segunda-feira, março 07, 2011

MANOEL CARLOS

É Carnaval!

MANOEL CARLOS


REVISTA VEJA RJ
Não há como negar: estamos no Carnaval. E isso é mais do que uma notícia. É uma sentença implacável, da qual não se pode escapar: ser alegre, rir, divertir-se e eleger a folia como o assunto de todos os momentos:
— Então, vai assistir ao desfile?
— Só no domingo, para ver a Vila Isabel.
— A Beija-Flor vem de Roberto Carlos, cara!
— O rei!
— São tantas emoções!
E todos riem. Não porque achem engraçado, mas porque faz parte do evento carnavalesco. E assim, por alguns dias, teremos a alegria institucionalizada. E, com isso, muita tristeza ficará provisoriamente esquecida e alguns problemas estarão aguardando solução.
Na minha família, os homens eram sóbrios e o trabalho estava sempre em primeiro lugar. O Carnaval, para eles, era uma pausa desnecessária na rotina laboriosa, já que não tinham temperamento para se divertir. A concessão que faziam ao Rei Momo era tirar a gravata de todos os dias. Os que tinham carro rodavam com a família pela Avenida São João, em corsos inocentes, com as mocinhas se equilibrando sobre os para-lamas. Serpentinas e confetes coloriam as ruas e o lança-perfume ainda não era proibido.
Muitos homens, como já contei aqui em crônica recente, partiam para as “estações de águas”, refugiando-se em Lindoia, Caxambu e São Lourenço. Como nos hotéis dessas cidades floresciam os cassinos, falava-se, à boca pequena, que as águas milagrosas serviam apenas para batizar o gelo e o uísque que circulava a noite toda entre as fichas da roleta. E que na verdade era essa mistura que curava o “mal dos homens”.
— Que mal era esse?
— O da infidelidade inconsequente.
— Ah, isso não tira pedaço!
— Melhor assim, que eles voltam calmos e tolerantes.
— Homem é bobo mesmo!
— Esperto é fazer vista grossa.
— E tirar proveito.
— Conhece a Clotilde?
— A Clô? Claro. Que é que tem ela?
— Ela tem uma coleção de anéis, colares e pulseiras, que batizou de Joias da Quarta-Feira de Cinzas.
— ?
— É que sempre cobra uma de presente quando acaba o Carnaval e o marido volta de viagem. Uma espécie de pedágio que ele paga para entrar em casa e ser recebido sem cobranças.
— Precisa ser joia de muito valor, para compensar três dias e três noites em casa, enquanto ele se diverte!
— E quem disse que ela fica em casa?
— E não???
— Ah, você é boba mesmo. Ela sai num bloco especial, que tem até marchinha própria, especialmente criada para o Carnaval:
Eu sem ele
Ele sem mim
Eu sem ele
Sou assim.
Ah, os carnavais do passado! Quantas histórias para contar e quantas para esquecer!
***
Estava eu tecendo estas lembranças, pensando em seguir com a minha mulher para um hotel-fazenda, afastado da folia, quando recebo um recado da Heloisa Fischer, essa maravilhosa animadora cultural, que trabalha dia e noite pela música clássica, me convidando para o bloco Feitiço do Villa. Isso mesmo que vocês leram: “do” Villa. Do Villa-Lobos, que é um divertido bloco “para maestro nenhum botar defeito”! Junto ao convite eletrônico, um clipe da Pequena Serenata Noturna, de Mozart, um dos números musicais dos foliões. E o bilhete-convite termina com um “Viva a música clássica! Viva Villa-Lobos! Vivam os músicos de orquestra do Rio de Janeiro! Viva o samba!”
Já imaginaram? Pular ao som dos clássicos? Não há como resistir: vou sair nesse bloco!

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