano de campanha eleitoral.
NOSSO GUIA
Lula deu um jeito e conseguiu vestir seu velho macacão.
Com o tom paternal de um pai da pátria, faz oposição ao governo Dilma.
O MAPA DE VARGAS
Até bem pouco tempo o deputado André Vargas era um dos principais coordenadores da campanha de Gleisi Hoffmann ao governo do Paraná.
Hoje ele é um mapa das conexões do PT paranaense, mais precisamente do colégio eleitoral de Londrina.
Puxando-se um fio, viu-se que ele usava jatinho na conta do doleiro Alberto Youssef e ambos mercadejavam negócios no Ministério da Saúde atrás de uma "independência financeira".
Vargas fez sua carreira política no circuito ONGs-PT. Na campanha de 2010 adquiriu tamanha mobilidade que repassou doações legais para 13 candidatos do PT, no total de R$ 876 mil (R$ 45,8 mil para a doutora Dilma).
Londrina já teve um prefeito preso (Antonio Belinati), e outro, petista (Nedson Micheleti), condenado por improbidade administrativa. O poder do comissariado na região foi favorecido por sua aliança com o cacique José Janene, do PP, cujas pegadas apareceram no escândalo do mensalão.
As tramas de Youssef e Janene remontam à administração de Belinati, quando funcionou na Câmara Municipal um "mensalinho".
O PT de São Paulo carrega a cruz de sua aliança com Paulo Maluf. O do Paraná parece beneficiado por uma distração. Afinal, Janene conseguiu do comissariado coisas que Maluf nunca ousou pedir. Teve um pé na Visanet do mensalão e outro na Petrobras.
PAPUDA
O Ministério Público começou a colher os frutos do julgamento do mensalão e da formação da bancada da Papuda. Melhorou a memória de muitos depoentes, sobretudo a do doleiro Alberto Youssef.
FINGEM NÃO VER
Os sábios das ekipekonômicas tucanas sabem que o Planalto está deixando correr no Congresso a mutilação da Lei da Responsabilidade Fiscal por meio da alteração retroativa dos índices de cálculo das dívidas que os Estados e municípios têm com a União. Deram-lhe o nome de "novo pacto federativo", mas é apenas a velha e boa revisão de contratos já assinados pelas partes. Feita a mudança, os beneficiados ganham uma folga de algo como R$ 100 bilhões para gastar. Trata-se de aliviar os orçamentos dos governadores e prefeitos às custas da bolsa da Viúva federal. Todas as vezes em que isso foi feito, mais adiante, quebraram a Boa Senhora. Como há governadores e prefeitos do PSDB, é melhor mudar de assunto.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e convenceu-se de que o atraso na entrega da hidrelétrica de Jirau é razoável. Devia gerar energia em setembro de 2015, mas ficou para meados de 2016. Em 2008 diziam que a obra estaria pronta em 2013, mas deixa pra lá. O que o idiota não entende, porque tenta fazer negócios semelhantes e não consegue, é porque a usina custaria R$ 9 bilhões e sairá por R$ 17,4 bilhões.
SOBERBA
Em 2008 o PSDB de São Paulo passou o rolo compressor em cima de uma proposta de abertura de uma CPI na Assembleia para investigar o cartel da Alstom. Mágica besta. Arriscam tomar uma CPI federal.
São Paulo também tem sua plutocracia. Graças ao jornalista Assis Chateaubriand, dono da maior rede de comunicação do país na metade do século 20, existe o Museu de Arte. Recebe 50 mil visitantes por mês e está arruinado, deve R$ 8 milhões e recentemente ganhou notoriedade quando dele saiu a proposta para gradear seu vão livre.
Na sua enésima encrenca, saíram do Masp duas notícias. Uma boa, outra ruim. A boa é que existe a possibilidade de os bancos Itaú e Bradesco apadrinharem a instituição, remodelando-a. A ruim é que os governos do Estado e da cidade querem participar da gestão do museu.
O Masp precisa blindar sua natureza privada. Os impostos estaduais dos paulistas sustentam uma boa instituição, a Pinacoteca, e uma ruína, o velho museu do Ipiranga, que está fechado. (O Masp, pelo menos, está aberto.) O governo de São Paulo e a prefeitura sustentam mais museus que os governos do Estado e da cidade de Nova York. Os americanos dão benefícios às instituições, às vezes têm assentos em seus conselhos, mas não se metem na gestão.
O Itaú, o Bradesco e quem mais estiver disposto podem transformar o Masp na vitrine de excelência e gestão de uma elite. Nos anos 70, quando Nova York e o Metropolitan viviam dias de crise, quem presidiu a mudança do museu foi um banqueiro. Douglas Dillon, que havia sido secretário do Tesouro de John Kennedy, apoiou uma política que reorientou a instituição para o povo. O museu preocupou-se sobretudo em exibir. Foi na sua presidência que expandiram-se as lojas de lembranças, transformadas em agradáveis mafuás. Hoje o Metropolitan opera uma máquina que é o sonho de qualquer banqueiro. Tem 170 mil pequenos contribuintes que a cada ano depositam cerca de 30 milhões de dólares, e não sacam.
QUEM FALOU COM EDUARDO CUNHA?
O líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha, prestou um serviço à moralidade pública defendendo o veto ao dispositivo da medida provisória 627, na qual incluiu-se um contrabando que alivia as operadoras de planos de saúde das multas a que estão sujeitas por negarem os serviços que vendem. Ele foi claro: se o governo da doutora Dilma tivesse ficado contra a medida, teria tirado o gato da tuba. Mais: discutiu o assunto com comissários da Casa Civil, do Ministério da Fazenda, da Advocacia-Geral da União e, por certo, com a liderança governista na Câmara.
Tudo bem, mas ele poderia dar os nomes dos bípedes com quem falou. Cada um se explicaria, e o assunto ficaria no seu verdadeiro tamanho. Varrendo para baixo do tapete, arrisca-se uma situação perigosa. Amanhã aparece uma gravação na qual um barão dos planos de saúde conversa com um hierarca e produzem o seguinte diálogo:
- Como vai a MP 627?
- Acho que vai bem.
Não quer dizer nada, mas o silêncio de hoje acabará se transformando em suspeita.
Vale repetir: o contrabando fazia com que uma empresa multada cem vezes, devendo R$ 8 milhões, pagasse apenas R$ 320 mil. Isso em ano de campanha eleitoral.
NOSSO GUIA
Lula deu um jeito e conseguiu vestir seu velho macacão.
Com o tom paternal de um pai da pátria, faz oposição ao governo Dilma.
O MAPA DE VARGAS
Até bem pouco tempo o deputado André Vargas era um dos principais coordenadores da campanha de Gleisi Hoffmann ao governo do Paraná.
Hoje ele é um mapa das conexões do PT paranaense, mais precisamente do colégio eleitoral de Londrina.
Puxando-se um fio, viu-se que ele usava jatinho na conta do doleiro Alberto Youssef e ambos mercadejavam negócios no Ministério da Saúde atrás de uma "independência financeira".
Vargas fez sua carreira política no circuito ONGs-PT. Na campanha de 2010 adquiriu tamanha mobilidade que repassou doações legais para 13 candidatos do PT, no total de R$ 876 mil (R$ 45,8 mil para a doutora Dilma).
Londrina já teve um prefeito preso (Antonio Belinati), e outro, petista (Nedson Micheleti), condenado por improbidade administrativa. O poder do comissariado na região foi favorecido por sua aliança com o cacique José Janene, do PP, cujas pegadas apareceram no escândalo do mensalão.
As tramas de Youssef e Janene remontam à administração de Belinati, quando funcionou na Câmara Municipal um "mensalinho".
O PT de São Paulo carrega a cruz de sua aliança com Paulo Maluf. O do Paraná parece beneficiado por uma distração. Afinal, Janene conseguiu do comissariado coisas que Maluf nunca ousou pedir. Teve um pé na Visanet do mensalão e outro na Petrobras.
PAPUDA
O Ministério Público começou a colher os frutos do julgamento do mensalão e da formação da bancada da Papuda. Melhorou a memória de muitos depoentes, sobretudo a do doleiro Alberto Youssef.
FINGEM NÃO VER
Os sábios das ekipekonômicas tucanas sabem que o Planalto está deixando correr no Congresso a mutilação da Lei da Responsabilidade Fiscal por meio da alteração retroativa dos índices de cálculo das dívidas que os Estados e municípios têm com a União. Deram-lhe o nome de "novo pacto federativo", mas é apenas a velha e boa revisão de contratos já assinados pelas partes. Feita a mudança, os beneficiados ganham uma folga de algo como R$ 100 bilhões para gastar. Trata-se de aliviar os orçamentos dos governadores e prefeitos às custas da bolsa da Viúva federal. Todas as vezes em que isso foi feito, mais adiante, quebraram a Boa Senhora. Como há governadores e prefeitos do PSDB, é melhor mudar de assunto.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e convenceu-se de que o atraso na entrega da hidrelétrica de Jirau é razoável. Devia gerar energia em setembro de 2015, mas ficou para meados de 2016. Em 2008 diziam que a obra estaria pronta em 2013, mas deixa pra lá. O que o idiota não entende, porque tenta fazer negócios semelhantes e não consegue, é porque a usina custaria R$ 9 bilhões e sairá por R$ 17,4 bilhões.
SOBERBA
Em 2008 o PSDB de São Paulo passou o rolo compressor em cima de uma proposta de abertura de uma CPI na Assembleia para investigar o cartel da Alstom. Mágica besta. Arriscam tomar uma CPI federal.
Oposição mostra a cara - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 13/04
BRASÍLIA - Com Dilma enfraquecida pela economia e pressionada pelas pesquisas, a oposição tenta mostrar a cara e avançar justamente quando os dois escândalos do momento se cruzam: o da Petrobras e o da Operação Lava Jato da PF.
O governo estava convencido de que tinha enterrado a CPI e de que o pior já tinha passado, mas a Polícia Federal, o Ministério Público e a imprensa têm uma dinâmica própria. Com ou sem CPI, os podres continuam vindo à tona todos os dias.
Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) se movem sob o impulso de vários dados captados pelo Datafolha, especialmente de um: 72% dos entrevistados dizem que querem mudança. Quem dá mais?
Ambos se pautam, ainda, por um discurso de Fernando Henrique, em 2011, apontando o foco das campanhas: a nova classe média, filha da estabilização da economia de FHC e da inclusão social de Lula.
Pelos dados internos, tanto do PSDB quanto do PSB e da Rede, são 104 milhões de brasileiros, representando 54% dos eleitores e R$ 1,03 trilhão em consumo.
Enquanto Dilma está na retranca (e suas imagens de sexta-feira estavam péssimas), seus adversários estão no ataque e testando o fôlego, porque a distância é grande.
Aécio é a estrela de programas na TV, com uma novidade de forte apelo político e de resultados eleitorais incertos: depois de mais de uma década de jejum em campanhas, FHC, 82, ressurge defendendo renovação, juventude e capacidade.
E Eduardo Campos vai finalmente anunciar Marina Silva como sua vice numa festança amanhã em Brasília, com atores, músicos, poetas regionais. Selado o casamento, os noivos vão à internet papear com o eleitorado, reiterando o que Lula já antecipara: as redes sociais serão de grande valia, essenciais mesmo, nas campanhas de 2014.
O país está fervendo, e a eleição, como a Copa, está aquecendo e tem resultados imprevisíveis. Ótimo.
O ponderável e o imponderável na política - GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo - 13/04
O recado de Lula foi direto: o governo precisa partir para a ofensiva, rebater as denúncias e defender "com unhas e dentes" a Petrobrás. Como assim? Como será possível defender a estatal quando pairam sobre ela contundentes denúncias de transações mal feitas, teias de corrupção e escândalos, sob a inexorável constatação de que ela vale, hoje, cerca de R$ 175 bilhões, menos da metade dos R$ 380 bilhões estimados em 2010, quando o preço do petróleo subiu aos picos e o pré-sal vitaminava a euforia do PT? Luiz Inácio, como se diz no vulgo, quer fazer do limão uma limonada.
A sugestão dará certo? Ao menos é a mais criativa. Como se sabe, diante de uma situação embaraçosa, ao ator político resta escolher entre duas estratégias: a de negociação e a de confronto. O bombardeio sobre a Petrobrás começou há tempos. A tentativa de encontrar respostas satisfatórias para a aquisição da refinaria de Pasadena tem sido ineficaz, porque o caso ganhou novos contornos com revelações envolvendo ex-funcionários, parlamentares, partidos e lobistas. O ex-presidente deve ter chegado à conclusão de que a linha de confronto é a mais indicada.
Na ciência política, campo que ele domina por instinto, a estratégia de enfrentamento de conflitos é inserida no capítulo das redundâncias, que estuda os caminhos possíveis para alcançar um objetivo. Conversa mole e desculpa esfarrapada não levam a lugar algum, deve ter pensado Luiz Inácio. Daí a ideia de desembainhar o facão.
Casos clássicos de redundância são os que se conhecem por "nó górdio" e "ovo de Colombo". O oráculo prognosticara que o guerreiro que conseguisse desatar o nó que atava o jugo à lança do carro de Górdio, rei da Frígia, dominaria a Ásia. Muitos tentaram. Alexandre Magno, a quem também foi posto o desafio, tinha duas opções: desfazer o nó, corda a corda, ou cortá-lo com a espada. Foi o que fez. Cristóvão Colombo não ficou horas tentando equilibrar o ovo em posição vertical. Com uma batida na extremidade mais larga, pumba, o ovo fixou-se sobre a mesa. Alexandre e Cristóvão exibiram a capacidade de antever possibilidades, quando a maioria das pessoas só enxerga restrições.
Outra versão que se pode fazer da visão de Lula é a de que a campanha eleitoral, mesmo não sendo ele candidato, será desenvolvida sob seu condão. Assume de vez o comando geral. Afinal, trata-se de consolidar o projeto de poder do PT. Cochilos, desvios de comportamento por parte de petistas, borrascas na economia, inflação na área de alimentos, arruaças na Copa, apagão de energia ou até falta d'água nas torneiras, a par de erros de estratégia, ameaçam o empreendimento petista. E quem sabe manejar melhor os pauzinhos da política e das eleições? Ele, Lula, o último dos moicanos, quer dizer, o perfil que ainda exibe acentuados tons de carisma. No fundo, o que o mandachuva começa a fazer é dar as coordenadas para a administração de fatores ponderáveis que poderão influenciar o pleito.
O território da ponderabilidade é vasto. Abriga tudo o que é provável ocorrer, numa escala que abriga situações com forte, média ou tênue previsibilidade. Vejam-se as obras da Copa. Algumas estão fora do cronograma e podem causar embaraços. Pode haver apagões? É pouco provável, mas não impossível. Haverá manifestações nas cercanias de estádios? Também é possível, tendo em vista a radiografia que estampa crescente participação de grupos de pressão com interesse em aproveitar o clima eleitoral para propagar demandas. A inflação poderá enervar os consumidores da cesta básica e contribuir para a desestabilização eleitoral? Se subir muito, certamente. Não é à toa que Lula pede ação de Dilma para melhorar a economia. Ele sabe que o bolso (as bolsas) supre a barriga das massas e um troco a menos diminuirá a cota de pão sobre a mesa. Administrar a pauta das demandas, garantir a harmonia dos habitantes da pirâmide social, principalmente os conjuntos que ascenderam ao pavimento da classe média baixa (40 milhões de pessoas), conter o touro inflacionário, eis o quebra-cabeças de Lula e sua pupila.
E a onda do "volta Lula"? É razoável? Na escala da probabilidade, está no último degrau. Só em última instância o ex-presidente toparia a parada. Como exemplo, o descontrole da inflação. A economia é a locomotiva que puxa os carros do trem da política. Saindo dos trilhos, provoca um desastre. Com a força do carisma e do gogó (que não pode estar desafinado), Luiz Inácio se esforçará para fazer o trem chegar à estação. Não será fácil apertar todos os parafusos da engrenagem. Resta aduzir que há na política um fator incontrolável, que não pede licença para entrar no saguão eleitoral e mudar o mapa dos votos. Ele poderia também puxar Lula para a candidatura. É o imponderável. Pode ocorrer a qualquer momento em qualquer lugar. Acidentes ou incidentes graves, eventos de grande impacto, borrascas inesperadas se escondem na caixa das coisas imponderáveis.
Vejam o caso do jegue no Piauí. Eleições de 1986, comício de encerramento de Freitas Neto, do antigo PFL, na Praça do Marquês. Desde a manhã os carros de som convidavam o povo para o monumental show de Elba Ramalho. Às 18 horas, praça lotada, a massa urrava: "Queremos Elba, queremos Elba!". Os caminhões com os equipamentos de som só chegaram em cima da hora do comício. Começou a cair um toró. Pipocos e faíscas. Os cabos, em curto-circuito, queimaram. Comício sem som? Elba mostrou o contrato: "Sem som não canto". Sob insistente apelo do candidato, propôs cantar uma música. Arrumaram um banjo para acompanhá-la. Nem mesmo começara a cantar, passou a vociferar: "Imbecis, ignorantes, não façam isso". No meio da multidão, a cena constrangedora: a galera abria a boca de um jumento e derramava nela uma garrafa de cachaça. Sob apupos, acabava o comício. O candidato perdeu a campanha por menos de 2%. O caso foi contado de boca a boca. O imponderável: um jumento embriagado em Teresina.
O recado de Lula foi direto: o governo precisa partir para a ofensiva, rebater as denúncias e defender "com unhas e dentes" a Petrobrás. Como assim? Como será possível defender a estatal quando pairam sobre ela contundentes denúncias de transações mal feitas, teias de corrupção e escândalos, sob a inexorável constatação de que ela vale, hoje, cerca de R$ 175 bilhões, menos da metade dos R$ 380 bilhões estimados em 2010, quando o preço do petróleo subiu aos picos e o pré-sal vitaminava a euforia do PT? Luiz Inácio, como se diz no vulgo, quer fazer do limão uma limonada.
A sugestão dará certo? Ao menos é a mais criativa. Como se sabe, diante de uma situação embaraçosa, ao ator político resta escolher entre duas estratégias: a de negociação e a de confronto. O bombardeio sobre a Petrobrás começou há tempos. A tentativa de encontrar respostas satisfatórias para a aquisição da refinaria de Pasadena tem sido ineficaz, porque o caso ganhou novos contornos com revelações envolvendo ex-funcionários, parlamentares, partidos e lobistas. O ex-presidente deve ter chegado à conclusão de que a linha de confronto é a mais indicada.
Na ciência política, campo que ele domina por instinto, a estratégia de enfrentamento de conflitos é inserida no capítulo das redundâncias, que estuda os caminhos possíveis para alcançar um objetivo. Conversa mole e desculpa esfarrapada não levam a lugar algum, deve ter pensado Luiz Inácio. Daí a ideia de desembainhar o facão.
Casos clássicos de redundância são os que se conhecem por "nó górdio" e "ovo de Colombo". O oráculo prognosticara que o guerreiro que conseguisse desatar o nó que atava o jugo à lança do carro de Górdio, rei da Frígia, dominaria a Ásia. Muitos tentaram. Alexandre Magno, a quem também foi posto o desafio, tinha duas opções: desfazer o nó, corda a corda, ou cortá-lo com a espada. Foi o que fez. Cristóvão Colombo não ficou horas tentando equilibrar o ovo em posição vertical. Com uma batida na extremidade mais larga, pumba, o ovo fixou-se sobre a mesa. Alexandre e Cristóvão exibiram a capacidade de antever possibilidades, quando a maioria das pessoas só enxerga restrições.
Outra versão que se pode fazer da visão de Lula é a de que a campanha eleitoral, mesmo não sendo ele candidato, será desenvolvida sob seu condão. Assume de vez o comando geral. Afinal, trata-se de consolidar o projeto de poder do PT. Cochilos, desvios de comportamento por parte de petistas, borrascas na economia, inflação na área de alimentos, arruaças na Copa, apagão de energia ou até falta d'água nas torneiras, a par de erros de estratégia, ameaçam o empreendimento petista. E quem sabe manejar melhor os pauzinhos da política e das eleições? Ele, Lula, o último dos moicanos, quer dizer, o perfil que ainda exibe acentuados tons de carisma. No fundo, o que o mandachuva começa a fazer é dar as coordenadas para a administração de fatores ponderáveis que poderão influenciar o pleito.
O território da ponderabilidade é vasto. Abriga tudo o que é provável ocorrer, numa escala que abriga situações com forte, média ou tênue previsibilidade. Vejam-se as obras da Copa. Algumas estão fora do cronograma e podem causar embaraços. Pode haver apagões? É pouco provável, mas não impossível. Haverá manifestações nas cercanias de estádios? Também é possível, tendo em vista a radiografia que estampa crescente participação de grupos de pressão com interesse em aproveitar o clima eleitoral para propagar demandas. A inflação poderá enervar os consumidores da cesta básica e contribuir para a desestabilização eleitoral? Se subir muito, certamente. Não é à toa que Lula pede ação de Dilma para melhorar a economia. Ele sabe que o bolso (as bolsas) supre a barriga das massas e um troco a menos diminuirá a cota de pão sobre a mesa. Administrar a pauta das demandas, garantir a harmonia dos habitantes da pirâmide social, principalmente os conjuntos que ascenderam ao pavimento da classe média baixa (40 milhões de pessoas), conter o touro inflacionário, eis o quebra-cabeças de Lula e sua pupila.
E a onda do "volta Lula"? É razoável? Na escala da probabilidade, está no último degrau. Só em última instância o ex-presidente toparia a parada. Como exemplo, o descontrole da inflação. A economia é a locomotiva que puxa os carros do trem da política. Saindo dos trilhos, provoca um desastre. Com a força do carisma e do gogó (que não pode estar desafinado), Luiz Inácio se esforçará para fazer o trem chegar à estação. Não será fácil apertar todos os parafusos da engrenagem. Resta aduzir que há na política um fator incontrolável, que não pede licença para entrar no saguão eleitoral e mudar o mapa dos votos. Ele poderia também puxar Lula para a candidatura. É o imponderável. Pode ocorrer a qualquer momento em qualquer lugar. Acidentes ou incidentes graves, eventos de grande impacto, borrascas inesperadas se escondem na caixa das coisas imponderáveis.
Vejam o caso do jegue no Piauí. Eleições de 1986, comício de encerramento de Freitas Neto, do antigo PFL, na Praça do Marquês. Desde a manhã os carros de som convidavam o povo para o monumental show de Elba Ramalho. Às 18 horas, praça lotada, a massa urrava: "Queremos Elba, queremos Elba!". Os caminhões com os equipamentos de som só chegaram em cima da hora do comício. Começou a cair um toró. Pipocos e faíscas. Os cabos, em curto-circuito, queimaram. Comício sem som? Elba mostrou o contrato: "Sem som não canto". Sob insistente apelo do candidato, propôs cantar uma música. Arrumaram um banjo para acompanhá-la. Nem mesmo começara a cantar, passou a vociferar: "Imbecis, ignorantes, não façam isso". No meio da multidão, a cena constrangedora: a galera abria a boca de um jumento e derramava nela uma garrafa de cachaça. Sob apupos, acabava o comício. O candidato perdeu a campanha por menos de 2%. O caso foi contado de boca a boca. O imponderável: um jumento embriagado em Teresina.
A seleção dos melhores - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 13/04
Até que ponto a escolha dos melhores de uma sociedade pode ser feita sem que se utilize o voto popular direto? O Congresso de um país representa a média de seus cidadãos ou a escolha é afetada pelo dinheiro das campanhas políticas, cada vez mais caras, e pela influência de grupos de pressão, que podem representar corporações e até mesmo interesses ilegais organizados? Qual é a melhor maneira de fazer com que a meritocracia prevaleça na escolha dos representantes do povo?
O cientista político Eric X. Li fez uma apresentação no ano passado no TED que se tornou viral. TED é uma fundação privada sem fins lucrativos dos Estados Unidos conhecida por conferências para a disseminação de ideias pela internet. Segundo Eric Li, a seleção dos dirigentes na China, embora feita por um partido único, o Partido Comunista, é marcada por um sistema que leva dirigentes de pequenos municípios a galgarem degraus na hierarquia única e exclusivamente pela eficiência de suas ações. Diz ele que o período de 20 a 30 anos é consumido para que a seleção afunile até a chegada dos líderes no Comitê Central, formado na sua maioria por elementos vindos das camadas inferiores da sociedade. Ele compara este tempo de seleção, em cada etapa do processo, com um MBA das melhores universidades americanas, e diz que o voto popular não faz falta na meritocracia que a China está organizando. A isenção política das escolhas é, no entanto, improvável para os críticos do sistema, que veem o aparelhamento do Estado pelo Partido Comunista como o real objetivo da seleção.
Já Jorge Maranhão, o publicitário que dirige A Voz do Cidadão em busca do que chama de cidadania de terceiro nível , está reunindo líderes da sociedade para que se comprometam com valores que possam fazer a sociedade progredir. São 20 temas, que representam os 20 componentes do que deveria ser o Ministério ideal, correspondente à formação histórica dos ministérios brasileiros. Quando chegar a 500, terei um Congresso de Cidadãos que não têm interesse em mandatos, todas as pessoas assinam um termo de compromisso de que não concorrerão a postos eletivos .
Maranhão vibra com a chance de ter virtualmente uma amostra significativa, em 20 das principais áreas de políticas públicas, de propostas desinteressadas de aperfeiçoamento . Sua ideia é calar a crítica da aristocracia no mau sentido; o Brasil precisa que seus melhores se dediquem à questão pública, e não essa onda que os políticos criaram de que quem está na política tem de sujar a mão . Ele está convencido de que há uma massa crítica de cidadãos dispostos a sair de uma cidadania de primeiro grau, que se define pela solidariedade, ou da legalidade, como a preocupação com o meio ambiente, o espaço público e os equipamentos urbanos, para uma cidadania atuante , que é o uso de instituições de controle do Estado, independentemente de partidos.
A verdadeira cidadania é a de controle social, que é uma dificuldade de colocar em pé. A cidadania de moralidade pública, no sentido amplo do termo. Onde você vai adequar os seus valores pessoais à sua conduta . A cidadania de terceiro grau é a mais evoluída, pois busca a coerência entre a consciência e a conduta social, mostra ao outro os limites de seus direitos. Cidadãos que não aceitam mais o Estado ser aparelhado por conveniências políticas , define.
Carlos Fernando Galvão, doutor em Ciências Sociais pela Uerj, lançou o Movimento Rio Cidadão, do qual emergiu a ONG Cidade Viva, ambos parados por falta de recursos. Publicou em 2010, pela Editora Claridade, o livro Democracia - Do conceito à prática, da representação à participação , com prefácio de Clóvis Rossi. Para ele, o sistema representativo dialoga com setores organizados, e para que alguém participe, tem de estar num movimento ou instituição. Contudo, é difícil você ver o sistema aberto a uma participação mais informal para o cidadão. Junto com a elite política e econômica, construímos o que chamo de uma elite do terceiro setor ou dos organizados. Mas a maioria das pessoas não é representada, de modo contínuo e satisfatório, por essas elites. A participação em comitês desde a base municipal, num sistema semelhante ao chinês, pode ´descristalizar´ a representação e mobilizar, na prática e efetivamente, a base , diz Galvão. Temos que construir uma agenda cidadã, vinda da base, onde a participação, em complemento, mas para muito além da representação (não a excluo, de maneira alguma), discuta o que queremos e proponha projetos .
O IBGE sob domínio petista - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 13/04
A suspensão, pela diretoria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da divulgação dos resultados trimestrais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) - que apresenta a situação do mercado de trabalho no País - deixa claro que, se for necessário para evitar que informações eventualmente negativas sobre o desempenho da economia causem danos à candidatura da presidente Dilma Rousseff à reeleição, o governo do PT não hesitará um segundo para intervir em qualquer órgão público. Nem mesmo instituições como o IBGE, que construíram ao longo dos anos uma reputação reconhecida internacionalmente pela qualidade e isenção de seu trabalho e produzem informações essenciais para a formulação de políticas públicas e para decisões das empresas privadas e das famílias, escapam da volúpia petista pela permanência no poder.
A revolta do corpo técnico da Diretoria de Pesquisas da instituição, responsável pela produção dos principais indicadores por ela divulgados regulamente, não deixa dúvidas quanto ao caráter político da decisão. A diretora Marcia Quintslr, que se opunha à interrupção da divulgação dos resultados, demitiu-se do cargo que ocupava desde 2011 tão logo a suspensão foi anunciada. Em nota, coordenadores e gerentes estratégicos da Diretoria de Pesquisas disseram ser "insustentável" sua permanência nos cargos caso a suspensão seja mantida.
A constatação, pela Pnad Contínua, de que o desemprego médio no País em 2013 foi de 7,1% deve ter provocado grande irritação entre os membros do governo que acumulam a função de organizadores da campanha eleitoral de Dilma. Eles estavam acostumados a outro indicador, a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) também aferida pelo IBGE, que tem apontado para um desemprego em torno de 5% - número que certamente tem impacto eleitoral muito mais favorável para a candidatura oficial do que o da Pnad Contínua.
São, porém, pesquisas diferentes, baseadas em metodologias e critérios diferentes e com abrangências igualmente diferentes (a PME limita-se a seis regiões metropolitanas; a Pnad Contínua tem alcance nacional), daí a discrepância de seus resultados num determinado momento.
Ao anunciar a suspensão da divulgação dos resultados trimestrais da Pnad em 2014 - a próxima estava marcada para o dia 27 de maio - e o reinício dos anúncios em janeiro de 2015, quando o vencedor da eleição presidencial já tiver tomado posse, a diretoria do IBGE tentou justificá-la com argumentos técnicos. Entre outros, a direção do instituto alegou, em comunicado, que a suspensão é necessária para eliminar da pesquisa dúvidas e questionamentos, entre os quais a respeito de renda domiciliar per capita, que será utilizada para definir as quotas de Estados e municípios nos respectivos fundos de participação em tributos federais.
Os técnicos da Diretoria de Pesquisas consideraram "inaceitável" essa alegação e também a decisão de refazer o calendário de divulgação dos resultados da Pnad Contínua. Documentos técnicos publicados pelo IBGE e declarações da presidente da instituição, Wasmália Bivar, à imprensa mostraram que há tempos a metodologia da pesquisa não precisa mais ser revista ou testada.
A metodologia é utilizada desde 2006 e a Pnad Contínua começou a ser realizada em caráter excepcional em outubro de 2011, em pelo menos 20 regiões metropolitanas, além de cinco capitais estaduais e no Distrito Federal. Em janeiro de 2012, foi estendida para todo o território nacional e, de acordo com as Notas Metodológicas publicadas pelo IBGE no início deste ano, desde então faz parte do conjunto de pesquisas do instituto.
Em setembro do ano passado, em entrevista ao jornal Brasil Econômico, a presidente do IBGE afirmou que, "quando começarmos a produzir, teremos que divulgar um cronograma e não poderemos parar". O cronograma foi amplamente anunciado no início deste ano (os dois primeiros resultados foram divulgados na data prevista), mas, por alguma razão, Wasmália e outros diretores do IBGE decidiram suspender a divulgação. Não foi por razões técnicas.
A suspensão, pela diretoria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da divulgação dos resultados trimestrais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) - que apresenta a situação do mercado de trabalho no País - deixa claro que, se for necessário para evitar que informações eventualmente negativas sobre o desempenho da economia causem danos à candidatura da presidente Dilma Rousseff à reeleição, o governo do PT não hesitará um segundo para intervir em qualquer órgão público. Nem mesmo instituições como o IBGE, que construíram ao longo dos anos uma reputação reconhecida internacionalmente pela qualidade e isenção de seu trabalho e produzem informações essenciais para a formulação de políticas públicas e para decisões das empresas privadas e das famílias, escapam da volúpia petista pela permanência no poder.
A revolta do corpo técnico da Diretoria de Pesquisas da instituição, responsável pela produção dos principais indicadores por ela divulgados regulamente, não deixa dúvidas quanto ao caráter político da decisão. A diretora Marcia Quintslr, que se opunha à interrupção da divulgação dos resultados, demitiu-se do cargo que ocupava desde 2011 tão logo a suspensão foi anunciada. Em nota, coordenadores e gerentes estratégicos da Diretoria de Pesquisas disseram ser "insustentável" sua permanência nos cargos caso a suspensão seja mantida.
A constatação, pela Pnad Contínua, de que o desemprego médio no País em 2013 foi de 7,1% deve ter provocado grande irritação entre os membros do governo que acumulam a função de organizadores da campanha eleitoral de Dilma. Eles estavam acostumados a outro indicador, a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) também aferida pelo IBGE, que tem apontado para um desemprego em torno de 5% - número que certamente tem impacto eleitoral muito mais favorável para a candidatura oficial do que o da Pnad Contínua.
São, porém, pesquisas diferentes, baseadas em metodologias e critérios diferentes e com abrangências igualmente diferentes (a PME limita-se a seis regiões metropolitanas; a Pnad Contínua tem alcance nacional), daí a discrepância de seus resultados num determinado momento.
Ao anunciar a suspensão da divulgação dos resultados trimestrais da Pnad em 2014 - a próxima estava marcada para o dia 27 de maio - e o reinício dos anúncios em janeiro de 2015, quando o vencedor da eleição presidencial já tiver tomado posse, a diretoria do IBGE tentou justificá-la com argumentos técnicos. Entre outros, a direção do instituto alegou, em comunicado, que a suspensão é necessária para eliminar da pesquisa dúvidas e questionamentos, entre os quais a respeito de renda domiciliar per capita, que será utilizada para definir as quotas de Estados e municípios nos respectivos fundos de participação em tributos federais.
Os técnicos da Diretoria de Pesquisas consideraram "inaceitável" essa alegação e também a decisão de refazer o calendário de divulgação dos resultados da Pnad Contínua. Documentos técnicos publicados pelo IBGE e declarações da presidente da instituição, Wasmália Bivar, à imprensa mostraram que há tempos a metodologia da pesquisa não precisa mais ser revista ou testada.
A metodologia é utilizada desde 2006 e a Pnad Contínua começou a ser realizada em caráter excepcional em outubro de 2011, em pelo menos 20 regiões metropolitanas, além de cinco capitais estaduais e no Distrito Federal. Em janeiro de 2012, foi estendida para todo o território nacional e, de acordo com as Notas Metodológicas publicadas pelo IBGE no início deste ano, desde então faz parte do conjunto de pesquisas do instituto.
Em setembro do ano passado, em entrevista ao jornal Brasil Econômico, a presidente do IBGE afirmou que, "quando começarmos a produzir, teremos que divulgar um cronograma e não poderemos parar". O cronograma foi amplamente anunciado no início deste ano (os dois primeiros resultados foram divulgados na data prevista), mas, por alguma razão, Wasmália e outros diretores do IBGE decidiram suspender a divulgação. Não foi por razões técnicas.
Inflação sob controle depende do governo - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 13/04
O fraco crescimento da economia gerou um clima de pessimismo, pois não se espera por parte das autoridades medidas de austeridade em ano de eleições
A perspectiva de baixo crescimento da economia brasileira, agora agravada pelo recrudescimento da inflação, gerou um clima de pessimismo que vai além do empresariado. Pesquisas recentes mostram que os brasileiros estão prevendo alta da inflação (e quando esse tipo de expectativa passa a ser reinante, aumenta a possibilidade de que a profecia se torne realidade). Os mesmos dois terços dos consultados que se mostram pessimistas quanto à trajetória dos preços clamam por mudanças. Em proporção menor, metade dos consultados acredita que haverá mais desemprego, e um terço prevê queda de poder aquisitivo dos assalariados.
Um esforço mais contundente contra a inflação exige uma austeridade nas finanças públicas que não combina muito com ano de eleições gerais. No entanto, no ritmo em que se encontra, a inflação poderá ter mais influência no cenário político do que a repercussão de medidas de austeridade.
A presidente Dilma, candidata à reeleição, reafirmou nos últimos meses seu compromisso com uma inflação sob controle, e dentro das metas estipuladas pelo governo. A partir desses pronunciamentos, a equipe econômica anunciou como objetivo um efetivo superávit primário nas finanças públicas de pelo menos 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), sem recorrer à contabilidade “criativa”, que caracterizou o fechamento das contas em 2013.
A promessa permanece ainda literalmente como uma dívida, porque os resultados não apareceram nas estatísticas econômicas dos primeiros meses do ano.
A falta de uma resposta adequada na política fiscal, com gastos governamentais de fato contidos, obriga o Banco Central a um forte aperto monetário, com elevação das taxas básicas de juros para um patamar que pode inibir a realização de investimentos privados no futuro. Desse modo, o combate à inflação não pode se restringir à ação da política monetária.
As críticas à política econômica se concentram, assim, no lado fiscal. O país tem uma carga tributária excessiva e, por outro lado, há novas pressões de gastos que partem, por exemplo, de subsídios às tarifas de energia elétrica. O clima adverso do início do ano teve impacto sobre os alimentos in natura. Diante dessa difícil situação, era de se esperar que o governo desse mais demonstração de austeridade nos demais gastos, mas o que se viu foi uma elevação de mais de 15% nas despesas de pessoal no primeiro bimestre, se comparado a mesmo período do ano passado.
Se números como esses continuarem a se repetir, o ambiente de pessimismo já percebido nas ruas não será revertido, prejudicando a economia do país e causando estragos na candidatura à reeleição, pois a presidente pouco terá a exibir a uma sociedade que há muito tempo optou pelo controle rígido da inflação.
O fraco crescimento da economia gerou um clima de pessimismo, pois não se espera por parte das autoridades medidas de austeridade em ano de eleições
A perspectiva de baixo crescimento da economia brasileira, agora agravada pelo recrudescimento da inflação, gerou um clima de pessimismo que vai além do empresariado. Pesquisas recentes mostram que os brasileiros estão prevendo alta da inflação (e quando esse tipo de expectativa passa a ser reinante, aumenta a possibilidade de que a profecia se torne realidade). Os mesmos dois terços dos consultados que se mostram pessimistas quanto à trajetória dos preços clamam por mudanças. Em proporção menor, metade dos consultados acredita que haverá mais desemprego, e um terço prevê queda de poder aquisitivo dos assalariados.
Um esforço mais contundente contra a inflação exige uma austeridade nas finanças públicas que não combina muito com ano de eleições gerais. No entanto, no ritmo em que se encontra, a inflação poderá ter mais influência no cenário político do que a repercussão de medidas de austeridade.
A presidente Dilma, candidata à reeleição, reafirmou nos últimos meses seu compromisso com uma inflação sob controle, e dentro das metas estipuladas pelo governo. A partir desses pronunciamentos, a equipe econômica anunciou como objetivo um efetivo superávit primário nas finanças públicas de pelo menos 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), sem recorrer à contabilidade “criativa”, que caracterizou o fechamento das contas em 2013.
A promessa permanece ainda literalmente como uma dívida, porque os resultados não apareceram nas estatísticas econômicas dos primeiros meses do ano.
A falta de uma resposta adequada na política fiscal, com gastos governamentais de fato contidos, obriga o Banco Central a um forte aperto monetário, com elevação das taxas básicas de juros para um patamar que pode inibir a realização de investimentos privados no futuro. Desse modo, o combate à inflação não pode se restringir à ação da política monetária.
As críticas à política econômica se concentram, assim, no lado fiscal. O país tem uma carga tributária excessiva e, por outro lado, há novas pressões de gastos que partem, por exemplo, de subsídios às tarifas de energia elétrica. O clima adverso do início do ano teve impacto sobre os alimentos in natura. Diante dessa difícil situação, era de se esperar que o governo desse mais demonstração de austeridade nos demais gastos, mas o que se viu foi uma elevação de mais de 15% nas despesas de pessoal no primeiro bimestre, se comparado a mesmo período do ano passado.
Se números como esses continuarem a se repetir, o ambiente de pessimismo já percebido nas ruas não será revertido, prejudicando a economia do país e causando estragos na candidatura à reeleição, pois a presidente pouco terá a exibir a uma sociedade que há muito tempo optou pelo controle rígido da inflação.
Manobras com CPIs - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 13/04
Governistas tentam impedir, com sofismas, investigação na Petrobras; casos em SP e PE, contudo, também merecem sofrer escrutínio
Do ponto de vista do interesse público, o caso dificilmente daria margem a debate. Identificados graves sinais de irregularidades na Petrobras, nada mais desejável do que procurar por todos os meios o esclarecimento dos fatos.
Ainda que as atividades da Polícia Federal e do Ministério Público desfrutem hoje de empenho e precisão consideráveis, a dimensão do escândalo recomenda que também se instaure uma Comissão Parlamentar de Inquérito.
Argumenta-se, o que é óbvio, que CPIs muitas vezes se prestam de palco a gesticulações políticas vazias, ainda mais num ano eleitoral. Minimiza-se, entretanto, a circunstância de que, ao contrário do que acontece num inquérito policial, os questionamentos e respostas são públicos, expondo todos -acusadores e acusados- ao contraditório e ao debate.
O aspecto político de uma CPI não a coloca num plano inferior ao das investigações técnicas da polícia e do Ministério Público. Trata-se, isto sim, de um âmbito diferente, com procedimentos próprios, e não mais distorcidos que, por hipótese, os de um inquérito policial cujos passos ficam em sigilo, ou se deixam vazar seletivamente.
Existe a necessidade de uma CPI sobre a Petrobras. A constatação, que não poderia ser mais clara, cercou-se entretanto de uma nuvem de dificuldades e sofismas.
Em dado momento, o PT argumenta que o pedido de instauração da CPI pelo Senado é genérico demais: não incide apenas sobre a compra da refinaria em Pasadena (EUA), mas também sobre outras suspeitas na gestão da empresa.
Com base nisso, recorreu ao Supremo tribunal Federal; pela Constituição, CPIs devem investigar fato determinado. Mas são razoáveis as evidências de que, na Petrobras, uma rede conexa de irregularidades e malfeitorias se articulou.
Ocorre que, noutro momento, o PT investe numa tática oposta. Afirma que uma CPI sobre vários casos da Petrobras seria genérica em excesso, mas propõe uma CPI com foco ainda mais ampliado, de modo a investigar também os escândalos tucanos com trens urbanos em São Paulo e as suspeitas sobre o porto de Suape na gestão do pernambucano Eduardo Campos.
Não se descarte a ideia de que todos esses casos mereçam suas respectivas CPIs. O PSDB tem sido mestre em abafá-las, aliás, no Legislativo paulista. Mas a manobra petista, além do propósito evidente de dispersar o esforço de investigação por focos múltiplos, é contraditória com o recurso ao Supremo.
Na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, foi além disso vitoriosa. Ampliou-se ali o escopo da CPI. No STF, o governo quer que o foco se restrinja. Não quer coisa nenhuma, na verdade, além de retirar das vistas do público o aparelhamento e os suspeitíssimos negócios na maior empresa brasileira.
Ainda que as atividades da Polícia Federal e do Ministério Público desfrutem hoje de empenho e precisão consideráveis, a dimensão do escândalo recomenda que também se instaure uma Comissão Parlamentar de Inquérito.
Argumenta-se, o que é óbvio, que CPIs muitas vezes se prestam de palco a gesticulações políticas vazias, ainda mais num ano eleitoral. Minimiza-se, entretanto, a circunstância de que, ao contrário do que acontece num inquérito policial, os questionamentos e respostas são públicos, expondo todos -acusadores e acusados- ao contraditório e ao debate.
O aspecto político de uma CPI não a coloca num plano inferior ao das investigações técnicas da polícia e do Ministério Público. Trata-se, isto sim, de um âmbito diferente, com procedimentos próprios, e não mais distorcidos que, por hipótese, os de um inquérito policial cujos passos ficam em sigilo, ou se deixam vazar seletivamente.
Existe a necessidade de uma CPI sobre a Petrobras. A constatação, que não poderia ser mais clara, cercou-se entretanto de uma nuvem de dificuldades e sofismas.
Em dado momento, o PT argumenta que o pedido de instauração da CPI pelo Senado é genérico demais: não incide apenas sobre a compra da refinaria em Pasadena (EUA), mas também sobre outras suspeitas na gestão da empresa.
Com base nisso, recorreu ao Supremo tribunal Federal; pela Constituição, CPIs devem investigar fato determinado. Mas são razoáveis as evidências de que, na Petrobras, uma rede conexa de irregularidades e malfeitorias se articulou.
Ocorre que, noutro momento, o PT investe numa tática oposta. Afirma que uma CPI sobre vários casos da Petrobras seria genérica em excesso, mas propõe uma CPI com foco ainda mais ampliado, de modo a investigar também os escândalos tucanos com trens urbanos em São Paulo e as suspeitas sobre o porto de Suape na gestão do pernambucano Eduardo Campos.
Não se descarte a ideia de que todos esses casos mereçam suas respectivas CPIs. O PSDB tem sido mestre em abafá-las, aliás, no Legislativo paulista. Mas a manobra petista, além do propósito evidente de dispersar o esforço de investigação por focos múltiplos, é contraditória com o recurso ao Supremo.
Na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, foi além disso vitoriosa. Ampliou-se ali o escopo da CPI. No STF, o governo quer que o foco se restrinja. Não quer coisa nenhuma, na verdade, além de retirar das vistas do público o aparelhamento e os suspeitíssimos negócios na maior empresa brasileira.
Esses moços, pobres moços - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 13/04
Pesquisa nacional sobre o comportamento dos jovens mostra que eles estão enviando um desesperado pedido de socorro. Como estamos respondendo?
Gerações de brasileiros cresceram debaixo de um poderoso bordão: “Somos um país de jovens”. De modo que políticas voltadas para a juventude sempre pareceram um desperdício de saliva. Todas as políticas, em tese, acabariam por cair no colo dos mais moços já que faziam parte da maioria. Mas esse raciocínio beira a falta de juízo. Nem o Brasil é tão jovem, como foi um dia. Nem as políticas são mecanismos tão inteligentes, a ponto de se distribuírem pelas faixas etárias com a instantaneidade com que traquitanas tecnológicas espalham mensagens.
O preço pago por esse autoengano é que o Brasil acredita que faz o que não faz. E o que não faz (pelos jovens) deixa a nação dançando quadrilha em cima das cinzas. Há políticas de distribuição de renda – implementados na última década –, há mecanismos para a juventude desvalida. O Pro-Jovem mostrou que amparar esse grupo custa muito pouco. O mesmo se diga das políticas de inclusão no curso superior. Deram-se de forma rápida e mudaram a geografia do ensino no país. Mas basta?
O recém-publicado 2.º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sobre comportamento juvenil, dá a medida dos nossos tropeços nos cuidados a quem devemos. O estudo é amplo. São 800 perguntas, com entrevistas em profundidade, questionários junto a 1.742 brasileiros entre 14 e 25 anos, em 149 municípios. Um primor. Quem quer que precise se debruçar sobre o perfil juvenil do país há de encontrar munição nesses números. A pesquisa, afinal, quantifica questões tão díspares como a depressão e o uso do tempo.
Chamaram a atenção da imprensa dois números em especial: o dado de que 34,1% dos consultados faz sexo sem preservativo, e de que 33% dos entrevistados declararam usar semanalmente álcool ou drogas. Mas, lida no conjunto, a pesquisa da Unifesp indica o estágio de abandono dos jovens. Os pesquisadores da universidade descobriram que 21% deles têm “indicadores de depressão” – só entre as meninas, o porcentual sobre para 28%; além disso, um em cada dez jovens já pensou em se matar, e 5% já tentaram o suicídio.
Os jovens estão enviando um desesperado pedido de socorro, e o que fazemos com eles? Atiramos instrumentos para que eles possam fazer tudo “com segurança”. É a isso que se propõem tantas políticas de redução de danos. E deixamos esses moços, pobres moços, respondendo ao que a sociedade lhes oferece – consumo e individualismo desmedidos. Não é de estranhar que a afetividade seja mecânica, seguindo a melodia que se está cantando por aí. É grave.
Pior: tratamos os jovens como números, como “problemas de saúde pública”. Uma menina de 17 anos contaminada pelo HIV é uma questão de sanitarismo, não se discute. “Quanto ela custaria para os cofres públicos?”, perguntamos. O que incomoda é ser a saúde a única voz, como se não houvesse mais nada a dizer nem mais agentes a tomarem a palavra nessa peleja. A verdade é que nossos jovens estão órfãos de palavras.
Os jovens não querem a “segurança” oferecida pelas políticas de redução de danos. Herdeiros – filhos, netos, alunos – da geração de 68, do “é proibido proibir”, eles aprenderam a liberdade sem responsabilidade. Mas seu desespero mostra que os jovens estão à procura de quem os tire da zona de conforto. De quem lhes diga que há uma excelência a buscar, que existem modelos nobres a seguir, que a família tem de ser seu porto seguro, que a felicidade está na prática das virtudes e não na mera satisfação dos instintos, que há um amor nobre que sabe respeitar o outro. Insulta o jovem quem acha que a maneira de lidar seus problemas é aceitar o hedonismo como o “jeito jovem de ser” e se contentar em impedir que o prazer desenfreado faça vítimas por aí.
Ainda ecoam os dizeres do papa Francisco no Brasil, pedindo que se acredite no jovem. O verbo é esse mesmo: “acreditar”, o que implica fazer depósitos. Em valores. São questões que parecem não caber numa tabela. Resistem às estatísticas. Mas é difícil sustentar que cada item doído da Unifesp não tenha razões práticas e teóricas na nossa indolência para com “eles” – nós sabemos quem.
Pesquisa nacional sobre o comportamento dos jovens mostra que eles estão enviando um desesperado pedido de socorro. Como estamos respondendo?
Gerações de brasileiros cresceram debaixo de um poderoso bordão: “Somos um país de jovens”. De modo que políticas voltadas para a juventude sempre pareceram um desperdício de saliva. Todas as políticas, em tese, acabariam por cair no colo dos mais moços já que faziam parte da maioria. Mas esse raciocínio beira a falta de juízo. Nem o Brasil é tão jovem, como foi um dia. Nem as políticas são mecanismos tão inteligentes, a ponto de se distribuírem pelas faixas etárias com a instantaneidade com que traquitanas tecnológicas espalham mensagens.
O preço pago por esse autoengano é que o Brasil acredita que faz o que não faz. E o que não faz (pelos jovens) deixa a nação dançando quadrilha em cima das cinzas. Há políticas de distribuição de renda – implementados na última década –, há mecanismos para a juventude desvalida. O Pro-Jovem mostrou que amparar esse grupo custa muito pouco. O mesmo se diga das políticas de inclusão no curso superior. Deram-se de forma rápida e mudaram a geografia do ensino no país. Mas basta?
O recém-publicado 2.º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sobre comportamento juvenil, dá a medida dos nossos tropeços nos cuidados a quem devemos. O estudo é amplo. São 800 perguntas, com entrevistas em profundidade, questionários junto a 1.742 brasileiros entre 14 e 25 anos, em 149 municípios. Um primor. Quem quer que precise se debruçar sobre o perfil juvenil do país há de encontrar munição nesses números. A pesquisa, afinal, quantifica questões tão díspares como a depressão e o uso do tempo.
Chamaram a atenção da imprensa dois números em especial: o dado de que 34,1% dos consultados faz sexo sem preservativo, e de que 33% dos entrevistados declararam usar semanalmente álcool ou drogas. Mas, lida no conjunto, a pesquisa da Unifesp indica o estágio de abandono dos jovens. Os pesquisadores da universidade descobriram que 21% deles têm “indicadores de depressão” – só entre as meninas, o porcentual sobre para 28%; além disso, um em cada dez jovens já pensou em se matar, e 5% já tentaram o suicídio.
Os jovens estão enviando um desesperado pedido de socorro, e o que fazemos com eles? Atiramos instrumentos para que eles possam fazer tudo “com segurança”. É a isso que se propõem tantas políticas de redução de danos. E deixamos esses moços, pobres moços, respondendo ao que a sociedade lhes oferece – consumo e individualismo desmedidos. Não é de estranhar que a afetividade seja mecânica, seguindo a melodia que se está cantando por aí. É grave.
Pior: tratamos os jovens como números, como “problemas de saúde pública”. Uma menina de 17 anos contaminada pelo HIV é uma questão de sanitarismo, não se discute. “Quanto ela custaria para os cofres públicos?”, perguntamos. O que incomoda é ser a saúde a única voz, como se não houvesse mais nada a dizer nem mais agentes a tomarem a palavra nessa peleja. A verdade é que nossos jovens estão órfãos de palavras.
Os jovens não querem a “segurança” oferecida pelas políticas de redução de danos. Herdeiros – filhos, netos, alunos – da geração de 68, do “é proibido proibir”, eles aprenderam a liberdade sem responsabilidade. Mas seu desespero mostra que os jovens estão à procura de quem os tire da zona de conforto. De quem lhes diga que há uma excelência a buscar, que existem modelos nobres a seguir, que a família tem de ser seu porto seguro, que a felicidade está na prática das virtudes e não na mera satisfação dos instintos, que há um amor nobre que sabe respeitar o outro. Insulta o jovem quem acha que a maneira de lidar seus problemas é aceitar o hedonismo como o “jeito jovem de ser” e se contentar em impedir que o prazer desenfreado faça vítimas por aí.
Ainda ecoam os dizeres do papa Francisco no Brasil, pedindo que se acredite no jovem. O verbo é esse mesmo: “acreditar”, o que implica fazer depósitos. Em valores. São questões que parecem não caber numa tabela. Resistem às estatísticas. Mas é difícil sustentar que cada item doído da Unifesp não tenha razões práticas e teóricas na nossa indolência para com “eles” – nós sabemos quem.
Por que se mata tanto no Brasil - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 13/04
A dois meses de sediar a Copa do Mundo, um dos eventos internacionais que mais implicam cuidados com a segurança, o Brasil está exposto ao planeta como território minado. Se a América do Sul desponta entre as regiões mais violentas da Terra, quando comparado a vizinhos de subcontinente, este país ainda consegue ser destaque nesse cenário de horror, atrás apenas da Venezuela e da Colômbia. E o pior é que, mais do que registrar quadro tão trágico, relatório das Nações Unidas divulgado na quinta-feira passada revela retrocesso.
Depois de dois anos de queda, tanto o número de homicídios quanto a taxa de assassinatos por 100 mil habitantes estão em franca ascensão no Brasil. De 45,8 mil assassinatos em 2008, o país registrou 43,2 mil em 2010, dando pulo para 50,1 mil em 2012. Já o índice, de 23,9 por 100 mil habitantes em 2008, baixou para 22,2 em 2010 e chegou à casa dos 25,2 em 2012. Ressalve-se que a paridade considerada aceitável pela Organização Mundial da Saúde é de, no máximo, 10 em cada grupo de 100 mil, menos da metade da constatada aqui.
É bom prestar atenção aos números. Compare: se uma família tem cinco membros - pai, mãe e três filhos -, é como se 10 mil núcleos familiares fossem exterminados ao longo de 12 meses, mais de 833 por mês. "É um município do interior que desaparece anualmente no Brasil", atesta Nivio Nascimento, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), a instituição responsável pelo levantamento, para quem "os dados são assustadores". Sem dúvida - e de qualquer ângulo que se possa observá-los. Por exemplo: de cada 10 pessoas assassinadas em 2012, quatro eram americanas, uma brasileira.
Mas qual a razão da matança? Certamente, são muitas. A ONU revela que, nas Américas, 30% das mortes estão relacionadas ao tráfico de drogas. Especialistas apontam outras causas, como o inchaço das cidades, que dificulta a ação da polícia, e a impunidade. De fato, polícia e Justiça atuantes são receitas certas para enfrentar qualquer tipo de crime. E a segurança pública é caótica no Brasil, para dizer o mínimo. Além disso, há um quadro social ainda preocupante - embora os avanços recentes -, com a má qualidade da educação, da saúde, dos transportes, deteriorando a qualidade de vida, sepultando esperanças, gerando violência.
Não que todas as políticas públicas brasileiras tenham fracassado ou estejam fadadas ao fracasso. Há experiências exitosas até no combate à criminalidade. A própria ONU reconhece, no relatório, o sucesso de iniciativas como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), do Rio de Janeiro, e o Pacto pela Vida, de Salvador. Há ainda a campanha do desarmamento, de âmbito nacional. Mas esse é um problema que precisa ser atacado no todo, por todos os flancos e ao mesmo tempo. E nosso próprio sistema penitenciário é mais conhecido por fabricar do que recuperar bandidos. Vamos ver o que restará do legado da Copa, com as novas estratégias e novos equipamentos de combate à criminalidade.
Depois de dois anos de queda, tanto o número de homicídios quanto a taxa de assassinatos por 100 mil habitantes estão em franca ascensão no Brasil. De 45,8 mil assassinatos em 2008, o país registrou 43,2 mil em 2010, dando pulo para 50,1 mil em 2012. Já o índice, de 23,9 por 100 mil habitantes em 2008, baixou para 22,2 em 2010 e chegou à casa dos 25,2 em 2012. Ressalve-se que a paridade considerada aceitável pela Organização Mundial da Saúde é de, no máximo, 10 em cada grupo de 100 mil, menos da metade da constatada aqui.
É bom prestar atenção aos números. Compare: se uma família tem cinco membros - pai, mãe e três filhos -, é como se 10 mil núcleos familiares fossem exterminados ao longo de 12 meses, mais de 833 por mês. "É um município do interior que desaparece anualmente no Brasil", atesta Nivio Nascimento, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), a instituição responsável pelo levantamento, para quem "os dados são assustadores". Sem dúvida - e de qualquer ângulo que se possa observá-los. Por exemplo: de cada 10 pessoas assassinadas em 2012, quatro eram americanas, uma brasileira.
Mas qual a razão da matança? Certamente, são muitas. A ONU revela que, nas Américas, 30% das mortes estão relacionadas ao tráfico de drogas. Especialistas apontam outras causas, como o inchaço das cidades, que dificulta a ação da polícia, e a impunidade. De fato, polícia e Justiça atuantes são receitas certas para enfrentar qualquer tipo de crime. E a segurança pública é caótica no Brasil, para dizer o mínimo. Além disso, há um quadro social ainda preocupante - embora os avanços recentes -, com a má qualidade da educação, da saúde, dos transportes, deteriorando a qualidade de vida, sepultando esperanças, gerando violência.
Não que todas as políticas públicas brasileiras tenham fracassado ou estejam fadadas ao fracasso. Há experiências exitosas até no combate à criminalidade. A própria ONU reconhece, no relatório, o sucesso de iniciativas como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), do Rio de Janeiro, e o Pacto pela Vida, de Salvador. Há ainda a campanha do desarmamento, de âmbito nacional. Mas esse é um problema que precisa ser atacado no todo, por todos os flancos e ao mesmo tempo. E nosso próprio sistema penitenciário é mais conhecido por fabricar do que recuperar bandidos. Vamos ver o que restará do legado da Copa, com as novas estratégias e novos equipamentos de combate à criminalidade.
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