terça-feira, dezembro 26, 2017

Natal - CARLOS ANDREAZZA

O Globo - 26/12


Era linda a nossa árvore, um pinheiro de verdade, que escolhíamos e enfeitávamos juntos. Ali, insisto, o menino não morrera, permanecia qual um milagre


Na véspera de Natal, grupos saíram de madrugada para doar comida e roupas aos sem-teto que vivem nas ruas do Centro do Rio. Perdi meu pai cedo, aos 9 anos — dias depois de completar 9 anos. Embora já fosse idade para memória, lembro-me de pouco. Lembro-me pouco de pouco. E é mesmo provável que esses poucos nem sequer isso sejam; que minhas recordações sejam terceirizadas, extraídas das fotos. Precisei me tornar adulto para compreender e admitir esse bloqueio. Um embaraço — obstrução — que é tão parte minha quanto a saudade. Sinto saudade de meu pai — e de ter pai. Sofri, sofro ainda, a angústia — espécie de culpa — por intuir que essa segunda fosse maior, mais legítima, que a primeira.

Havia a questão perturbadora: como posso sentir falta se tenho dúvida sobre se lembro dele? A questão se transformaria — pai que hoje sou: como posso falar para minha filha do avô se me falta a certeza de que me recordo dele? É o progresso da corrupção da intimidade: da desconfiança de que me enganava à de que engano. A questão transforma-se sempre — transtorna-se, ramifica-se. Sou um filho fingido, um pai fingidor? E poderia ser diferente? Poderei? Será fé excessiva crer que minha pequena possa me curar do cinismo afetivo em que me refugiei? Será sinal de esperança esse de que só hoje — pai — vim a temer a morte, a minha? Temeria a morte papai? Terá morrido sem temê-la? Terá lhe faltado tempo até para o medo, meu Deus?

Por anos fantasiei uma súbita recuperação da memória, especulei sobre gatilhos que provocariam o destravar das lembranças, e só fui me apaziguar quando, derrotado desde sempre, enfrentei o luto de que aquilo que desejava reconstituir — a vida de papai — era ouvi-lo me contar de nós dois. Meu pai morreu duas vezes. A última, não faz muito, quando enterrei o moleque que devo ter sido; aquele que meu velho, morto tão jovem, jamais poderia confirmar — chancelar. Não era a minha memória o que sonhava recompor; mas a dele comigo. A morte de papai foi também a morte de minha infância, com uma exceção, um sobrevivente: o Natal.

Talvez fossem — sejam — ainda as fotografias, mas me habituei a acreditar que me haviam sobrado reminiscências, poucas de pouco, de Natais com meu pai. O ideal fundador da integridade por muitos anos; meu primeiro núcleo duro reunido — juro que me lembro das manhãs de cada dia 25 de quando a criança vivia: papai, mamãe, meu irmão, minha irmã e eu. Era linda a nossa árvore, um pinheiro de verdade, que escolhíamos e enfeitávamos juntos. Ali, insisto, o menino não morrera — permanecia qual um milagre da memória.

Mas quem disse que era bom, que tinha de ser simples?

Porque me lembrava, ou porque acreditava me lembrar, o ideal da integridade se tornou o ideal da integridade corrompida, perdida. Exatamente porque me lembrava, passei a odiar o Natal, tornado depois indiferente, e eu, apaziguado — conformado? — ano afora, para sempre um ressentido em dezembro: eu me recordava, recordo, eu sinto, vejo mesmo as cores, os detalhes dos enfeites; e aquilo, porém, isso de que ainda me lembro, até do cheiro, isso acabara, estancara, me fora tomado, quebrado, confinado ao passado, sem futuro, esmigalhado na bolinha de papel em que se havia convertido o automóvel.

Como não ser cínico? Se a opção era o ressentimento, como não ser cínico? Como não blefar com a hipocrisia de que melhor seria não lembrar?

Ocorre que também as sentenças se transformam — porque a humanidade se impõe, desafia a desfaçatez, e porque a natureza, sobretudo a natureza, dá novas chances. Falo de amor — o único lugar de fala, a única revolução. E então me reencontro, reinvento-me: meu pai não morreu duas vezes. Ou talvez tenha morrido, a última sendo mesmo aquela em que enterrei o moleque que devo ter sido. É que — tento explicar a confusão — o moleque renasceu, ressuscitou, reinventou-se. O moleque — por que não? — nasceu duas vezes; a última, há pouco mais de dois anos, no exato instante em que minha Carol deu à luz. É ele, o menino, quem escreve este texto. O menino que é pai; que é menino porque pai. É que nos veio a Manuela, a graça que descongelou — reanimou — o Natal em mim; que me recosturou à tradição familiar; que me devolveu a infância naquela que embalo; que me fez atentar novamente para o canto da cigarra; que me deu a fortuna de uma nova manhã do dia 25.

Sei que cada um é suas circunstâncias, mas creio no efeito de valor universal — creio que minha palavra encontrará as circunstâncias de cada um — para desejar a todos que reencontrem o Natal.

Precisamos comer terra - BERNARD APPY

ESTADÃO - 26/12

Temos de entender que só é possível mudar o Brasil saindo de nossa zona de conforto



Começo minha última coluna do ano com um poema de Manuel Bandeira, um poema sobre a paixão em sua forma mais pura.

Estrela da Manhã

Eu quero a estrela da manhã

Onde está a estrela da manhã?

Meus amigos meus inimigos

Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua

Desapareceu com quem?

Procurem por toda parte

Digam que sou um homem sem orgulho

Um homem que aceita tudo

Que me importa?

Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites

Fui assassino e suicida

Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal sexuada

Atribuladora dos aflitos

Girafa de duas cabeças

Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros

Pecai com os sargentos

Pecai com os fuzileiros navais

Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos

Com o padre e com o sacristão

Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas

cavalhadas comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples

Que tu desfalecerás

Procurem por toda parte

Pura ou degradada até a última baixeza

Eu quero a estrela da manhã.


Tem sido difícil ser brasileiro nos últimos tempos, mas o desânimo não é uma solução. Só com paixão conseguiremos sair desta enrascada. Mas paixão não é radicalização. Não é nos apegando aos nossos preconceitos e privilégios – e rejeitando todas as ideias diferentes das nossas – que encontraremos a estrela da manhã.

A única forma de mudar o Brasil é comendo um pouco de terra. É entendendo que teremos, todos, de ceder um pouco para que tenhamos um país mais justo, produtivo, equilibrado e em que a lei valha para todos.

Precisamos entender que o mercado não resolve tudo nem é capaz de reduzir as desigualdades sociais, mas que o Estado tem limites e não pode prover tudo para todos.

Entender que nós, que somos mais ricos que a maioria da população brasileira, teremos de perder um pouco para que tenhamos um país onde todos tenham oportunidades. Que teremos de nos aposentar um pouco mais tarde para que nossos filhos e netos também possam se aposentar.

Precisamos entender que é bom que haja competição em todos os mercados, principalmente no nosso. Que um país justo pressupõe regras iguais para todos, dos direitos civis à tributação, passando pela Previdência. Que políticas sociais são importantes, mas que equilíbrio fiscal, aumento da produtividade e eficiência no gasto público também são.

Entender que o País só pode crescer com regras claras e estáveis. Que ricos devem pagar mais impostos que pobres. Que excesso de discricionariedade na concessão de benefícios com recursos públicos é uma porta aberta para a corrupção. Que o Brasil não está isolado do mundo, o que limita o que podemos fazer. Que privilégios financiados com dinheiro público são uma forma de apropriação privada de recursos que deveriam beneficiar toda a sociedade.

Temos de entender que só é possível combater a corrupção se todos estiverem sujeitos às mesmas regras, a começar pelos políticos. Que a política é importante e nossos votos também. Que somos responsáveis por nossas escolhas e que não podemos nos isentar do que ocorre em Brasília.

Precisamos entender que só é possível mudar o Brasil saindo de nossa zona de conforto. Que apenas ouvindo os outros conseguiremos encontrar uma saída. Que, se resistirmos a reavaliar nossos privilégios e nossos preconceitos, dificilmente avançaremos. Que só com paixão e esforço conseguiremos melhorar nosso país e que para encontrar a estrela da manhã vale tudo, menos orgulho e indiferença.

DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL


O bolivarianismo mata suas crianças de fome - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - 26/12

Preocupado única e exclusivamente com sua perpetuação no poder, Maduro fechou os olhos e condenou milhares de bebês e crianças venezuelanas

Quando a Venezuela começou a sofrer com a escassez de produtos básicos, incluindo papel higiênico, a ditadura chavista de Nicolás Maduro encarregou o presidente do Instituto Nacional de Estatísticas de ir a público afirmar que o país estava precisando importar 39 milhões de rolos porque a população “estava comendo mais”. Em maio de 2013, a surreal justificativa foi vista como piada, mas agora ganha contornos muito macabros quando vem à tona o horror revelado por um trabalho de reportagem do jornal The New York Times: a crise causada pelo bolivarianismo está matando de fome as crianças venezuelanas.

Em cinco meses acompanhando a rotina de hospitais por toda a Venezuela, os repórteres ouviram médicos comparando a situação à de campos de refugiados, em termos de desnutrição. A fórmula artificial que substitui o leite materno virou artigo de luxo: se nem mesmo as alas de emergência a têm em estoque, imagine-se os supermercados – e, quando o produto está disponível, nem sempre as famílias têm dinheiro para comprá-lo, graças à hiperinflação. Crianças chegam aos hospitais com o mesmo peso de recém-nascidos, e nem sempre há leitos para bebês.

O governo escondeu este terror da população ao não publicar as estatísticas de mortalidade infantil por dois anos 


Tudo isso foi deliberadamente escondido da população pelo governo, que não publicou as estatísticas de mortalidade infantil por dois anos, até que elas ficaram disponíveis por pouco tempo no site do Ministério da Saúde. Em 2016, 11.416 crianças com menos de 1 ano tinham morrido, 30% mais que em 2015. Entre 2012 e 2015, a taxa de mortalidade de bebês de até 4 semanas havia subido 100 vezes. Os dados sumiram rapidamente do site, o governo alegou invasão de hackers e a ministra Antonieta Caporale foi demitida – não por causa da situação das crianças, obviamente, mas devido à exposição internacional desta catástrofe humanitária. Os militares fiéis ao chavismo assumiram a missão de monitorar os dados de saúde e nunca mais houve divulgação de dados. Médicos disseram a jornalistas que são proibidos de informar, nos registros, que uma criança está desnutrida ou morreu por falta de comida. Mesmo assim, uma contagem clandestina revela a existência de pelo menos 2,8 mil casos de desnutrição no último ano, com 400 mortes.

A fome que vitima as crianças também tem seus reflexos sobre os adultos. Pais e familiares perdem peso e adoecem ao se privar da pouca comida existente para que as crianças possam comer, e são obrigados a revirar o lixo nas ruas e dos restaurantes, depois que eles fecham, enfrentando gangues armadas, “especializadas” nesse tipo de atividade.

União Soviética, China, Camboja, Coreia do Norte, Etiópia, Zimbábue... socialismo e fome têm sido sinônimos desde os primórdios dos regimes totalitários de esquerda, seja deliberadamente, como no caso do Holodomor, o genocídio pela fome da população ucraniana ordenado por Stalin, seja como consequência pura e simples da implantação de políticas de coletivização da agricultura destinadas ao fracasso desde seu início. Quando o “socialismo do século 21” de Hugo Chávez e Nicolás Maduro levou à crise de abastecimento nos supermercados venezuelanos, o terror das mortes de crianças começava a se desenhar. Mas, preocupado única e exclusivamente com sua perpetuação no poder, Maduro fechou os olhos e condenou milhares de bebês e crianças venezuelanas.

Mesmo assim, a ditadura venezuelana continua contando com forte apoio de formadores de opinião, políticos e partidos de esquerda brasileiros, especialmente o PT (cuja presidente, a senadora Gleisi Hoffmann, não esconde em seus pronunciamentos o entusiasmo pelo chavismo) e o PSol, ainda que alguns membros deste partido façam críticas tímidas a Maduro, sempre apelando ao truque da equivalência moral para alegar que as ações da oposição são praticamente tão graves quanto as do ditador bolivariano. Prestigiar dessa forma um regime que mata suas crianças de fome já não é mais mera camaradagem ideológica: é perversidade pura e simples.


A base curricular nacional - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 26/12

Documento é uma oportunidade ímpar para promover as mudanças educacionais de que o Brasil necessita para crescer e proporcionar a inclusão social



Depois de sucessivos adiamentos, o Conselho Nacional de Educação (CNE) finalmente aprovou - por 19 votos contra 3 - a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que determinará os objetivos de aprendizagem para o ensino infantil e o ensino fundamental e orientará a formação de professores e a produção de livros didáticos. Apesar de o prazo para que as redes pública e privada adaptem seus currículos às novas orientações expirar em 2020, o Ministério da Educação (MEC) já anunciou que começará a avaliar seus resultados em 2019, nas disciplinas de Matemática, Português e Geografia. O documento não trata do ensino médio. Considerado o mais problemático de todos os ciclos educacionais, ele será objeto de uma proposta específica, sem data para ser apresentada.

Prevista pelo Plano Nacional de Educação (PNE) e inspirada nas políticas educacionais dos países mais bem classificados nos rankings internacionais de qualidade de ensino, a BNCC tem 466 páginas e prevê as habilidades e competências que os alunos precisam dominar até o fim de cada ano. Desde que começou a ser escrita, em 2015, a BNCC teve quatro versões, das quais três foram objeto de acirradas polêmicas. A primeira foi elaborada por especialistas cujos nomes estranhamente não foram divulgados pelo MEC. Na época, o órgão afirmou ter recebido 10 milhões de sugestões dos setores interessados, mas não explicou como as incorporou no documento. Ele acabou sendo mal recebido por causa de suas omissões e imprecisões em disciplinas fundamentais. E também foi duramente criticado pelo viés ideológico conferido à disciplina de História, que dava mais importância à história africana e ameríndia do que à civilização europeia, a pretexto de valorizar o tema da escravidão de negros e índios. As duas versões seguintes também foram mal recebidas, seja por dar ao ensino de religião e “formas de vida” o mesmo status de área do conhecimento como matemática e português, seja por privilegiar modismos pedagógicos, introduzindo diretrizes sobre orientação sexual e igualdade de gênero. Para aplacar as resistências, reduzir as críticas e assegurar a aprovação da BNCC ainda em 2017, as atuais autoridades educacionais sensatamente removeram esses modismos, ao mesmo tempo que introduziram diretrizes sobre conhecimento de tecnologia. Também detalharam o que se deve esperar das crianças nos dois primeiros anos do ensino fundamental, em matéria de alfabetização e leitura e compreensão de textos.

Entre os pontos positivos do documento aprovado pelo CNE, destacam-se as medidas pedagógicas que tratam das habilidades que os alunos têm de desenvolver à medida que evoluem no ensino fundamental. Essas medidas são importantes para que eles consigam compreender o que leem e analisar criticamente as diferentes informações que recebem da internet. Destacam-se ainda a ampliação dos conteúdos de Meio Ambiente e a simplificação da linguagem na área de Ciências da Natureza. Entre os pontos negativos, especialistas em pedagogia entendem que as autoridades educacionais não foram tão rigorosas nas séries finais do ensino fundamental e contemporizaram a questão do ensino religioso. O documento prevê um ensino religioso não confessional, que dissemina o respeito a celebrações e permite a discussão da religiosidade afro, indígena e cigana. Mesmo assim, o CNE criou uma comissão que decidirá se a religião será tratada como uma área específica de conhecimento ou se fará parte das Ciências Humanas.

No conjunto, a versão aprovada da BNCC pode trazer bons resultados a médio prazo. Implementar um padrão educacional novo e igualitário, a partir de uma base curricular comum, é um desafio. Mas, diante do baixíssimo nível de qualidade do nosso sistema de ensino, que tem sido registrado por diferentes mecanismos internacionais de avaliação, ele tem de ser enfrentado com determinação. A BNCC é uma oportunidade ímpar para promover as mudanças educacionais de que o Brasil necessita para crescer e promover a inclusão social.

COLUNA PAINEL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 26/12

Com auxílios sob ameaça, associação de juízes ataca verba extra paga a outras categorias, como AGU

POR PAINEL - DANIELA LIMA
Não caio só Sob ameaça de corte do auxílio-moradia, a Associação dos Juízes Federais levantou honorários pagos a integrantes da AGU de maio a outubro deste ano. Em média, eles receberam ao menos R$ 4.000 por mês. Esses valores ficam de fora do cálculo do teto salarial e podem fazer a remuneração extrapolar o limite de R$ 33,7 mil. A Ajufe vai levar os dados à Comissão Especial do Extrateto, do Senado, que discute proposta para limitar ganhos dos servidores ao máximo estabelecido por lei.
Origem As verbas extras destinadas aos membros da AGU são honorários pagos pelas partes que perderam ações. O montante ficava com a União, mas lei aprovada em 2016 determinou que os valores passassem a ser encaminhados a um fundo para serem divididos entre os integrantes do órgão de acordo com o tempo de serviço.
Linha de corte Ao mirar esses honorários, a Ajufe quer trazer novo elemento para defender o direito do auxílio-moradia de R$ 4.377,73 a juízes. O pagamento do benefício deve ser discutido pelo STF em 2018.
Revanche “Estão visando apenas os vencimentos da magistratura e esquecendo os de outras carreiras. Os honorários públicos são um extrateto. É dinheiro que deveria ser direcionado aos cofres públicos. Por que não se discute isso?”, provoca Roberto Veloso, que dirige a associação dos magistrados.
Cada um na sua Desde que o DEM decidiu incluir seu nome na longa lista de presidenciáveis de 2018, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), começou a manter distância regulamentar do ministro Henrique Meirelles (Fazenda).
Porta fechada? Maia mantém postura solidária à agenda econômica, mas tem evitado conversar sobre política com o titular da Fazenda.
Onde pega Se optar por um voo solo, o presidente da Câmara pode criar problemas para o ministro. Hoje no PSD, Meirelles pretendia migrar para o Democratas se sua atual sigla não lhe der legenda para disputar.
Terapia de grupo O ministro da Fazenda disse a pessoas próximas que vai usar o recesso de fim de ano para preparar a família para o ambiente beligerante que enfrentará caso seja mesmo candidato ao Planalto.
Chamada oral O PSDB vai começar a mapear potenciais candidatos a cargos majoritários nos Estados. Todos os diretórios da sigla serão procurados a partir desta quarta (27). O trabalho ficou a cargo do secretário-geral da legenda, Marcus Pestana (MG), e do primeiro-secretário, Eduardo Cury (PSDB-SP).
Planejar é preciso A dupla pretende levar à executiva nacional tucana um raio-x das possibilidades do partido para 2018, na tentativa de iniciar o ano com um mapa das alianças que poderão ser feitas pelo país.
Grana curta O PSDB também quer quantificar o número de candidatos a deputado federal e estadual que deve lançar. Motivo: sem fonte alternativa de financiamento, o dinheiro do fundo eleitoral precisará ser bem gasto.
Dois é demais Tucanos que sonham com uma aliança com o PMDB em SP dizem que Paulo Skaf (MDB), hoje cotado para o governo, poderá concorrer ao Senado. Acreditam que Marta Suplicy (MDB), hoje na Casa, será pressionada a sair para deputada para evitar duelo com o ex, Eduardo Suplicy (PT).
Não vai ter luta Preocupados com conflitos, organizadores dos atos em defesa da candidatura de Lula têm orientado expressamente manifestações pacíficas.
Suave “Vamos defender a democracia, a paz e o direito de Lula ser candidato. Sem declarar guerra”, escreveu Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares, a um de seus grupos.


TIROTEIO
Fomos obrigados a vencer um leão por dia em 2017. Estamos preparados para, em 2018, vencermos a batalha da Previdência.
DO MINISTRO CARLOS MARUN (SECRETARIA DE GOVERNO), sobre a articulação do Palácio do Planalto para tentar as aprovar novas regras de aposentadoria.

CONTRAPONTO
Quem cala consente
Em 2016, durante um debate sobre o financiamento de campanhas eleitorais, o marqueteiro Renato Pereira expressou otimismo com o fim das doações de empresas.
— O simples fato de excluir pessoas jurídicas vai provocar uma rearrumação. A nova lei é bem vinda.
A certa altura, o cientista político Bruno Reis citou a Lava Jato e os riscos que ela criou para os políticos:
— Teve gente condenada por caixa um, dinheiro doado legalmente. Que dirá por caixa dois!
Pereira ouviu impassível e examinou as unhas.
Ligado ao MDB do Rio, ele virou alvo da Lava Jato meses depois e fechou acordo de delação premiada em 2017.

O exemplo da Argentina - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 26/12

País deu passo importante para a retomada da economia com a aprovação da reforma da Previdência proposta por Macri


Com a aprovação pelo Congresso da reforma da Previdência proposta pelo governo do presidente Mauricio Macri, a Argentina deu um passo importante para a modernização e maior solidez de seu sistema de seguridade social, assim como para a retomada da economia, com a redução do déficit fiscal. Foi uma batalha difícil porque, tal como acontece com todos os países que enfrentam situação semelhante, a reforma encontrou forte resistência de sindicatos que se recusam a aceitar as novas realidades do mundo do trabalho e da demografia, intimamente ligadas ao equilíbrio das contas da Previdência.

As violentas manifestações promovidas pelas centrais sindicais - que também decretaram greve geral no dia anterior à votação - fizeram com que se temesse pela sorte da reforma. Na última delas, em Buenos Aires, manifestantes e a polícia se enfrentaram durante mais de sete horas, deixando um saldo de mais de 106 feridos, dos quais 55 policiais. Prevaleceram, porém, após 17 horas de debate no Congresso, os argumentos da maioria governista, que obteve a aprovação do projeto por uma boa diferença - 128 votos contra 116.

Do ponto de vista fiscal, a reforma - que é uma das medidas de maior peso propostas por Macri para reduzir o déficit - permitirá uma economia de US$ 5,5 bilhões em 2018. Isso equivale a um quinto do déficit. Num país em que a inflação está na casa dos 24%, essa será uma contribuição importante para colocar ordem nas finanças.

As novas regras afetarão 17 milhões pessoas, numa população total de 42 milhões. Elas permitem aos homens elevar, optativamente, a idade da aposentadoria de 65 para 70 anos. Pela lei anterior, a idade máxima era de 65 anos. Para as mulheres, a opção será de 60 para 63 anos. A principal mudança, porém, foi na fórmula de cálculo do reajuste das pensões. Ela é que provocou as mais fortes reações contrárias de atuais e futuros aposentados.

Antes, o reajuste era semestral, com base na arrecadação do Anses (o equivalente ao INSS brasileiro) e no número de aposentados e pensionistas. Agora, ela será trimestral, com base em critérios que não acarretam perdas, mas fazem com que os aposentados deixem de ganhar, segundo a explicação dos técnicos. A nova fórmula estabelece que o reajuste é calculado com base na inflação (70%) e nos salários do mercado formal (30%) de trabalhadores dos setores privado e público. O que aposentados e pensionistas deixarão de ganhar é o preço a pagar para evitar que o sistema entre em colapso (pelas regras anteriores as contribuições só cobriam 70% dos gastos) e, com isso, sejam eles próprios prejudicados.

Na primeira e frustrada tentativa de aprovação da reforma, a sessão do Congresso foi interrompida por causa das manifestações, tão violentas quanto as da véspera da aprovação. Muitos manifestantes carregavam cartazes com a frase “Aqui não é o Brasil”. A comparação dos dois casos merece reparos. Por exemplo, o sistema argentino, mesmo antes da reforma, já era muito mais realista que o brasileiro, a começar pela idade. No Brasil, a idade continuará sendo mais baixa, mesmo se forem aprovadas as regras propostas no projeto de reforma em tramitação no Congresso.

A pretendida reforma brasileira é, portanto, ainda mais imperiosa que a argentina. Principalmente se se considerar que esta, segundo advertem especialistas, terá de ser ainda mais aprofundada, o que aumentará a distância em relação ao que se propõe aqui.

A reforma argentina deixa, além dessa, outra lição importante: a necessidade de resistir à pressão dos que - em defesa de privilégios ou por causa de uma visão de curto prazo, que compromete as futuras gerações - querem impedir a reforma da Previdência no grito e na marra, como se tentou em Buenos Aires.

Isso se faz com firmeza e com esforço de esclarecimento da população e dos parlamentares sobre a necessidade de novas regras, indispensáveis à sobrevivência da instituição. Como acaba de fazer a Argentina.

Nossa sobrevivência depende das ficções que criamos sobre quem somos - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 26/12

O ano termina e a imprensa faz os seus balanços: filmes, livros, discos. Peças de teatro. Peças de lingerie. É um simpático ritual.

Não fujo à responsabilidade: o meu filme de 2017 foi filmado em 2014. Mas isso interessa? Não interessa. Quem perde tempo com pormenores cronológicos arrisca-se a ignorar "Força Maior", o inteligente e subversivo filme de Ruben Östlund que só agora assisti.

Imagine a leitora que era casada com um homem rico, bonitão, atlético. Imagine a leitora que a família resolvia passar férias em resort de ski onde só os abastados podem entrar. Depois de tudo isso, imagine também –atenção: vem aí o "spoiler"– que presenciava uma avalanche de neve no elegante terraço do hotel.

Primeiro, a beleza do fenômeno, captada pelo onipresente celular. Depois, a avalanche chegando cada vez mais perto, estranhamente perto, perigosamente perto.

Até o momento em que há pânico entre os hóspedes, gritos, fugas apressadas –e o maridão rico, lindo, atlético decide instintivamente fugir, deixando para trás a leitora e os dois filhos.

Felizmente, foi apenas um medo infundado –a neve ficou ainda longe do terraço. Mas podemos dizer, para usar a linguagem moderna, que a relação está com problemas?

Poder, podemos. Mas a vida continua e, no fim das contas, ninguém é perfeito –certo?

Errado, responde Ruben Östlund. Sobretudo quando o maridão regressa para a família, fazendo de conta que nada se passou. Mas nós sabemos, a mulher sabe, que tudo se passou naqueles segundos. Uma quebra de masculinidade, digamos; o maridão rico, lindo, atlético revelou a sua covardia.

"Força Maior", como o título indica, é um tratado sobre as forças maiores que definem as nossas vidas. Superficialmente, temos a força maior da natureza, que, de vez em quando, esmaga as vaidades humanas com esplendorosa brutalidade.

Mas o que interessa para Östlund não são as forças "exteriores"; são, antes, as forças "interiores", primitivas, instintivas que a civilização reprimiu (obrigado, dr. Sigmund) mas que nunca nos abandonam completamente.

No início, a família representa essa civilização com todos os símbolos do conforto "burguês": cartão de crédito generoso, roupa sofisticada para brincar na neve, até escovas de dente elétricas para eliminar as cáries com maior eficácia. Mas basta um soluço da natureza para que a fêmea proteja as crias –e o macho desapareça para salvar a pele.

Visualmente, esse contraste entre "civilização" e "estado de natureza" é reforçado pelos espaços centrais da narrativa: de um lado, o hotel de luxo; do outro, a paisagem gélida, desértica, quase lunar.

Mas o melhor do filme não está apenas nesse momento fugaz em que o animal humano, medroso, visceral, suplanta o ser civilizado. Está na pequena fenda que ele abre entre o casal. Sim, eles tentam ignorar, depois dialogar, depois fazer piada, depois enterrar o assunto com uma trégua racional.

Só que a fenda nunca desaparece; a mulher nunca se esquece –e o maridão começa a minguar aos nossos olhos, aos olhos da família, aos seus próprios olhos, até ser um farrapo de homem em busca de redenção.

Essa redenção surge por obra e graça da mulher, que oferece ao marido uma nova máscara de bravura. Só então percebemos como a nossa sobrevivência depende das ficções que criamos sobre as pessoas que somos. Sem essas mentiras piedosas, poucos suportariam a imagem crua da mais básica bestialidade.

E se o leitor pensa que jamais, em tempo algum, imitaria o amedrontado homem que abandonou mulher e filhos, cuidado: ignorar o animal que habita em nós é a forma mais imediata de nos comportarmos como ele.

*

P.S. Na coluna da semana passada, falei de Gore Vidal como um dos maiores ensaístas do século 20. Alguns leitores pediram bibliografia sobre o assunto. Aconselho três livros para saborear o talento do homem.

O primeiro é "United States", volume colossal com 40 anos de meditações sobre política, artes e assuntos pessoais. Os outros dois são os volumes de memórias "Palimpsest" e "Point to Point Navigation".

Sobre William Buckley, a sua nêmesis ideológica, recomendo "Miles Gone By" –a autobiografia de um conservador americano que ficaria horrorizado com o estado a que os republicanos chegaram.

O enfrentamento como solução - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 26/12

Esquerda popular-revolucionária é pródiga em anunciar soluções para problemas sociais. Como implementá-las com sucesso já provou que não sabe

Desponta claramente no campo da esquerda radical um agitador firmemente disposto a liderar uma revolução para a conquista do “poder popular”, cujo principal desafio “é pensar um programa que não seja o de conciliação, mas de enfrentamento e que bote o dedo na ferida de problemas estruturais”. O candidato a líder popular-revolucionário, defasado um século no tempo, é Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), um “movimento territorial dos trabalhadores” que luta contra o capitalismo: “No capitalismo é assim: muitos trabalham e poucos têm dinheiro. Por isso lutamos contra ele”. É o que diz a Cartilha de Princípios do MTST.

Em entrevista ao jornal Valor, Boulos não consegue disfarçar que considera Luiz Inácio Lula da Silva um líder decadente e superado, a quem concede, generosamente, o direito de ser candidato na eleição presidencial do ano que vem “como uma questão democrática”, não de “convergência programática, mas de não deixar que o Judiciário defina o processo eleitoral no tapetão”.

É tão forte a fé de Boulos na decadência de Lula que não acredita que o chefão do PT consiga levar o protesto popular às ruas no caso de ser impedido pela Justiça de candidatar-se à Presidência da República, o que depende de decisão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) sobre sentença do juiz Sério Moro, que o condenou a 9 anos e 6 meses de prisão no caso do triplex do Guarujá.

A razão disso é que “parte da esquerda deixou de fazer o trabalho de base”, o que “gera apatia, perplexidade” e “a longo prazo cria uma fissura profunda entre Brasília e o Brasil, que se traduz no sentimento de insatisfação com a política e que pode se expressar em algum momento com explosões sociais”. E insiste: “Defendo que a esquerda se apresente em 2018 com projeto de enfrentamento, sem alianças com golpistas”.

Boulos não deixa clara a extensão do “enfrentamento” que considera fundamental em sua proposta de “botar o dedo na ferida”, mas a leitura da Cartilha de Princípios do MTST dissipa qualquer dúvida: “A sociedade em que vivemos é capitalista. O que isso quer dizer? Quer dizer que as leis, o governo, a justiça foram organizados para beneficiar um pequeno grupo de gente muito rica, que é a classe capitalista”.

Diz mais a Cartilha: “Somos a maioria, mas o poder não está com a gente e sim com os capitalistas. Construir o poder popular, que é o nosso poder, é a forma de transformar isso. Como? Com muita organização e luta. Precisamos nos organizar nos bairros, nas ocupações, no trabalho, em todos os lugares. Levando adiante a ideia de que só precisamos da nossa força para mudar a realidade”.

Para ele, a produção de riquezas é responsabilidade do Estado, que se encarregará de distribuir essa riqueza entre todos, acabando com a pobreza. Não chega a ser uma ideia original, como ficou comprovado pelas experiências comunistas frustradas ao longo do século 20 e pelos ensaios populistas fracassados, inclusive no Brasil.

O discurso esquerdista de Guilherme Boulos, adornado por inflexões populistas que a massa popular ouve sempre acriticamente, explora a falta de informação generalizada impondo de cima para baixo “princípios” que justificam a submissão do povo ao superior discernimento do comissariado encarregado de decidir o que é bom para todos. É exatamente a partir dessa lógica que o dono do MTST afirma na entrevista que o discurso do governo sobre a necessidade da reforma da Previdência está “mal colocado” porque se baseia na impossibilidade de o sistema se sustentar no longo prazo e no argumento de que a reforma combate privilégios.

Para Boulos, a solução para todos os problemas brasileiros é “alterar a relação de forças sociais” para que se possa acabar com este Estado “que funciona como um mecanismo de manutenção das desigualdades”. Como de hábito, a esquerda popular-revolucionária é pródiga em anunciar soluções para problemas sociais. Como implementá-las com sucesso já provou que não sabe.

Gratuidade ilusória - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 26/12

Há escassa surpresa na constatação, em pesquisa Datafolha, de que os contribuintes paulistas defendem a continuidade do ensino gratuito nas universidades públicas estaduais. Já assoberbados com a sobrecarga tributária, não admitem pagar por um direito que seria obrigação do Estado respeitar.

O princípio está inscrito no artigo 206 da Constituição, que determina a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. Como aí não se faz distinção entre os níveis fundamental, médio e universitário de ensino, decorre que a ideia de cobrar mensalidades no terceiro grau dependeria de alteração constitucional.

Não espanta, assim, que expressivos 70% dos jovens de 16 a 24 anos defendam a manutenção do dispositivo da Carta Maior. Desprovidos de renda própria ou entrando pelo estrato inferior no mercado de trabalho, é compreensível que enxerguem na universidade pública —e gratuita— sua grande chance de ascensão socioeconômica.

Na média da população, a opinião se matiza significativamente. Ainda há maioria a favor da gratuidade, mas bem menos evidente (57%). Consideráveis 43%, afinal, apoiam o desembolso de mensalidades por aqueles cujas famílias tenham condição de pagar.

Não é improvável que esse contingente se amplie e se converta, eventualmente, em maioria. É aguda a consciência do público quanto à precária situação financeira das universidades paulistas: meros 17% a consideram ótima ou boa, e 74% avaliam-na como ruim, péssima ou apenas regular.

Com efeito, todas as três instituições estaduais (USP, Unicamp e Unesp) comprometem com a folha de pagamentos 98% ou mais da receita que lhes assegura o Tesouro (9,57% da arrecadação de ICMS). Sem recursos para investir, torna-se inevitável a queda da qualidade no ensino e na pesquisa.

Cobrar mensalidades de quem possa pagar decerto não constitui uma panaceia nem resolverá a condição de quase insolvência dessas universidades públicas, nem de quaisquer de suas congêneres.

Trata-se, desde logo, de uma questão de equidade: com o número limitado de vagas, elas acabam ocupadas de forma preponderante por alunos mais preparados, vale dizer, aqueles com recursos para pagar as melhores escolas de ensino médio.

Chamar de gratuito o ensino nessas instituições representa uma falácia: os alunos podem não pagar por ele, embora sejam seus maiores beneficiários, mas o investimento neles onera todos os cidadãos.

Ao fim e ao cabo, transfere-se renda de toda a sociedade para grupos mais abonados, agravando a desigualdade brasileira.