O GLOBO - 24/07
A tentativa da Espanha de contornar o peso de um resgate, com o atalho da ajuda aos bancos, fracassou. O susto do mercado, desde sexta-feira, vem desse ponto. No mesmo dia da aprovação final do empréstimo de 100 bilhões de euros para capitalizar os bancos espanhóis, Valência pediu ajuda ao governo central. Foi a primeira região autônoma a fazer isso, depois veio Múrcia e há seis na fila, inclusive a Catalunha .
Ontem, no fim do dia, a manchete do jornal "El País" dizia tudo: "Cercada pelos mercados, Espanha proíbe operações especulativas". Como a Itália, o país tenta conter o excesso de volatilidade através de medidas que reduzam as especulações que já levaram a níveis cada vez mais altos os juros cobrados da Espanha e, em seguida, da Itália. A proibição de operações de curto prazo tira um pouco a pressão, mas não esconde o fato de que as regiões administrativas que até agora pediram ou se preparam para pedir o resgate ao governo central podem somar, juntas, uma necessidade de 400 bilhões de euros .
O agravamento da situação espanhola torna a crise da Europa realmente séria, levando-a a outro patamar de complicação. As autoridades da Zona do Euro tentaram fingir que não viam o tamanho da crise da Espanha, admitindo essa forma de ajudar a capitalizar os bancos com uma engenharia financeira que não levaria ao aumento do endividamento espanhol. No início, o governo de Mariano Rajoy chegou a apresentar a ajuda como um socorro financeiro sem condicionalidades. A franqueza germânica avisou, através de várias autoridades, que não existe empréstimo sem exigência na história do dinheiro .
Foram feitas cobranças de ajuste fiscal, mas mantida a ficção de que quem estava encrencado era apenas o sistema bancário, não a Espanha como um todo. Até que as peças começaram a cair. Quando Valência anunciou que pediria socorro, teve o efeito da primeira pedra de um dominó que cai. Sabia-se que haveria uma segunda. Foi uma região pequena, Múrcia, que ontem confirmou o pedido de ajuda. O socorro seria prestado pelo Fundo de Liquidez para as Comunidades Autônomas. Ontem, a Standard & Poor's manteve a nota de Valência em BB, com perspectiva negativa. O temor do mercado é que outras regiões a seguirão. E o medo geral é que após a Espanha, seja a Itália. Por isso, os dois países agiram em conjunto para tentar conter o excesso de nervosismo .
A conjuntura europeia está naquele exato momento em que ninguém tem razão. A Espanha viveu um boom imobiliário; empréstimos foram concedidos considerando como real uma valorização excessiva dos imóveis. Quando a bolha estourou, houve empobrecimento coletivo, quebra de empresas, encalhe de imóveis, elevação das dívidas e queda do valor dos ativos que os garantiam. Exatamente como em qualquer bolha .
Com um alto desemprego estrutural, a Espanha ficou rapidamente com uma taxa de desocupados que torna difícil uma recuperação econômica a curto prazo. De onde sairá a energia para a reativação com um quarto da população economicamente ativa desempregada ?
Na administração das crises de dívida soberana, é preciso fazer movimentos mais fortes bem no início para desestimular as apostas contra o país e permitir a recuperação da economia. Na Europa, sistematicamente, tudo foi feito sempre mais tarde do que o necessário e em volume menor do que o exigido. Isso produziu um mecanismo de alimentação da crise, que vai se tornando cada vez mais aguda .
Ontem, após a medida para conter as operações de curto prazo, a bolsa de Madri reduziu a queda. Mas não se trata de conter movimentos de bolsa. Ela é apenas o termômetro. A desconfiança em relação à Espanha aumentou no mercado de dívida soberana .
A primeira constatação inevitável é que fracassou a tentativa do país de evitar a troica. A Espanha terá que ser resgatada da mesma forma que todos os outros: com fiscais do FMI, Banco Central Europeu e da Comissão Europeia impondo regras, limites, cortes e procedimentos. E cobrando o cumprimento de metas .
Hoje, o ministro de Economia da Espanha, Luis de Guindos, que negou que seria feito um pedido de resgate para o país, vai ter uma reunião com o ministro das Finanças da Alemanha. Do que conversarão, senão de como socorrer o país?
Enquanto isso, a Grécia se afunda ainda mais com a decisão do FMI de não participar mais de socorro ao país, e o BCE se recusando a aceitar seus títulos. Ontem, o economista Nouriel Roubini, que previu o início da crise de 2008, disse que a Grécia deve sair da Zona do Euro no ano que vem .
Há poucas certezas sobre a crise europeia. Uma delas é que será demorada e vai aprisionar a maioria dos países em longo período de baixo crescimento. Por enquanto, a Alemanha está crescendo, com baixa taxa de desemprego. Ela parece até se fortalecer. Não existe uma Alemanha forte numa Europa se afundando. A confiança no país é altíssima. Atualmente, a Alemanha se financia a custo zero, porque os investidores assustados, preferem guardar seu dinheiro no Tesouro alemão, mesmo sem receber remuneração. Mas para manter o crescimento, a Alemanha precisará da recuperação dos outros países da mesma zona monetária. Até agora, o que há é apenas dúvida. E ontem, a Moody's colocou em perspectiva negativa a nota máxima dada ao país de Merkel (AAA) .