Ecologia, mas nem tanto!
WALCYR CARRASCO
REVISTA VEJA SP
A falta de uma casa de praia atormentava a família. Minhas sobrinhas, condenadas a infindáveis feriados admirando o asfalto de Sampa, fundaram até um movimento, o MSCP. Ou, como diz a própria sigla, Movimento das sem Casa de Praia. Quando as finanças concordaram, saí à procura. Tive sorte. Encontrei uma residência bonita, com um pequeno jardim, na Praia do Engenho, próximo à Jureia. Dentro de um condomínio fechado. Melhor ainda, com a natureza totalmente preservada, entre dois morros cobertos de florestas! Era um sonho. Quando me vendeu, o dono se emocionou:
— Pendure uma banana nas árvores para atrair os passarinhos. Eles fazem uma festa.
Peguei as chaves com o coração acelerado. Anunciei:
— É o refúgio ideal. Vou escrever em paz!
A primeira vez que vi um gavião voando, lacrimejei.
— Que lindo, que lindo!
A lua de mel ecológica durou alguns meses. E teria durado até hoje. Mas minha ex-cunhada, Júnia, deu o alarme.
— Acharam uma cobra no condomínio!
Enviou a foto pela internet. Era um espécime negro. Ao que diziam, venenoso. Fora encontrado no jardim de um vizinho. O alvoroço foi geral. Júnia tentou comprar soro antiofídico no Instituto Butantan.
— Não vou guardar o soro na geladeira! — anunciei. — Ninguém sabe usar! E alguém é capaz de beber achando que é refrigerante.
De qualquer forma, não havia soro disponível. Ela descobriu um endereço para pronto atendimento: o pronto-socorro de Boiçucanga. Minha sobrinha Juliana suspirou aliviada.
— Se alguém for picado, é só disparar até lá.
— Se não houver congestionamento — refleti. — Aquela estrada vive parada. Já pensou dar de cara com a cobra numa volta de feriado, por exemplo?
Houve um silêncio apavorado.
— Quando eu for com meu filho, vou ficar trancada na casa — anunciou minha outra sobrinha, Andréa, cujo pimpolho tem 2 anos.
— Se é para se trancar, para que ir à praia? — raciocinou seu marido, Ricardo. — Vai cozinhar de tanto calor.
Nova troca de e-mails. Segundo Júnia, outra cobra fora achada, ainda mais venenosa. Tentei amenizar:
— Se o condomínio criar gansos, eles acabam com as cobras.
Júnia se encarregou de levar a sugestão ao administrador. A família é criativa, e a ideia foi mais longe. Na área verde, poderiam criar também galinhas, patos e até pavões. Mas dois dias depois chegou novo e-mail de Júnia, com cópia para todos.
— Não vou sugerir os gansos. Uma amiga disse que não deixam ninguém dormir com o barulho. E bicam a perna da gente.
— Pode ser uma boa maneira de acabar com a celulite — comentei, tentando ver o lado positivo da coisa.
Rogério, marido de Juliana e sempre criativo, sugeriu:
— Que tal botar um cartaz dizendo: “Proibida a entrada de cobras”?
— Não é legal — argumentei. — Boa parte de minhas amigas teria de ficar do lado de fora.
Na próxima reunião familiar, apresentei uma solução:
— Quem tiver medo pode ir de botas para a praia.
Após novos gritos de revolta, desabafei:
— Vocês ficaram felizes porque é uma praia ecológica. Amam as araras, os tucanos. Abraçam as árvores porque elas têm uma energia especial. Gente, onde tem mato, também tem cobra!
Silêncio indignado.
— Você é muito insensível — comentou Juliana.
— Tio desnaturado — concluiu Andréa.
Ninguém nunca viu uma cobra de perto. Só o tal jardineiro, que fez questão de fotografá-la.
Mas o fato é que já estou aqui, na casa de praia, para passar o Carnaval, com um grupo de amigos. E não avisei de cobra a nenhum, senão fico sozinho. Minhas sobrinhas?
Estão na avenida, admirando os desfiles.
A ecologia faz a cabeça de milhões de pessoas. Mas, quando a natureza abre seu leque, é uma correria.