domingo, outubro 25, 2015

Moeda e dominância fiscal - GUSTAVO FRANCO

ESTADÃO - 25/10

Um dia desses estive na difícil posição de palestrar para um grupo de vestibulandos sobre um tema que não aparece com seu próprio nome nas provas do Enem, e mesmo da PUC, mas está em toda parte: a inflação.

Recomendo fortemente ao leitor a tentativa de explicar um tema complexo, da sua especialização, a adolescentes repletos de hormônios e tensão pré-vestibular: não há teste mais rigoroso sobre as suas convicções. Recomendo também o amplo recurso às perguntas retóricas, e logo no início, uma receita ótima para quem prefere aprender por si mesmo.

A inflação é: (a) um aumento generalizado nos preços; ou (b) a perda do poder de compra da moeda?

Se você escolheu a opção (a), está diante de um fenômeno social complexo, pois é preciso pensar como é que o padeiro se comunica com o barbeiro e com os produtores de tomates, pepinos, aço e computadores, e também com as companhias aéreas e restaurantes, para todos aumentarem seus preços mais ou menos na mesma velocidade.

Talvez eles leiam os mesmos jornais, de onde aprendem sobre os andamentos da moeda e do crédito público, pois afinal, se existe uma única coisa a unir esses personagens da vida produtiva brasileira, é que todos querem moeda em troca de seus bens e serviços. A moeda é a “cafetina universal”, para usar uma expressão de Shakespeare, que Marx gostava muito de repetir.

É claro que isso nos leva à opção (b): é claro que a inflação também é a perda de poder aquisitivo da moeda, as duas alternativas estão corretas, um velho truque docente, muito usado nos vestibulares.

O alívio veio de ninguém perguntar o que exatamente é a moeda, pois, com os empregos que tive, jamais poderia hesitar nessa resposta. Na faculdade, e mais para o fim, os alunos compreendem e admiram os professores que compartilham suas dúvidas e inquietações. Não é o que se observa no ensino médio, onde as certezas são absolutas e as provas, de múltipla escolha.

Seria chocante se dissesse aos meninos que o papel-moeda é uma tecnologia de pagamento que tende ao desuso, ao menos desde os anos 80, e que os contadores dos bancos centrais desse planeta não sabem ao certo se a moeda emitida nessas instituições tem a natureza de uma dívida.

Nos cruzeiros de 1942 estava inscrito nas cédulas que “se pagará ao portador desta a quantia de ...”, e vinha escrito o valor da cédula. Uma promessa pagável com o próprio instrumento, uma estranha redundância. A inscrição depois foi substituída por “valor legal” e, anos mais tarde, por razões hoje compreensíveis (talvez um desabafo), os dizeres passaram a ser “Deus seja louvado!”

Veja no balanço do Banco Central a conta “meio circulante”, que diz respeito ao papel-moeda em circulação: o saldo é R$ 196 bilhões para setembro/2015, tratando-se claramente de um passivo não exigível, embora não pertença ao patrimônio líquido. Veja, agora, a estatística para a “Dívida Líquida do Setor Público” e seus componentes. Lá está a “base monetária”, dentro da qual está o “meio circulante”.

Bem, o papel-moeda não é bem dívida do Estado, e esta, por sua vez, quando encarnada em títulos da dívida pública, ou dívida mobiliária, parece moeda, daí se falar em “quase moeda” pois, afinal, é muito líquida e é com ela que o Estado paga suas contas.

Não seria razoável pensar a moeda e títulos da dívida pública como uma coisa só, apenas expressões diferenciadas do “crédito público”, um atributo intangível que pulsa conforme a qualidade do governo?

Acho muito apropriado definir o meio circulante como uma espécie de ação preferencial ao portador, emitida pelo Estado, em pequenas denominações e que o Banco Central distribui pela rede bancária em troca de papel- moeda velho e, às vezes, em troca de outros tipos de dívida do Estado.

Outra maneira de ver é tomar a moeda como dívida, mas na forma de um instrumento perpétuo e sem juros. Visto assim, é fácil ver que o Estado preferirá sempre se financiar com esse tipo de obrigação. Porém, a sociedade necessita muito pouco desse instrumento e cada vez menos. A ideia de “rodar a guitarra” e abusar da emissão desses papéis, ou de moedas metálicas, está cada vez mais obsoleta, pois a demanda é muito limitada. A guitarra do século 21 é a dívida.

Aqui no Brasil, desde 2011 o TCU obriga o Banco Central a divulgar o tamanho de suas receitas decorrentes do poder de emitir moeda. Foram R$ 12,7 bilhões em 2014, equivalentes a 0,23% do PIB, já deduzidos os custos de produção desse acréscimo (R$ 487 milhões). Não é muito e não se vislumbra como isso possa crescer.

Pois bem, diante dessas definições, a ideia que o papel-moeda vai acabar, por conta do plástico e do tag, para não falar de milhas ou do bitcoin, parece especialmente grave diante da ansiedade recente em torno do monstro que dá título a este artigo. Na presença dessa criatura alienígena recém-chegada, segundo se diz, o governo não terá alternativa senão imprimir vastas quantidades de papel-moeda para pagar suas contas, inclusive a dívida pública.

Mas como se dará tal coisa se o papel-moeda está destinado à extinção?

Uma resposta meio prosaica foi dada por ninguém menos que Machado de Assis, numa crônica de 1896, a propósito das previsões de um espírita, segundo as quais novas tecnologias permitiriam que o papel-moeda fosse abolido (!). Se isso ocorrer, segundo diz o bruxo, “não haverá finanças, naturalmente, não haverá tesouro, nem impostos, nem alfândegas secas ou molhadas. Extinguem-se os desfalques andam tão a rodo que a gente de ânimo frouxo já inquire de si mesma se isto de levar dinheiro das gavetas do Estado ou do patrão é verdadeiramente delito ou reivindicação necessária.”

De fato, a vida ficaria muito mais difícil para a bandidagem na ausência de dinheiro em espécie, pois tudo transitaria por bancos deixando rastros para os agentes da lei. Foi assim que pegaram o doleiro Youssef, por exemplo, e se desenrolou o novelo do “petrolão”.

Quanto ao financiamento do Estado sob dominância fiscal, todavia, não vamos escorregar na nossa ansiedade: é tudo uma questão de preço. Pague-se mais juro que o povo aceita mais dívida, e esse tem sido o caminho percorrido faz muitos anos. O Brasil não tem a maior taxa de juros do mundo porque seus poupadores são campeões mundiais de ganância, mas porque tem o Estado mais endividado do mundo em proporção à riqueza do país. O monstro não é de outro planeta, nem é desconhecido: mora em Brasília há muitos anos e vinha emagrecendo até 2008. A partir daí, Dilma Rousseff, seguindo conselhos econômicos da pior espécie, resolveu terminar a dieta, e a criatura recomeçou a crescer.

Quanto mais dívida, mais juros, simples assim. Não há nada de novo nesse assunto de dominância fiscal, apenas mais clareza sobre como a política fiscal esmaga a política monetária, o que é um grande progresso.

Construção da versão - SAMUEL PESSÔA

Folha de SP - 25/10

O presidente do Ipea, Jessé de Souza, em entrevista ao "Valor" na terça feira passada, afirmou: "Se pensarmos a história do Brasil no século 20, temos o uso do Estado e de seus recursos para beneficiar a maioria da população brasileira, especialmente as classes populares e trabalhadoras, antes de tudo com Getúlio Vargas e 60 anos depois com Lula. (...) o golpe [militar] efetuou um corte muito óbvio nesse tipo de preocupação, e o Brasil que passa a ser construído depois do golpe é o Brasil para 20%".

É mito que o gasto social tenha crescido no período Vargas e sido reduzido na ditadura militar. Há crescimento suave e contínuo desde a República Velha até o fim do regime militar, forte crescimento após a redemocratização, um salto em FHC e outro maior com Lula.

Por exemplo, o gasto público com o ensino fundamental entre 1932 e 1964 foi constante, na casa de 0,8% do PIB. De 1964 até 1970, subiu para 1,5% do PIB e atingiu 1,7% em 1984. Com a redemocratização, há um salto no gasto público com o fundamental para 2,5% do PIB em 1986, nível em que permaneceu até 2004.

O mesmo ocorre com a taxa bruta de matrícula. No final do Império, as taxas de matrícula no fundamental eram da ordem de 7%. Cresceram ao longo da República Velha para 27%. De 1933 até 1984, cresceram lentamente, até atingir 104% em 1984 (a taxa bruta pode ser maior que 100% em razão de alunos que cursam o ciclo fora da idade correta).

Para o ensino médio, a melhora substantiva ocorreu logo em seguida ao golpe militar, quando as taxas cresceram de 7% para 32% em 1977. O segundo salto do ensino médio foi de 1994 até 2003, quando cresceu de 40% para 80%.

Nos anos 1950, as taxas brutas de matrícula no fundamental eram da ordem de 55% e o gasto público total com educação, da ordem de 1,5% do PIB. O gasto público por aluno no fundamental era de 10% do PIB per capita; no ensino médio, era de 100% do PIB per capita, e, no superior, de 1.000% do PIB per capita.

A escola pública dos anos 1950 expulsava os filhos dos pobres ainda no fundamental, em razão das elevadíssimas taxas de reprovação, e em seguida gastava com os filhos dos ricos dez vezes mais no médio e cem vezes mais no superior.

Minha colega do Ibre Juliana Cunha construiu série do gasto total com Previdência desde 1920. Não há nenhuma descontinuidade perceptível na série até a redemocratização, quando há forte aceleração. É conhecido que o grande salto no gasto social foi a universalização da saúde com o SUS e a criação da assistência social não contributiva aos idosos, ambos após a redemocratização.

No governo FHC, o gasto social cresceu 0,17 ponto percentual do PIB por ano, e, no período petista, até agora e em razão da bonança econômica, o crescimento foi de 0,29 ponto percentual.

Assim, o que diferencia FHC do PT no governo não é o crescimento do gasto social, mas sim o excesso de intervencionismo estatal no petismo, para estimular o desenvolvimento econômico. É a mesma diferença que há entre a República Velha e o período do nacional-desenvolvimentismo.

Aprendemos nos últimos anos que gasto social e intervencionismo estatal não cabem ambos no Orçamento do Estado brasileiro. Márcio Holland, secretário de Política Econômica do ministro Mantega no governo Dilma 1, reconhece em artigo nesta Folha na quinta-feira passada que a crise atual não tem causas externas nem resulta do ajuste fiscal do ministro Levy. Antes tarde do que nunca.

O tamanho da enrascada - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S. PAULO - 25/10

O ex-presidente Lula e o PT querem derrubar o ministro Joaquim Levy e mudar a politica econômica para um modelo que contemple expansão do crédito, estímulo ao consumo e aumento de gastos públicos. Justamente o que prevaleceu no último mandato de Lula e no primeiro de Dilma Rousseff foi responsável pela dramática situação que vivem hoje os brasileiros: recessão econômica, aumento do desemprego, queda dos salários, inflação elevada, paralisia nos investimentos, serviços públicos em decadência, programas sociais suspensos. E vai por aí. A presidente Dilma resiste e, até agora, mantém seu ministro da Fazenda. Até quando?

Lula, porém,costuma dar suas escorregadas e aí cai em contradição. Na quarta-feira, em discurso em Teresina, advertiu que "o País quebra'' se não cortar gastos públicos. "Isto a gente faz na casa da gente. Gastou um pouco demais? Perdeu a conta? Tem de brecar. Ou faz isso ou quebra de vez", ensinou. Justamente o que eles fizeram: gastaram em excesso, perderam o controle, o dinheiro acabou e aumentaram a dívida pública. Lula só não revelou o que acrescentar em cortes além daqueles já feitos pela equipe de Dilma. Seria cortar na Previdência? Os programas sociais ainda não suspensos? O Bolsa Família, por exemplo? Lula não detalhou.

Ele e o PT não têm a dimensão de governantes competentes que decidem de olho no futuro (muito menos nas futuras gerações). Importa o presente, importa não perder popularidade. E, se o ministro da Fazenda um liberal que socorreu Dilma para recuperar credibilidade e corrigir seus erros concebe um ajuste fiscal com medidas impopulares, ele corre a Brasília e tenta subtrair poder da presidente, demitindo o ministro e substituindo-o por outro capaz de dar um rumo populista à economia, mesmo que a experiência seja fugaz e dure pouco.

Quando assumiu o governo, em 2003, Lula agiu diferente. Ali ele sabia que, sem um choque de gestão responsável, não ganharia a confiança de empresário de investidores e tampouco recolocaria a economia nos trilhos na direção do crescimento. No ano anterior, a economia havia sido abalada pelo fenômeno conhecido como "pânico Lula": a inflação, o câmbio e o risco Brasil subiram pelos ares e ameaçavam o Plano Real. Ao assumir o poder, ele deu a resposta: aplicou um forte e bem-sucedido ajuste fiscal, recuperou confiança e seguiu em frente. Agora, ele e o PT parecem ignorar a enrascada em que encalacraram o Brasil.

Em 2015, Levy chegou disposto a mudar o jogo. Começou prometendo um superávit primário de 1,1% do PIB, em julho baixou para 0,15% e, agora, já reconhece que as contas vão fechar no vermelhão. Em 2014 o déficit primário já havia somado R$ 32,5 bilhões e seria o dobro se Dilma não recorresse à fraude das pedaladas fiscais, proibidas por lei e condenadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Faltando dois meses para acabar o ano, o cenário econômico só tem piorado: o desemprego cresce, a atividade econômica desaba, a inflação beira dois dígitos, o salário cai e programas sociais são suspensos.

E não há no horizonte indicações de melhora em futuro próximo. O governo enviou ao Congresso proposta orçamentária para 2016 com déficit de R$ 30,5 bilhões (0,5%do PIB),sem incluir R$ 40 bilhões das pedaladas (dívidas atrasadas da União com os bancos públicos), que o governo pretendia pagar deforma parcelada e que o TCU já sinalizou que terá de será vista. Com isso, o buraco vai a quase RS 80 bilhões. Ou mais, já que as premissas do Orçamento estão defasadas e erradas: a inflação foi estimada em 54% (o boletim Focus, do Banco Central, prevê 6,12%); e o PIB cresce 04% do PIB (para o Focus, cai 1,22%). Se a economia vai mal e pode piorar, o que dizer da mais grave crise política vivida pelo País nestes 30 anos pós-ditadura militar?

Esse é o tamanho da enrascada que o Brasil precisa enfrentar nos próximos anos. Com ou sem impeachment, com ou sem Dilma Rousseff, os brasileiros vão pagar pela inconsequência de governantes que não sabem planejar, governar e aplicar o dinheiro público com respeito à população.

A troca de guarda na defesa das empreiteiras - ELIO GASPARI

O GLOBO - 25/10

Imagine-se um cidadão que está com dores no estômago. Vai ao médico, ele lhe receita um remédio, mas a dor piora. Essa foi a situação das grandes empreiteiras que procuraram bancas de advogados no início da Operação Lava Jato. Os doutores inventaram a teoria segundo a qual as empresas eram santas, submetidas a extorsões. Depois disseram que os malfeitos eram coisa de um ou de outro diretor, nunca da companhia. Colaborar com o Ministério Público, nem pensar. Como diria a doutora Dilma, "não respeito delator". Estavam tratando os clientes com um remédio vencido.

Passou o tempo, mais de uma dezena de ilustres empresários foram para a cadeia e aconteceu o impensável: Marcelo Odebrecht está na penitenciária no Paraná. A confissão de pessoas e empresas passou a ser comum e hoje quem está enroscado na Lava Jato quer pelo menos estudar como a Camargo Corrêa está se desenroscando, graças à colaboração.

O sujeito que estava com dor de estômago foi a outro médico e ouviu o seguinte: o senhor está com um câncer, o que tenho a lhe recomendar é uma quimioterapia, coisa braba, e não há garantia de cura. As empresas e a turma da tornozeleira da Lava Jato estão numa situação parecida. Só lhes resta esperar que o juiz Sergio Moro termine seu serviço. Depois disso, poderão recorrer ao tribunais superiores de Brasília. Será a hora da quimioterapia.

Trata-se de buscar brechas em depoimentos e acusações. Em alguns casos, nada haverá a fazer. Em outros, pode-se tentar a quimio. Por exemplo: um condenado a dez anos em regime fechado pode ter sua pena reduzida para cinco. Passará menos de dois anos trancado, vestirá sua tornozeleira e irá para Angra do Reis.

Isso poderá ocorrer na medida em que os processos seguirem para as instâncias superiores com defeitos estimulados pela popularidade dos acusadores e pela onipotência que se infiltrou na cabeça de alguns deles. Diversas lombadas existentes no caminho da Lava Jato são públicas e ainda podem ser corrigidas. Por exemplo:

O grampo ilegal encontrado na cela de Alberto Youssef estava ativo em abril de 2014, quando ele a ocupava? Uma sindicância da Polícia Federal diz que não. Um agente disse à CPI da Petrobras que sim.

Há pontos dos depoimentos de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, que não batem com os de Youssef. Também não batem com os de Fernando Baiano, que o acusa de ter escondido US$ 3 milhões. Alguém está mentindo, mas o acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal os obriga a dizer a verdade, sob o risco de voltarem para a cadeia. Um procurador chegou a dizer que não se deve mexer em "bosta seca". Essa doutrina perderá valor ao chegar a Brasília.

A advogada Beatriz Catta Preta administrou os acordos de colaboração de nove acusados. Alguns deles estavam em posições conflitantes no inquérito. Num caso, o do empresário Julio Camargo, o nome do deputado Eduardo Cunha foi omitido na primeira fase e mencionado no depoimento ao juiz Moro. Catta Preta desligou-se de todos os seus clientes e foi para Miami.

Essas lombadas serão insuficientes para desmontar o processo. Servirão apenas para reforçar a medicação quimioterápica de alguns réus. No chute, será possível oferecer a esperança de uma redução à metade das penas de alguns deles.

Como ensinou um velho rábula: "Na primeira instância juízes e promotores falam, e na Lava Jato falaram bastante. Nas instâncias superiores, em Brasília, o que foi espetáculo transforma-se numa papelada silenciosa. Nela só vale o que está escrito".

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota e vai à Bahia pedir os bons ofícios de José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, para apresentá-lo a alguns amigos que ainda tenha na empresa.

O idiota ouviu o comissário dizer que "quando você olha os casos confessados pelos corruptos, os números são muito pequenos em relação à Petrobras". Segundo ele, a empresa está com "um pequeno problema de reputação".

Eremildo já tem fama de idiota e por isso não se importaria se o chamassem de ladrão. Pedirá a Gabrielli que lhe consiga um lugarzinho na área de pequenos problemas da Petrobras.

A MEMÓRIA DE CUNHA

Muitas manifestações de parlamentares em apoio a Eduardo Cunha relacionam-se com o medo de seu arquivo. Ele sabe quem pediu, quem recebeu, quem ajudou e quem foi ajudado.

Numa conta, nessa lista estariam cem deputados e senadores. Noutra, duzentos.

Ninguém acredita que num momento de angústia Cunha solte o arquivo inteiro, mas todos temem entrar naquilo que o presidente da Câmara chama de "vazamento seletivo".

JABUTI LAVA JATO

Para quem duvida da capacidade de articulação das empreiteiras:

Na quarta-feira (21) o Senado aprovou um projeto originário da Medida Provisória 678, na qual mãos bondosas enfiaram um contrabando que estende o Regime de Contratação Diferenciado para praticamente todas as obras públicas. Basicamente, permite a licitação de um aeroporto a partir apenas de um anteprojeto.

Entrando em vigor, dá às empreiteiras um poder que nunca tiveram. Nem mesmo quando se apresentavam como empresas acima de quaisquer suspeitas.

Como o Supremo Tribunal proibiu esses contrabandos, a doutora Dilma poderá vetá-lo.


O MISTÉRIO DA REUNIÃO DE 2010 NO CAESAR PARK

Em março, o Ministério Público pediu ao Superior Tribunal de Justiça a abertura de um inquérito envolvendo o ex-governador Sérgio Cabral, seu herdeiro Luiz Fernando Pezão e quatro de seus colaboradores. A principal peça orientadora do pedido era um depoimento de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras. Ele contou que em 2010 reuniu-se com Cabral, Pezão e outras pessoas no hotel Caesar Park, em Ipanema, para tratar de uma doação de R$ 30 milhões à campanha de Cabral. O dinheiro viria de empreiteiras que trabalhavam na construção do Complexo Petroquímico do Rio.

A Polícia Federal tomou novos depoimentos, rastreou os celulares de Cabral, Pezão e todos os outros citados por Paulo Roberto Costa. Concluiu que, no dia que ele mencionou, eles não estavam em Ipanema. Diante disso, a PF pediu o arquivamento do inquérito, coisa que só pode ser decidida pelo juiz, quase sempre depois de ouvir o Ministério Público. Novas diligências poderão voltar a iluminar o caso, mas daquele mato do Caesar Park não saiu coelho. Isso não é suficiente para que o Ministério Público abandone a acusação, mas se não aparecerem novos testemunhos ou provas, poderá ser obrigado a desistir.

Coisas desse tipo acontecem e é para isso que os inquéritos dependem de investigações. Resta um problema: se Paulo Roberto Costa mentiu ao se referir à reunião do Caesar Park, quanto vale cada item de sua colaboração?

Recordar é viver: Dilma 2014 - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 25/10

Nas semanas que antecederam o segundo turno da eleição de 2014, havia uma brisa forte de otimismo no Brasil, apesar do clima político odiento, do noticiário crescente da roubança na Petrobras e do declínio econômico perceptível.

Os humores melhoravam desde o início da campanha eleitoral, em meados do ano. O primeiro semestre fora de exasperações: protestos de rua, contra a Copa, contra tudo, incêndios de ônibus, greves de polícias, rolezinhos (lembra?). O desânimo econômico medido pelo Datafolha chegava a níveis vistos apenas nos piores dias de FHC.

Em junho, 64% dos eleitores achavam que a inflação subiria. Um mês antes da eleição, ainda eram 50%. Na semana do segundo turno, apenas 31%.

Em junho, eram 48% os que acreditavam em alta do desemprego; à beira da eleição, 26%. No caso da situação do país, seria pior para 36% em junho. Em outubro, 15%. Entende-se, pois, a explosão de pessimismo inédito em janeiro, exposta a traição do estelionato eleitoral; tais humores não vão escoar tão cedo.

Recordar o logro é viver, vide os trechos do artigo publicado pela presidente-candidata nesta Folha, no dia da eleição. A reeleição faz um ano amanhã.

"Diante da crise, ao contrário do que acontecia no passado, mantivemos o emprego e a renda. Hoje, enquanto boa parte do mundo desemprega e reduz salários e direitos, o Brasil tem a menor taxa de desemprego da sua história (4,9%) e continua a avançar na redução da pobreza e das desigualdades."

O desemprego está em 7,6%. Deve chegar a 10% no fim de 2016. Não há dados suficientes para saber o que será da pobreza e da desigualdade neste ano. Em agosto, a renda do trabalho caía 4,3% nas seis maiores metrópoles, ante o ano passado.

"Tudo isso foi acompanhado de um importante equilíbrio macroeconômico. Em meu governo, a inflação se manteve dentro do regime de metas. Governamos com responsabilidade fiscal...".

O desequilíbrio macroeconômico é muito grave. Mesmo com uma recessão estimada em 3% para este ano, a inflação deve chegar a 10%, acima do limite superior de tolerância de descumprimento da meta, de 6,5%. As estimativas para 2016 se aproximam outra vez desse limite.

A dívida do governo cresce sem limite. O deficit nominal, o excesso de gastos do governo, se aproxima de 10% do PIB, o maior em duas décadas.

"Mas a grande prioridade estratégica do meu governo é e será a educação. Ela é fundamental para assegurar a competitividade do país e a continuidade dos processos de distribuição da renda."

Além de cortar despesas em educação, nenhum programa foi lançado. Ainda não se sabe na prática (nem em teoria) o que Dilma quis promover com "Pátria Educadora".

"...Implementamos o maior programa de ensino técnico da nossa história: o Pronatec... abrimos as portas das universidades para os mais precisavam, com o Prouni, o Reuni, as cotas, o Fies e o programa Ciência Sem Fronteiras. Este é um país que tem muito mais futuro."

Os programas de subsídios à educação estão sendo drasticamente reduzidos, pois seus gastos cresceram de modo descontrolado, como reconheceu o próprio governo. "Vou dar absoluta prioridade à reforma política." Sem mais.

Chega de fracassos - AMIR KHAIR

ESTADÃO - 25/10

Com o fracasso do ajuste fiscal, o governo aposta suas últimas fichas na recriação da CPMF sob a justificativa de servir à Previdência Social cuja arrecadação em queda está agravando o déficit da previdência rural. Embora pouco divulgado, vale saber que a previdência urbana é superavitária desde 2009, devendo registrar neste ano R$ 15 bilhões de superávit.

1 - Questão fiscal – O rombo maior das contas públicas, no entanto, não é da previdência, como propaga o ministro da Fazenda. Este déficit pode alcançar neste ano R$ 75 bilhões (déficit de R$ 90 bilhões na previdência rural e superávit de R$ 15 bilhões na previdência urbana) face a um déficit com juros que aponta para R$ 300 bilhões só no governo federal. É interessante notar como o ministro da Fazenda opera. Vai ao Congresso para afirmar que a nova CPMF é para cobrir o déficit da Previdência Social. No entanto, este déficit é quatro vezes menor (R$ 300 bilhões contra R$ 75 bilhões) do que o déficit de juros. Lamentável a tentativa de mudança do foco do problema principal do rombo fiscal. Se considerar todo o setor público o déficit com juros caminha para R$ 500 bilhões!

Eis a realidade atual. O governo federal acumulou nos oito primeiros meses deste ano um déficit fiscal em valores atuais de R$ 297 bilhões, dos quais R$ 283 bilhões (!) foram de juros e apenas R$ 14 bilhões de déficit primário, ou seja, o déficit de juros foi responsável por 95% (!) do déficit. Nada mais contundente.

Enquanto isto, este ministro tenta convencer o Congresso da necessidade da famigerada CPMF. Não há razão de criar este tributo que só vai aprofundar a recessão. É ilusório seu resultado, pois ao piorar mais ainda a recessão derruba a arrecadação não só do governo federal, mas também de estados e municípios. O troco vem junto. É o enxuga gelo da arrecadação, que está sendo responsável por 90% do déficit primário do governo federal para surpresa da equipe econômica.

Essa equipe, independentemente da herança maléfica que recebeu com as pedaladas, não aprendeu e as repete em dose maior. Este governo, que nem rato diante da cobra, caminha cada vez mais rumo ao impeachment com tantas varadas. Essa equipe é responsável exclusiva pelo déficit fiscal destes primeiros oito meses do governo federal de R$ 297 bilhões, que é mais do dobro (!) do ocorrido em igual período do ano passado, de R$ 140 bilhões.

É sempre cômodo botar a culpa na herança recebida. Faz parte do jogo político. Mas, fica difícil essa desculpa, pois até agora este governo não priorizou o crescimento, que derrubou a arrecadação e, pior, jogou as taxas de juros nas nuvens, o que elevou a relação dívida/PIB de 58,9% no início do ano para 65,3% em agosto e é fácil prever o rompimento do teto de 70% no primeiro semestre de 2016 caso a Selic permaneça em 14,25%.

A última tentativa do ministro da Fazenda de jogar a culpa do problema fiscal no que afirma ser excesso de despesas sociais é sem sentido: Comparando os primeiros oito meses deste ano com igual período do ano passado em valores atuais, tem-se o seguinte: a) benefícios previdenciários: (+) R$ 2,5 bilhões; b) benefícios assistenciais: (+) R$ 0,5 bilhão; c) abono e seguro desemprego: (-) R$ 5,2 bilhões; d) total de despesas sociais (a+b+c): (-) R$ 2,2 bilhões, ou seja, redução de despesa e; e) déficit com juros (+) R$ 140,2 bilhões!

Outra falha lamentável desta equipe econômica é acenar com despesas sociais explosivas no longo prazo ao desconsiderar que estes recursos retornam imediatamente ao ciclo econômico gerando faturamento e lucro nas empresas e massa salarial para consumo. Tudo isso rebate em crescimento de arrecadação no governo federal e nos Estados e municípios.

É obrigatório considerar nas análises os impactos nas receitas e despesas em políticas e programas sociais.

Apresentar só um lado da moeda pode levar a erros e distorcer realidades e perspectivas.

Diante deste quadro, o mercado financeiro, de costas para o País, procura trazer novas avaliações para 2016 para ainda obter sobrevida da elevada Selic que é fonte importante do seu lucro. Acena com o agravamento da inflação na tentativa de prolongar a redução da Selic pelo Banco Central para o final de 2016. É jogada esperta e perigosa, pois a relação dívida bruta/PIB continuará crescendo devido à alta Selic até disparar a perda do grau de investimento do País.

Há que parar com esta gastança com juros: a cada dia corrido são gastos R$ 1,5 bilhão (!). Em 21 dias se gasta o que o governo quer arrecadar com a CPMF!

2 - Mudança – Os seguidos fracassos deste governo explicam a recessão em marcha neste ano e perspectivas sombrias para os próximos. Sem mudar esta política econômica as perspectivas sombrias se auto realizarão. Há que tomar cuidado, no entanto, pois esse horizonte sombrio inibe a discussão sobre mudanças na política econômica. Algumas tentativas são prontamente abafadas pela visão derrotista. Nada se pode fazer. Não compartilho desta visão.

Voltar a crescer é o desafio. Sem ele nada funciona. Caem o faturamento e lucro das empresas, aumenta o desemprego, cai a arrecadação e aumenta a demanda social por educação e saúde. É um sanduíche fiscal com elevação da tensão social. Conhecemos bem isso.

Mas para crescer é necessário retirar as barreiras ao consumo e investimento e não opor um ao outro. São várias as barreiras. As duas mais importantes são a Selic e as taxas de juros ao tomador. A Selic atua como barreira ao artificializar o câmbio deslocando para o exterior parte do consumo das famílias, reduzindo o poder competitivo das empresas. Influi, também, na elevação das taxas de juros para o capital de giro das empresas e desestimula seus investimentos. Assim, reduz a oferta na economia, o que causa inflação. Nas finanças públicas é o principal causador da volumosa despesa com juros.

Reduzir a Selic é condição necessária para retomar o crescimento e pôr as finanças em ordem. Para isso basta seguir o que fizeram os países que obtiveram sucesso para superar a crise de 2008: a) reduziram sua taxa básica de juros para o nível da inflação e; b) substituíram a emissão de título por moeda. O governo fez o oposto: elevou a Selic e emitiu título em escala exponencial causando elevação na relação dívida/PIB.

A outra barreira são as taxas de juros ao tomador. Encarecem o crédito, mais do que dobrando os preços da economia, e esgotam o capital de giro das empresas. Segundo a Associação Nacional dos Executivos em Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), em setembro, no caso do crédito para 12 meses ao consumo, estavam em 131% (!), a maior desde junho de 2009. As duas modalidades muito usadas, o cheque especial e o cartão de crédito, estavam respectivamente em 222% e 361%. Para as empresas estavam em 62%, a maior desde maio de 2009.

Há que parar com essa anomalia, impondo limites aos ganhos dos bancos via redução da Selic ao nível da inflação e tabelar reduzindo as tarifas bancárias para diminuir duas fontes de lucro anormais, levando-os a competir no mercado de crédito.

Há felizmente políticas econômicas ao alcance que podem ser usadas. As em uso estão vergando a coluna dorsal do País. Chega de fracassos!

Salve-se quem puder - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 25/10

Quase todo mundo está de acordo que a situação do governo da presidente Dilma Rousseff é insustentável, mas ninguém consegue antever quando e como será o desfecho desse impasse.

Um dado, porém, é indiscutível: a situação se agrava a cada dia, tanto no plano político quanto no econômico, e esse fato, por sua vez, parece indicar que a hegemonia política do PT está chegando ao fim.

Isso só não vê quem não quer, uma vez que, a partir do mensalão –quando alguns dos principais dirigentes do partido foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal por corrupção– a imagem do partido, já comprometida, desencantou muita gente. Como se não bastasse isso, viria em seguida a Operação Lava Jato, para revelar ao país o escândalo das propinas que montam a bilhões de reais e constituem um exemplo raro de corrupção em plano nacional e internacional.

Do mensalão, Lula conseguiu se safar, embora fosse o principal responsável por ele. Da Lava Jato, porém, não escapará tão facilmente, conforme indicam as últimas delações de Fernando Baiano, que confessou ter entregado R$ 2 milhões em dinheiro vivo para beneficiar uma nora de Lula. O que irá acontecer com Lula não posso adivinhar, mas que não sairá incólume dessa enrascada, certamente não sairá.

E ele sabe disso, tanto que, ultimamente, dá plantão em Brasília, a conversar com Deus e o diabo, até mesmo com Eduardo Cunha, que de santo não tem nada. Conversa com deputados de todos os partidos, com senadores e com a própria presidente Dilma, que parece não ouvir direito o que ele diz.

Tudo isso porque é mesmo grande a encrenca em que estão metidos. Dilma, a conselho dele –quando ainda o ouvia– promoveu uma reforma ministerial que resultou em desastre. Ao invés de, com isso, conquistar a maioria dos deputados federais, como era seu objetivo, perdeu-a, surpreendendo todo mundo, até mesmo muitos de seus opositores.

Mas a coisa tem lá a sua lógica, já que a tal reforma ministerial foi, na verdade, um jogo de toma lá dá cá, no qual o grande agraciado foi o PMDB, que saiu dele com sete ministérios.

Acreditavam Dilma e Lula que, com isso, ganhariam a parada, afastando, inclusive, o fantasma do impeachment. Mas os deputados do baixo claro –por não terem ganho nenhuma fatia do bolo– se juntaram e mudaram o jogo. O governo foi sucessivamente derrotado na tentativa de votar os vetos de Dilma, decisivos para o equilíbrio financeiro do país.

Por outro lado, tampouco consegue o governo aprovar as medidas fundamentais para realizar o ajuste fiscal. E por que não? A razão é simples: não o consegue porque as medidas necessárias para esse ajuste contrariam os interesses dos partidos que apoiam o governo e, mais ainda, os interesses do próprio PT.

Em face disso, só há uma conclusão a tirar: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Tanto é assim que o próprio Lula, inventor de Dilma, opina agora contra o ajuste fiscal que ela defende por saber que, sem ele, o país não sairá da crise.

Por isso mesmo, fiquei surpreso ao ouvir da boca do Lula que a Dilma está aplicando, em seu governo, o programa de Aécio Neves, o candidato da oposição derrotado nas últimas eleições presidenciais. Por que Lula diz isso, já que burro ele não é, e tampouco é maluco?

Como todo mundo, ele sabe muito bem que, sem o ajuste fiscal, não há como sair da crise, e sabe também que, sem o empenho dele e do seu partido, as medidas necessárias para superá-la jamais serão aprovadas pelos parlamentares.

A resposta é obvia: Lula diz isso para que a massa eleitoral do PT ainda o veja como seu defensor e futuro candidato à Presidência do país. Sim, porque, se isso não acontecer, aí mesmo é que o PT acaba.

Tanto é verdade que, em seguida, Rui Falcão, presidente do partido, sugeriu a saída de Joaquim Levy, ministro da Fazenda. Dilma reagiu, afirmando que Levy fica e que a política econômica será mantida. Era uma resposta a Lula, que ou cala a boca, ou passa para a oposição. É uma encrenca sem tamanho. Não queria estar na pele deles.

Um frescor político no ar - DORRIT HARAZIM

O GLOBO - 25/10

Se o nome Trudeau é cultuado é porque Pierre foi um líder transformador que conclamou o Canadá a se definir


Feliz é o país que sai de uma eleição sentindo-se mais leve, livre e solto e com uma agenda adequada à monumental encrenca da vida em sociedade no século XXI. Desde terça-feira, o Canadá está jorrando felicidade — pelo menos a expressiva maioria dos canadenses que elegeram Justin Trudeau está.

O triunfo do Partido Liberal, de centro-esquerda, foi acachapante: saltou de 36 para 184 cadeiras num Parlamento de 338 membros. Tem, portanto, folgada maioria para inovar na forma de combater os problemas mais críticos da atualidade. O Canadá quer voltar a sonhar ser um país cool como nos anos 1970 e 80, quando era governado pelo líder ocidental mais instigante e fora da curva: Pierre Elliot Trudeau, pai do vencedor desta semana.

Trudeau sênior foi um dentuço cheio de charme, bem-nascido e enorme bagagem intelectual que chegou ao poder já quase cinquentão e solteiro. Acostumou seus pares a levá-lo a sério, apesar de despachar usando tênis e jaquetas esporte. No terceiro ano do primeiro mandato (1968-1979), casou-se com a jovem Margaret, de 22 anos e olhos cor de água-marinha, irrequieta filha de um ex-ministro. Com ela, formou o primeiro casal no poder inserido na contracultura dos anos 60. John Lennon apostava em Trudeau para dar “chance à paz”, e Yoko o aprovava pelo carisma. O casamento se desfez quando Margaret foi fotografada no mítico Studio 54 de Nova York enquanto o marido governava o Canadá.

É inesgotável o baú de histórias que compõem perfil pessoal da família. Mas se o nome Trudeau continua a ser cultuado até hoje é porque Pierre foi um líder transformador que conclamou a nação a se definir. Como ministro da Justiça, liberalizou as leis do divórcio e modernizou o Código Criminal. Como primeiro-ministro, legou ao Canadá uma avançada Carta dos Direitos e das Liberdades. Pierre Trudeau tinha visão, convicções e pulso forte. Implodiu um violento movimento separatista no Quebec e entregou ao sucessor um país consciente do quanto a diversidade e o multiculturalismo são centrais para a unidade nacional.

Até uma década e meia atrás, nada indicava que outro Trudeau se apresentaria querendo fazer política. Até porque, ao contrário dos Estados Unidos, o Canadá jamais foi terreno fértil para o surgimento de dinastias políticas.

Foi na morte do pai em 2000 que Justin Trudeau se descobriu orador; e o país inteiro, que estava sintonizado na transmissão do enterro, pôde ver o filho com olhos novos. Enquanto Jimmy Carter, Fidel Castro e Leonard Cohen, o poeta e trovador canadense da voz cavernosa, tiveram direito a uma alça do caixão, espelhando a biografia eclética do morto, coube ao primogênito, então com 28 anos, fazer o discurso de despedida. E Justin arrasou.

Formando em Educação, à época ele dava aulas de Francês e Matemática em dois colégios da Costa Leste e não considerava a carreira pública. Passara a infância e a adolescência sob holofotes constantes, uma vez que a trudeaumania vigente se aplicava à família inteira. Nunca chegou a sumir do foco nacional, mas tampouco era visto como herdeiro político do pai. Era um eterno “famoso”.

Justin Trudeau não teve pressa. Esperou constituir família — tem três filhos com uma charmosa apresentadora de televisão — antes de testar a política partidária. Depois, elegeu-se deputado duas vezes, tornou-se líder do Partido Liberal e agora, aos 43 anos, tem um país do tamanho e peso do Canadá para governar.

Seu primeiro telefonema como chefe de governo, dado menos de 24 horas após assumir o cargo, foi para Barack Obama, na Casa Branca. Informou o presidente americano que o Canadá deixará de participar da coalizão militar contra o Estado Islâmico, liderada pelos Estados Unidos. Os seis aviões de combate canadenses atualmente envolvidos em bombardeios a alvos jihadistas serão repatriados. Em troca, oferece ajuda humanitária e treinamento militar.

Também estaria inclinado a cancelar uma polêmica compra bilionária de 65 caças F-35A da Lockheed Matin, por considerar o gasto obsceno.

Sua lista de promessas de campanha a cumprir também inclui a liberação imediata da maconha, uma profunda reforma do sistema judiciário, o engajamento radical do país no combate às mudanças climáticas e o retorno do Canadá a seu perfil multicultural. “Diversidade é o que somos e o que fazemos. O desenvolvimento de sociedades em que culturas diferentes possam construir algo em comum é um dos problemas globais mais urgentes e difíceis”, acredita Trudeau. As legiões de refugiados errantes que vêm sendo enxotadas de fronteira em fronteira no continente europeu concordariam se pudessem ouvi-lo.

Mas é a promessa de combater o vilão da galopante desigualdade mundial entre ricos e pobres que definirá, em última instância, a que tipo de verbete Justin Trudeau terá direito quando sair do governo. Convencido de que a cartilha da austeridade ortodoxa não tira ninguém do buraco, ele promete trocar a receita: aumentar impostos para os mais ricos, baixar os da classe média, dobrar os investimentos em infraestrutura e não se desesperar com déficit público.

“De repente”, escreveu a revista “New Yorker”, “a política no Canadá parece bem mais sexy do que a nossa”. Pode ser.

Estado esmaga sociedade, e não apenas pelo custo - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 25/10


Por trás dos números há o apadrinhamento político e ideológico



Gráfico com a evolução das despesas do Executivo com pessoal - Editoria de Arte


O Brasil sempre aparece mal colocado em rankings que avaliam a capacidade de países abrigarem empresas, estimularem seu crescimento e o empreendedorismo em geral. No mais conhecido deles, o “Doing Business”, do Banco Mundial, o ambiente de negócios do país estava, na última versão do relatório, apenas em 120º lugar. Uma discrepância diante do tamanho da economia brasileira, uma das dez maiores do mundo. Esses levantamentos, feitos junto a empresários e executivos, avaliam diversos aspectos que afetam a vida das empresas e de suas populações, como carga tributária, qualidade das instituições etc. E um dos problemas que mais pesam negativamente para o Brasil é a espessa burocracia que inferniza a vida de pessoas físicas e jurídicas. No caso das empresas, ela aflige acionistas e administradores não apenas com o pagamento de inúmeros impostos, taxas e similares, mas com o enorme trabalho que é manejar guias de recolhimento, mantê-las em dia e devidamente arquivadas, até porque sempre o ônus da prova cabe ao contribuinte.


Número de servidores com cargos comissionados cresceu 30% em 13 anos - Editoria de arte



Um dado ilustrativo: segundo o “Doing Business”, empresas de São Paulo consomem, em média, 2.600 horas por ano para recolher impostos, contra apenas 365 horas na América Latina como um todo. Dados como este não surgem por acaso. Há por trás de cada via-crúcis burocrática um enorme aparato estatal, de tempos em tempos cevado com mais verbas bilionárias, mais cargos. E nisso os últimos 12 anos de hegemonia do PT em Brasília foram pródigos.

Basta consultar os gráficos nesta página para constatar-se o avanço do contingente de servidores no Executivo federal. Até 2013, eram 1.952 mil, ou 13,3% mais que os 1.722 mil servidores lotados na máquina do Executivo, em 2002, último ano de FH no Planalto, incluindo os aposentados.

Os sinais do inchaço da máquina com Lula e Dilma, a partir de 2003, são mais visíveis na distribuição de cargos ditos de confiança. Eles eram aproximadamente 66 mil em 2002 e chegaram a 100.313 em julho deste ano, um crescimento robusto de 52%.

Por trás dos números há o apadrinhamento político e ideológico. É um termômetro fiel do aparelhamento, mesmo com servidores concursados, pois não se pode achar que inexistam militantes petistas entre eles, e que estes não tenham prioridade no recebimento de “adicionais por cargo”.

Não falta espaço na máquina burocrática. Só esses cargos, designados por indecifráveis siglas, são 41. Entre eles, o mais ambicionado é o DAS (Direção e Assessoramento Superior), o destaque nesta sopa de letras. Mas também é possível, se bem apadrinhado, a pessoa acumular adicionais até chegar a, por exemplo, R$ 152.220,97, caso da remuneração total de um funcionário da estatal Eletronorte, mostrado em reportagem do GLOBO.

Os defensores do mastodôntico Estado brasileiro costumam argumentar que a folha dos servidores se mantém estável no nível de 4% do PIB. Mas a questão, aqui, é menos este número isolado e mais analisá-lo “por dentro”, saber se os servidores estão alocados da melhor forma para atender a população, se os salários pagos são compatíveis com a produtividade do funcionário. Ou se a máquina se move por si mesma, impulsionada pela lógica da burocracia, por seus interesses específicos e de aliados políticos de ocasião. Um milhão de funcionários ativos do Executivo receberão este ano mais de R$ 100 bilhões, ou três Bolsas Família, um aumento real (acima da inflação) superior a 55%, desde 2002. Além de tudo, este monstruoso aparato gera mais burocracia. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento, a máquina produz 520 novos regulamentos por dia.

E tudo somado, o Estado consome 40% do PIB, e ainda precisa pedir dinheiro emprestado. É muito, principalmente quando se avaliam estes índices e cifras por meio da qualidade dos serviços prestados à população. Uma exorbitância, também se analisarmos pela ótica de quem padece com a burocracia pública.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

VENEZUELA: GOVERNO AGORA ‘ARMA’ CONTRA TOFFOLI
Subserviente à diplomacia paralela do aspone Marco Aurélio Top-Top Garcia, a cúpula do Itamaraty deu instruções à embaixada do Brasil em Caracas para fazer gestões junto ao governo local, a fim de ajudar a produzir uma mentira: negar que o regime de Nicolás Maduro tenha vetado o ministro aposentado Nelson Jobim para presidir a missão de observadores das eleições parlamentares naquele país, em dezembro.

NOVO ADVERSÁRIO
O objetivo do Planalto é desmentir Dias Toffoli, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que desistiu de indicar observador brasileiro.

MISSÃO CONTROLADA
Toffoli não acha confiável a missão de observadores de uma “Unale”, entidade simpática ao chavismo, e decidiu não enviar observador.

MISSÃO INDEPENDENTE
Para Toffoli, a missão de observadores da eleição venezuelana seria confiável se chefiada por Nelson Jobim, imune às pressões de Maduro.

TUDO DOMINADO
Ligado à semi-ditadura da Venezuela, o presidente da Unasul, Ernesto Samper, substituiu Jobim pelo ex-terrorista montonero Jorge Taiana.

SILÊNCIO DE MARINA FAZ DO REDE PUXADINHO DO PT
O silêncio da ex-senadora Marina Silva, dona do recém-criado Rede, avaliza as barbeiragens da presidente Dilma. Com uma bancada de deputados formada por integrantes da base de apoio ao governo, incluindo quatro ex-petistas, o Rede acionou o Conselho de Ética contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, mas só se posicionará sobre “pedaladas” e impeachment após “análise rigorosa dos fatos”.

INFILTRAÇÃO
Políticos experientes suspeitam que a adesão de vários parlamentares governistas ao Rede foi produto de articulação do Palácio do Planalto.

DNA
Agora estão no Rede o ex-petista e dilmista Alessandro Molon (RJ) e Eliziane Gama (MA), ex-PT e ex-PPS.

VIVA DILMA
Miro Teixeira, ex-PMDB/PT/PDT/PPS/Pros e agora no Rede, até se irritou na TV numa discussão sobre impeachment. Ele é contra.

NATAL SEM DILMA
A oposição tenta viabilizar o impeachment de Dilma, após o Supremo Tribunal Federal suspender o rito fixado por Eduardo Cunha. A ideia é repetir as manifestações de rua. Os protestos do próximo dia 15, sob o lema “Natal sem Dilma e sem Cunha” prometem ser movimentados.

TUDO NOVIDADE
O orçamento com déficit bilionário deixou deputados perdidos e forçou contratação de professor de orçamento público, para ensinar a subtrair e dividir a quem só faz conta de somar e multiplicar gastos e privilégios.

BOCA PARA FORA
O Planalto aposta na pressão dos governadores e agora dos prefeitos para aprovar a CPMF. Mas deputados governistas acham que nenhum deles vai defender a proposta às vésperas das eleições municipais.

A CRUZ E A ESPADA
De Vanderlei Macris (PSDB-SP) sobre o dilema de Eduardo Cunha: “Se ele vai para o lado do impeachment, o governo o mata. Se fechar com o governo, a oposição o abandona”.

EFEITO PT
Político cordial e decente, o deputado Paulão (PT-AL) sofre o desgaste da gatunagem revelada nos governos da era petista. Ele é o campeão da rejeição (28,4%), em eventual disputa pela prefeitura de Maceió.

SEGUNDO TEMPO
O deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) acredita que Eduardo Cunha encerrou a semana fortalecido, “zerando o jogo”. Porque o impeachment de Dilma depende exclusivamente do peemedebista.

EM CIMA DO MURO
A bancada do PSDB na Câmara tem sido acusada de fazer corpo mole em relação ao impeachment. Os tucanos insuflam os demais partidos de oposição, mas não querem assumir a autoria do impeachment.

TÁBUA DA SALVAÇÃO
O Palácio do Planalto aposta no projeto de repatriação de recursos para superar a crise financeira. A Receita Federal estima que R$ 150 bilhões voltarão para o Brasil, o que pode trazer alívio ao governo.

PENSANDO BEM...
... enquanto o México foi avisado e se preparou para o furacão Patrícia, o Brasil sofre há meses com os devastadores furacões Dilma e Cunha.