É sintomático que o noticiário da escolha dos novos presidentes da Câmara e do Senado tenha se concentrado nos presumíveis efeitos para a sucessão do presidente Lula da dupla vitória do PMDB, com a eleição do deputado Michel Temer e do senador José Sarney, ambos pela terceira vez. Um, por sinal, está no sexto mandato consecutivo, e o outro tomou posse de sua primeira cadeira parlamentar também num dia 2 de fevereiro - de 1959. A ênfase nas implicações eleitorais dos resultados que deram ao PMDB o comando das duas Casas do Congresso, repetindo o precedente de 1991, é significativa porque, ao ignorar a questão do Legislativo sob nova direção, as páginas políticas concordaram tacitamente com a opinião da maioria dos brasileiros que hoje julga a instituição parlamentar menos importante do que o Executivo e até mesmo que o Judiciário (nestes tempos de ativismo do Supremo Tribunal Federal).
Além disso, ficou implícito o ceticismo em relação a qualquer mudança de monta no seu desempenho, em matéria de produtividade, austeridade e probidade. Registrou-se, por dever de ofício, a fabulosa promessa do presidente Temer de regulamentar em dois anos (um dos quais eleitoral) toda a Constituição de 1988, assim como o não menos sonoro compromisso assumido pelo presidente Sarney com a aprovação das reformas política e tributária e a solução do problema das medidas provisórias, que subordinam as votações do Congresso à agenda do governo. Ambos, naturalmente, falaram em mobilizar as suas Casas no combate à crise econômica, seja lá o que isso queira dizer. Temer pretende criar uma comissão para "discutir o assunto". Sarney anunciou a intenção de fazer um corte linear de 10% em todas as despesas do Senado.
Como era de esperar, ambos prometem também reabilitar a imagem do Congresso. Não vai ser fácil. Todos os mais ativos cabos eleitorais de Sarney, como os senadores Gim Argello, Romero Jucá e Valdir Raupp, têm contas a acertar com a Justiça. Isso para não falar do primeiro dos sarneysistas, Renan Calheiros, investigado pela Procuradoria-Geral da República por denúncias de corrupção. Em 2007 ele renunciou à presidência do Senado para não ser cassado pelo Conselho de Ética sob a acusação de ter despesas pessoais pagas pelo lobista de uma empreiteira. Calheiros ressuscitou com a corda toda: é o novo líder do bloco PMDB-PP, com 21 membros, e, nessa condição, o principal interlocutor da base governista no Senado com o presidente Lula. Na Câmara, o novo primeiro vice-presidente, Marco Maia, do PT, ganhou notoriedade por votar invariavelmente pela absolvição dos acusados do mensalão no Conselho de Ética. E o segundo vice-presidente, Edmar Moreira, do DEM, foi denunciado pelo Ministério Público por apropriação indébita de recursos destinados à Previdência.
A ascensão de Temer marcou ainda a volta ao noticiário de outra figura notória, o atual deputado Jader Barbalho, com a memorável declaração de que "o PMDB pode vir a ampliar a participação no governo, dependendo das negociações de 2010 e da composição para a disputa presidencial". Nenhum problema para Lula. Afinal, não foi pouco o que fez desde o primeiro mandato para consolidar a promiscuidade entre o governo, os partidos cooptados e as oligarquias que continuam controlando o Congresso, como se acabou de ver. O PT amargou no Senado a derrota do companheiro Tião Viana, mas de há muito as mágoas petistas não comovem o nume tutelar da agremiação. Se Sarney tivesse perdido, Lula seria o primeiro a lastimar o triunfo da legenda de que ainda faz parte nominalmente, porque isso significaria o provável desembarque do velho soba da candidatura presidencial de Dilma Rousseff - a "sacerdotisa do serviço público", como a chamou, meses atrás.
O problema de Lula, para quem a sucessão no Congresso saiu conforme a encomenda, não é o PT, que só pode fazer o que ele mandar. O seu problema é negociar a composição para a disputa presidencial de modo a trazer para Dilma a ala do PMDB, liderada por Temer e Orestes Quércia, que mantém relações de mútua conveniência com o presidenciável tucano José Serra. Lula, como já se diz, terá dois guichês para negociar.
A propósito: o leitor lembra do candidato Lula prometendo, em 2002, mudar "tudo isso que está aí", se fosse eleito? |