quarta-feira, setembro 23, 2009

NOBLAT

Jornal da Band pergunta se Lula quer dividir o país

Do Jornal da BAND:

O governo cedeu à pressão do MST e mudou os índices de produção rural para desapropriar terras. Com isso, o agricultor brasileiro terá que aumentar ainda mais a produtividade para não perder a terra.

Editorial do jornal

A afronta ao trabalho não poderia ser maior. E vem exatamente daquele que deveria ser o primeiro a garantir a segurança e tranquilidade de quem cumpre seu dever.

O presidente Lula está agredindo não só os produtores rurais, mas a Nação como um todo quando apoia tal portaria que aumenta os índices de produtividade como critério para desapropriar terras.

Não age como presidente, mas como líder de um bando de militantes que muitas vezes atuam como criminosos.

Se Lula e seu MST levarem à frente essa bandeira insensata estarão abrindo uma guerra no campo, que poderá se transformar em tragédia.

É inconsciência?

Ingnorância?

Covardia?

Ou uma ação premeditada do presidente para dividir o país?

AUGUSTO NUNES

VEJA ON-LINE


versão circense de Stalingrado

23 de setembro de 2009

HONDURAS-BRAZIL-COUP-ZELAYA-RETURN

“Honduras sitia Zelaya em missão do Brasil”, entrou em combate o editor de Mundo da Folha no alto da página grávida de patriotismo beligerante. Ao lado de bravos funcionários do Itamaraty, à frente de quase 300 hondurenhos dispostos a dar a vida pelo chefe, o presidente Manuel Zelaya resistia aos agressores no interior do prédio sem luz, sem água e sem telefone. Do outro lado do muro, multidões desarmadas lutavam contra tropas a serviço do regime ilegal.

O Planalto, continuava o resumo da terça-feira medonha, exigia que o Conselho de Segurança da ONU interviesse de imediato na zona conflagrada ─ antes se consumasse o massacre iminente. O presidente interino Roberto Micheletti prometia não invadir o território brasileiro, mas como confiar em assassinos das liberdades democráticas? A embaixada em Tegucigalpa, comunica ao planeta a página 12 da edição desta quarta-feira, é a reprodução em miniatura do cerco de Stalingrado. É o episódio heróico em sua versão circense, corrige o noticiário da página 13.

Entre setembro de 1942 e janeiro de 1943, dezenas de milhares de soldados e civis fizeram a travessia do inferno na cidade russa engolfada pelo exército nazista. Além do bombardeio feroz e impenitente, além das ofensivas selvagens, resistiram à fome, ao frio, ao desespero e à impossibilidade do socorro. Sob o comando do marechal Georgi Zhukov, conheceram provações inverossímeis durante os 150 dias de cerco. Mas Stalingrado sobreviveu.

Na montagem cucaracha, o chefe militar soviético reencarnou num paisano que usa chapéu e botas de fazendeiro urbano, cultiva com capricho o bigode de cafetão portenho, tem voz de apresentador de circo e mente como cigano de García Márquez. ”Fiz uma viagem de 15 horas, marchando e caminhando”, garantiu o marechal Zelaya ao pousar na frente de combate, sem esclarecer se pediu licença à tripulação do avião venezuelano para ficar zanzando no corredor durante o voo.

O ministro-conselheiro Francisco Catunda Resende, único diplomata brasileiro em Honduras, acumula agora as funções de subchefe do alto comando. Pelo celular, esse cearense de 61 anos revelou à jornalista Eliane Cantanhêde os piores momentos do drama. Num deles, “ao abrir a porta para uma mulher que gritava desesperadamente por socorro”, Catunda foi alvejado por uma lufada de gás lacrimogêneo. “Passei horas com os olhos vermelhos e ardendo”, contou.

Na batalha seguinte, rechaçou com um giro de maçaneta e um golpe de fechadura a ofensiva conjunta de um promotor e um oficial de Justiça, que atacaram a porta com batidas de mão. ”Provavelmente, era uma ordem de captura, e eu não ia receber documento de um governo que o Brasil não reconhece”, explicou, com a mesma altivez demonstrada na guerra contra a fome: ”A única comida em 24 horas se resumia a pizzas contrabandeadas por uma vizinha e ao resto de leite e biscoito de 12 hondurenhos que chegaram com Zelaya. Ainda há gente comendo resto de pizza fria da véspera”.

Catunda enfrenta o cerco em companhia dos três funcionários da embaixada que conseguiu recrutar: o assistente de chancelaria, o motorista e o mecânico que cuida do gerador de luz. No momento do relato, os quatro aguardavam, unidos na adversidade, a chegada de um lote de quentinhas prometido pela representação da ONU. Se depender dos perigosos inimigos, a vida dura na embaixada vai ultrapassar com folga os 150 dias do cerco de Stalingrado. ”O Brasil só precisa conceder oficialmente a Zelaya o status de asilado”, condiciona o presidente Micheletti. ”Se quiser, ele pode viver por lá cinco anos. Ou dez”.

“O ex-chanceler de Zelaya já fala em mortos”, noticiou o editor combatente na página 12. Até agora, sabe-se da morte de um hondurenho. O plural sugere que foram incluídos os milhões de espectadores que estão morrendo de rir e os incontáveis brasileiros mortos de vergonha.

GOSTOSA


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MARCOS SÁ CORRÊA

Aula de agricultura colonial para o Brasil

O Estado de S. Paulo - 23/09/2009


Se a medida for o noticiário, o Brasil está mais perto de Nova York, onde a ONU faz um ensaio para a conferência do clima em Copenhague, do que de Curitiba, onde rola em relativo anonimato o 6º Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Com isso perde informações vitais até para a reconciliação da política externa com a agenda internacional da desordem climática ao deixar de ouvir, por exemplo, o que o historiador José Augusto Drummond contou na segunda-feira, a um auditório de 1,2 mil pessoas, sobre a choradeira de agricultores contra o despropósito das áreas protegidas.

Drummond coordena o Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. É um "consumidor" declarado de parques nacionais. Quer dizer, alguém que os visita regularmente. E sabe que eles estão longe de ser um pedaço perdido do território, como muita gente boa pensa ou anda dizendo - a começar pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.

Stephanes toca há anos uma campanha oficial de desobediência civil ao Código Florestal, papel impensável num governo menos anárquico que o do presidente Lula. Mas ele se escora em dados estatísticos que, em si, parecem sérios, senão incontroversos. Vêm carimbados por monitoramento de satélite. E trazem o selo respeitável da Embrapa.

Faz tempo que esses dados circulam como verdade. Drummond provou que não passam da última versão de uma velha conversa fiada, a que desembarcou no Brasil com os europeus, aproveitando a fartura aparentemente inexaurível de terras virgens para reabilitar tecnologias neolíticas de agricultura. O popular fogo no mato. Na colônia, estorricar o solo era um meio de furar a fila dos candidatos às sesmarias. Foi assim que, no século 19, os agricultores consumiram 25 mil km2 de mata atlântica na serra fluminense, produzindo falta d"água na capital. Essa história Drummond conta em Devastação e Preservação Ambiental no Rio de Janeiro, há quase 20 anos.

E é o que o ministro Stephanes faz agora. Como os sesmeiros portugueses, prega o atraso em nome do progresso, lastreado em números enxertados com terras indígenas, quilombos e outras categorias frouxas de áreas protegidas, para engrossá-las absurdamente. Drummond o colocou em seu devido lugar - o passado, na má companhia da depredação colonial. Para tanto, ele nem se deu ao trabalho de desmentir os números, pelos quais sobrariam menos de 30% para a agricultura. Ou mesmo "26%". Ele discutiu apenas o que vem a ser isso em 8,5 milhões de km².

É tanta terra que só a soja, dona de 2,49% do País, ocupa duas vezes e meia o espaço que cabe ao Estado de Santa Catarina inteiro.

A pecuária tem sob suas patas 20,23% do território nacional. Os assentamentos da reforma agrária, 5,5%. Olhando assim, o que se vê, por todos os lados, não é falta de terra. Só pode ser então aquilo que outro historiador, Capistrano de Abreu, chamou de "vergonha na cara". Mas isso, segundo Capistrano, não é assunto para a reforma do Código Florestal. Era artigo único da Constituição.

ROBERTO DaMATTA

Medida de coluna

O Globo - 23/09/2009

A vida social é uma medida. Não existe sem classificações, rótulos e categorias. Seus pontos de partida são múltiplos e, eis uma contribuição importante da antropologia social para a chamada civilização ocidental, arbitrários.

Existem sistemas de crença transcendentes mas sem um ponto de partida exclusivo, tipo: a infraestrutura material é mais "real" que o resto; ou: isso é mais verdadeiro do que aquilo.

Seja porque não têm escrita e, consequentemente, livros sagrados, seja porque sua gênese não foi feita por uma só criatura num ato solitário e indecifrável de vontade e onipotência, como o Deus judaico, cristão e islâmico, há muitos costumes, muitas variantes mas não há fundamentalismo.

O que, obviamente, facilita conversões rápidas e aparentemente definitivas.

Essa ausência de base ou fé irrevogável, e de mandamentos, torna complicado ver em algumas sociedades chamadas de simples, primitivas e selvagens algum tipo de "religião". Donde o elo provável entre fé e exclusão por meio da sacralização de uma versão única. A crença de que, no universo bíblico, somos responsáveis pela separação entre este mundo e o outro, cujas medidas e escalas antes da expulsão do Paraíso eram idênticas, é uma dimensão desta tremenda culpabilidade como a contrapartida da salvação e da escolha.

Na maioria das sociedades conhecidas, a medida do universo foi modificada pelos deuses, heróis ou por algum animal. Entre nós, porém, um erro e uma expulsão para um mundo de sofrimento e de morte, instituiu essa visão do mundo como sendo feito de coisas certas ou erradas.

Uma jovem antropóloga de origem lusa visitava um esplêndido museu naval em Lisboa. Um professor-curador local a acompanhava, grave e solícito, comentando com indisfarçável orgulho as mais diversas miniaturas de todos os tipos de embarcações que seu povo havia fabricado, salientando como esses modelos representavam a grande contribuição do seu povo ao conhecimento espacial deste nosso mundo dominado pelas águas. A jovem professora seguia cheia de respeito pela exposição que, na medida certa, revelava as razões que deram a Portugal a primazia dos Descobrimentos Marítimos (e culturais, como acrescentava com um olhar rútilo de altivez o curador) que eram a base desse nosso universo de perspectivas e medidas paralelas, competitivas ou contrárias defendidas, aqui e ali, com tanta indiferença quanto com surpreendente fé ou mortal fundamentalismo.

Na saída, ao apresentar os detalhes técnicos da miniatura de um último navio, peça que, em escala reduzida, promovia o prazer de ser vista como um todo pelos olhos humanos que o navio real devorava, o professor reiterou esse glorioso universo humano feito de escalas e medidas com o seguinte desfecho: "Mas note bem a senhora professora que está óbvio que todos esses barcos não são do tamanho normal!" Dizem que ao ouvir o riso de um colega brasileiro, a professora ficou - digamos - fula da vida!

Essas escalas nos remetem a um assunto que, volta e meia, discuto neste espaço: que tamanho deve ter o estado em relação à sociedade? É mesmo possível ter um estado tipo Tocantins, com uma previsão estrutural de 35 mil cargos em comissão? Ou seja, um estado canibal e supostamente atuante, no sentido lulista do termo, capaz de vigiar e "cuidar" de todos os seus cidadãos com um conjunto esmagador de aspones - todos do mesmo partido ou família? Como, eis a contramedida, essa sociedade proveria essa formidável máquina de funcionários públicos que servem primeiro a si próprios e, depois, ao chamado povo que, embora muito pobre, paradoxalmente, paga seus enormes salários e mordomias? No "Livro dos insultos", num artigo escrito em 1924, intitulado "Trabalhar para o governo" (uso a excelente tradução de Ruy Castro), L. H. Mencken fala das monarquias imorais do continente europeu que, entretanto, sabiam lidar exemplarmente com os corruptos, então rotineiros na América, sobretudo no estado de Nova York. Na sua "abominável Prússia" (que Weber obviamente toma como modelo da dominação burocrática), os funcionários corruptos estavam sujeitos a leis criminais e a tribunais especiais. Donde, o viés ianque-prussiano de estabelecer fianças altíssimas ou de simplesmente suspendêlas e condenar a penas mais duras, quando o flagrado em corrupção é juiz, presidente, governador, senador, policial, ou celebridade, já que, em virtude de sua posição e responsabilidade, eles deveriam servir de exemplo para a coletividade da qual se destacam pelo cargo. Nesta medida (ou ética), a honra (pública) do cargo deve contaminar a pessoa e não o contrário, como é o caso do nosso amado Brasil. Na Prússia - Deus nos livre! - um funcionário poderia ser advertido, rebaixado de escalão, suspenso, transferido, expulso, multado e mandado para a cadeia.

Podia também ser obrigado a indenizar qualquer cidadão a quem tivesse prejudicado ou pedir desculpas em público. Em época de reforma eleitoral, fica registrada minha aceitação de um "Estado forte", vigilante mas honesto na mesma medida humana (e ética) da sociedade

BANANEIRO

MERVAL PEREIRA

Ciro e Marina no jogo

O GLOBO - 23/09/09

A pesquisa do Ibope divulgada ontem traz boas notícias para dois candidatos: Ciro Gomes, do PSB, mostra-se uma alternativa governista à candidatura oficial de Dilma Rousseff. E a senadora Marina Silva, do PV, desponta com consistência como a grande novidade, com potencial até mesmo para disputar o segundo turno, na opinião do presidente do instituto, Carlos Augusto Montenegro.

Como pesquisa é um retrato do momento, e não a certeza no dia da eleição, nada garante que o resultado em 2010 será o mesmo encontrado pela pesquisa CNI/Ibope divulgada ontem. Mas, como ressalta o presidente do instituto, Carlos Augusto Montenegro, “é preciso analisar as curvas” ao longo do tempo.

As curvas de José Serra e de Ciro Gomes são de estabilidade, a de Ciro com viés de alta.

A curva da provável candidata Marina Silva, do PV, é certamente ascendente, e a da candidata do presidente Lula, ministra Dilma Rousseff, claramente de baixa.

A entrada em cena da senadora Marina Silva causou um rebuliço na corrida presidencial, mas até o momento o maior prejudicado com a novidade é o candidato tucano que, embora tenha se mantido em um patamar bastante confortável diante de seus adversários, perdeu a possibilidade de ganhar a eleição no primeiro turno.

Outro ponto importante a notar é que quando o candidato do PSDB passa a ser o governador de Minas, Aécio Neves, não apenas o candidato do PSB, Ciro Gomes, ganha a dianteira, como o número de votos brancos e nulos e os de indecisos cresce muito, chegando a ser, num dos cenários, de 31%.

Quando a ex-senadora Heloísa Helena, do PSOL, sai da disputa, aumentam os votos para todos os candidatos, sendo que Ciro Gomes cresce mais que Dilma e Serra, e Marina fica com o lugar de Heloísa Helena, com 8% dos votos.

Mesmo nos cenários em que Serra aparece na frente como candidato dos tucanos, o índice de brancos e nulos e o de indecisos continua muito alto, em torno de ¼ do eleitorado fica sem se decidir.

Montenegro acha que o de brancos e nulos acaba ficando na média histórica, em torno de 8%, o que deixa quase 16% de votos para se espalharem entre os candidatos.

Boa parte desses pode migrar para a candidatura de Marina, que o presidente do Ibope considera mais consistente do que a de Heloísa Helena, que está nesse patamar de 7% a 8% desde a última eleição em 2006.

Montenegro considera que Marina é mais equilibrada politicamente, e “está está envolvida com uma causa que agrada a todos, o meio ambiente, já foi ministra, é mais centrada”.

Ele lembra que, na eleição de 2006, a ex-senadora “era a válvula de escape do eleitor que estava desiludido com o mensalão do PT, e depois com o caso dos ‘aloprados’”.

Tanto que levou o Alckmin para o segundo turno, e ele teve menos votos, porque os da Heloísa Helena voltaram para Lula. Montenegro acha que Marina está entrando em um outro contexto, e está convencido de que ela “vai mudar essa eleição toda”, mesmo sendo difícil vencer, por ter pouco tempo de televisão.

O presidente do Ibope acha que a queda de Dilma “já é sinal de que as pessoas estão entendendo que o PT sem Lula é uma outra coisa”. Montenegro tem uma tese, defendida há muito tempo, de que, com o mensalão, ficou separado o petismo do lulismo, e ele diz que o que tem 80% de popularidade é o lulismo.

O fato importante nessa pesquisa, ressalta, é justamente esse: a popularidade do presidente Lula continua estável, e a candidatura de Dilma Rousseff descolou-se dele. Ele levou-a a um patamar de cerca de 20%, e ela não se sustentou.

“Como ela é baseada toda em cima do Lula, isso é grave”, analisa Montenegro, para quem “não é absurdo termos mais adiante três candidatos disputando quem vai para o segundo turno: Ciro, Dilma e Marina, podendo até a Dilma ficar no quarto lugar”.

Pela situação de hoje, diz ele, não seria absurdo imaginar que Marina e Ciro podem chegar ao segundo turno.

“Vai depender da força da televisão”, diz.

“Fica difícil para a Marina se ela tiver apenas 1 minuto, ou o Ciro com 3 minutos, mas se eles fizerem algum acordo de televisão, passam a ter chance”, analisa Montenegro.

Se chegarem à conclusão de que Dilma não dá mesmo, os petistas vão buscar outro candidato dentro do seu partido ou apoiam o Ciro, pergunta Montenegro, para quem o PT não tem alternativa viável para essa substituição. “Não se fabrica mais candidato”, adverte ele, que considera que “o PT perdeu todo aquele glamour, todas as lideranças”.

Nos últimos anos, lembra, “só saiu gente do PT, não entrou ninguém de peso”.

Essa pesquisa do Ibope não traz simulações do segundo turno, por ter sido encomendada pela CNI sem essa especificação, mas Montenegro considera que nada mudou em relação à pesquisa feita anteriormente para o PMDB, que deu “uma proporção de 70 a 30 a favor de Serra contra Dilma em votos válidos”.

Em uma próxima pesquisa, Montenegro pretende fazer simulações com a possibilidade de a base governista ter apenas um candidato, — no momento ou Dilma ou Ciro —, mas ele considera difícil que isso venha a acontecer.

Ele considera que o quadro mais provável é o que contrapõe os quatro principais candidatos: Serra, Dilma, Ciro e Marina. “Acho que o Ciro não desiste mais, está provado que ele tem potencial”.

Montenegro causou espanto quando afirmou, em uma entrevista para a revista “Veja”, que Lula não fará seu sucessor.

Ele está refraseando seu ponto de vista: “O que eu digo é que Lula não elege o sucessor do PT”.

Mas, “se der a louca nele de apoiar a Marina, apoiar o Ciro, se o Aécio nesses dez dias sair para o PMDB, o que acho quase impossível, aí ele pode fazer o sucessor”.

Carlos Augusto Montenegro diz que o candidato para ser viável “tem que ter luz própria, ter currículo, já ter disputado eleições. Qualquer candidato teria 14% com o apoio do Lula”.

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

Ciência, opinião e aquecimento global


Folha de S. Paulo - 23/09/2009



O governo negligencia a ampliação da produção do etanol, com tecnologia já desenvolvida, e prioriza a promessa incerta do pré-sal

"DO PONTO de vista da Shell, o debate está encerrado.
Quando 98% dos cientistas concordam, quem é a Shell para dizer "vamos debater a ciência'?"
Assim falou John Hofmeister em 2006, presidente dessa companhia.
Referia-se ao debate sobre as consequências para o aquecimento global e as mudanças climáticas devidas à queima de combustíveis fósseis.
Pois bem, a capitulação da Shell, assim como a da Exxon, em 2007, em relação às evidências dos fenômenos que lhes eram enormemente adversos financeira e politicamente deveria ter, de fato, selado a polêmica.
Todavia, se 98% dos cientistas concordam, poderíamos talvez concluir que 2% discordam da relação causal entre emissão de gases de efeito estufa, aquecimento global e consequentes mudanças climáticas.
Entretanto, estamos aqui em um campo de opiniões, e não no da ciência. No que diz respeito à ciência, ela diz peremptoriamente que a relação causal está comprovada. Vejamos o porquê da diferença entre opiniões de cientistas e uma afirmação científica.
Um novo conhecimento é incorporado à ciência por meio de um processo que se inicia com a sua divulgação em um sistema de comunicação em que outros pesquisadores analisam e aprovam ou não a pertinência dos resultados e conclusões.
Ora, enquanto centenas de artigos profissionais que passam pelo processo de avaliação aqui descrito confirmam a existência da relação causal entre emissões de gases de efeito estufa e aquecimento global, não há um único que a negue e que tenha sido divulgado pelo sistema de revistas ditas indexadas, com avaliação por pares.
É verdade que houve, de permeio com maliciosa propaganda, suborno e corrupção, algumas declarações de respeitados cientistas contrários à posição da quase totalidade. São, porém, opiniões pessoais que não derivam de atividades de pesquisas desses mesmos cientistas. Valem como opinião, não como ciência. Consequentemente, não podem ser consideradas como um percentual da ciência.
Os céticos citam manifestos assinados por cientistas e instituições que desacreditam a relação emissões-clima. Vejamos o que significam os principais deles:
1) O "Consenso de Copenhague". Um conjunto de oito economistas de primeira linha, incluindo três detentores de Prêmio Nobel, reunidos em 2004 na capital da Dinamarca, elencou os principais problemas que afligem a humanidade, avaliando o aquecimento global como de muito baixa prioridade. Levando-se em conta a baixa frequência de acertos em previsões feitas por economistas, podemos considerar esse manifesto uma contundente comprovação da relação entre uso de combustíveis fósseis e aquecimento global.
2) Os vários manifestos de cientistas, os "400 do relatório do Senado americano", a "Declaração de Manhattan", a "Declaração de Leipzig" etc. são agregados de nomes pouco conhecidos, com poucos autênticos cientistas, ou documentos que nada, em verdade, afirmam (leia-se Craven, G., Julho 2009, Penguin).
A percepção da ameaça ao conforto futuro, se não à própria sobrevivência do Homo sapiens, se mostra tão aterradora e inexorável que preferimos, sempre que uma oportunidade se nos oferece, esquecê-la como se nunca tivesse existido.
Seja exemplo o caso do Brasil, país que se arvorara em paradigma de sustentabilidade, com metade da energia que consome sendo renovável.
Pois não é que, no interesse exclusivo da Petrobras, os "soi-disants" planejadores do setor elétrico propõem a aquisição de mais que 50 termoelétricas a óleo combustível, o mais poluente dos derivados de petróleo e grande emissor de gases de efeito estufa, apesar do imenso potencial hidroelétrico remanescente no país?
E só porque, rejeitado universalmente, esse combustível constitui uma dificuldade de comercialização para a Petrobras, cujas ações preferenciais, em sua maioria, estão em mãos estrangeiras, mas que, não obstante, se revela gigantesca e perversa arma de atuação política.
Pelo mesmo motivo, negligencia o governo a ampliação da produção do etanol, cuja tecnologia já está desenvolvida, priorizando a promessa incerta do pré-sal. E isso apesar do potencial de produção maior, de investimentos menores para a mesma produção de energia e da sustentabilidade desse biocombustível.
A única explicação para essa escolha, esdrúxula para dizer o menos, é a concentração de poder político que a exploração de petróleo proporciona em um monopólio de fato na mão do Estado.

GOSTOSA DO TEMPO ANTIGO

DIRETO DA FONTE

Uma só voz em Copenhague

SONIA RACY

O ESTADO DE SÃO PAULO - 23/09/09

A menos de 80 dias da Conferência sobre Mudanças Climáticas em Copenhague, mais um grupo do empresariado nacional tenta costurar com o Itamaraty proposta única para o encontro. "Se o Brasil não fizer a lição bem feita e liderar as negociações, vamos ter problemas seríssimos mais à frente", explica Carlo Lovatelli, representante do agrobusiness e dos processadores de soja.
Lovatelli, mais Marcos Yank, da Unica, e Elizabeth Carvalhaes, da Bracelpa, entregaram ao principal negociador brasileiro da área, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, um denso paper com sugestões. Entre elas, segundo Yank, o reconhecimento dos créditos de carbono que o setor de álcool proporciona.
Para Lovatelli, EUA e Europa, que causaram a maior parte dos prejuízos ao planeta, "não têm a menor intenção de pagar a conta e querem que o 3º Mundo o faça. Já derrubaram suas florestas e nós temos o pulmão do mundo. Temos de negociar a nosso favor."

De pai para filho

O filho do ministro Carlos Alberto Direito, homônimo do pai, vai dia 30 à sabatina de José Toffoli no Senado.
"Torço por ele. Meu pai tinha com o dr. Toffoli uma relação fraternal e declarou que gostaria de tê-lo como companheiro no STF", diz.

Crise "de grátis"

Acolher na embaixada Manuel Zelaya "é uma coisa esdrúxula, um problema que não tínhamos a menor necessidade de criar", avalia Luiz Felipe Lampreia.
Por quê? Não se trata de caso clássico de asilo, segundo o ex-chanceler: o ex-presidente não estava sendo perseguido. Faria mais sentido deixar essa iniciativa nas mãos da OEA.

Jucalipso

Juca Ferreira acaba de voltar de Cuba, onde se encontrou com dois astros da sua geração: Danny Glover e Harry Belafonte - o criador do calipso. Ambos simpatizantes de Fidel.

Fidelizando

Quem está na ilha agora é Tarso Genro. Foi articular a indicação de seu secretário, Pedro Abramovay, para o Programa da ONU contra Crimes e Drogas.

Mi matriz preferida

Discreto, como sempre, o espanhol Emilio Botin, principal acionista do Santander, esteve em São Paulo por cinco dias.
A visita coincidiu com a megaoferta de ações do banco anunciada esta semana - que tem tudo para ser a maior da história do mercado financeiro nacional.

Chamei o Zé

Maria Christina Mendes Caldeira justifica a constante presença de José Dirceu em seu Facebook.
Ele estaria ajudando a moça em sua disputa para receber a herança de seu pai, Cito Mendes Caldeira.

Bebeu? Chame Mika

Mika Hakkinen faz pit stop em Salvador em outubro. Dará carona a um bebum saído de bar. Na campanha Piloto da Vez, contra dirigir bêbado.

Paraíso perdido

As Ilhas Cayman, quem diria, pedem socorro. Os investidores sumiram, os hotéis andam vazios e os salários no governo... Atrasando.

Noite de Bach

João Carlos Martins e Dave Brubeck comandam noite especial, dia 2, no Lincoln Center, em Nova York.
Martins regendo a Bachiana Filarmônica e Brubeck executando seu Brandenburg Gate, em festa tripla de 50 anos. Os da estreia do brasileiro nos EUA, do 1º álbum de Brubeck e da morte de Villa-Lobos.

Na Frente

Rubens Barrichello foi convidado por meio do Twitter para participar do Roda Viva. O programa será em outubro.
Maria Helena Monteiro, da SulAmerica Seguros, lança hoje o SulAmerica Lab. No Espaço Nespresso.
Marina De La Riva grava seu primeiro DVD, hoje, no Teatro Bradesco. A entrada é um quilo de alimento.
Alexandre Birman desfilou seus sapatos na London Fashion Week. Na apresentação da Clements Ribeiro.
Fabrizio Giannone lança linha verde de acessórios, inspirada na Amazônia. Amanhã, no espaço A Estufa.

Augusto Cury, o brasileiro que anda desbancando até Paulo Coelho, tem novo romance. Filiado ao PV e sempre citado por Marina Silva, ele lança o livro pela Planeta.

Carlos Augusto Kalil, da Secretaria da Cultura, emprestou um filme - feito por ele em 79 - sobre o artista plástico José Antonio da Silva. Para a exposição que abre, quinta, na Galeria Estação.

Os flamenguistas andam tão solidários com o lanterna Fluminense que lançaram até campanha; "Fluminense Esperança - para doar um ponto, ligue 0800-001..."

JACKSON SCHNEIDE

Nem herói, nem vilão: necessário


Folha de S. Paulo - 23/09/2009

Não se trata, pois, de sacralizar ou demonizar o automóvel. Nem herói, nem vilão. Apenas necessário ao homem e ao mundo


ELES TIVERAM presença determinante desde o século 20, deram novo perfil à sociedade e à civilização, influenciaram comportamentos, encurtaram tempo e distâncias, criaram um sem-fim de atividades econômicas e estão nas artes, na literatura, na fotografia, no cinema.
Falamos do automóvel, aqui sintetizando todos esses sinônimos de mobilidade que são os carros, os caminhões, os ônibus. Veículos que deram impulso à moderna industrialização, ajudaram a construir economias e facilitaram a vida das pessoas. Impossível imaginar a vida contemporânea sem eles.
Econômica e socialmente, o veículo é muito mais que um meio de locomoção ou de realização de uma aspiração. É uma criação potente, com projeções para a frente e para trás, produto de uma indústria estruturante -a indústria automobilística-, no sentido de que está ao meio de uma longa e complexa cadeia econômica, antes, durante e depois de sua fabricação.
Por isso mesmo, é inovadora em gestão, processos e métodos.
O automóvel é resultado de uma indústria indutora de tecnologias e geradora de novas economias, com reflexos em vasto campo de atividades, como em cadeias importantes da siderurgia, da eletrônica, da informática, dos combustíveis e da agroindústria, além de uma infinidade de serviços. Só no Brasil, 200 mil empresas têm suas atividades ligadas ao setor automotivo, desde fornecedores de matérias-primas à oficina da esquina.
Porém, onde há virtudes há também dificuldades a superar. O automóvel ingressa em seu segundo século de vida, e as qualidades que lhe garantiram um centenário de afirmação também lhe trouxeram críticas, que o "Dia Mundial sem Carro", instituído para 22/9, procura expressar.
Dificuldades de trânsito, acidentes e problemas de emissões de poluentes e seus reflexos sobre a saúde pública são as principais "culpas" atribuídas ao automóvel.
A essas somam-se outras preocupações, como a necessidade de proteger o condutor, os passageiros e os demais atores do trânsito -pedestres, ciclistas, motociclistas...
A sociedade deverá ter respostas adequadas e positivas para todas essas questões. Algumas respostas estão na própria indústria automobilística. Outras estarão em novas tecnologias e em ações governamentais.
Há uma verdadeira revolução tecnológica nos centros de pesquisa e desenvolvimento de veículos, priorizando cada vez mais no DNA dos carros futuros os conceitos de segurança, qualidade ambiental e mobilidade urbana. Projetos que enfatizam carros compactos, motorizações de maior eficiência e menor consumo e combustíveis alternativos.
A eletrônica e a informática estarão em crescente presença nos veículos, acionando-os e movimentando-os, definindo e orientando operações de maior dirigibilidade ao condutor, com economia de tempo e de recursos em adequados padrões de segurança e ambiental. Novos materiais e a nanotecnologia tornarão os veículos mais leves e mais recicláveis ao final de sua vida útil.
A infraestrutura viária e a engenharia de trânsito serão especializadas em garantir fluidez e segurança. Os acidentes de trânsito exigirão arrojadas ações preventivas, começando por uma formação mais rígida dos condutores. Os veículos terão sempre equipamentos de segurança veicular, seja preventiva, seja defensiva.
As emissões de poluentes serão crescentemente menores e, em alguns casos, eliminadas -ao menos na fonte final, que é o veículo. Biocombustíveis, veículos híbridos e elétricos já são realidade que ganha campo.
Energias veiculares como célula de hidrogênio e outras ainda inimagináveis serão testadas em novas formas de mover o veículo nos anos futuros.
O veículo dos anos futuros será muito mais avançado em termos de performance, design, dirigibilidade, funcionalidade, eficiência energética, emissões baixas ou zeradas, segurança, acessibilidade, manutenção e reciclabilidade no descarte.
A mobilidade urbana deverá ser solucionada por políticas públicas que considerem a quantidade de carros nas ruas, a infraestrutura viária, o transporte público eficiente e abundante, a engenharia e a educação de trânsito, a inspeção veicular, o uso racional do automóvel e, enfim, o planejamento urbano das metrópoles.
A equação automóvel-segurança e meio ambiente-mobilidade urbana será construída com produtos corretos e avançados, com legislações e políticas públicas e com a disciplina do consumidor.
Não se trata, pois, de sacralizar ou demonizar o automóvel. Nem herói, nem vilão. Apenas necessário ao homem e ao mundo.

GOSTOSAS


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VINÍCIUS TORRES FREIRE

Prefácio a um Belo Monte de rolos

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/09/09


Governo pode ficar com quase metade da segunda maior hidrelétrica do país, que deve ir a leilão neste ano

O GOVERNO pode ficar com metade da segunda maior hidrelétrica do país, Belo Monte, que, no entanto, deveria ser um negócio privado. Mas a distorção não pode ser colocada na conta do governo, ou não apenas. Trata-se mais de uma parceria público-privada informal: na confusão dos consórcios e no lobby privado de preços. A usina será leiloada, talvez em outubro ou novembro, se o Ministério Público Federal no Pará não interromper o processo. Deve começar a funcionar em 2014. Foi Edison Lobão, ministro de Minas e Energia, que anunciou ontem, num seminário em São Paulo, que o governo terá participação de mais de 40% e até 49% no capital da hidrelétrica a ser construída no rio Xingu, no Pará, perto de Altamira.
Mas nada está acertado ainda sobre Belo Monte (nas usinas do rio Madeira, Jirau e Santo Antônio, a indefinição perdurou até os dias anteriores à licitação, em 2007). Entenda-se a ressalva: todas as decisões sobre o setor elétrico são tomadas na Casa Civil, da ministra Dilma Rousseff. Como a ministra está "meio fora", com muitas tarefas, ministrando o pré-sal, adoentada e em campanha, a "ministra-chefe" de Belo Monte é Erenice Guerra, a sub de Dilma.
As subsidiárias da estatal Eletrobrás vão participar de algum modo no negócio, num consórcio com empresas privadas que disputarão o leilão, ou se associando, depois, aos vencedores, mais ou menos como se previa e em parte ocorreu no caso das usinas do Madeira. Nas internas, o governo acusa empreiteiras e empresas do setor elétrico de tentarem formar um "cartel", termo técnico erroneamente utilizado mas expressivo para definir uma associação de empresas privadas para jogar para o alto o preço da usina.
A disparidade entre as estimativas de custo privadas e da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE) desta vez é brutal. Para a EPE, a usina custaria R$ 16 bilhões, sem o custo financeiro. No setor privado, se ouve de tudo, de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões. No governo, se diz que o custo médio da energia será menor que os R$ 79 MWh do rio Madeira; no setor privado, diz-se que um preço "competitivo" (para as empresas donas do negócio), seria pelo menos 50% maior.
Argumentam que, apesar de representar 10% da potência instalada hoje no país, cerca de 11 mil MW, a "energia assegurada" de Belo Monte será semelhante à das usinas do Madeira (com 6.000 MW instalados). Mas como não se sabe quanto da energia de Belo Monte deverá ser destinada aos mercados livre e cativo, sobre financiamento, dinheiro do BNDES e tamanho da participação das subsidiárias da Eletrobras (Furnas, Eletrosul, Chesf), toda especulação sobre custos e preços competitivos é especulativa.
O preço limite para a energia destinada ao mercado cativo era de R$ 122 por MWh para quem se dispunha a ficar com a usina de Santo Antônio, no Madeira, leiloada em 2007; empresas privadas diziam que era "loucura" oferecer menos de R$ 100. Os vencedores ofereceram R$ 78,87 (o mercado regulado "cativo" somos nós, consumidores residenciais, e empresas que não negociam seus contratos no mercado livre).
O edital do leilão ainda não saiu. Por ora, as histórias de preços e sociedades estão bem mal contadas.

CELSO MING

Aprovação popular


O Estado de S. Paulo - 23/09/2009


A pesquisa CNI-Ibope não apontou apenas o crescimento da aprovação popular ao desempenho do presidente Lula no governo. Apontou impressionantes níveis de satisfação com a qualidade de vida em 2009, ano de forte crise.

Nada menos que 81% da população entende que o governo Lula é ótimo ou bom. E 80% concordam que 2009 é um ano bom ou muito bom para sua vida.

A primeira observação que se pode fazer é que os números refletem o que já se sabia: a economia brasileira atravessou a crise sem avarias graves. É verdade que a indústria sofreu e teve de ser socorrida. Mas os demais setores, especialmente o comércio, atravessaram a turbulência com cintos atados, porém sem prejuízos relevantes. Este foi o primeiro teste importante de resistência que a economia enfrentou com sucesso depois do Plano Real.

Esse bom desempenho não foi construído apenas nos últimos oito anos. A rigor, começou em 1994, durante o governo Itamar, foi reforçado na administração Fernando Henrique e mantido durante o período Lula.

Segunda observação, boa parte da percepção de que este ano não foi tão ruim, especialmente para o emprego, tem a ver com a forte disparada das despesas públicas, que acionaram o consumo e apontam para forte deterioração das finanças da União.

Cerca de 1,5% do PIB em novos gastos públicos correspondeu a renúncias fiscais (isenção de impostos, estímulos à construção civil, etc.). São despesas temporárias e serão revertidas a partir de 2010. A outra parte tem a ver com o aumento dos salários dos funcionários do governo, contratados antes do início da crise, e das aposentadorias, que estão sendo pagos apesar da mudança da paisagem econômica e pressionam as finanças públicas. Trata-se de um aumento de gastos permanente que só poderá ser enfrentado com aumento da arrecadação.

Não dá para negar que houve falha na captação de receitas. A crise por que passou o sistema arrecadatório da União mostrou que o governo errou ao permitir que os principais postos da Receita fossem exercidos por técnicos cuja prioridade foi garantir a ocupação de repartições por companheiros de corporação da então secretária Lina Vieira.

Baseado na expectativa de que a economia cresça perto de 1% ainda neste ano e outros 4% em 2010, o ministro Guido Mantega assegura que não haverá prejuízo para a formação do superávit primário (de 2,5%) neste ano. Ele aposta em que a arrecadação reaja a ponto de suplantar os aumentos de gastos. Mas, diante da determinação do governo de obter bons resultados nas próximas eleições, o que exigirá mais aumento de despesas, pouca gente acredita nisso, especialmente se a candidata do governo à sucessão não reagir nas pesquisas.

Em todo o caso, a gastança federal vai rendendo pontos de aprovação ao governo Lula.


Confira


Grau de investimento - Faltava a Moody"s, uma das três maiores agências de classificação de risco, qualificar a dívida brasileira como confiável. E, ontem, o veredicto chegou.

Isso muda alguma coisa a favor do Brasil porque investidores mais exigentes devem agora se interessar por títulos brasileiros sem medo de calote. Mas é difícil avaliar o quanto isso muda tudo.

As análises dessas empresas estão sob suspeita na medida em que a crise mostrou suas graves falhas. Elas distribuíram certificados AAA a títulos que depois foram classificados como lixo tóxico ou ativos podres.

GOSTOSA



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ELIANE CANTANHÊDE

''Brasil não sabia dos meus planos'', diz Zelaya

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/09/09


Decisão de buscar embaixada deveu-se à vocação democrática e ao peso internacional do país, afirma hondurenho à Folha


Único diplomata brasileiro remanescente em Honduras relata caos na embaixada com superlotação e cerco promovido por golpistas
O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, disse ontem que não combinou sua volta ao país e sua ida para a Embaixada do Brasil previamente com o Planalto e o Itamaraty por temer que a operação fosse descoberta pelo governo golpista e abortada.
"O Brasil não sabia dos meus planos. Tomei a decisão de vir direto à embaixada por uma questão de estratégia, uma posição de reserva, para que o plano não corresse risco", disse Zelaya à Folha por celular em meio ao caos na embaixada.
Segundo ele, a decisão pela embaixada brasileira foi "por causa da vocação democrática do Brasil, do presidente Lula e de Marco Aurélio Garcia [assessor internacional da Presidência]. E também pelo peso internacional que eles têm".
Único diplomata brasileiro em Honduras, o ministro-conselheiro Francisco Catunda Resende confirma que foi tudo de surpresa e diz que o primeiro contato com a embaixada foi feito pela deputada Gloria Oqueli, presidente do Parlamento Centro-Americano.
"Ela bateu aqui com a história de que a mulher do presidente [Xiomara de Zelaya] tinha um assunto urgente para tratar", relatou Catunda à Folha, também por celular.
Só quando a mulher dele chegou, no final da manhã, é que a intenção ficou clara. "Aí é que eles abriram o jogo. Ela entrou primeiro, seguida por ele, com mala e tudo", disse o diplomata.
Depois de trocas de telefonemas entre Tegucigalpa, Brasília e Nova York, onde estava o chanceler Celso Amorim, finalmente chegou a autorização para acolher o casal.
Com Zelaya e Xiomara, entraram em torno de dez pessoas. Ontem à noite, já haviam passado pela embaixada exatas 303 pessoas, entre políticos, líderes de movimentos sociais, amigos e até curiosos que pularam os muros para se proteger do ataque de soldados munidos com gás lacrimogêneo.
Nem Catunda escapou dos efeitos. Ao abrir a porta para uma mulher que gritava desesperadamente por socorro, ele diz que recebeu uma lufada de gás e passou horas com os olhos vermelhos e ardendo.
Em outro momento, ele se recusou a receber um oficial de Justiça e um promotor que lhe levavam um documento: "Provavelmente, era uma ordem de captura, e eu não ia receber documento de um governo que o Brasil não reconhece, de um governo inexistente".
O pior, porém, foi a decisão do governo golpista, liderado por Roberto Michelleti, de impingir um cerco à embaixada, cortando luz, água e telefone a partir da noite de segunda-feira. E a única comida em 24 horas se resumia a pizza contrabandeada por uma vizinha e o resto de leite e biscoitos dos 12 funcionários.
Às 15h45 (19h45 de Brasília) de ontem, Catunda relatou que ainda havia gente comendo resto de pizza fria da véspera. Àquela hora, eles aguardavam dois socorros: as quentinhas enviadas por representantes da ONU (Organização das Nações Unidas) e a van que a embaixada americana emprestou para retirar oito funcionários, entre brasileiros e hondurenhos.
Um dos brasileiros é diabético, outro toma remédio controlado. Só ficaram com Catunda um assistente de Chancelaria, um motorista e um mecânico (para o gerador de luz).
Em alguns momentos, a embaixada chegou a acolher 70 pessoas simultaneamente o que, combinado com falta de água, luz e telefone, gerou um caos: "Hoje está sendo muito penoso. Os banheiros estão de fazer dó", relatou Catunda, cearense de 61 anos, reclamando que estava há dois dias "só com a roupa do corpo".
Como Zelaya e a mulher preferiram ficar no escritório, em vez de ocupar o setor residencial da embaixada, o jeito foi acomodar hondurenhos e brasileiros por sofás, cadeiras, colchonetes e tapetes, para passarem a noite e o dia de ontem. O casal presidencial ocupa o gabinete do embaixador, vago desde que o titular, Brian Neele, foi chamado de volta após o golpe.
Além do desconforto, havia um grande temor entre os sitiados: o de que o governo golpista determinasse a invasão da embaixada. Por telefone, tanto Lula quanto Amorim fizeram apelos para que Zelaya não fizesse nada que pudesse servir de pretexto para a invasão e que mandasse seus aliados de volta para casa, mantendo o menor número possível de pessoas na embaixada.
Para Catunda, Amorim deu uma ordem precisa: "Não vamos bancar os Quixotes!" Ou seja, em caso de invasão, a orientação é ninguém reagir nem abrir a boca, deixando toda a negociação para a ONU e a OEA (Organização dos Estados Americanos) em Nova York.
Quanto a Zelaya, parece tudo bem: "Estou ótimo, muito tranquilo", disse à Folha.

RUY CASTRO

Dinheiro voando


Folha de S. Paulo - 23/09/2009

Acabo de receber um intrigante e-mail. De algum ponto do ciberespaço, um homem que se assina Patrick -sem sobrenome- me escreve em inglês oferecendo-me sociedade num negócio que não diz qual é, mas para o qual afirma dispor de "US$ 20 milhões", de que planeja investir "uma parte" numa "economia estável" e visando "grandes lucros a longo prazo".
Oba! Não é todo dia que cai do céu um anjo com a carteira cheia de dinheiro e disposto a contribuir para a nossa redenção financeira. "Dependendo de chegarmos a um acordo sobre certos termos, espero poder confiar ao senhor o montante acima", diz Patrick, enigmático. É uma reticência natural -afinal, e apesar de tudo, US$ 20 milhões são US$ 20 milhões, ou quase isso.
"Quero deixar claro que esta não é uma proposta humanitária, mas estritamente comercial, já que há muito dinheiro à vista para todas as partes envolvidas", ele continua. Epa! Quer dizer que há outras partes envolvidas? É o que parece -e só agora vejo, decepcionado, que o e-mail não me foi nominalmente dirigido, mas a um "Estimado amigo". Ou seja, o gajo talvez nem saiba meu nome.
E se for uma daquelas pegadinhas da internet, em que você se deixa seduzir pela mensagem, clica em algum link para abri-la e, ao fazer isto, expõe seus dados bancários, senhas secretas, cartões de crédito, diário íntimo e até a agenda com os telefones das namoradas? Sim, só pode ser isso -a internet está cheia de pessoas cruéis e mal intencionadas.
Mas, nesse caso, não tenho que clicar em nada. Donde como ele poderia me pegar? "Por favor, não leve a mal nenhum aspecto desta oferta", adverte. "Se conhecer uma boa aplicação para a dita quantia, é só me responder". Hmmm... O que tenho a perder? Acho que vou morder a isca.

SONHOS

TODA MÍDIA

Sob cerco golpista

NELSON DE SÁ

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/09/09


Foi manchete ao longo de manhã e tarde nos sites brasileiros, cedeu lugar ao grau de investimento, mas retornou à noite, telejornais inclusive. Nos enunciados, "Embaixada tem serviços básicos cortados", "Amorim diz que não tolerará ação contra embaixada", "Lula pede que Zelaya não dê razão para ataque", "Governo aciona Conselho de Segurança da ONU". E alternativas como "Zelaya diz ter buscado embaixada por lição de democracia".


O "New York Times" destacou a repressão policial e a rejeição por Lula, em Nova York, de "mais golpes militares". No "Wall Street Journal", atenção ao risco de "violência renovada".
Ambos avaliam que "a volta surpresa põe Brasil em posição desconfortável, longe do papel de estadista frio que preza". Na americana AP, Lula cobrou que Zelaya não dê pretexto para ataque. Na chinesa Xinhua, o governo "de facto" prometeu não atacar.


No topo das buscas de Brasil no fim do dia, Reuters e AFP destacavam que o Departamento de Estado dos EUA pediu "respeito à inviolabilidade da embaixada", um "princípio de relações internacionais que é aceito universalmente", até por ditadura militar.

TV BRASIL ANTES
A rede estatal ouviu Zelaya anteontem. "Queria agradecer ao presidente Lula, ao chanceler Amorim e ao [assessor] Marco Aurélio Garcia, que abriram as portas para iniciar o diálogo. Que a luta pela democracia sirva para a América Latina".

GLOBO & RECORD
Ontem foram as redes privadas, também por telefone. No destaque do "Jornal Nacional" e antes do portal G1, Zelaya afirmou ter pedido "proteção" e não "asilo" ao Brasil. No "Jornal da Record", disse que "avisou" as autoridades brasileiras.


"ESPETACULAR"
newsweek.com

O "Christian Science Monitor" destacou de Honduras que "Zelaya esnobou Hugo Chávez pelo Brasil", que de sua parte "agarrou o papel de líder".
A "Newsweek", em edição já programada, deu a longa reportagem "O político mais popular do mundo", dizendo que "por sete anos ele fez um trabalho espetacular como presidente do Brasil. Mas Lula pode resistir às tentações para jogar isso fora?" (abaixo, na home).
A revista postou separadamente a íntegra da entrevista com o "carismático Lula", "homem do momento". E fez até uma relação com os "transformadores" ou "líderes que refizeram radicalmente os seus países" encabeçada por Lula, mais Margaret Thatcher, Deng Xiaping, Nelson Mandela, Kim Dae-jung etc.

"DURACELSO"
A nova viagem de Lula estimulou também análises com títulos como "Brasil alvoroça a ordem mundial", no espanhol "El País", e "Como Lula posicionou o Brasil no mundo", no argentino "La Nación". O primeiro diz que ele vai falar na ONU "com a autoridade de quem chega com os deveres de casa muito bem feitos". O segundo elogia a ação de Celso Amorim pelo mundo e sublinha seu "apelido no Itamaraty", Duracelso, referência à pilha.

BRASIL & ÍNDIA
Dos muitos encontros do Brasil em Nova York, na ONU, resultou reportagem no indiano "Business Standard", com repercussão no "WSJ", anunciando que "Brasil e Índia vão se opor à União Europeia na Organização Mundial do Comércio", sobre propriedade intelectual.
Por outro lado, em agências indianas como PTI, o fórum Ibsa (Índia, Brasil e África do Sul) se reuniu para articular pressão por cadeira no Conselho de Segurança.

NOTA ALTA

Na escalada, os telejornais tentaram explicar grau de investimento como "atestado de bom pagador", na Globo, ou crédito "recomendado", na Band.
Na manchete da Reuters Brasil, a partir do fim do dia, "Moody's vê Brasil 'vencedor' e dá grau de investimento".
Quer dizer, a agência de classificação de risco vê o país "como vencedor da crise global". No portal Exame, com ironia, "A Moody's demorou".

IBOPE ALTO

Em meio à atenção com Honduras, saiu enfim o Ibope. Reuters Brasil, Valor Online, Agência Brasil e outros ressaltam que o otimismo com juros e empregos permitiram até "ligeira alta" para o governo.
Por Folha Online e outros, "Ciro Gomes cresce e empata com Dilma Rousseff". No portal iG, Ciro comentou a queda da petista e chegou a ser manchete, "Dilma sofre agressão".
Diz ele que "há contra ela um fenômeno que já aconteceu comigo, que é uma desequilibrada agressão, um processo de difamação permanente". Ainda no iG, críticas à ausência de cenários alternativos, na pesquisa, só com Ciro ou Dilma.

DANTE SICA

Uma relação ao ritmo da crise


O Estado de S. Paulo - 23/09/2009
Nos últimos 15 anos, o comércio e as relações bilaterais entre a Argentina e o Brasil têm-se movimentado ao ritmo de variadas e sucessivas crises. Períodos de expansão seguidos por momentos de contração e acordos que impulsionaram os investimentos, para logo sofrerem uma freada ou serem executados apenas parcialmente, são circunstâncias que se intercalaram uma após a outra e marcam o andamento dessa relação. Até o momento, essa conjuntura contribuiu com a música para a dança dessa dupla, que nem sempre baila ao som do tango ou do samba.

Depois da criação do Mercosul, o comércio bilateral expandiu-se em grande velocidade graças à redução das tarifas alfandegárias e à interdependência de ambas as economias. Mas, no final da década passada, a crise das economias emergentes pôs fim a essa etapa e desde então as divergências econômicas e comerciais entre a Argentina e o Brasil passaram a se ampliar.

De 2005 em diante, iniciou-se um período de distensão, possibilitado pelos bons resultados da Comissão de Monitoramento do Comércio Bilateral, que determinou o tratamento a setores sensíveis dos dois países, particularmente da Argentina. E, embora a balança comercial tenha sido cada vez mais deficitária para a Argentina, em razão do desequilíbrio no intercâmbio de bens industriais, o comércio bilateral cresceu de maneira acelerada até 2008, com uma redução dos conflitos. Para tanto também contribuíram a boa sintonia política e o elevado crescimento da Argentina, o que possibilitou uma diminuição do fosso macroeconômico.

Entre 2003 e 2008, o comércio bilateral sofreu um incremento da ordem de 233%, passando de US$ 9,295 bilhões para US$ 30,956 bilhões, com um crescimento mais acelerado das importações argentinas (+ 276%) do que de suas exportações (+ 189%).

Além disso, foi inaugurado um novo eixo na relação bilateral: os investimentos diretos, impulsionados pela recente internacionalização das empresas brasileiras, que, daqui em diante, determinarão o ritmo da relação, uma vez que, do ponto de vista comercial, o Mercosul não tem um peso relevante para o Brasil.

Na verdade, os investimentos brasileiros na Argentina já são uma realidade: nos últimos seis anos, os investimentos de origem brasileira situaram-se em torno de 20% do total dos investimentos estrangeiros diretos (IEDs) recebidos pela Argentina entre 2002 e 2007. Somente os anúncios de investimentos de empresas brasileiras somaram, de 2004 até agosto de 2008, US$ 10,714 bilhões. Cerca de 52% desse total se destina ao setor industrial e quase 40% ao de petróleo e gás, enquanto 8% iriam para a construção e 0,3% para serviços.

Esperava-se que nessa nova etapa de expansão, além do aumento do comércio bilateral e dos investimentos, houvesse um avanço nos temas pendentes da integração do Mercosul. Mas, enfim, esse avanço não se verificou e, agora, essa tarefa será muito mais difícil, num mundo em que se observa uma nova onda de medidas protecionistas. Mais uma vez, a música muda de acordo com a crise.

Ruído de jazz - Nos primeiros sete meses deste ano de 2009, a queda do comércio bilateral já chegou a 32,5%, retornando a níveis semelhantes aos de 2006. O ruído do "efeito jazz" - como a presidente Cristina Kirchner chamou, sem muita repercussão ou propriedade, a atual crise - irrompeu com estrondo numa festa de tango e samba.

Para enfrentar esse contexto a Argentina decidiu implementar medidas de restrição às importações, por meio de instrumentos como as licenças não-automáticas, direitos antidumping e valores-critério (valor-critério: um preço mínimo para a entrada de produtos importados no país), que afetaram com maior intensidade os fluxos de comércio com o Brasil. E, portanto, voltou a aumentar o clima de conflito bilateral, que se tentou resolver com uma nova rodada de negociações setoriais, incluindo os setores sensíveis tradicionais e outros novos.

Essa disputa se baseia nas diferentes percepções do conflito que têm ambos os países. Para a Argentina, as medidas justificam-se como uma maneira de compensar o escasso avanço das questões pendentes da integração, que foram responsáveis pelo elevado déficit no intercâmbio industrial com o Brasil. Para este último, negociar nos mesmos setores representa um passo atrás no avanço conseguido nos últimos anos, mas o pior é que os novos acordos alcançados não vêm sendo cumpridos por causa da demora da Argentina na autorização das licenças, aumentando a incerteza quanto ao futuro.

As medidas de restrição implementadas pela Argentina chegam a 17,2% do montante importado do Brasil. Portanto, os temas de maior repercussão na agenda atual são o aprimoramento da operacionalidade do sistema de licenças, a continuidade e o monitoramento do cumprimento dos acordos setoriais, a análise de eventuais desvios de comércio e seguir com a implementação das medidas de defesa comercial.

Essas negociações se darão num contexto pré-eleitoral no Brasil, no qual surgem vozes internas que reclamam uma atitude não tão branda com relação à Argentina.

A crise atual provocou a perda de parte do terreno ganho, não somente em termos de intercâmbio comercial, mas também no tratamento diferenciado para os setores sensíveis. Está faltando analisar formatos, mecanismos e os demais assuntos de interesses. Mas, ao mesmo tempo, o mais imprescindível e que está em falta é a consolidação das estruturas de consulta e tomada de decisões no âmbito bilateral, a fim de que os sócios mais importantes do Mercosul não terminem sempre dançando ao ritmo imposto pelas crises.

GOSTOSA DO TEMPO ANTIGO

FERNANDO RODRIGUES

Democracia desorganizada

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/09/09


BRASÍLIA - O presidente Lula recebeu um prêmio em Nova York. Disse que o "Brasil é país de instituições sólidas e democráticas". Sobre democracia, não se discute. Já solidez das instituições é um conceito relativo, sobretudo no aspecto organizacional.
Enquanto Lula continua nos EUA, um documento da Presidência foi divulgado na Câmara, aqui em Brasília. Informa, de novo, que o Planalto guarda as imagens do seu circuito interno de segurança apenas por um prazo médio não superior a 30 dias. A história vai para o lixo porque falta memória no disco rígido do sistema.
Trata-se ainda do episódio do final do ano passado entre a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e a então secretária da Receita Federal, Lina Vieira. Sem imagens, ficou a palavra de uma contra a da outra sobre a existência da reunião na qual o governo teria pedido para "agilizar" um processo a respeito de empresas da família Sarney.
A indigência gerencial nos órgãos públicos é de dar dó. No documento de ontem, o Planalto informava como registra os carros no principal edifício da administração federal: "Os veículos que transportam autoridades, após reconhecidos, não têm suas placas anotadas".
Como é característico nessa cultura da desídia, nenhuma medida foi anunciada para corrigir tamanha esculhambação. O desmazelo não é de hoje, é verdade. Mas a atual gestão já teve tempo suficiente para adotar as ações necessárias. Não custaria nada obrigar todos os órgãos federais a registrar quem entra e sai de prédios públicos.
Outro exemplo é a decisão do Supremo Tribunal Federal, há um mês, determinando a liberação de notas fiscais usadas por deputados para justificar o uso de verbas indenizatórias. A Câmara desdenha do STF. Não cumpre a decisão. Se essas são instituições sólidas, como disse Lula, há um novíssimo conceito sobre solidez na praça.