Temos de entender que só é possível mudar o Brasil saindo de nossa zona de conforto
Começo minha última coluna do ano com um poema de Manuel Bandeira, um poema sobre a paixão em sua forma mais pura.
Estrela da Manhã
Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda parte
Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã
Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário
Virgem mal sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos
Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto
Depois comigo
Te esperarei com mafuás novenas
cavalhadas comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã.
Tem sido difícil ser brasileiro nos últimos tempos, mas o desânimo não é uma solução. Só com paixão conseguiremos sair desta enrascada. Mas paixão não é radicalização. Não é nos apegando aos nossos preconceitos e privilégios – e rejeitando todas as ideias diferentes das nossas – que encontraremos a estrela da manhã.
A única forma de mudar o Brasil é comendo um pouco de terra. É entendendo que teremos, todos, de ceder um pouco para que tenhamos um país mais justo, produtivo, equilibrado e em que a lei valha para todos.
Precisamos entender que o mercado não resolve tudo nem é capaz de reduzir as desigualdades sociais, mas que o Estado tem limites e não pode prover tudo para todos.
Entender que nós, que somos mais ricos que a maioria da população brasileira, teremos de perder um pouco para que tenhamos um país onde todos tenham oportunidades. Que teremos de nos aposentar um pouco mais tarde para que nossos filhos e netos também possam se aposentar.
Precisamos entender que é bom que haja competição em todos os mercados, principalmente no nosso. Que um país justo pressupõe regras iguais para todos, dos direitos civis à tributação, passando pela Previdência. Que políticas sociais são importantes, mas que equilíbrio fiscal, aumento da produtividade e eficiência no gasto público também são.
Entender que o País só pode crescer com regras claras e estáveis. Que ricos devem pagar mais impostos que pobres. Que excesso de discricionariedade na concessão de benefícios com recursos públicos é uma porta aberta para a corrupção. Que o Brasil não está isolado do mundo, o que limita o que podemos fazer. Que privilégios financiados com dinheiro público são uma forma de apropriação privada de recursos que deveriam beneficiar toda a sociedade.
Temos de entender que só é possível combater a corrupção se todos estiverem sujeitos às mesmas regras, a começar pelos políticos. Que a política é importante e nossos votos também. Que somos responsáveis por nossas escolhas e que não podemos nos isentar do que ocorre em Brasília.
Precisamos entender que só é possível mudar o Brasil saindo de nossa zona de conforto. Que apenas ouvindo os outros conseguiremos encontrar uma saída. Que, se resistirmos a reavaliar nossos privilégios e nossos preconceitos, dificilmente avançaremos. Que só com paixão e esforço conseguiremos melhorar nosso país e que para encontrar a estrela da manhã vale tudo, menos orgulho e indiferença.
DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL
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