Folha de SP - 25/10
O presidente do Ipea, Jessé de Souza, em entrevista ao "Valor" na terça feira passada, afirmou: "Se pensarmos a história do Brasil no século 20, temos o uso do Estado e de seus recursos para beneficiar a maioria da população brasileira, especialmente as classes populares e trabalhadoras, antes de tudo com Getúlio Vargas e 60 anos depois com Lula. (...) o golpe [militar] efetuou um corte muito óbvio nesse tipo de preocupação, e o Brasil que passa a ser construído depois do golpe é o Brasil para 20%".
É mito que o gasto social tenha crescido no período Vargas e sido reduzido na ditadura militar. Há crescimento suave e contínuo desde a República Velha até o fim do regime militar, forte crescimento após a redemocratização, um salto em FHC e outro maior com Lula.
Por exemplo, o gasto público com o ensino fundamental entre 1932 e 1964 foi constante, na casa de 0,8% do PIB. De 1964 até 1970, subiu para 1,5% do PIB e atingiu 1,7% em 1984. Com a redemocratização, há um salto no gasto público com o fundamental para 2,5% do PIB em 1986, nível em que permaneceu até 2004.
O mesmo ocorre com a taxa bruta de matrícula. No final do Império, as taxas de matrícula no fundamental eram da ordem de 7%. Cresceram ao longo da República Velha para 27%. De 1933 até 1984, cresceram lentamente, até atingir 104% em 1984 (a taxa bruta pode ser maior que 100% em razão de alunos que cursam o ciclo fora da idade correta).
Para o ensino médio, a melhora substantiva ocorreu logo em seguida ao golpe militar, quando as taxas cresceram de 7% para 32% em 1977. O segundo salto do ensino médio foi de 1994 até 2003, quando cresceu de 40% para 80%.
Nos anos 1950, as taxas brutas de matrícula no fundamental eram da ordem de 55% e o gasto público total com educação, da ordem de 1,5% do PIB. O gasto público por aluno no fundamental era de 10% do PIB per capita; no ensino médio, era de 100% do PIB per capita, e, no superior, de 1.000% do PIB per capita.
A escola pública dos anos 1950 expulsava os filhos dos pobres ainda no fundamental, em razão das elevadíssimas taxas de reprovação, e em seguida gastava com os filhos dos ricos dez vezes mais no médio e cem vezes mais no superior.
Minha colega do Ibre Juliana Cunha construiu série do gasto total com Previdência desde 1920. Não há nenhuma descontinuidade perceptível na série até a redemocratização, quando há forte aceleração. É conhecido que o grande salto no gasto social foi a universalização da saúde com o SUS e a criação da assistência social não contributiva aos idosos, ambos após a redemocratização.
No governo FHC, o gasto social cresceu 0,17 ponto percentual do PIB por ano, e, no período petista, até agora e em razão da bonança econômica, o crescimento foi de 0,29 ponto percentual.
Assim, o que diferencia FHC do PT no governo não é o crescimento do gasto social, mas sim o excesso de intervencionismo estatal no petismo, para estimular o desenvolvimento econômico. É a mesma diferença que há entre a República Velha e o período do nacional-desenvolvimentismo.
Aprendemos nos últimos anos que gasto social e intervencionismo estatal não cabem ambos no Orçamento do Estado brasileiro. Márcio Holland, secretário de Política Econômica do ministro Mantega no governo Dilma 1, reconhece em artigo nesta Folha na quinta-feira passada que a crise atual não tem causas externas nem resulta do ajuste fiscal do ministro Levy. Antes tarde do que nunca.
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