Os sábios do Planalto conseguiram transformar o que pode ser uma boa iniciativa em dor de cabeça. Transformaram num limão intragável a medida provisória 527. O texto aprovado na Câmara, criando um regime diferenciado de licitações, permitiu a interpretação de que patrocinaria realização de concorrências com orçamentos secretos. Sabendo-se que a MP regulará as obras para a Copa do Mundo e a Olimpíada, toda e qualquer suspeita é bem-vinda, saudável mesmo. A reforma do Maracanã, hoje entregue à trindade Delta/Odebrecht/Andrade Gutierrez, foi orçada em R$ 600 milhões, pulou para R$ 705 milhões e está em R$ 1 bilhão. Isso para não se falar na abundância de denúncias de propinas cobradas à sombra da FIFA por dirigentes esportivos, atingindo inclusive o presidente da CBF, Ricardo Teixeira.
A suspeita em torno do texto da MP derivava do seu artigo 6º: "O orçamento previamente estimado para a contratação será fornecido somente após o encerramento da licitação (...)."
"Após", quando?
A MP fora votada num clima de rara ligeireza. A certa altura, quando um parlamentar reclamou com o deputado José Nobre Guimarães, relator da medida, que ele lia um texto onde havia 51 páginas, enquanto no plenário circulava outro, com 47, o doutor respondeu que a diferença era pequena. Tratava-se de uma discrepância resultante de uma mudança no tamanho da fonte de cada cópia, mas essa não era resposta que se desse. Como em 2005 um assessor de Guimarães foi detido pela polícia do aeroporto de Congonhas carregando uma mala com US$ 200 mil e vestindo outros US$ 100 mil na cueca, tendo visitado uma empreiteira na véspera, a pergunta continha uma compreensível curiosidade.
Levantada a suspeita, o governo gastou um dia desqualificando-a, sem sucesso. Numa declaração imprópria, o procurador-geral Roberto Gurgel disse que não lera o texto da MP mas, pelo que ouvira, manter o orçamento sob sigilo seria uma novidade "escandalosamente absurda". Faria melhor se, como procurador-geral, lesse antes de falar, ou restringisse seus palpites à busca de extraterrestres.
Em seguida, veio a doutora Dilma, atribuindo as suspeitas a um erro de interpretação. De fato, se o problema estava na possibilidade de uma leitura catastrofista, poderia ser corrigido tornando explícito o que o governo dizia estar implícito no artigo 6º. O deputado Miro Teixeira oferece uma emenda, reescrevendo-o: "O orçamento previamente estimado para a contratação será fornecido imediatamente (no lugar de "somente") após o encerramento da licitação".
Quem contrata a reforma de um banheiro não diz ao mestre de obras quanto pretende gastar. Primeiro pergunta quanto ele quer cobrar. Os professores Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello, da PUC-RJ, já mostraram que a utilização desse mecanismo nas licitações da merenda escolar de São Paulo reduziu o valor do contrato em 30%.
Em vez de ouvir as opiniões alheias, o governo foi para a retranca: não se muda nada. Em seguida, o senador José Sarney criticou o dispositivo e seu colega Romero Jucá acompanhou-o. Nenhum dos dois disse que tipo de ajustes gostaria de fazer. Segundo a ministra Ideli Salvatti, o texto não devia ser mudado, "até porque temos pouco tempo". Falso, emendar o texto seria tão fácil quanto tomar um café.
Passada uma semana, todas as forças contrárias ao mecanismo moveram suas peças. Não fizeram isso porque defendem a transparência, mas porque preferem matar a ideia, mantendo o sistema vigente, com todas as suas obras e suas pompas.
A troco de nada, a arrogância dos sábios e a paralisia da liderança parlamentar do governo converteram uma suspeita em denúncia, debilitaram uma inovação que pode ser saudável e colocaram na cabeça do governo a carapuça de defensor de sigilos e maracutaias. Há um mês, durante os debates do Código Florestal, foi proposto que pacificasse o plenário com um decreto prorrogando a anistia dada aos desmatadores. Nem pensar, pois o Planalto não aceitaria. O governo perdeu a votação e o que fez? Um decreto prorrogando a anistia.
UPP Laranjeiras
Talvez seja necessária a criação de uma UPP para aquietar os ânimos na copa e na cúpula do governo do Rio de Janeiro por conta do preenchimento de uma vaga no Superior Tribunal de Justiça.
Em abril, o advogado Rodrigo Cândido de Oliveira, filho de uma família de juristas cujas raízes vêm do Império, esteve perto da cadeira. Teve os votos do STJ, mas morreu na praia do Planalto. Ele tinha o apoio de Adriana Ancelmo, mulher do governador Sergio Cabral e sua sócia no escritório Coelho, Ancelmo e Dourado.
Agora, para a vaga de Luiz Fux, entrou na lista mandada pelo STJ ao Planalto o nome do desembargador Marco Aurélio Belize, cunhado de Regis Fichtner, chefe da Casa Civil de Cabral, sócio licenciado do escritório Andrade, Fichtner. Belize não é flor do orquidário da doutora Ancelmo.
Bravo, Gianni
Fechou na sexta-feira o restaurante Bravo Gianni, de Nova York. Nele, Paulo Francis tinha mesa cativa e era homenageado com uma placa na parede.
Famoso pelo macarrão, pelo tamanho das porções e pela simpatia com que tratava os brasileiros, fará falta. Passaram por suas mesas Bill Clinton, FH, José Sarney e Fernando Collor. Delfim Netto até hoje lamenta ter sido derrotado por sua lasanha.
Gianni Garavelli, dono e alma da casa, teve um acidente vascular cerebral há dois meses Caiu em combate, enquanto atendia a clientela, e recupera-se numa clínica.
Ao saber o preço dos pratos de macarrão nos restaurantes brasileiros, Gianni perguntou: "Tem ouro no molho?"
A lei em Búzios
Para desgosto de algumas dúzias de maganos, a decisão do Conselho Nacional de Justiça que anulou as decisões imobiliárias do juiz João Carlos Souza Correia, da 1ª Vara de Búzios, transformará posses em pó e pó em posses.
O Rio de Janeiro deverá a faxina à obstinação da ministra Eliana Calmon, corregedora Nacional de Justiça.
Boas notícias
No Brasil, o mercado de tabuletas eletrônicas ainda é incipiente. Elas não chegam a 500 mil.
Com o início da fabricação dos iPads em Jundiaí e com a proliferação de concorrentes, elas poderão passar o milhão em um ano. Editoras de livros, jornais e revistas vivem o início do fim de uma época. Véspera de um tempo melhor, com preços menores, mais diversidade e melhor qualidade.
Nos Estados Unidos já há mais de uma dezena de autores que bateram a marca do milhão de livros eletrônicos. Um dos campeões é Stig Larsson, o criador da heroína gótica Lizbeth Salander. Agora surgiu o primeiro milionário que não publicou a obra em papel. É John Locke (nada a ver com o filósofo), que vende seu policial Saving Rachel a US$ 0,99.
Na outra ponta do mercado, um aplicativo do poema The Waste Land , de T.S. Eliot, lidera as vendas para o iPad.
É um verdadeiro curso de literatura e de língua inglesa. Tem o texto, que pode ser ouvido na voz de Eliot ou do ator Alec Guinness, inclui notas explicativas e breves palestras. Tudo isso por US$ 15.
Daqui a uns meses vai ao ar Pottermore, o portal de e-books J.K. Rowling, com incríveis bruxarias.