''Brasil não sabia dos meus planos'', diz Zelaya
FOLHA DE SÃO PAULO - 23/09/09
Único diplomata brasileiro remanescente em Honduras relata caos na embaixada com superlotação e cerco promovido por golpistas
O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, disse ontem que não combinou sua volta ao país e sua ida para a Embaixada do Brasil previamente com o Planalto e o Itamaraty por temer que a operação fosse descoberta pelo governo golpista e abortada.
"O Brasil não sabia dos meus planos. Tomei a decisão de vir direto à embaixada por uma questão de estratégia, uma posição de reserva, para que o plano não corresse risco", disse Zelaya à Folha por celular em meio ao caos na embaixada.
Segundo ele, a decisão pela embaixada brasileira foi "por causa da vocação democrática do Brasil, do presidente Lula e de Marco Aurélio Garcia [assessor internacional da Presidência]. E também pelo peso internacional que eles têm".
Único diplomata brasileiro em Honduras, o ministro-conselheiro Francisco Catunda Resende confirma que foi tudo de surpresa e diz que o primeiro contato com a embaixada foi feito pela deputada Gloria Oqueli, presidente do Parlamento Centro-Americano.
"Ela bateu aqui com a história de que a mulher do presidente [Xiomara de Zelaya] tinha um assunto urgente para tratar", relatou Catunda à Folha, também por celular.
Só quando a mulher dele chegou, no final da manhã, é que a intenção ficou clara. "Aí é que eles abriram o jogo. Ela entrou primeiro, seguida por ele, com mala e tudo", disse o diplomata.
Depois de trocas de telefonemas entre Tegucigalpa, Brasília e Nova York, onde estava o chanceler Celso Amorim, finalmente chegou a autorização para acolher o casal.
Com Zelaya e Xiomara, entraram em torno de dez pessoas. Ontem à noite, já haviam passado pela embaixada exatas 303 pessoas, entre políticos, líderes de movimentos sociais, amigos e até curiosos que pularam os muros para se proteger do ataque de soldados munidos com gás lacrimogêneo.
Nem Catunda escapou dos efeitos. Ao abrir a porta para uma mulher que gritava desesperadamente por socorro, ele diz que recebeu uma lufada de gás e passou horas com os olhos vermelhos e ardendo.
Em outro momento, ele se recusou a receber um oficial de Justiça e um promotor que lhe levavam um documento: "Provavelmente, era uma ordem de captura, e eu não ia receber documento de um governo que o Brasil não reconhece, de um governo inexistente".
O pior, porém, foi a decisão do governo golpista, liderado por Roberto Michelleti, de impingir um cerco à embaixada, cortando luz, água e telefone a partir da noite de segunda-feira. E a única comida em 24 horas se resumia a pizza contrabandeada por uma vizinha e o resto de leite e biscoitos dos 12 funcionários.
Às 15h45 (19h45 de Brasília) de ontem, Catunda relatou que ainda havia gente comendo resto de pizza fria da véspera. Àquela hora, eles aguardavam dois socorros: as quentinhas enviadas por representantes da ONU (Organização das Nações Unidas) e a van que a embaixada americana emprestou para retirar oito funcionários, entre brasileiros e hondurenhos.
Um dos brasileiros é diabético, outro toma remédio controlado. Só ficaram com Catunda um assistente de Chancelaria, um motorista e um mecânico (para o gerador de luz).
Em alguns momentos, a embaixada chegou a acolher 70 pessoas simultaneamente o que, combinado com falta de água, luz e telefone, gerou um caos: "Hoje está sendo muito penoso. Os banheiros estão de fazer dó", relatou Catunda, cearense de 61 anos, reclamando que estava há dois dias "só com a roupa do corpo".
Como Zelaya e a mulher preferiram ficar no escritório, em vez de ocupar o setor residencial da embaixada, o jeito foi acomodar hondurenhos e brasileiros por sofás, cadeiras, colchonetes e tapetes, para passarem a noite e o dia de ontem. O casal presidencial ocupa o gabinete do embaixador, vago desde que o titular, Brian Neele, foi chamado de volta após o golpe.
Além do desconforto, havia um grande temor entre os sitiados: o de que o governo golpista determinasse a invasão da embaixada. Por telefone, tanto Lula quanto Amorim fizeram apelos para que Zelaya não fizesse nada que pudesse servir de pretexto para a invasão e que mandasse seus aliados de volta para casa, mantendo o menor número possível de pessoas na embaixada.
Para Catunda, Amorim deu uma ordem precisa: "Não vamos bancar os Quixotes!" Ou seja, em caso de invasão, a orientação é ninguém reagir nem abrir a boca, deixando toda a negociação para a ONU e a OEA (Organização dos Estados Americanos) em Nova York.
Quanto a Zelaya, parece tudo bem: "Estou ótimo, muito tranquilo", disse à Folha.
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