FOLHA DE SP - 15/01
A velha história do cobertor curto não pode dar conta do que vai acontecer com os gastos do governo neste ano. Talvez seja otimista demais ficar na dúvida entre cobrir os pés ou a cabeça. O cobertor deve ficar mais puído, deve diminuir de novo.
Não é lá grande novidade que a arrecadação federal de impostos deve cair outra vez em 2016. Surpresa seria ver o governo fazer a poupança mínima que prometeu e não dar outro talho brutal nos seus investimentos "em obras".
Evitar outro corte nos investimentos deve ser prioridade para um governo que quer estancar a recessão. No entanto, pelo andar da carruagem, será possível investir tanto quanto em 2015, que já foi pouco, apenas com mais cortes em saúde e educação. Ou com mais deficit.
Ao fim das contas de 2015, o gasto com investimento deverá ter caído quase 40% em relação a 2014. Em relação ao tamanho da economia, os gastos "obras" devem cair de 1,36% do PIB, em 2014, para 0,9% do PIB. Como fatia da despesa do governo, de 7,5% para 4,9% do total.
Trata-se dos níveis mais baixos em nove anos.
No papel, no Orçamento para 2016, a despesa com investimento deve cair uns 7%. Essa estimativa foi feita com base na ideia oficial de que a recessão não vai diminuir ainda mais a receita de impostos; de que vão entrar dinheiros tais como o da CPMF, que talvez seja votada lá por meados do ano.
Na previsão oficial, ainda sobraria dinheiro equivalente a 0,5% do PIB, a meta de superavit primário para este ano (isto é, a diferença entre receita e despesa, afora aquela com juros da dívida pública).
Chutes bem informados de economistas do setor privado projetam um deficit primário de pelo menos 1% do PIB, o terceiro ano seguido de contas do governo no vermelho fogo.
Parece uma previsão mais condizente com o espírito da nova equipe econômica, que não quer sacrificar muito mais investimento em troca de décimos de superavit fiscal, de uma equipe econômica que tem dito com insistência que quer estabilizar o crescimento. Acredite-se ou não nessas ideias, é o que os novos ministros da economia têm dito.
Não se corta mais investimento, pois. Não se mexe mais com as despesas de saúde e de educação, que já estão quase no limite inferior obrigatório. Muito bem. Qual será então o efeito de mais um deficit primário? Como vai reagir, por exemplo, o Banco Central?
Há um zum-zum a respeito da decisão do BC na semana que vem, se vai aumentar ou não a taxa básica de juros, a Selic. Pelos compromissos em tese assumidos pelo menos na segunda metade de 2015, o BC deveria aumentar a taxa de juros. De resto, o BC tem dito que o gasto excessivo do governo tem prejudicado o controle da inflação.
No entanto, mesmo economistas ditos "liberais" de peso acreditam que uma alta extra não faria efeito ou seria francamente daninha (não vai bulir com a inflação, vai elevar ainda mais a despesa com juros).
É bem possível. Mas então podemos ficar na situação muito interessante de o BC não elevar a taxa de juros, as expectativas de inflação continuarem em alta, de o governo continuar a ter deficit e de não haver nenhuma reforma maior que aponte mudança no médio prazo.
Como vai ser o nome dessa política econômica?
sexta-feira, janeiro 15, 2016
O mistério Lula-Collor - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 15/01
Precisa-se criar, urgentemente, uma comissão multidisciplinar, com policiais, procuradores, advogados, cientistas políticos, economistas, matemáticos, gestores públicos e, claro, psiquiatras, para a sociedade brasileira tentar entender a incrível relação entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello.
Em 28 de junho, perguntou-se exatamente neste espaço por que raios a UTC teria doado R$ 20 milhões para Collor, duas décadas depois do impeachment. Afora o detalhe de que foi mais ainda que R$ 20 milhões, a nova pergunta é por que diabos Lula teria dado de presente para Collor uma estatal preciosa como a BR Distribuidora. Nem Freud explica.
Collor é de Alagoas, Estado pequeno com apenas nove dos 513 deputados federais, e é do PTB, partido que é o oitavo da Câmara, tinha 18 deputados em 2014 e elegeu 25. Detalhe: nenhum dos eleitos por Alagoas é do partido. Então, fica difícil compreender, com base na política e na aritmética, o que Lula tanto pretendia lucrar ao entregar a BR para Collor. Certamente, não eram votos no Congresso, ou só votos no Congresso.
Lula dirá que não sabe, não viu, não ouviu falar, não deu coisa nenhuma e, aliás, quem é mesmo esse tal de Collor? Como já disse que nunca teve nenhuma relação com o diretor de Finanças e Serviços da BR Nestor Cerveró, hoje delator da Lava Jato. Mas, se Collor não tinha nada com a BR, por que e para que ele recebeu o diretor de Finanças da empresa no aconchego da Casa da Dinda? E por orientação de quem?
Juntando as pontas: o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, escreveu numa denúncia formal ao Supremo Tribunal Federal que Lula entregou a BR para Collor e loteou a subsidiária da Petrobrás em troca de apoio político. E, em delação, Cerveró disse que Lula lhe deu de presente uma diretoria (justamente de Finanças, não custa repetir...) como recompensa por sua atuação junto ao banco Schahin para desviar uma graninha para o PT.
Há, portanto, algum motivo para o presente de Lula para Cerveró, mas nada explica, à luz do dia e da lógica, que ele tenha jogado a subsidiária da Petrobrás no colo de Collor (sem trocadilho, por favor). É um mistério.
As histórias do sindicalista Lula e do “playboy” Collor cruzam em 1989, na primeira eleição direta para presidente da República após a ditadura militar. Collor não teve o menor prurido nem ao jogar na TV a história de uma ex-namorada e de uma filha de Lula. Foi um golpe baixo ao quadrado: além de não se falar da filha dos outros em vão, o próprio Collor tinha um filho em situação semelhante à de Lurian.
Collor eleito, Lula foi à forra com unhas, dentes e as feras do PT. Em aliança com policiais, procuradores e jornalistas, ele, José Dirceu, Aloizio Mercadante e os Waldomiros Diniz da liderança petista na Câmara foram expondo os Fiat Elba, as cascatas da Casa da Dinda e os dossiês do PC Farias que geraram os caras-pintadas e enterraram o mandato de Collor.
Zero a zero? Passados os oito anos de inelegibilidade, eis que Collor não apenas volta das profundezas do ocaso como é recebido com pompa e circunstância pelo adversário cruento. Abraçado a ele, Lula reduziu os embates anteriores a mera guerrinha política, previu que Collor faria um mandato “extraordinário” no Senado e meteu o ex-presidente no Aerolula. Agora, o procurador-geral informa que o meteu também na BR Distribuidora.
Dorival Caymmi escreveu e Carmen Miranda imortalizou uma pergunta que atravessa o País há décadas: “O que que a baiana tem?” E ensinou: “Ai, quem não tem balangandãs não vai no Bonfim/ Oi, quem não tem balangandãs não vai no Bonfim”. Hoje, a pergunta é outra: o que que o Collor tem? Deve ter muito rosário de ouro, uma bolota assim e põe balangandãs nisso! Não foi por Alagoas e pelo PTB que ele chegou no Bonfim. Muito menos na BR Distribuidora.
Precisa-se criar, urgentemente, uma comissão multidisciplinar, com policiais, procuradores, advogados, cientistas políticos, economistas, matemáticos, gestores públicos e, claro, psiquiatras, para a sociedade brasileira tentar entender a incrível relação entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello.
Em 28 de junho, perguntou-se exatamente neste espaço por que raios a UTC teria doado R$ 20 milhões para Collor, duas décadas depois do impeachment. Afora o detalhe de que foi mais ainda que R$ 20 milhões, a nova pergunta é por que diabos Lula teria dado de presente para Collor uma estatal preciosa como a BR Distribuidora. Nem Freud explica.
Collor é de Alagoas, Estado pequeno com apenas nove dos 513 deputados federais, e é do PTB, partido que é o oitavo da Câmara, tinha 18 deputados em 2014 e elegeu 25. Detalhe: nenhum dos eleitos por Alagoas é do partido. Então, fica difícil compreender, com base na política e na aritmética, o que Lula tanto pretendia lucrar ao entregar a BR para Collor. Certamente, não eram votos no Congresso, ou só votos no Congresso.
Lula dirá que não sabe, não viu, não ouviu falar, não deu coisa nenhuma e, aliás, quem é mesmo esse tal de Collor? Como já disse que nunca teve nenhuma relação com o diretor de Finanças e Serviços da BR Nestor Cerveró, hoje delator da Lava Jato. Mas, se Collor não tinha nada com a BR, por que e para que ele recebeu o diretor de Finanças da empresa no aconchego da Casa da Dinda? E por orientação de quem?
Juntando as pontas: o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, escreveu numa denúncia formal ao Supremo Tribunal Federal que Lula entregou a BR para Collor e loteou a subsidiária da Petrobrás em troca de apoio político. E, em delação, Cerveró disse que Lula lhe deu de presente uma diretoria (justamente de Finanças, não custa repetir...) como recompensa por sua atuação junto ao banco Schahin para desviar uma graninha para o PT.
Há, portanto, algum motivo para o presente de Lula para Cerveró, mas nada explica, à luz do dia e da lógica, que ele tenha jogado a subsidiária da Petrobrás no colo de Collor (sem trocadilho, por favor). É um mistério.
As histórias do sindicalista Lula e do “playboy” Collor cruzam em 1989, na primeira eleição direta para presidente da República após a ditadura militar. Collor não teve o menor prurido nem ao jogar na TV a história de uma ex-namorada e de uma filha de Lula. Foi um golpe baixo ao quadrado: além de não se falar da filha dos outros em vão, o próprio Collor tinha um filho em situação semelhante à de Lurian.
Collor eleito, Lula foi à forra com unhas, dentes e as feras do PT. Em aliança com policiais, procuradores e jornalistas, ele, José Dirceu, Aloizio Mercadante e os Waldomiros Diniz da liderança petista na Câmara foram expondo os Fiat Elba, as cascatas da Casa da Dinda e os dossiês do PC Farias que geraram os caras-pintadas e enterraram o mandato de Collor.
Zero a zero? Passados os oito anos de inelegibilidade, eis que Collor não apenas volta das profundezas do ocaso como é recebido com pompa e circunstância pelo adversário cruento. Abraçado a ele, Lula reduziu os embates anteriores a mera guerrinha política, previu que Collor faria um mandato “extraordinário” no Senado e meteu o ex-presidente no Aerolula. Agora, o procurador-geral informa que o meteu também na BR Distribuidora.
Dorival Caymmi escreveu e Carmen Miranda imortalizou uma pergunta que atravessa o País há décadas: “O que que a baiana tem?” E ensinou: “Ai, quem não tem balangandãs não vai no Bonfim/ Oi, quem não tem balangandãs não vai no Bonfim”. Hoje, a pergunta é outra: o que que o Collor tem? Deve ter muito rosário de ouro, uma bolota assim e põe balangandãs nisso! Não foi por Alagoas e pelo PTB que ele chegou no Bonfim. Muito menos na BR Distribuidora.
Das Cinzas ao carnaval - FERNANDO GABEIRA
O Estado de S. Paulo - 15/01
A Operação Lava Jato começou o ano desatando fios de várias meadas. Um deles, as mensagens telefônicas do ex-diretor da OAS Léo Pinheiro. No vácuo político do recesso, a única variável com poder de alterar o quadro é o curso da Lava Jato e de outras operações da Polícia Federal.
As mensagens de Léo Pinheiro comprometem o ministro Jaques Wagner em alguns pontos. Um deles, sua interferência num fundo de pensão, a pedido da OAS. Negócio de R$ 200 milhões. Mais ou menos no mesmo período vazou trecho da delação de Nestor Cerveró também comprometendo Wagner. Desta vez na construção de um prédio destinado a abrigar a direção financeira da Petrobrás.
Cruzo os dados não para demonstrar culpa de Wagner. Mas para reafirmar que a Lava Jato é uma espécie de termômetro que permite vislumbrar ao menos algumas nesgas do futuro. No caso de Lula não poder disputar em 2018, Wagner era uma espécie de plano B. Há pedras no caminho.
As mensagens de Léo Pinheiro expuseram ainda mais o superexposto Eduardo Cunha. Trabalhavam intimamente, Cunha era um lobista da OAS. Eram tão próximos que combinavam doações que seriam feitas por empresa adversária, a Odebrecht. Na intimidade do diálogo com Léo Pinheiro, Cunha chamava a Odebrecht de “os alemães”, expressão usada nos morros do Rio para designar os rivais de outra área.
Eduardo Cunha já está enredado até a medula. E na troca de mensagens com o diretor da OAS ainda expôs outros políticos do PMDB e até a campanha de Temer para vice. Sinal de alerta para o futuro do partido. Lobão já teve seu sigilo bancário quebrado. Até que ponto é possível prever o futuro do PMDB antes do fim da Lava Jato?
O PSDB também aparece em delações premiadas. A primeira denúncia foi de Paulo Roberto Costa: teria pago R$ 10 milhões a Sérgio Guerra, então presidente do partido, para tornar inviável uma CPI da Petrobrás. Novos vazamentos da delação de Nestor Cerveró revelam que ele denunciou uma propina de US$ 100 milhões no período de Fernando Henrique Cardoso, paga por um negócio feito na Argentina, a venda da petrolífera Pérez Companc.
Tanto Sérgio Guerra como o ex-presidente da Petrobrás Francisco Gross já morreram. Mas isso não impede a investigação dos fatos, no momento muito vagos ainda. Mas se a Operação Lava Jato tiver a mesma duração de quatro anos da italiana Mãos Limpas, terá condições de iluminar ao máximo o período, para a nova fase da democracia brasileira começar a cumprir as promessas que vêm lá da luta pelas diretas.
O PT reclama de vazamentos seletivos. Tem vazado geral, para todos os lados. Parte do PP está atrás das grades. O problema do PT, além do volume, é o amplo domínio da máquina, a corrupção como forma de governo. Não bastasse Pasadena, surgiu agora Moamba-Major.
Esse é o nome de uma barragem em Moçambique, feita pela Andrade Gutierrez. Os africanos precisavam abrir uma conta no exterior, o governo brasileiro decidiu suspender essa condição para facilitar um empréstimo do BNDES de US$ 320 milhões. O banco afirma que foi uma operação normal e não viu risco no empréstimo. A resposta desse e de outros enigmas está na própria Lava Jato, pois deve começar logo a delação premiada da Andrade Gutierrez.
Como a agenda da Lava Jato domina os futuros passos políticos, o começo do ano novo é só um prolongamento do velho. Outra variável de peso que vem de 2015, a economia se degrada e o governo ainda me parece perdido. Ao mesmo tempo que lança metas inalcançáveis para melhorar suas contas, como CPMF e reforma da Previdência, orienta os bancos oficiais a facilitar o crédito.
Volta e meia se fala nas reservas nacionais, em detoná-las para criar um impulso na economia. O Brasil tem muito dinheiro, vamos gastá-lo. Mas o Brasil tem dívidas. Contando direitinho, ativos e dívidas, sobra menos do que parece. Além de ser pouco para o que pretendem, vai nos deixar totalmente na lona. Jaques Wagner disse que o governo não tem nenhum coelho na cartola para superar a crise econômica. A impressão é de que, se o tivesse, teria tirado. O enfoque da magia não foi rejeitado. Só acabaram os truques.
As variáveis Lava Jato e crise econômica não conseguem fechar o quadro. Mas influenciam uma terceira que, em combinação com elas, pode resultar na mudança.
Apesar de manifestações aqui e ali, a sociedade ainda não se pôs em movimento este ano. Até que ponto se vai manter distante? Não é uma passividade qualquer: cada vez recebe mais dados negativos sobre o País e seus governantes. É uma passividade informada. Ao menos tem os dados para avaliar, sabiamente, a hora de passar de um estado para outro, a hora de agir.
Dizem que o ano no Brasil só começa depois do carnaval. Mas o fluxo de dados não para. Ele transborda no carnaval em marchinhas, máscaras, fantasias e passa ele mesmo a ser um dado na própria análise da crise. Mesmo porque até o carnaval muita gente pode sambar.
A História não tira férias de verão. Já temos uma espécie big data dos escândalos, enriquecido diariamente com revelações, cruzamentos, checagens.
Sabemos que as chances de Eduardo Cunha ter feito fortuna no mercado são menores do que ganhar a Mega-Sena. As chances de os negócios de Cunha terem rendido o que declarou é de 1 em 257 setilhões; as de ganhar a Mega-Sena, 1 em 50 milhões. É o que diz um documento do inquérito. Não era preciso fazer tanta conta.
Melhor é apressar o passo. Num certo nível, o Brasil ganha credibilidade internacional com a Lava Jato: as investigações são independentes e nos põem no limiar da maturidade democrática. Em outro, as hesitações e fantasias diante da crise econômica agravam o quadro e solapam tal credibilidade.
Na Quaresma voltam os políticos. Mais uma variável da equação. Que instinto os moverá nessa volta, o de sobrevivência? Continuarão dançando na beira do abismo? Nessa hora o carnaval já terá passado. É 2016.
A Operação Lava Jato começou o ano desatando fios de várias meadas. Um deles, as mensagens telefônicas do ex-diretor da OAS Léo Pinheiro. No vácuo político do recesso, a única variável com poder de alterar o quadro é o curso da Lava Jato e de outras operações da Polícia Federal.
As mensagens de Léo Pinheiro comprometem o ministro Jaques Wagner em alguns pontos. Um deles, sua interferência num fundo de pensão, a pedido da OAS. Negócio de R$ 200 milhões. Mais ou menos no mesmo período vazou trecho da delação de Nestor Cerveró também comprometendo Wagner. Desta vez na construção de um prédio destinado a abrigar a direção financeira da Petrobrás.
Cruzo os dados não para demonstrar culpa de Wagner. Mas para reafirmar que a Lava Jato é uma espécie de termômetro que permite vislumbrar ao menos algumas nesgas do futuro. No caso de Lula não poder disputar em 2018, Wagner era uma espécie de plano B. Há pedras no caminho.
As mensagens de Léo Pinheiro expuseram ainda mais o superexposto Eduardo Cunha. Trabalhavam intimamente, Cunha era um lobista da OAS. Eram tão próximos que combinavam doações que seriam feitas por empresa adversária, a Odebrecht. Na intimidade do diálogo com Léo Pinheiro, Cunha chamava a Odebrecht de “os alemães”, expressão usada nos morros do Rio para designar os rivais de outra área.
Eduardo Cunha já está enredado até a medula. E na troca de mensagens com o diretor da OAS ainda expôs outros políticos do PMDB e até a campanha de Temer para vice. Sinal de alerta para o futuro do partido. Lobão já teve seu sigilo bancário quebrado. Até que ponto é possível prever o futuro do PMDB antes do fim da Lava Jato?
O PSDB também aparece em delações premiadas. A primeira denúncia foi de Paulo Roberto Costa: teria pago R$ 10 milhões a Sérgio Guerra, então presidente do partido, para tornar inviável uma CPI da Petrobrás. Novos vazamentos da delação de Nestor Cerveró revelam que ele denunciou uma propina de US$ 100 milhões no período de Fernando Henrique Cardoso, paga por um negócio feito na Argentina, a venda da petrolífera Pérez Companc.
Tanto Sérgio Guerra como o ex-presidente da Petrobrás Francisco Gross já morreram. Mas isso não impede a investigação dos fatos, no momento muito vagos ainda. Mas se a Operação Lava Jato tiver a mesma duração de quatro anos da italiana Mãos Limpas, terá condições de iluminar ao máximo o período, para a nova fase da democracia brasileira começar a cumprir as promessas que vêm lá da luta pelas diretas.
O PT reclama de vazamentos seletivos. Tem vazado geral, para todos os lados. Parte do PP está atrás das grades. O problema do PT, além do volume, é o amplo domínio da máquina, a corrupção como forma de governo. Não bastasse Pasadena, surgiu agora Moamba-Major.
Esse é o nome de uma barragem em Moçambique, feita pela Andrade Gutierrez. Os africanos precisavam abrir uma conta no exterior, o governo brasileiro decidiu suspender essa condição para facilitar um empréstimo do BNDES de US$ 320 milhões. O banco afirma que foi uma operação normal e não viu risco no empréstimo. A resposta desse e de outros enigmas está na própria Lava Jato, pois deve começar logo a delação premiada da Andrade Gutierrez.
Como a agenda da Lava Jato domina os futuros passos políticos, o começo do ano novo é só um prolongamento do velho. Outra variável de peso que vem de 2015, a economia se degrada e o governo ainda me parece perdido. Ao mesmo tempo que lança metas inalcançáveis para melhorar suas contas, como CPMF e reforma da Previdência, orienta os bancos oficiais a facilitar o crédito.
Volta e meia se fala nas reservas nacionais, em detoná-las para criar um impulso na economia. O Brasil tem muito dinheiro, vamos gastá-lo. Mas o Brasil tem dívidas. Contando direitinho, ativos e dívidas, sobra menos do que parece. Além de ser pouco para o que pretendem, vai nos deixar totalmente na lona. Jaques Wagner disse que o governo não tem nenhum coelho na cartola para superar a crise econômica. A impressão é de que, se o tivesse, teria tirado. O enfoque da magia não foi rejeitado. Só acabaram os truques.
As variáveis Lava Jato e crise econômica não conseguem fechar o quadro. Mas influenciam uma terceira que, em combinação com elas, pode resultar na mudança.
Apesar de manifestações aqui e ali, a sociedade ainda não se pôs em movimento este ano. Até que ponto se vai manter distante? Não é uma passividade qualquer: cada vez recebe mais dados negativos sobre o País e seus governantes. É uma passividade informada. Ao menos tem os dados para avaliar, sabiamente, a hora de passar de um estado para outro, a hora de agir.
Dizem que o ano no Brasil só começa depois do carnaval. Mas o fluxo de dados não para. Ele transborda no carnaval em marchinhas, máscaras, fantasias e passa ele mesmo a ser um dado na própria análise da crise. Mesmo porque até o carnaval muita gente pode sambar.
A História não tira férias de verão. Já temos uma espécie big data dos escândalos, enriquecido diariamente com revelações, cruzamentos, checagens.
Sabemos que as chances de Eduardo Cunha ter feito fortuna no mercado são menores do que ganhar a Mega-Sena. As chances de os negócios de Cunha terem rendido o que declarou é de 1 em 257 setilhões; as de ganhar a Mega-Sena, 1 em 50 milhões. É o que diz um documento do inquérito. Não era preciso fazer tanta conta.
Melhor é apressar o passo. Num certo nível, o Brasil ganha credibilidade internacional com a Lava Jato: as investigações são independentes e nos põem no limiar da maturidade democrática. Em outro, as hesitações e fantasias diante da crise econômica agravam o quadro e solapam tal credibilidade.
Na Quaresma voltam os políticos. Mais uma variável da equação. Que instinto os moverá nessa volta, o de sobrevivência? Continuarão dançando na beira do abismo? Nessa hora o carnaval já terá passado. É 2016.
A imagem do Brasil em Davos - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 15/01
O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, estará na próxima semana em Davos, nas montanhas suíças, para dizer à comunidade internacional como o governo brasileiro espera tirar o País do atoleiro e dirigi-lo para uma nova etapa de crescimento. Não se sabe se, até lá, os cidadãos brasileiros terão já recebido essas informações. Por aqui, nada muito claro foi dito sobre como iniciar a arrumação das contas públicas, conter o endividamento federal e repor em movimento a desarranjada máquina da produção. Não basta, por exemplo, anunciar um aumento de crédito mais barato pelos bancos estatais, se os empresários estiverem pouco dispostos a tomar o risco de novos investimentos e de formação de estoques. Em poucos dias, no entanto, o ministro terá de pensar em algo mais ou menos convincente para dizer a empresários industriais, investidores, autoridades do mundo rico e jornalistas durante as discussões do Fórum Econômico Mundial.
A tarefa será mais complicada do que simplesmente apresentar os atrativos do Brasil e falar sobre as oportunidades de investimento em infraestrutura e em projetos privados. Ministros e chefes de governo de países mais dinâmicos e economicamente mais saudáveis também estarão em Davos, nos próximos dias, em busca de empreendedores dispostos a oferecer capital e tecnologia. Para atrair investidores, o ministro da Fazenda e seus companheiros de viagem terão de cuidar de problemas de imagem – da economia brasileira e, principalmente, do governo. O Brasil “deixou, por enquanto, de emergir”, disse o chefe de Assuntos Geopolíticos do Fórum, Espen Eide. O avanço de outros emergentes também foi interrompido, acrescentou – essa frase, em outro contexto, até poderia ser um consolo para os brasileiros.
O caso do Brasil é obviamente mais complicado e tanto os organizadores quanto os frequentadores do Fórum, em geral bem informados sobre economia, sabem disso. O governo brasileiro deveria ter aproveitado o período de bons preços de commodities e de crescimento mais fácil para cumprir a pauta de reformas, lembrou a economista-chefe do Fórum, Jennifer Blanke. Mas a oportunidade foi perdida, acrescentou, e reformar em tempos de crise é mais difícil. Agora será preciso “retornar ao básico” e enfrentar tarefas como reduzir a burocracia, diminuir “as oportunidades de corrupção, tornar o País atraente e construir com novas ideias sua economia”.
Qualquer conversa franca sobre a experiência recente e as perspectivas do Brasil será difícil e, provavelmente, penosa. O ministro da Fazenda e seus companheiros de missão cometerão uma tolice, quase certamente, se tentarem atribuir a crise econômica brasileira a fatores externos, como a baixa dos preços das commodities. Outros latino-americanos – chefes de governo e ministros – também estarão em Davos e poderão também mencionar a redução das cotações como um problema importante. Mas faltaria explicar por que a inflação no Brasil é muito mais alta que na maior parte da vizinhança, a situação fiscal é muito mais grave e o nível de atividade, muito mais baixo.
Só dois outros sul-americanos enfrentam recessão. O Equador foi claramente afetado pela queda do preço do petróleo e pela alta do dólar, depois de anos de prosperidade. O desastre venezuelano começou há muito mais tempo e é explicável pelos erros e abusos do bolivarianismo. Em proporções muito menores, a crise brasileira também é atribuível a equívocos até grotescos da política econômica, associados a um estilo peculiar de governo e de controle do Estado. A corrupção de dimensões épicas e os danos causados à Petrobrás e a outros componentes do patrimônio público estão associados a esse estilo.
As autoridades brasileiras deverão sentir-se abençoadas, em Davos, se forem poupadas desses assuntos. Mas ninguém poderá reclamar, se os investidores pedirem explicações. Afinal, é seu interesse entender o jogo, especialmente quando o jogo é aquele narrado pela Operação Lava Jato.
O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, estará na próxima semana em Davos, nas montanhas suíças, para dizer à comunidade internacional como o governo brasileiro espera tirar o País do atoleiro e dirigi-lo para uma nova etapa de crescimento. Não se sabe se, até lá, os cidadãos brasileiros terão já recebido essas informações. Por aqui, nada muito claro foi dito sobre como iniciar a arrumação das contas públicas, conter o endividamento federal e repor em movimento a desarranjada máquina da produção. Não basta, por exemplo, anunciar um aumento de crédito mais barato pelos bancos estatais, se os empresários estiverem pouco dispostos a tomar o risco de novos investimentos e de formação de estoques. Em poucos dias, no entanto, o ministro terá de pensar em algo mais ou menos convincente para dizer a empresários industriais, investidores, autoridades do mundo rico e jornalistas durante as discussões do Fórum Econômico Mundial.
A tarefa será mais complicada do que simplesmente apresentar os atrativos do Brasil e falar sobre as oportunidades de investimento em infraestrutura e em projetos privados. Ministros e chefes de governo de países mais dinâmicos e economicamente mais saudáveis também estarão em Davos, nos próximos dias, em busca de empreendedores dispostos a oferecer capital e tecnologia. Para atrair investidores, o ministro da Fazenda e seus companheiros de viagem terão de cuidar de problemas de imagem – da economia brasileira e, principalmente, do governo. O Brasil “deixou, por enquanto, de emergir”, disse o chefe de Assuntos Geopolíticos do Fórum, Espen Eide. O avanço de outros emergentes também foi interrompido, acrescentou – essa frase, em outro contexto, até poderia ser um consolo para os brasileiros.
O caso do Brasil é obviamente mais complicado e tanto os organizadores quanto os frequentadores do Fórum, em geral bem informados sobre economia, sabem disso. O governo brasileiro deveria ter aproveitado o período de bons preços de commodities e de crescimento mais fácil para cumprir a pauta de reformas, lembrou a economista-chefe do Fórum, Jennifer Blanke. Mas a oportunidade foi perdida, acrescentou, e reformar em tempos de crise é mais difícil. Agora será preciso “retornar ao básico” e enfrentar tarefas como reduzir a burocracia, diminuir “as oportunidades de corrupção, tornar o País atraente e construir com novas ideias sua economia”.
Qualquer conversa franca sobre a experiência recente e as perspectivas do Brasil será difícil e, provavelmente, penosa. O ministro da Fazenda e seus companheiros de missão cometerão uma tolice, quase certamente, se tentarem atribuir a crise econômica brasileira a fatores externos, como a baixa dos preços das commodities. Outros latino-americanos – chefes de governo e ministros – também estarão em Davos e poderão também mencionar a redução das cotações como um problema importante. Mas faltaria explicar por que a inflação no Brasil é muito mais alta que na maior parte da vizinhança, a situação fiscal é muito mais grave e o nível de atividade, muito mais baixo.
Só dois outros sul-americanos enfrentam recessão. O Equador foi claramente afetado pela queda do preço do petróleo e pela alta do dólar, depois de anos de prosperidade. O desastre venezuelano começou há muito mais tempo e é explicável pelos erros e abusos do bolivarianismo. Em proporções muito menores, a crise brasileira também é atribuível a equívocos até grotescos da política econômica, associados a um estilo peculiar de governo e de controle do Estado. A corrupção de dimensões épicas e os danos causados à Petrobrás e a outros componentes do patrimônio público estão associados a esse estilo.
As autoridades brasileiras deverão sentir-se abençoadas, em Davos, se forem poupadas desses assuntos. Mas ninguém poderá reclamar, se os investidores pedirem explicações. Afinal, é seu interesse entender o jogo, especialmente quando o jogo é aquele narrado pela Operação Lava Jato.
Aparelhamento e fisiologismo sustentam a corrupção - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 15/01
O testemunho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, na Lava-Jato, dá ideia de como se deram barganhas entre o lulopetismo e políticos
À medida que avançam as investigações na Lava-Jato, com base nas delações premiadas, fatos se entrelaçam com histórias anteriores e surge o contorno do amplo projeto de tomada do poder no Estado e de desvio de dinheiro público para financiar a perpetuação do lulopetismo no Planalto.
O script já é conhecido, mas relatos feitos pelo ex-diretor da Petrobras e BR Distribuidora Nestor Cerveró, no acordo de contribuição com o MP e Justiça, divulgados nos últimos dias, são peças fundamentais nesse quebra-cabeça.
Esta crônica se inicia na campanha eleitoral de 2002, quando José Dirceu ainda não havia convencido Lula a se aproximar do PMDB. E assim o PT precisou costurar pulverizadas alianças com pequenas legendas. Foi quando ocorreu a emblemática reunião entre Dirceu e Valdemar da Costa Neto, deputado paulista pelo então PL, em que o apoio da legenda foi literalmente comprado pelo PT. Bem como a cessão do empresário José Alencar, filiado ao partido, para ser vice na chapa de Lula e, com isso, marcar a abertura ideológica do PT a acordos com outras forças políticas. Eram as sementes do mensalão, devido ao qual Dirceu e Costa Neto viriam a ser presos.
No mensalão, o desfalque dado no Banco do Brasil, para abastecer o propinoduto de Marcos Valério, pelo sindicalista da CUT e militante petista Henrique Pizzolato, ganha maior importância quando visto de uma perspectiva histórica. Ele mostra como sempre foi crucial, para o esquema lulopetista, aparelhar o Estado com a militância. Ter Pizzolato numa diretoria do BB não deixou de gerar dividendos.
Em 2003, aflorou o fisiologismo do PT, outra peça-chave no projeto de cooptação de partidos e grupos. O PL de Costa Neto, por exemplo, depois rebatizado de PR, recebeu em doação o Ministério dos Transportes. Neste toma lá dá cá, Costa Neto e turma tomaram conta do rico orçamento da Pasta, formalmente assumida por Alfredo Nascimento. O mesmo ocorreu com outros ministérios.
O aparelhamento emergiu também na Petrobras, com os sindicalistas e militantes José Eduardo Dutra e José Sérgio Gabrielli. Na estatal, fica evidente, nos 40 acordos de delação já firmados na Lava-Jato, a influência decisiva de políticos do PT e aliados na nomeação de técnicos da Petrobras para trabalharem pelo esquema em cargos de diretoria e alta gerência.
Cerveró testemunhou que Lula e Dilma cederam, nessas barganhas, a BR Distribuidora ao senador Fernando Collor (PTB-AL). A presidente diz que o senador não entendeu bem a conversa que tiveram. Mas ele tanto atuou em busca de propinas na BR que está sendo investigado por isso, e com o nome denunciado ao Supremo.
As informações prestadas por Cerveró são coerentes com todo um roteiro seguido para cooptar organizações ditas sociais, partidos, entidades estudantis e políticos, tudo com dinheiro público. Uma história já longa, de mais de década.
O testemunho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, na Lava-Jato, dá ideia de como se deram barganhas entre o lulopetismo e políticos
À medida que avançam as investigações na Lava-Jato, com base nas delações premiadas, fatos se entrelaçam com histórias anteriores e surge o contorno do amplo projeto de tomada do poder no Estado e de desvio de dinheiro público para financiar a perpetuação do lulopetismo no Planalto.
O script já é conhecido, mas relatos feitos pelo ex-diretor da Petrobras e BR Distribuidora Nestor Cerveró, no acordo de contribuição com o MP e Justiça, divulgados nos últimos dias, são peças fundamentais nesse quebra-cabeça.
Esta crônica se inicia na campanha eleitoral de 2002, quando José Dirceu ainda não havia convencido Lula a se aproximar do PMDB. E assim o PT precisou costurar pulverizadas alianças com pequenas legendas. Foi quando ocorreu a emblemática reunião entre Dirceu e Valdemar da Costa Neto, deputado paulista pelo então PL, em que o apoio da legenda foi literalmente comprado pelo PT. Bem como a cessão do empresário José Alencar, filiado ao partido, para ser vice na chapa de Lula e, com isso, marcar a abertura ideológica do PT a acordos com outras forças políticas. Eram as sementes do mensalão, devido ao qual Dirceu e Costa Neto viriam a ser presos.
No mensalão, o desfalque dado no Banco do Brasil, para abastecer o propinoduto de Marcos Valério, pelo sindicalista da CUT e militante petista Henrique Pizzolato, ganha maior importância quando visto de uma perspectiva histórica. Ele mostra como sempre foi crucial, para o esquema lulopetista, aparelhar o Estado com a militância. Ter Pizzolato numa diretoria do BB não deixou de gerar dividendos.
Em 2003, aflorou o fisiologismo do PT, outra peça-chave no projeto de cooptação de partidos e grupos. O PL de Costa Neto, por exemplo, depois rebatizado de PR, recebeu em doação o Ministério dos Transportes. Neste toma lá dá cá, Costa Neto e turma tomaram conta do rico orçamento da Pasta, formalmente assumida por Alfredo Nascimento. O mesmo ocorreu com outros ministérios.
O aparelhamento emergiu também na Petrobras, com os sindicalistas e militantes José Eduardo Dutra e José Sérgio Gabrielli. Na estatal, fica evidente, nos 40 acordos de delação já firmados na Lava-Jato, a influência decisiva de políticos do PT e aliados na nomeação de técnicos da Petrobras para trabalharem pelo esquema em cargos de diretoria e alta gerência.
Cerveró testemunhou que Lula e Dilma cederam, nessas barganhas, a BR Distribuidora ao senador Fernando Collor (PTB-AL). A presidente diz que o senador não entendeu bem a conversa que tiveram. Mas ele tanto atuou em busca de propinas na BR que está sendo investigado por isso, e com o nome denunciado ao Supremo.
As informações prestadas por Cerveró são coerentes com todo um roteiro seguido para cooptar organizações ditas sociais, partidos, entidades estudantis e políticos, tudo com dinheiro público. Uma história já longa, de mais de década.
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