O acesso à Justiça
RICARDO STARLING
O GLOBO - 07/03/11
Há cerca de 2.300 anos, o filósofo grego Aristóteles, em sua obra “Política”, cunhou um conceito incontestável de Estado, segundo ele uma instituição voltada precipuamente à indispensável finalidade de propiciar felicidade e bem-estar ao ser humano. Provas da absoluta atualidade da tese têm-se observado no Estado do Rio de Janeiro, a começar pela realização, em fevereiro, da Ação Global na Vila Cruzeiro.
Na ocasião, magistrados da Justiça Itinerante celebraram casamentos e divórcios, promoveram registros de nascimento e outras medidas que outorgaram legalidade às interações sociais. O Poder Executivo também estava presente, na figura da Polícia Militar e das Forças Armadas, mantendo a segurança e a tranquilidade da população. O medo da violência dos traficantes e das milícias foi substituído pela garantia dos direitos constitucionais. Outro exemplo positivo de cooperação deu-se na Região Serrana fluminense após o maior desastre ambiental do País, provocado pelas chuvas.
As esferas de governo federal, estadual e municipal, junto com a sociedade civil, atuaram de modo eficaz e solidário no resgate dos sobreviventes, tratamento dos feridos e atendimento aos desabrigados. Executivo e Judiciário também trabalharam unidos na liberação dos corpos das vítimas, dando um mínimo de conforto moral às famílias, num momento de muita tristeza e sensibilidade. Ou seja, a ideia aristotélica de Estado brota exatamente dessa sinergia entre os poderes constituídos em prol dos indivíduos e da sociedade. Tal concepção não se limita à presença física da Justiça, da polícia, do Ministério Público, das escolas e dos hospitais junto às cidades e bairros. Deve estender-se, também, às ações e leis que afetam de modo direto as pessoas e as comunidades. Nesse sentido, é importante que o Brasil avance num aspecto fundamental: o aprimoramento do processo de elaboração de leis no Poder Legislativo.
Essa demanda consubstancia outra interessante iniciativa que demonstra como o Estado deve atender à sua missão prioritária de prover felicidade, bem-estar e garantia dos direitos individuais e coletivos: a Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj) firmou acordo com a Assembleia Legislativa, comprometendo- se a disponibilizar associados especialistas nos temas discutidos em cada projeto de lei para participarem de audiências públicas ou fornecerem pareceres técnicos. Tal iniciativa evitaria, por exemplo, a controvérsia quanto à aplicação da lei que regula a cobrança de estacionamentos em shopping center. A lei que limitou o valor da cobrança nos estacionamentos privados criou grande expectativa na população, que se transformou em decepção quando o Poder Judiciário declarou sua inconstitucionalidade.
O conhecimento técnico-jurídico transmitido pelos magistrados ao Poder Legislativo e à própria população evitaria leis com interpretações indesejadas. Além disso, viabilizaria que a sociedade, informada pela imprensa, entendesse os reais efeitos de cada decisão tomada pelo Poder Judiciário, que somente pode manifestar-se sobre uma lei depois de sua votação pelo Legislativo e entrada em vigor — e mediante moção de terceiros (Ministério Público ou interpelações individuais/ coletivas de pessoas físicas ou jurídicas).
O atual sistema de Controle da Constitucionalidade das Leis pelo Poder Judiciário leva tempo e não atende à celeridade exigida para se garantir a segurança jurídica e evitar prejuízos à população. Como é melhor prevenir que remediar, a Amaerj, juntamente com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), realizará trabalho semelhante, também, no âmbito do Congresso Nacional — que, aliás, já se mostrou receptivo à iniciativa. Promover a harmonia entre os poderes, com respeito à sua intocável independência, através de cooperação mútua e debate franco, aberto aos demais setores da sociedade, é um passo significativo para ampliar o acesso dos brasileiros ao Estado. Somente assim é possível promover a democratização da cidadania!
RICARDO STARLING é diretor da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj).
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