ZERO HORA - 13/10
Estava num avião da TAM observando a comissária oferecer balas aos passageiros, como de costume, antes de a aeronave decolar. Nunca peguei uma, talvez porque a criança em mim se manifeste: 10h da manhã, antes do almoço? Seis da tarde, antes do jantar? Minha mãe vai dar a maior bronca!
Na verdade não fico muito tentada por aquelas balas. Se fosse Frumello ou Sete Belo, seria diferente.
Sempre tive tara por bala de morango, ou de frutas vermelhas, ou de qualquer coisa vermelha: cereja, framboesa e família. Eram as minhas preferidas entre as balas azedinhas. As azedinhas iam comigo ao cinema e adocicavam as noites de sábado em que ficava em casa – eram minha droga lícita (mesmo assim, as comia escondida, sendo filha de dentista). Meu sonho secreto? No aniversário, ganhar as azedinhas que vinham numa lata enorme. Preferiria ganhar a lata a pulseirinhas, porta-retratos, presentes de mocinha. Ganhei uma única vez, não lembro quando nem de quem, desconfio até que comprei.
Mas entre as balas vermelhas, prefiro até hoje aquelas vagabundas, as vira-latas das balas, embaladas em papel transparente, sem marca, sem pedigree. As que estão disponíveis onde menos se espera, em balcões de farmácia, ao lado dos caixas de lojas, ofertadas de graça.
Lembro das pastilhas de anis da marca Garoto - existem, ainda? Havia diversos sabores (canela, hortelã), mas as de anis eram as minhas eleitas no recreio do colégio. Daria tudo para voltar no tempo por causa daquelas pastilhas – e só por elas, acho.
Gostava de Mentex também, já que falamos de hortelã, porém mais ainda de uma pastilha oval que não lembro bem a marca, era também azedinha, refrescante, vinha numa caixa verde, que fim levou, quem pode me recordar o nome?
Tinha a bala gasosa, da qual nunca fui fã, redonda demais, grande demais, cheia de si. E quanto às de caramelo e doce de leite, blagh. Sempre fui refratária ao que é enjoativo. Preferia bala de banana, bem artesanal, pobrinha, humilde e doce como um pecado mortal.
Bala de coco era legal também. Ainda é. Mas desenvolvi uma resistência que não se explica. Dói na cárie que já não tenho, será isso? Ou é bala branca que não combina com bala?
Bala tem que ter cor, e nisso as balas Soft eram imbatíveis (escrevo “eram” sem saber se ainda são, já não circulo pelo corredor das tentações no supermercado, tenho um compromisso com a balança e o bom senso). Duras e eternas, as balas Soft – até mesmo as amarelas.
A jujuba me parecia a ralé das balas. Já as soberanas são as que finalizam essa crônica, minhas preferidas para sempre: as balas de goma. Meu Deus, as balas de goma. Morreria por elas. Mas não hoje, não agora, que agora sou adulta (em termos) e o que me interessa, mesmo, é permanecer magra.
domingo, outubro 13, 2013
É proibido proibir - RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA
"Eu digo não ao não. Eu digo. É proibido proibir. É proibido proibir. É proibido proibir. É proibido proibir." As repetições não são minhas. São de Caetano Veloso, em música-hino contra a censura e a ditadura, em 1968. Franzino e rebelde, ele reagia às vaias no festival gritando: "Os jovens não entendem nada. Querem matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem".
Caetano hoje é a favor - com Chico Buarque, Gilberto Gil, Erasmo Carlos, Milton Nascimento, Djavan e Roberto Carlos - de proibir biografias sem autorização prévia dos biografados ou de seus herdeiros. Essa aliança entre a Tropicália e a Jovem Guarda quer liberar só as biografias chapa-branca. Nossa "intelligentsia" musical é formada por mitos enrugados e calejados por seus atos e desatinos. São músicos brilhantes, mas péssimos legisladores.
Claro que Caetano tem o direito de mudar de campo e querer proibir. A idade mudou e, com ela, a cor dos cabelos. Aumentou o tamanho da sunga e a conta no banco. Anda com lenço e documento. Pode mudar o pensamento. Por que não? Não seria o primeiro. Quem não se lembra da admiração tardia de Gláuber Rocha por Golbery do Couto e Silva? Depois do exílio, em 1974, antes de voltar ao Brasil, Gláuber disse achar Golbery "um gênio". Pagou por isso.
Caetano só precisa sair do armário. Abraçado a Renan Calheiros e aos podres poderes do reacionarismo - hoje travestidos, na América Latina, de defensores do povo. Na Venezuela, na Argentina, no Equador, na Bolívia, o movimento é o mesmo de nossos compositores no Olimpo. A liberdade de expressão é relativa e tem de ser monitorada e pré-censurada.
Arauto da vanguarda, Caetano tem o direito de reescrever sua história. Em vez de matar o amanhã, o chefão da máfia do dendê quer matar o passado, quando for clandestino e incômodo. Ele agora diz sim ao não. As lembranças privadas, quando tornadas públicas, podem incomodar a sesta depois do vatapá.
O grupo de músicos contra biografias não autorizadas foi intitulado "Procure saber". Deve ser uma licença poética da MPB, porque significa o oposto: "Procure esconder". Ou, quem sabe: "Procure aparecer". Querem acossar nossa Constituição, favorável à liberdade de expressão, com um artigo pernicioso do Código Civil. O Artigo 20 estabelece que textos, palavras e livros poderão ser proibidos por qualquer pessoa, "a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais".
Os termos são tão subjetivos que poderiam ser usados para cortar e censurar colunas e composições de nossos músicos combativos. Muita gente já sentiu sua honra ferida pela verve da MPB e pelas polêmicas de Caetano na imprensa. Incomoda, portanto, a contradição do libertário provocador. Só ele pode dizer o que pensa sem pedir permissão?
Há outro detalhe que explica a patrulha contra Caetano. Um detalhe moreno de 1,73 metro de altura, coxas fortes e cabelos compridos. É sua ex, Paula Lavigne, que aos 13 anos começou a namorá-lo. Hoje produtora e empresária, Paula ocupa o cargo pomposo de "presidente da diretoria do grupo Procure Saber", que ela chama de "uma plataforma profissional de atuação política em defesa dos interesses da classe"...
É a mesma que arremessou um BMW blindado contra a garagem do flat onde se hospedava Caetano logo após a separação. Barrada pelos seguranças, derrubou o portão de 270 quilos. Gaba-se de ter multiplicado a fortuna de Caetano. Passou depois a produzir filmes, discos e shows. Presenteou os fãs com uma foto, em rede social, de Caetano pelado. Nu frontal.
Paula tenta ler reportagens antes da publicação, porque acha que pode. Age como imperatriz louca da Tropicália. Sua resposta, no Twitter, a uma colunista da Folha de S.Paulo, dizendo que "mulher encalhada é f...", não faz jus a seu cargo. "Tw ñ paga minhas contas", tuitou Paula, isso é "muita baixaria" (!). Ter um porta-voz como ela é suicídio para qualquer causa. Feliz é Chico que se casou com Marieta Severo, atriz com luz própria, discrição, inteligência. Quem acredita no discurso de Paula, de que a preocupação dos músicos é com os lucros do biógrafo e com o sensacionalismo? No Brasil, biógrafo nenhum fica rico com os livros.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que vetar a publicação de biografias que não tenham autorização prévia é "censura" e, por isso, "inadmissível" no estado de direito. Disse que qualquer eventual calúnia ou difamação deve ser reparada pelo Judiciário. O músico Alceu Valença concorda: "Arrisco em dizer que cercear autores seria uma equivocada tentativa de tapar, calar, esconder e camuflar a história no nosso tempo e espaço".
Em seus artigos, Caetano costuma perguntar se nós, brasileiros, perdemos nossa capacidade de indignação. Ele diz que detesta demagogia. Nós também. Detestamos demagogia, caretice e obscurantismo. Apesar de vocês, amanhã há de ser outro dia.
Caetano hoje é a favor - com Chico Buarque, Gilberto Gil, Erasmo Carlos, Milton Nascimento, Djavan e Roberto Carlos - de proibir biografias sem autorização prévia dos biografados ou de seus herdeiros. Essa aliança entre a Tropicália e a Jovem Guarda quer liberar só as biografias chapa-branca. Nossa "intelligentsia" musical é formada por mitos enrugados e calejados por seus atos e desatinos. São músicos brilhantes, mas péssimos legisladores.
Claro que Caetano tem o direito de mudar de campo e querer proibir. A idade mudou e, com ela, a cor dos cabelos. Aumentou o tamanho da sunga e a conta no banco. Anda com lenço e documento. Pode mudar o pensamento. Por que não? Não seria o primeiro. Quem não se lembra da admiração tardia de Gláuber Rocha por Golbery do Couto e Silva? Depois do exílio, em 1974, antes de voltar ao Brasil, Gláuber disse achar Golbery "um gênio". Pagou por isso.
Caetano só precisa sair do armário. Abraçado a Renan Calheiros e aos podres poderes do reacionarismo - hoje travestidos, na América Latina, de defensores do povo. Na Venezuela, na Argentina, no Equador, na Bolívia, o movimento é o mesmo de nossos compositores no Olimpo. A liberdade de expressão é relativa e tem de ser monitorada e pré-censurada.
Arauto da vanguarda, Caetano tem o direito de reescrever sua história. Em vez de matar o amanhã, o chefão da máfia do dendê quer matar o passado, quando for clandestino e incômodo. Ele agora diz sim ao não. As lembranças privadas, quando tornadas públicas, podem incomodar a sesta depois do vatapá.
O grupo de músicos contra biografias não autorizadas foi intitulado "Procure saber". Deve ser uma licença poética da MPB, porque significa o oposto: "Procure esconder". Ou, quem sabe: "Procure aparecer". Querem acossar nossa Constituição, favorável à liberdade de expressão, com um artigo pernicioso do Código Civil. O Artigo 20 estabelece que textos, palavras e livros poderão ser proibidos por qualquer pessoa, "a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais".
Os termos são tão subjetivos que poderiam ser usados para cortar e censurar colunas e composições de nossos músicos combativos. Muita gente já sentiu sua honra ferida pela verve da MPB e pelas polêmicas de Caetano na imprensa. Incomoda, portanto, a contradição do libertário provocador. Só ele pode dizer o que pensa sem pedir permissão?
Há outro detalhe que explica a patrulha contra Caetano. Um detalhe moreno de 1,73 metro de altura, coxas fortes e cabelos compridos. É sua ex, Paula Lavigne, que aos 13 anos começou a namorá-lo. Hoje produtora e empresária, Paula ocupa o cargo pomposo de "presidente da diretoria do grupo Procure Saber", que ela chama de "uma plataforma profissional de atuação política em defesa dos interesses da classe"...
É a mesma que arremessou um BMW blindado contra a garagem do flat onde se hospedava Caetano logo após a separação. Barrada pelos seguranças, derrubou o portão de 270 quilos. Gaba-se de ter multiplicado a fortuna de Caetano. Passou depois a produzir filmes, discos e shows. Presenteou os fãs com uma foto, em rede social, de Caetano pelado. Nu frontal.
Paula tenta ler reportagens antes da publicação, porque acha que pode. Age como imperatriz louca da Tropicália. Sua resposta, no Twitter, a uma colunista da Folha de S.Paulo, dizendo que "mulher encalhada é f...", não faz jus a seu cargo. "Tw ñ paga minhas contas", tuitou Paula, isso é "muita baixaria" (!). Ter um porta-voz como ela é suicídio para qualquer causa. Feliz é Chico que se casou com Marieta Severo, atriz com luz própria, discrição, inteligência. Quem acredita no discurso de Paula, de que a preocupação dos músicos é com os lucros do biógrafo e com o sensacionalismo? No Brasil, biógrafo nenhum fica rico com os livros.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que vetar a publicação de biografias que não tenham autorização prévia é "censura" e, por isso, "inadmissível" no estado de direito. Disse que qualquer eventual calúnia ou difamação deve ser reparada pelo Judiciário. O músico Alceu Valença concorda: "Arrisco em dizer que cercear autores seria uma equivocada tentativa de tapar, calar, esconder e camuflar a história no nosso tempo e espaço".
Em seus artigos, Caetano costuma perguntar se nós, brasileiros, perdemos nossa capacidade de indignação. Ele diz que detesta demagogia. Nós também. Detestamos demagogia, caretice e obscurantismo. Apesar de vocês, amanhã há de ser outro dia.
É tudo pelas minhas tias - FÁBIO PORCHAT
O Estado de S.Paulo - 13/10
Eu posso afirmar que eu tenho as melhores tias do mundo. Verdade. Eu sei que você deve ter tias ótimas, mas, como as minhas, acho difícil.
Porque geralmente a gente tem alguma tia chata, mala, feia... Mas eu não. As minhas foram escolhidas a dedo. Na casa da tia Vera, tinha um campinho de futebol e o muro dava prum terreno baldio. Tem coisa mais legal pruma criança do que isso? Passei minha infância querendo ir dormir na casa da tia Vera. Tudo bem que a noite eu era devorado por mosquitos que passavam a noite infernizando nossas orelhas, já que meu tio Tutty acreditava que os protectors faziam mal e colocava casca de limão ao invés do refil. (Desconfio até hoje de que os pernilongos adoravam o cheirinho de sauna que meu tio proporcionava pra eles.)
Tia Vera sempre reclamava das marcas de mão nas paredes brancas dela que nunca tinha sido ninguém. Claro, foram fantasmas, dizia ela. Depois que cresci, me peguei reclamando de marcas de fantasmas nas paredes da minha casa também.
Minha tia Lúcia me dava livrinhos de piada e contava várias pra mim, e, de vez em quando, com um palavrão (leve, né, Tia Lúcia?), o que uma criança de seis anos acha das coisas mais divertidas do mundo. Eu adorava contar piadas pra ela também. Com a tia Lúcia, eu sempre falei muito de livros e cinema. Ela assistiu a tudo e leu tudo. Como é que pode fazer tanta coisa e ir dormir às nove da noite? Acho que ela é a pessoa que dorme mais cedo no mundo.
Tia Maria Elisa sempre me deu chocolate de presente. Em todas as situações. E vamos combinar que ganhar chocolate é bom quando você tem seis anos, dez, quinze, vinte ou trinta. Estreia de peça, formatura do colégio... E sempre um chocolate daqueles diferentes, meio importados, que dá vontade de comer de uma vez só. (Que na verdade era um pouco o que o meu pai fazia com eles. Meu pai é o maior ladrão de chocolates do mundo. A sorte é que eu sabia onde era o esconderijo!)
Mas foi dela o presente mais surreal que uma criança poderia ganhar de natal. Eu pedi uma bola. Um garoto de dez anos pediu uma bola. Eu ganhei uma bola. De vôlei. Rosa. Da Xuxa. E murcha!!! Hahahahaha. Ela foi a primeira pessoa para que eu liguei pra pedir conselhos quando resolvi mudar pro Rio pra ser ator.
Tia Marina é minha madrinha. Não precisava nem dizer mais nada. Sempre animada e pau pra toda obra. Tem uma risada tão gostosa. Precisamos marcar o quanto antes nossa viagem que vem sendo adiada ao longo dos anos. Apreciadora da boa caipirinha de laranja caseira, é parceira e incentivadora de tudo.
Tia Flávia foi quem me recebeu no Rio de Janeiro de braços e abraços tão abertos que um moleque de 19 anos não podia se sentir mais seguro e tranquilo, mesmo longe da mãe. Ela e meu tio Júlio fizeram de tudo pra que eu pudesse seguir meu sonho. Se não fossem eles, minha trajetória profissional teria sido outra.
Todas as minhas tias foram fundamentais em todas as fases da minha vida, e são até hoje. Nunca vi tias prestigiarem tanto um sobrinho. De peça de escola a lançamento de livro, elas estão lá! Não tem sensação melhor do mundo do que estrear uma peça ou um filme e ver na plateia aquele mar de tia com o sorriso de orelha a orelha. Deve ser por isso que eu faço tanta coisa. É uma tática minha para poder vê-las mais e mais!
Eu posso afirmar que eu tenho as melhores tias do mundo. Verdade. Eu sei que você deve ter tias ótimas, mas, como as minhas, acho difícil.
Porque geralmente a gente tem alguma tia chata, mala, feia... Mas eu não. As minhas foram escolhidas a dedo. Na casa da tia Vera, tinha um campinho de futebol e o muro dava prum terreno baldio. Tem coisa mais legal pruma criança do que isso? Passei minha infância querendo ir dormir na casa da tia Vera. Tudo bem que a noite eu era devorado por mosquitos que passavam a noite infernizando nossas orelhas, já que meu tio Tutty acreditava que os protectors faziam mal e colocava casca de limão ao invés do refil. (Desconfio até hoje de que os pernilongos adoravam o cheirinho de sauna que meu tio proporcionava pra eles.)
Tia Vera sempre reclamava das marcas de mão nas paredes brancas dela que nunca tinha sido ninguém. Claro, foram fantasmas, dizia ela. Depois que cresci, me peguei reclamando de marcas de fantasmas nas paredes da minha casa também.
Minha tia Lúcia me dava livrinhos de piada e contava várias pra mim, e, de vez em quando, com um palavrão (leve, né, Tia Lúcia?), o que uma criança de seis anos acha das coisas mais divertidas do mundo. Eu adorava contar piadas pra ela também. Com a tia Lúcia, eu sempre falei muito de livros e cinema. Ela assistiu a tudo e leu tudo. Como é que pode fazer tanta coisa e ir dormir às nove da noite? Acho que ela é a pessoa que dorme mais cedo no mundo.
Tia Maria Elisa sempre me deu chocolate de presente. Em todas as situações. E vamos combinar que ganhar chocolate é bom quando você tem seis anos, dez, quinze, vinte ou trinta. Estreia de peça, formatura do colégio... E sempre um chocolate daqueles diferentes, meio importados, que dá vontade de comer de uma vez só. (Que na verdade era um pouco o que o meu pai fazia com eles. Meu pai é o maior ladrão de chocolates do mundo. A sorte é que eu sabia onde era o esconderijo!)
Mas foi dela o presente mais surreal que uma criança poderia ganhar de natal. Eu pedi uma bola. Um garoto de dez anos pediu uma bola. Eu ganhei uma bola. De vôlei. Rosa. Da Xuxa. E murcha!!! Hahahahaha. Ela foi a primeira pessoa para que eu liguei pra pedir conselhos quando resolvi mudar pro Rio pra ser ator.
Tia Marina é minha madrinha. Não precisava nem dizer mais nada. Sempre animada e pau pra toda obra. Tem uma risada tão gostosa. Precisamos marcar o quanto antes nossa viagem que vem sendo adiada ao longo dos anos. Apreciadora da boa caipirinha de laranja caseira, é parceira e incentivadora de tudo.
Tia Flávia foi quem me recebeu no Rio de Janeiro de braços e abraços tão abertos que um moleque de 19 anos não podia se sentir mais seguro e tranquilo, mesmo longe da mãe. Ela e meu tio Júlio fizeram de tudo pra que eu pudesse seguir meu sonho. Se não fossem eles, minha trajetória profissional teria sido outra.
Todas as minhas tias foram fundamentais em todas as fases da minha vida, e são até hoje. Nunca vi tias prestigiarem tanto um sobrinho. De peça de escola a lançamento de livro, elas estão lá! Não tem sensação melhor do mundo do que estrear uma peça ou um filme e ver na plateia aquele mar de tia com o sorriso de orelha a orelha. Deve ser por isso que eu faço tanta coisa. É uma tática minha para poder vê-las mais e mais!
Um novo Carnaval - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 13/10
Hoje, ninguém sabe de cor os sambas das escolas, que antigamente eram cantados por todos
Fernando Pamplona revolucionou o Carnaval carioca, mas, antes dele, eu já assistia ao desfile das escolas de samba. É que me casara com uma moça da Tijuca, Thereza Aragão, que amava o Carnaval e a música popular. Ela seria, anos mais tarde, responsável, com suas segundas-feiras de samba, no Teatro Opinião, em Copacabana, por levar o samba de subúrbio para a zona sul do Rio.
Naqueles anos, o desfile era na avenida Presidente Vargas, no trecho próximo à Candelária, e não havia nem passarela nem arquibancada. A gente assistia ao desfile inteiro, em pé, nas calçadas. Depois, o desfile foi transferido para a avenida Rio Branco, o que melhorou para nós que passamos a assisti-lo das janelas da Redação do "Jornal do Brasil", onde eu trabalhava.
Foi quando Pamplona surgiu, emprestando ao Salgueiro uma concepção nova do desfile carnavalesco, não só plasticamente, mas também tematicamente. Aí ele nos ganhou. Thereza, eu, Vianinha e a turma inteira do grupo Opinião nos tornamos frequentadoras do desfile e dos ensaios do Salgueiro.
As alegorias e fantasias das escolas de samba, até então, tinham gosto acadêmico, mesmo porque seus autores eram gente da Escola Nacional de Belas Artes e o pessoal mais conservador, para quem vestir-se de princesa é que era beleza.
Deve-se reconhecer, também, que fantasiar-se de nobre correspondia à aspiração dos sambistas, que viam a nobreza como um sonho inalcançável, a não ser no Carnaval. Fantasiar-se de conde era tornar-se conde por algumas horas.
Pamplona rompeu com isso, não só acabou com as fantasias de príncipes e princesas, como pôs como enredo a história do negro, descendente de escravos. Foi o caso do enredo "Quilombo dos Palmares", que assinalou mais uma vitória do carnavalesco inovador.
Se do ponto de vista do enredo, como se viu, Pamplona rompeu com a tradição, creio que foi no plano visual que seu ímpeto inovador foi mais determinante. Lembro-me do entusiasmo de que fomos tomados ao ver as alas do Salgueiro vestidas com fantasias de grande beleza e despojamento.
Foi a visão moderna das artes plásticas --particularmente a tendência abstrata geométrica-- que inspirou Pamplona e sua equipe. Mais que os adereços e enfeites, o que encantava era a beleza do vermelho e do branco, explorados em sua simpleza e plenitude. E mais o contraste com a pele negra dos passistas e das passistas, revoando no asfalto. Ver aquelas alas desfilando foi uma experiência inesquecível.
E, como tinha que ser, a nova concepção do desfile carnavalesco conquistou outras escolas. Nem todas com a mesma facilidade, especialmente aquelas mais antigas e de mais arraigadas tradições. A Mangueira, por exemplo, resistiu à inovação, até onde pôde e, de qualquer modo, jamais se deixou subverter pela revolução salgueirense.
Mas essa revolução não se limitou ao âmbito das escolas e dos desfiles. Fascinou uma nova geração de artistas e intelectuais da zona sul do Rio, que passaram a frequentar não só os desfiles, como também os ensaios das escolas e até desfilar nelas. Era branco no samba? Era, mas com paixão.
Alguns anos depois, construiu-se a Passarela do Samba, mal apelidada de Sambódromo. As antigas arquibancadas de madeira e tubos de metal eram montadas para o desfile e desmontadas depois. A nova passarela, em concreto armado, é permanente, custou caro e fica grande parte do tempo sem utilidade.
O desfile, por sua vez, sofreu mudanças. Porque as escolas cresceram, foi necessário estabelecer um limite de tempo para cada uma desfilar, o que levou à aceleração do ritmo dos sambas-enredo, que viraram marchas.
Hoje, ninguém sabe de cor os sambas das escolas, que antigamente eram cantados por todos. O som dos alto-falantes estendidos por toda avenida torna inaudível o canto das alas, o que reduz a emoção e a participação do espectador. As escolas passaram a alugar fantasias para estrangeiros desfilarem, gente que não sabe cantar nem dançar o samba da escola.
Depois de tudo isso, Fernando Pamplona, que trazia o Carnaval no sangue, nunca mais foi assistir aos desfiles. Nem eu.
Hoje, ninguém sabe de cor os sambas das escolas, que antigamente eram cantados por todos
Fernando Pamplona revolucionou o Carnaval carioca, mas, antes dele, eu já assistia ao desfile das escolas de samba. É que me casara com uma moça da Tijuca, Thereza Aragão, que amava o Carnaval e a música popular. Ela seria, anos mais tarde, responsável, com suas segundas-feiras de samba, no Teatro Opinião, em Copacabana, por levar o samba de subúrbio para a zona sul do Rio.
Naqueles anos, o desfile era na avenida Presidente Vargas, no trecho próximo à Candelária, e não havia nem passarela nem arquibancada. A gente assistia ao desfile inteiro, em pé, nas calçadas. Depois, o desfile foi transferido para a avenida Rio Branco, o que melhorou para nós que passamos a assisti-lo das janelas da Redação do "Jornal do Brasil", onde eu trabalhava.
Foi quando Pamplona surgiu, emprestando ao Salgueiro uma concepção nova do desfile carnavalesco, não só plasticamente, mas também tematicamente. Aí ele nos ganhou. Thereza, eu, Vianinha e a turma inteira do grupo Opinião nos tornamos frequentadoras do desfile e dos ensaios do Salgueiro.
As alegorias e fantasias das escolas de samba, até então, tinham gosto acadêmico, mesmo porque seus autores eram gente da Escola Nacional de Belas Artes e o pessoal mais conservador, para quem vestir-se de princesa é que era beleza.
Deve-se reconhecer, também, que fantasiar-se de nobre correspondia à aspiração dos sambistas, que viam a nobreza como um sonho inalcançável, a não ser no Carnaval. Fantasiar-se de conde era tornar-se conde por algumas horas.
Pamplona rompeu com isso, não só acabou com as fantasias de príncipes e princesas, como pôs como enredo a história do negro, descendente de escravos. Foi o caso do enredo "Quilombo dos Palmares", que assinalou mais uma vitória do carnavalesco inovador.
Se do ponto de vista do enredo, como se viu, Pamplona rompeu com a tradição, creio que foi no plano visual que seu ímpeto inovador foi mais determinante. Lembro-me do entusiasmo de que fomos tomados ao ver as alas do Salgueiro vestidas com fantasias de grande beleza e despojamento.
Foi a visão moderna das artes plásticas --particularmente a tendência abstrata geométrica-- que inspirou Pamplona e sua equipe. Mais que os adereços e enfeites, o que encantava era a beleza do vermelho e do branco, explorados em sua simpleza e plenitude. E mais o contraste com a pele negra dos passistas e das passistas, revoando no asfalto. Ver aquelas alas desfilando foi uma experiência inesquecível.
E, como tinha que ser, a nova concepção do desfile carnavalesco conquistou outras escolas. Nem todas com a mesma facilidade, especialmente aquelas mais antigas e de mais arraigadas tradições. A Mangueira, por exemplo, resistiu à inovação, até onde pôde e, de qualquer modo, jamais se deixou subverter pela revolução salgueirense.
Mas essa revolução não se limitou ao âmbito das escolas e dos desfiles. Fascinou uma nova geração de artistas e intelectuais da zona sul do Rio, que passaram a frequentar não só os desfiles, como também os ensaios das escolas e até desfilar nelas. Era branco no samba? Era, mas com paixão.
Alguns anos depois, construiu-se a Passarela do Samba, mal apelidada de Sambódromo. As antigas arquibancadas de madeira e tubos de metal eram montadas para o desfile e desmontadas depois. A nova passarela, em concreto armado, é permanente, custou caro e fica grande parte do tempo sem utilidade.
O desfile, por sua vez, sofreu mudanças. Porque as escolas cresceram, foi necessário estabelecer um limite de tempo para cada uma desfilar, o que levou à aceleração do ritmo dos sambas-enredo, que viraram marchas.
Hoje, ninguém sabe de cor os sambas das escolas, que antigamente eram cantados por todos. O som dos alto-falantes estendidos por toda avenida torna inaudível o canto das alas, o que reduz a emoção e a participação do espectador. As escolas passaram a alugar fantasias para estrangeiros desfilarem, gente que não sabe cantar nem dançar o samba da escola.
Depois de tudo isso, Fernando Pamplona, que trazia o Carnaval no sangue, nunca mais foi assistir aos desfiles. Nem eu.
Use sua desilusão - TONY BELLOTTO
O GLOBO - 13/10
Acreditei que às vésperas de 2014 o Galeão seria um aeroporto moderno, e não um labirinto com canos e fios aparentes como o cenário de um filme de terror
O país do futuro
O Brasil é um país pródigo em desilusões. No entanto, nós, brasileiros, nunca somos vistos — nem por nós mesmos — como um povo desiludido. O que é uma pena. Temos a aprender com a desilusão.
Ilusão
Os Guns N’ Roses lançaram na década de 1990 dois discos de muito sucesso e inspiração chamados “Use your illusion I e II”. O título, “Use sua ilusão”, remete à ideia de que a ilusão — erro de percepção ou de entendimento; engano dos sentidos ou da mente; interpretação errônea — pode ser usada de forma criativa e construtiva, já que a percepção “errada” de um fato pode revelar novos e surpreendentes ângulos desse mesmo fato. Quando nos divertimos e nos emocionamos com filmes como “Toy story” ou com livros como “A metamorfose”, estamos usando nossa ilusão.
A semântica não mente
Paradoxalmente, a desilusão nunca é compreendida como o avesso da ilusão, ou seja, uma maneira correta de entendimento. Desilusão expressa sempre descrença e perda de esperança. E isso não é mera semântica. Resistimos a nos desiludir e, mesmo quando nos desiludimos, demoramos a admitir. Por que temos vergonha de aceitar que estamos desiludidos? Por que encaramos a desilusão como uma derrota?
Use sua desilusão
Em 1968 James Brown lançou uma música que fez muito sucesso no mundo todo. Sua estrofe principal, um grito de guerra que é também o refrão e o nome da canção, diz assim:
“Say it loud
I’m black and I’m proud”
(“Diga com um grito
Sou preto e me orgulho disso”, numa tradução livre e descuidada).
O funk exuberante do Rei do Soul exorta negros oprimidos à insubmissão e à valorização de seu orgulho próprio. Não à toa tornou-se uma espécie de hino informal do movimento Black Power. Inspirado por James Brown e Guns N’ Roses, orgulhoso de minha desilusão, lanço um outro grito de guerra, destinado aos desiludidos anônimos do Brasil: Use sua desilusão!
O caminho da ilusão leva ao palácio da desilusão
Faço uma breve lista de algumas de minhas recentes ilusões. Sou um daqueles ingênuos — se preferir chamar de otário fique à vontade — que acreditaram, entre outras coisas, que a realização da Copa do Mundo no Brasil e das Olimpíadas no Rio trariam investimentos para o país e para a cidade, e que eles seriam revertidos em melhorias nos transportes, aeroportos, hotéis e infraestrutura em geral.
1- Acreditei que às vésperas de 2014 o Galeão seria um aeroporto moderno, e não um labirinto com canos e fios aparentes como o cenário de um filme de terror de baixo orçamento.
2- Acreditei que em 2014 eu iria até São Paulo num trem-bala contemplando pela janela as comunidades pacificadas.
3- Acreditei que o Santos poderia até, quem sabe, empatar com o Barcelona.
4- Acreditei que o Supremo Tribunal Federal tinha mudado os paradigmas e dado uma lição de democracia ao condenar os mensaleiros e que no dia de hoje eles estariam lendo O GLOBO na cadeia e não comendo pizza na casa do… como é mesmo o nome dele?
5- Acreditei que os policiais das UPPs eram diferenciados e que o Amarildo não desapareceria.
6- Acreditei que as manifestações de junho tinham despertado o povo brasileiro e nos ejetado da letargia bovina em que chafurdamos há séculos.
7- Acreditei que os black blocs eram apenas um grupo de manifestantes mais exaltados e que, com a ajuda deles — que são muito mais eficientes em meter medo nos políticos do que os manifestantes pacíficos — caminharíamos juntos “hasta la victoria”.
8- Acreditei que depois da ditadura militar nunca mais eu veria policiais descendo o cacete em professores.
9- Acreditei, acreditei, acreditei.
Bananão
Ivan Lessa, o grande cronista desterrado, chamava o Brasil de Bananão. Embora seja possível denotar algum carinho na definição, o sarcasmo agudo do apelido é inegável. Bananão, além de lembrar que nunca deixamos realmente de ser uma república das bananas em escala continental, alude também à acepção de “banana” como o sujeito covarde e sem iniciativa, o popular bundão. Ivan Lessa foi um dos muitos brasileiros que optaram pelo autoexílio mesmo depois de restaurada a democracia no país. Num de seus textos, revela um dos motivos que o levaram a deixar o Brasil: “Achava que, de uma maneira ou de outra, estava embromando ou sendo embromado por alguém.”
Não é assim que todos nos sentimos por aqui?
Acreditei que às vésperas de 2014 o Galeão seria um aeroporto moderno, e não um labirinto com canos e fios aparentes como o cenário de um filme de terror
O país do futuro
O Brasil é um país pródigo em desilusões. No entanto, nós, brasileiros, nunca somos vistos — nem por nós mesmos — como um povo desiludido. O que é uma pena. Temos a aprender com a desilusão.
Ilusão
Os Guns N’ Roses lançaram na década de 1990 dois discos de muito sucesso e inspiração chamados “Use your illusion I e II”. O título, “Use sua ilusão”, remete à ideia de que a ilusão — erro de percepção ou de entendimento; engano dos sentidos ou da mente; interpretação errônea — pode ser usada de forma criativa e construtiva, já que a percepção “errada” de um fato pode revelar novos e surpreendentes ângulos desse mesmo fato. Quando nos divertimos e nos emocionamos com filmes como “Toy story” ou com livros como “A metamorfose”, estamos usando nossa ilusão.
A semântica não mente
Paradoxalmente, a desilusão nunca é compreendida como o avesso da ilusão, ou seja, uma maneira correta de entendimento. Desilusão expressa sempre descrença e perda de esperança. E isso não é mera semântica. Resistimos a nos desiludir e, mesmo quando nos desiludimos, demoramos a admitir. Por que temos vergonha de aceitar que estamos desiludidos? Por que encaramos a desilusão como uma derrota?
Use sua desilusão
Em 1968 James Brown lançou uma música que fez muito sucesso no mundo todo. Sua estrofe principal, um grito de guerra que é também o refrão e o nome da canção, diz assim:
“Say it loud
I’m black and I’m proud”
(“Diga com um grito
Sou preto e me orgulho disso”, numa tradução livre e descuidada).
O funk exuberante do Rei do Soul exorta negros oprimidos à insubmissão e à valorização de seu orgulho próprio. Não à toa tornou-se uma espécie de hino informal do movimento Black Power. Inspirado por James Brown e Guns N’ Roses, orgulhoso de minha desilusão, lanço um outro grito de guerra, destinado aos desiludidos anônimos do Brasil: Use sua desilusão!
O caminho da ilusão leva ao palácio da desilusão
Faço uma breve lista de algumas de minhas recentes ilusões. Sou um daqueles ingênuos — se preferir chamar de otário fique à vontade — que acreditaram, entre outras coisas, que a realização da Copa do Mundo no Brasil e das Olimpíadas no Rio trariam investimentos para o país e para a cidade, e que eles seriam revertidos em melhorias nos transportes, aeroportos, hotéis e infraestrutura em geral.
1- Acreditei que às vésperas de 2014 o Galeão seria um aeroporto moderno, e não um labirinto com canos e fios aparentes como o cenário de um filme de terror de baixo orçamento.
2- Acreditei que em 2014 eu iria até São Paulo num trem-bala contemplando pela janela as comunidades pacificadas.
3- Acreditei que o Santos poderia até, quem sabe, empatar com o Barcelona.
4- Acreditei que o Supremo Tribunal Federal tinha mudado os paradigmas e dado uma lição de democracia ao condenar os mensaleiros e que no dia de hoje eles estariam lendo O GLOBO na cadeia e não comendo pizza na casa do… como é mesmo o nome dele?
5- Acreditei que os policiais das UPPs eram diferenciados e que o Amarildo não desapareceria.
6- Acreditei que as manifestações de junho tinham despertado o povo brasileiro e nos ejetado da letargia bovina em que chafurdamos há séculos.
7- Acreditei que os black blocs eram apenas um grupo de manifestantes mais exaltados e que, com a ajuda deles — que são muito mais eficientes em meter medo nos políticos do que os manifestantes pacíficos — caminharíamos juntos “hasta la victoria”.
8- Acreditei que depois da ditadura militar nunca mais eu veria policiais descendo o cacete em professores.
9- Acreditei, acreditei, acreditei.
Bananão
Ivan Lessa, o grande cronista desterrado, chamava o Brasil de Bananão. Embora seja possível denotar algum carinho na definição, o sarcasmo agudo do apelido é inegável. Bananão, além de lembrar que nunca deixamos realmente de ser uma república das bananas em escala continental, alude também à acepção de “banana” como o sujeito covarde e sem iniciativa, o popular bundão. Ivan Lessa foi um dos muitos brasileiros que optaram pelo autoexílio mesmo depois de restaurada a democracia no país. Num de seus textos, revela um dos motivos que o levaram a deixar o Brasil: “Achava que, de uma maneira ou de outra, estava embromando ou sendo embromado por alguém.”
Não é assim que todos nos sentimos por aqui?
Tesouros no porão - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 13/10
Alguém disse que em Minas Gerais o pessoal escreve muito por falta de outra coisa para fazer. Tem a cara do Otto Lara Resende, mas não foi desse mineiro praticante que partiu a estocada.
Poderia ter sido. Eu me lembro (estava lá, como repórter da Veja) da graça com que ele alegrou a reunião decisiva de um grande concurso de contos, em 1977, da qual participavam também o Antonio Houaiss, a Lygia Fagundes Telles, o João Antônio, o Ignácio de Loyola, o Geraldo Galvão Ferraz, o Marcílio Marques Moreira e o Antonio Fernando De Franceschi.
Possuído por si mesmo, o Otto brilhava. Estava em moda gozar, como praga literária, a figura do "contista mineiro", e, esgotado pela leitura de tanto papel - concorriam mais de 13.000 trabalhos, de quase 9.000 autores -, lá pelas tantas o Otto sugeriu despejar aquela contarada, como se fossem bombas, sobre Belo Horizonte. Sejamos justos: os mineiros, não mais de 715, formavam apenas o terceiro contingente, muito atrás dos paulistas, cariocas e fluminenses, e tinham os gaúchos nos seus calcanhares. A ideia do bombardeio, em todo caso, divertiu os jurados, que incluiriam três mineiros entre os dez premiados.
Não sei como até agora não vingou também alguma gozação com os cronistas mineiros. Talvez não sejam numerosos como os contistas, mas certamente estão entre os melhores que já tivemos. Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, o próprio Otto. E também Rubem Braga, capixaba de quem nós mineiros nos apoderamos como coestaduano, com a justificativa muito razoável de que foi em Minas que ele se lançou nacionalmente como cronista, em março de 1932. De saída, afagou Belo Horizonte, cidade onde "mesmo os urubus navegam mais serenos", e derramou ternuras sobre a "mocinha feia" que, "se fosse bonita, seria linda". Rubem tinha 19 anos, e deu no que deu.
Eu poderia ter falado de toda essa turma de craques na conversa para a qual a Academia Brasileira de Letras me abriu as portas, semana passada, proporcionando-me imerecida carona na glória que, ainda quando interina, "fica, eleva, honra e consola". O tema geral era A crônica e a cidade, e, com o risco de matar de tédio os mortais e imortais presentes, resolvi focar em apenas dois cronistas cujos escritos sobre Belo Horizonte, embora interessantíssimos, nunca chegaram às livrarias.
Um deles, o Alfredo Camarate, nem brasileiro era. Nascido em Lisboa, esse camarada participou da construção da nova capital de Minas, no final do século 19, como arquiteto e engenheiro, mas a obra mais durável que deixou ali foram 54 textos nas páginas do Minas Gerais, o diário oficial do Estado, não apenas de enorme valor documental como também gostosos de ler, e que fizeram dele o primeiro cronista belo-horizontino. Amostrinha: no hoteleco onde pousou, lhe deram uma cama onde teria dormido o Tiradentes. Picado por um percevejo e pela inspiração, Camarate escreveu uma obra-prima da ironia em que se felicita por haver incorporado ao seu um pouco do sangue do mártir da Inconfidência. Pena que suas crônicas, salvas dos cupins pelo zelo de Eduardo Frieiro, até hoje só possam ser lidas num empoeirado número da Revista do Arquivo Público Mineiro.
Quanto ao outro cronista de que falei na ABL, é... Carlos Drummond de Andrade, que de 1930 a 1934, antes de se mudar para o Rio, pingou no Minas Gerais 133 delícias, as quais, como as de Camarate, você por ora não pode ler. A Secretaria Estadual de Cultura as reuniu, faz tempo (1987), num volume que não foi às livrarias. É por isso que você não sabe que Drummond, além de engravatado, era antenado em mundanidades: não lhe escapava, nas ruas de Belo Horizonte, o menor detalhe da moda, em especial a feminina, do sobe e desce das barras e decotes aos chapéus e boinas com que as belas esquentavam o inverno da rapaziada. Não foi à toa que o Ronaldo Fraga se inspirou nele para criar uma coleção.
Ei, pessoal da cultura em Minas, o que vocês estão esperando para levar o Camarate às livrarias? E você, Pedro Augusto Graña Drummond, por que diabo não deixa a gente ler as saborosas crônicas de seu jovem avô?
Alguém disse que em Minas Gerais o pessoal escreve muito por falta de outra coisa para fazer. Tem a cara do Otto Lara Resende, mas não foi desse mineiro praticante que partiu a estocada.
Poderia ter sido. Eu me lembro (estava lá, como repórter da Veja) da graça com que ele alegrou a reunião decisiva de um grande concurso de contos, em 1977, da qual participavam também o Antonio Houaiss, a Lygia Fagundes Telles, o João Antônio, o Ignácio de Loyola, o Geraldo Galvão Ferraz, o Marcílio Marques Moreira e o Antonio Fernando De Franceschi.
Possuído por si mesmo, o Otto brilhava. Estava em moda gozar, como praga literária, a figura do "contista mineiro", e, esgotado pela leitura de tanto papel - concorriam mais de 13.000 trabalhos, de quase 9.000 autores -, lá pelas tantas o Otto sugeriu despejar aquela contarada, como se fossem bombas, sobre Belo Horizonte. Sejamos justos: os mineiros, não mais de 715, formavam apenas o terceiro contingente, muito atrás dos paulistas, cariocas e fluminenses, e tinham os gaúchos nos seus calcanhares. A ideia do bombardeio, em todo caso, divertiu os jurados, que incluiriam três mineiros entre os dez premiados.
Não sei como até agora não vingou também alguma gozação com os cronistas mineiros. Talvez não sejam numerosos como os contistas, mas certamente estão entre os melhores que já tivemos. Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, o próprio Otto. E também Rubem Braga, capixaba de quem nós mineiros nos apoderamos como coestaduano, com a justificativa muito razoável de que foi em Minas que ele se lançou nacionalmente como cronista, em março de 1932. De saída, afagou Belo Horizonte, cidade onde "mesmo os urubus navegam mais serenos", e derramou ternuras sobre a "mocinha feia" que, "se fosse bonita, seria linda". Rubem tinha 19 anos, e deu no que deu.
Eu poderia ter falado de toda essa turma de craques na conversa para a qual a Academia Brasileira de Letras me abriu as portas, semana passada, proporcionando-me imerecida carona na glória que, ainda quando interina, "fica, eleva, honra e consola". O tema geral era A crônica e a cidade, e, com o risco de matar de tédio os mortais e imortais presentes, resolvi focar em apenas dois cronistas cujos escritos sobre Belo Horizonte, embora interessantíssimos, nunca chegaram às livrarias.
Um deles, o Alfredo Camarate, nem brasileiro era. Nascido em Lisboa, esse camarada participou da construção da nova capital de Minas, no final do século 19, como arquiteto e engenheiro, mas a obra mais durável que deixou ali foram 54 textos nas páginas do Minas Gerais, o diário oficial do Estado, não apenas de enorme valor documental como também gostosos de ler, e que fizeram dele o primeiro cronista belo-horizontino. Amostrinha: no hoteleco onde pousou, lhe deram uma cama onde teria dormido o Tiradentes. Picado por um percevejo e pela inspiração, Camarate escreveu uma obra-prima da ironia em que se felicita por haver incorporado ao seu um pouco do sangue do mártir da Inconfidência. Pena que suas crônicas, salvas dos cupins pelo zelo de Eduardo Frieiro, até hoje só possam ser lidas num empoeirado número da Revista do Arquivo Público Mineiro.
Quanto ao outro cronista de que falei na ABL, é... Carlos Drummond de Andrade, que de 1930 a 1934, antes de se mudar para o Rio, pingou no Minas Gerais 133 delícias, as quais, como as de Camarate, você por ora não pode ler. A Secretaria Estadual de Cultura as reuniu, faz tempo (1987), num volume que não foi às livrarias. É por isso que você não sabe que Drummond, além de engravatado, era antenado em mundanidades: não lhe escapava, nas ruas de Belo Horizonte, o menor detalhe da moda, em especial a feminina, do sobe e desce das barras e decotes aos chapéus e boinas com que as belas esquentavam o inverno da rapaziada. Não foi à toa que o Ronaldo Fraga se inspirou nele para criar uma coleção.
Ei, pessoal da cultura em Minas, o que vocês estão esperando para levar o Camarate às livrarias? E você, Pedro Augusto Graña Drummond, por que diabo não deixa a gente ler as saborosas crônicas de seu jovem avô?
Vemos o que queremos ver - TOSTÃO
FOLHA DE SP - 13/10
Se acontecem surpresas em mata-mata, por que nunca uma seleção média ganhou uma Copa do Mundo?
Nesta semana, recusei um convite para ser um dos embaixadores de Belo Horizonte na Copa, ao lado de jogadores do presente e do passado. Recusei porque, como colunista, preciso ser totalmente isento e independente. Pela mesma razão, não participo de muitos outros eventos esportivos.
Repito, não me vejo como um ex-atleta que se tornou colunista esportivo, e sim um colunista esportivo que foi atleta. Muitos não entendem.
Além do mais, já imaginou participar dessas solenidades da Fifa e de outros eventos, com um sorriso servil a la Bebeto, dizendo que está tudo emocionante e maravilhoso?
A Copa está próxima. Após ver várias partidas pelas eliminatórias, ficou mais evidente que Real Madrid, Barcelona, Bayern de Munique, Chelsea, Manchester City, Manchester United e Juventus são melhores que as seleções de seus países. Já na América do Sul, as seleções são muito superiores aos principais times. Por isso e por ser o Mundial na América do Sul, prevejo ótimas campanhas das seleções sul-americanas na Copa.
Se acontecem surpresas em torneios mata-mata de todo o mundo, como na Copa do Brasil, por que nunca uma seleção média ou pequena ganhou uma Copa do Mundo? A explicação de que as seleções jogam com muita seriedade é clara, verdadeira, mas não convence como única razão. Um dia, a zebra vai ocorrer. O acaso é também muito forte.
Felipão ainda tem dúvidas sobre alguns poucos reservas e sobre se coloca Ramires no time titular. Ele poderia atuar de volante, no lugar de Luiz Gustavo, ou de meia, na posição de Oscar ou Hulk, como tem ocorrido. Outra alternativa, que não deve passar pela cabeça de Felipão, seria colocar Neymar mais à frente e pelo centro, no lugar do centroavante, ainda mais se Fred não estiver bem, abrindo uma vaga para Ramires no meio-campo. Com a ausência de Messi, Neymar brilhou nos dois últimos jogos do Barcelona, atuando na posição do argentino. Mano já tinha feito isso na seleção.
Contra a Coreia do Sul, o Brasil fez mais uma boa partida. Está cada vez mais nítido que a excelente atuação na Copa das Confederações não foi circunstancial. O Brasil já tem um ótimo conjunto, além do crescimento técnico de vários jogadores, especialmente David Luiz. Ele e Thiago Silva formam uma zaga espetacular. Mas se a mesma atuação ocorresse no período em que o Brasil estava mal, muito criticado em todo o mundo, diríamos que o time teve uma atuação discreta contra a Coreia do Sul e que só ganha de seleções fracas.
Vemos o que queremos ver, de acordo com os pré-conceitos, o momento e a expectativa. Se a boa atuação de Ganso contra o Cruzeiro fosse na época em que era endeusado no Santos, diriam que ele fez uma partida magistral, genial. A expectativa tornou-se muito maior que seu talento.
Se acontecem surpresas em mata-mata, por que nunca uma seleção média ganhou uma Copa do Mundo?
Nesta semana, recusei um convite para ser um dos embaixadores de Belo Horizonte na Copa, ao lado de jogadores do presente e do passado. Recusei porque, como colunista, preciso ser totalmente isento e independente. Pela mesma razão, não participo de muitos outros eventos esportivos.
Repito, não me vejo como um ex-atleta que se tornou colunista esportivo, e sim um colunista esportivo que foi atleta. Muitos não entendem.
Além do mais, já imaginou participar dessas solenidades da Fifa e de outros eventos, com um sorriso servil a la Bebeto, dizendo que está tudo emocionante e maravilhoso?
A Copa está próxima. Após ver várias partidas pelas eliminatórias, ficou mais evidente que Real Madrid, Barcelona, Bayern de Munique, Chelsea, Manchester City, Manchester United e Juventus são melhores que as seleções de seus países. Já na América do Sul, as seleções são muito superiores aos principais times. Por isso e por ser o Mundial na América do Sul, prevejo ótimas campanhas das seleções sul-americanas na Copa.
Se acontecem surpresas em torneios mata-mata de todo o mundo, como na Copa do Brasil, por que nunca uma seleção média ou pequena ganhou uma Copa do Mundo? A explicação de que as seleções jogam com muita seriedade é clara, verdadeira, mas não convence como única razão. Um dia, a zebra vai ocorrer. O acaso é também muito forte.
Felipão ainda tem dúvidas sobre alguns poucos reservas e sobre se coloca Ramires no time titular. Ele poderia atuar de volante, no lugar de Luiz Gustavo, ou de meia, na posição de Oscar ou Hulk, como tem ocorrido. Outra alternativa, que não deve passar pela cabeça de Felipão, seria colocar Neymar mais à frente e pelo centro, no lugar do centroavante, ainda mais se Fred não estiver bem, abrindo uma vaga para Ramires no meio-campo. Com a ausência de Messi, Neymar brilhou nos dois últimos jogos do Barcelona, atuando na posição do argentino. Mano já tinha feito isso na seleção.
Contra a Coreia do Sul, o Brasil fez mais uma boa partida. Está cada vez mais nítido que a excelente atuação na Copa das Confederações não foi circunstancial. O Brasil já tem um ótimo conjunto, além do crescimento técnico de vários jogadores, especialmente David Luiz. Ele e Thiago Silva formam uma zaga espetacular. Mas se a mesma atuação ocorresse no período em que o Brasil estava mal, muito criticado em todo o mundo, diríamos que o time teve uma atuação discreta contra a Coreia do Sul e que só ganha de seleções fracas.
Vemos o que queremos ver, de acordo com os pré-conceitos, o momento e a expectativa. Se a boa atuação de Ganso contra o Cruzeiro fosse na época em que era endeusado no Santos, diriam que ele fez uma partida magistral, genial. A expectativa tornou-se muito maior que seu talento.
O novo e o velho - CARLOS AYRES BRITTO
ZERO HORA - 13/10
Não procede a afirmação de que a Vida se repete, a história se repete, as coisas se repetem. É impossível tal repetição! A Vida sempre cheira a talco, porque nunca deixa de ser ela mesma: um ser que se parteja a cada instante. Cair nos braços do novo é sua lei, seu destino e sua glória, simplesmente porque ela nunca deixa de ser o que é: original. E como pode o ente original plagiar o que quer que seja, inclusive a si mesmo? Pisar nas pegadas dos outros, ou nas suas próprias pegadas? Ou se é original, ou original se é, porque não há outro modo elementar de ser. O que pode ocorrer é o ser original a se comportar como se original não fosse. Forçar a sua natureza para não funcionar de acordo com ela. Que não é o caso da Vida, que somente sabe fluir ou então espocar por um modo contrário a tudo que cheire a mofo, molde, figurino, xerox, papel carbono, clone, em suma.
Sem tirar nem pôr: que é a Vida senão uma sucessão ininterrupta de instantes? E que é o instante, cada instante, senão uma imensidão de possibilidades? “Ondas de possiblidades”, para lembrar o físico quântico Werner Heisemberg a falar sobre o que se passa no incomensurável mundo da matéria subatômica? Uma onda de possibilidades atrás da outra e nenhuma igual à anterior nem à subsequente? A Vida a surfar na crista de cada qual dessas ondas, porquanto surfista e onda ao mesmo tempo? “O cabelo solto ao vento” (Caetano Veloso), as pernas andarilhas, o peito aberto, o olho a vagar sobre as coisas, contemplativamente, ignorando por completo essa tal de zona de conforto intelectual ou cognitivo? A Vida ora evoluindo de uma forma para outra, ora saltando do próprio nada para o tudo em que o virginalmente novo consiste? Fenômeno mais radical ainda, porque descontínuo ou a eclodir fora do tempo e do espaço?
É isso o que podemos ser, pois o nosso princípio ativo é também a mudança (“tudo muda, menos a mudança”, já dizia o genial filósofo grego Heráclito, que passou por este planeta azul entre os anos de 540 e 480 a.C.). Mais que isso, a nossa mais nutritiva seiva é transitar da mudança para a própria transfiguração. Do mármore bruto para a Pietá de Michelangelo. De partícula sólida para onda vibracional. Criatura e parte da vida que somos. Mas criatura que pode se tornar criadora da sua criadora. Parte que pode se tornar um todo em si, sem deixar de ser parte mesma. Microcosmo de mãos dadas com o macrocosmo, amando-se e respeitando-se por todos os dias da vida dos dois, que são vidas já prometidas à eternidade da Vida maior que os unifica.
Pois bem, o caminho para permanecermos originais, e portanto criativos todo o tempo, principia pelo coração. Coração neurônio, claro, e não simplesmente músculo cardíaco a bater do lado esquerdo do peito, pendularmente. Coração-sentimento. Coração-afeto. Coração-amor. “O olhar amoroso sobre as coisas descobre em cada uma delas um sentido que coincide com o sentido todo da Vida”, fala a poeta mineira Adélia Prado. Esse coração-sentimento, ali postado no hemisfério direito do cérebro, como a fonte de toda intuição. A raiz de toda apropriação instantânea da natureza das coisas (percepção, mais que reflexão). A chave de ignição de toda coragem para ver o novo de olhos nos olhos e a ele se entregar sem pé-atrás. A matriz de toda imaginação, enfim, que põe asas tão turbinadas no coração humano que os dois juntos passam a fazer coisas que Deus assina embaixo como da autoria Dele!
É isso mesmo! A primazia é da nossa porção-sentimento, porque ela é que abre os poros da nossa porção-pensamento. Não o contrário. E da otimização operacional dos dois, pensamento e sentimento, numa espécie de casamento por amor, é que se pode partejar o rebento da consciência. Aí já se tem o perfazimento da tríade que mais distingue a pessoa humana dos outros animais: sentimento, pensamento e consciência, num grau de refinamento que nos torna vizinhos de porta da mais alta espiritualidade. Tríade que nos dota de uma personalidade do tipo biográfico, inatingível pelos outros espécimes biológicos. Justamente o tipo de personalidade que nos habilita a criar e incessantemente atualizar o mundo da cultura, já significante de toda dimensão nova que o homem acrescenta à natureza.
Aproximo-me do fim desta comunicação escrita. E o faço para insistir na primazia do sentimento, porque ele é o que mais nos descondiciona mentalmente. Logo, o que mais nos salva das nossas pré-compreensões, tantas vezes de costas para a essência das coisas (“o contrário da verdade não é a mentira, mas as nossas convicções”, ajuizou Nietzsche). Nessa medida, ele, sentimento, é o que mais nos predispõe para ver as coisas já despossuídos de memória. Já desacumulados de ego, de sorte a criar em nossa interioridade os espaços vagos de que o Universo precisa para nos preencher de insights, revelações, inspirações. Insights, numa perspectiva científica. Revelações, numa perspectiva mística. Inspirações, numa perspectiva artística. Todos e cada um a projetar em nós uma visão holística das coisas e de nós mesmos. Visão holística ou esférica ou quântica ou unitária da Vida, pois assim é que ela é e se deseja vista e experimentada.
Por último, acredito que não é fechando os espaços para o velho que vamos nos abrir para o novo, porque assim o velho continua a ser a referência primeira do nosso estar-na-Vida. E claro que vai resistir barbaridade para não entregar os pontos. É nos abrindo para o novo que fechamos os espaços para o velho, pois assim postado no gread de largada da nossa predisposição para ser o ser original que somos é que o novo vai se sentir tão em casa “como quem vai, manhãzinha, colher frutas no quintal” (Milton Nascimento e Fernando Brant).
Não procede a afirmação de que a Vida se repete, a história se repete, as coisas se repetem. É impossível tal repetição! A Vida sempre cheira a talco, porque nunca deixa de ser ela mesma: um ser que se parteja a cada instante. Cair nos braços do novo é sua lei, seu destino e sua glória, simplesmente porque ela nunca deixa de ser o que é: original. E como pode o ente original plagiar o que quer que seja, inclusive a si mesmo? Pisar nas pegadas dos outros, ou nas suas próprias pegadas? Ou se é original, ou original se é, porque não há outro modo elementar de ser. O que pode ocorrer é o ser original a se comportar como se original não fosse. Forçar a sua natureza para não funcionar de acordo com ela. Que não é o caso da Vida, que somente sabe fluir ou então espocar por um modo contrário a tudo que cheire a mofo, molde, figurino, xerox, papel carbono, clone, em suma.
Sem tirar nem pôr: que é a Vida senão uma sucessão ininterrupta de instantes? E que é o instante, cada instante, senão uma imensidão de possibilidades? “Ondas de possiblidades”, para lembrar o físico quântico Werner Heisemberg a falar sobre o que se passa no incomensurável mundo da matéria subatômica? Uma onda de possibilidades atrás da outra e nenhuma igual à anterior nem à subsequente? A Vida a surfar na crista de cada qual dessas ondas, porquanto surfista e onda ao mesmo tempo? “O cabelo solto ao vento” (Caetano Veloso), as pernas andarilhas, o peito aberto, o olho a vagar sobre as coisas, contemplativamente, ignorando por completo essa tal de zona de conforto intelectual ou cognitivo? A Vida ora evoluindo de uma forma para outra, ora saltando do próprio nada para o tudo em que o virginalmente novo consiste? Fenômeno mais radical ainda, porque descontínuo ou a eclodir fora do tempo e do espaço?
É isso o que podemos ser, pois o nosso princípio ativo é também a mudança (“tudo muda, menos a mudança”, já dizia o genial filósofo grego Heráclito, que passou por este planeta azul entre os anos de 540 e 480 a.C.). Mais que isso, a nossa mais nutritiva seiva é transitar da mudança para a própria transfiguração. Do mármore bruto para a Pietá de Michelangelo. De partícula sólida para onda vibracional. Criatura e parte da vida que somos. Mas criatura que pode se tornar criadora da sua criadora. Parte que pode se tornar um todo em si, sem deixar de ser parte mesma. Microcosmo de mãos dadas com o macrocosmo, amando-se e respeitando-se por todos os dias da vida dos dois, que são vidas já prometidas à eternidade da Vida maior que os unifica.
Pois bem, o caminho para permanecermos originais, e portanto criativos todo o tempo, principia pelo coração. Coração neurônio, claro, e não simplesmente músculo cardíaco a bater do lado esquerdo do peito, pendularmente. Coração-sentimento. Coração-afeto. Coração-amor. “O olhar amoroso sobre as coisas descobre em cada uma delas um sentido que coincide com o sentido todo da Vida”, fala a poeta mineira Adélia Prado. Esse coração-sentimento, ali postado no hemisfério direito do cérebro, como a fonte de toda intuição. A raiz de toda apropriação instantânea da natureza das coisas (percepção, mais que reflexão). A chave de ignição de toda coragem para ver o novo de olhos nos olhos e a ele se entregar sem pé-atrás. A matriz de toda imaginação, enfim, que põe asas tão turbinadas no coração humano que os dois juntos passam a fazer coisas que Deus assina embaixo como da autoria Dele!
É isso mesmo! A primazia é da nossa porção-sentimento, porque ela é que abre os poros da nossa porção-pensamento. Não o contrário. E da otimização operacional dos dois, pensamento e sentimento, numa espécie de casamento por amor, é que se pode partejar o rebento da consciência. Aí já se tem o perfazimento da tríade que mais distingue a pessoa humana dos outros animais: sentimento, pensamento e consciência, num grau de refinamento que nos torna vizinhos de porta da mais alta espiritualidade. Tríade que nos dota de uma personalidade do tipo biográfico, inatingível pelos outros espécimes biológicos. Justamente o tipo de personalidade que nos habilita a criar e incessantemente atualizar o mundo da cultura, já significante de toda dimensão nova que o homem acrescenta à natureza.
Aproximo-me do fim desta comunicação escrita. E o faço para insistir na primazia do sentimento, porque ele é o que mais nos descondiciona mentalmente. Logo, o que mais nos salva das nossas pré-compreensões, tantas vezes de costas para a essência das coisas (“o contrário da verdade não é a mentira, mas as nossas convicções”, ajuizou Nietzsche). Nessa medida, ele, sentimento, é o que mais nos predispõe para ver as coisas já despossuídos de memória. Já desacumulados de ego, de sorte a criar em nossa interioridade os espaços vagos de que o Universo precisa para nos preencher de insights, revelações, inspirações. Insights, numa perspectiva científica. Revelações, numa perspectiva mística. Inspirações, numa perspectiva artística. Todos e cada um a projetar em nós uma visão holística das coisas e de nós mesmos. Visão holística ou esférica ou quântica ou unitária da Vida, pois assim é que ela é e se deseja vista e experimentada.
Por último, acredito que não é fechando os espaços para o velho que vamos nos abrir para o novo, porque assim o velho continua a ser a referência primeira do nosso estar-na-Vida. E claro que vai resistir barbaridade para não entregar os pontos. É nos abrindo para o novo que fechamos os espaços para o velho, pois assim postado no gread de largada da nossa predisposição para ser o ser original que somos é que o novo vai se sentir tão em casa “como quem vai, manhãzinha, colher frutas no quintal” (Milton Nascimento e Fernando Brant).
Televisão em rede - RENATO CRUZ
O Estado de S. Paulo - 13/10
A distribuição de vídeo via internet é hoje o maior desafio enfrentado pela televisão. Qualquer conteúdo está a um clique de distância. Na época dos DVDs piratas, a indústria tinha de lutar com grupos criminosos. Hoje, além do criminoso que distribui vídeos ilegalmente pela rede para obter lucros, existe o hacker que faz a mesma coisa de graça, sem obter nenhuma vantagem pessoal, por ser fã do filme ou da série, a partir do desejo de compartilhar.
A Irdeto, que fornece serviços antipirataria, divide o consumidor de conteúdo ilegal em três grupos. O pirata casual baixa vídeos ilegais para consumo próprio. O consumidor confuso não sabe que os vídeos que vê são piratas. Já o consumidor frustrado não consegue achar o que quer em versões legais. Segundo a empresa, depois de uma hora de o episódio de uma série ir ao ar, mais de 400 links piratas já estão disponíveis. Depois de duas horas, as versões piratas já foram vistas por milhões de pessoas ao redor do mundo.
A série Game of Thrones, da HBO, é a mais pirateada em muitos países, incluindo o Brasil. Por aqui, a Irdeto detectou, no ano passado, 13,4 milhões de vídeos ilegais obtidos pelas redes peer-to-peer (em que uma pessoa baixa os arquivos do computador de outras, usando, por exemplo, a tecnologia BitTorrent).
Foram 2,1 milhões de episódios de Game of Thrones baixados ilegalmente. Em segundo lugar, ficou a série House (420 mil), seguida de True Blood (419 mil), Grimm (405 mil) e Once Upon a Time (331 mil). A preferência é mesmo por séries de TV. O primeiro filme da lista brasileira da pirataria online é Capitão América: O Primeiro Vingador, em sexto lugar, com 295 mil downloads ilegais detectados.
A indústria da música enfrentou esse problema há mais de uma década. A pirataria online fez um estrago considerável, porque as gravadoras demoraram a dar uma resposta eficiente. O caso da TV tem sido um pouco diferente.
Existem várias opções dentro da lei. A própria HBO tem o serviço HBO Go, de vídeos online, que, por enquanto, é exclusivo para quem assina o canal na TV paga. Fora do Brasil, outros canais têm o serviço Hulu, que oferece séries de forma legal, de graça, com anúncios. Aqui e em outras partes do mundo, a Netflix tem temporadas completas de séries, além de filmes.
A própria Netflix tem monitorado as redes de troca de arquivos para identificar a demanda por séries em cada país, para depois licenciá-las e oferecê-las legalmente. No mês passado, durante o lançamento do Netflix na Holanda, seu vice-presidente de aquisição de conteúdo, disse: "Na compra de séries, olhamos o que está indo bem nos sites de pirataria". No caso específico da Holanda, ele citou a série Prison Break, muito pirateada no país e disponível de forma legítima na Netflix.
A distribuição de vídeo via internet é hoje o maior desafio enfrentado pela televisão. Qualquer conteúdo está a um clique de distância. Na época dos DVDs piratas, a indústria tinha de lutar com grupos criminosos. Hoje, além do criminoso que distribui vídeos ilegalmente pela rede para obter lucros, existe o hacker que faz a mesma coisa de graça, sem obter nenhuma vantagem pessoal, por ser fã do filme ou da série, a partir do desejo de compartilhar.
A Irdeto, que fornece serviços antipirataria, divide o consumidor de conteúdo ilegal em três grupos. O pirata casual baixa vídeos ilegais para consumo próprio. O consumidor confuso não sabe que os vídeos que vê são piratas. Já o consumidor frustrado não consegue achar o que quer em versões legais. Segundo a empresa, depois de uma hora de o episódio de uma série ir ao ar, mais de 400 links piratas já estão disponíveis. Depois de duas horas, as versões piratas já foram vistas por milhões de pessoas ao redor do mundo.
A série Game of Thrones, da HBO, é a mais pirateada em muitos países, incluindo o Brasil. Por aqui, a Irdeto detectou, no ano passado, 13,4 milhões de vídeos ilegais obtidos pelas redes peer-to-peer (em que uma pessoa baixa os arquivos do computador de outras, usando, por exemplo, a tecnologia BitTorrent).
Foram 2,1 milhões de episódios de Game of Thrones baixados ilegalmente. Em segundo lugar, ficou a série House (420 mil), seguida de True Blood (419 mil), Grimm (405 mil) e Once Upon a Time (331 mil). A preferência é mesmo por séries de TV. O primeiro filme da lista brasileira da pirataria online é Capitão América: O Primeiro Vingador, em sexto lugar, com 295 mil downloads ilegais detectados.
A indústria da música enfrentou esse problema há mais de uma década. A pirataria online fez um estrago considerável, porque as gravadoras demoraram a dar uma resposta eficiente. O caso da TV tem sido um pouco diferente.
Existem várias opções dentro da lei. A própria HBO tem o serviço HBO Go, de vídeos online, que, por enquanto, é exclusivo para quem assina o canal na TV paga. Fora do Brasil, outros canais têm o serviço Hulu, que oferece séries de forma legal, de graça, com anúncios. Aqui e em outras partes do mundo, a Netflix tem temporadas completas de séries, além de filmes.
A própria Netflix tem monitorado as redes de troca de arquivos para identificar a demanda por séries em cada país, para depois licenciá-las e oferecê-las legalmente. No mês passado, durante o lançamento do Netflix na Holanda, seu vice-presidente de aquisição de conteúdo, disse: "Na compra de séries, olhamos o que está indo bem nos sites de pirataria". No caso específico da Holanda, ele citou a série Prison Break, muito pirateada no país e disponível de forma legítima na Netflix.
Cordial - CAETANO VELOSO
O GLOBO - 13/10
Aprendi, em conversas com amigos compositores, que, no cabo de guerra entre a liberdade de expressão e o direito à privacidade, muito cuidado é pouco
Tenho um coração libertário. Sou o típico coroa que foi jovem nos anos 60. Recebi anteontem o e-mail de um cara de quem gosto muito — e que é jornalista — com proposta de entrevista por escrito sobre a questão das biografias. Para refrescar minha memória, ele anexou um trecho de fala minha em 2007. Ali eu me coloco claramente contra a exigência de autorização prévia por parte de biografados. E pergunto: “Vão queimar os livros?” Achei aquilo minha cara. Todos que me conhecem sabem que essa é minha tendência. Na casa de Gil, ao fim de uma reunião com a turma da classe, eu disse, faz poucos meses, que “quem está na chuva é para se molhar” e “biografias não podem ser todas chapa-branca”. Então por que me somo a meus colegas mais cautelosos da associação Procure Saber, que submetem a liberação das obras biográficas à autorização dos biografados?
Mudei muito pouco nesse meio-tempo. Mas as pequenas mudanças podem ter resultados gritantes. Aprendi, em conversas com amigos compositores, que, no cabo de guerra entre a liberdade de expressão e o direito à privacidade, muito cuidado é pouco. E que, se queremos que o Brasil avance nessa área, o simplismo não nos ajudará. O modo como a imprensa tem tratado o tema é despropositado. De repente, Chico, Milton, Djavan, Gil, Erasmo e eu somos chamados de censores porque nos aproximamos da posição de Roberto Carlos, querendo responder ao movimento liderado pela Anel (Associação Nacional dos Editores de Livros), que criou uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade) contra os artigos 20 e 21 do Código Civil, que protegem a intimidade de figuras públicas. Repórter da “Folha” cita trechos de algo dito por Paula Lavigne em outro contexto para responder a sua carta de leitor. Logo a “Folha”, que processou, por parodiá-la, o blog Falha de S.Paulo.
A sede com que os jornais foram ao pote terminou dando ao leitor a impressão de que meus colegas e eu desencadeamos uma ação, quando o que aconteceu foi que nos vimos no meio de uma ação deflagrada por editoras, à qual vimos que precisávamos responder com, no mínimo, um apelo à discussão. Censor, eu? Nem morta! Na verdade a avalanche de pitos, reprimendas e agressões só me estimula a combatividade.
Tenho dito a meus amigos que os autores de biografias não podem ser desrespeitados em seus direitos de informar e enriquecer a imagem que podemos ter da nossa sociedade. Pesquisam, trabalham e ganham bem menos do que nós (mas não nos esqueçamos das possibilidades do audiovisual). Não me sinto atraído pelo excesso de zelo com a vida privada e muito menos pela ideia de meus descendentes ficarem com a tarefa de manter meu nome “limpo”. Isso lhes oferece uma motivação de segunda classe para suas vidas. Também neguinho pode vir a ter um neto que seja muito careta e queira fazer dele o burguês respeitável que ele não foi nem quis ser. Mas diante dos editoriais candentes, das palavras pesadas e, sobretudo, das grosserias dirigidas a Paula Lavigne, minha empresária, ex-mulher e mãe de dois dos meus três filhos maravilhosos, tendo a ressaltar o que meu mestre Jorge Mautner sintetizou tão bem nos versos “Liberdade é bonita mas não é infinita /Me acredite: liberdade é a consciência do limite”. Mautner é pelo extremo zelo com a intimidade.
Autores americanos foram convocados para repisar a ferida do sub-vira-lata. Nada mais útil à campanha. (Americanos são vira-latas mas têm uma história revolucionária com a qual não nos demos o direito de competir.) Sou sim a favor de podermos ter biografias não autorizadas de Sarney ou Roberto Marinho. Mas as delicadezas do sofrimento de Gloria Perez e o perigo de proliferação de escândalos são tópicos sobre os quais o leitor deve refletir. A atitude de Roberto foi útil para nos trazer até aqui: creio que os termos do Código Civil merecem ser mudados, mas entre a chapa-branca e o risco marrom devem valer considerações como as de Francisco Bosco. Ex-roqueiros bolsonaros e matérias do GLOBO tipo olha-os-baderneiros para esconder a força que a luta dos professores ganhou na cidade me tiram a vontade de crer em opções fora da esquerda entalada. Me empobrecem. Ficaremos todos mais ricos se virmos que o direito à intimidade deve complicar o de livre expressão. E se avançarmos sem barretadas aos americanos. Ouve-se aqui minha voz individual. Quiçá perguntem: ué, os jornais deram espaço, pediram entrevistas: Tá chiando de quê? Pois é. Meu ritmo. Roberto, Chico, Milton e os outros estão mais firmes: nunca defenderam nada diferente. Esperei o Procure Saber buscar seu timbre, olhei em volta e deixei pra falar aqui.
Aprendi, em conversas com amigos compositores, que, no cabo de guerra entre a liberdade de expressão e o direito à privacidade, muito cuidado é pouco
Tenho um coração libertário. Sou o típico coroa que foi jovem nos anos 60. Recebi anteontem o e-mail de um cara de quem gosto muito — e que é jornalista — com proposta de entrevista por escrito sobre a questão das biografias. Para refrescar minha memória, ele anexou um trecho de fala minha em 2007. Ali eu me coloco claramente contra a exigência de autorização prévia por parte de biografados. E pergunto: “Vão queimar os livros?” Achei aquilo minha cara. Todos que me conhecem sabem que essa é minha tendência. Na casa de Gil, ao fim de uma reunião com a turma da classe, eu disse, faz poucos meses, que “quem está na chuva é para se molhar” e “biografias não podem ser todas chapa-branca”. Então por que me somo a meus colegas mais cautelosos da associação Procure Saber, que submetem a liberação das obras biográficas à autorização dos biografados?
Mudei muito pouco nesse meio-tempo. Mas as pequenas mudanças podem ter resultados gritantes. Aprendi, em conversas com amigos compositores, que, no cabo de guerra entre a liberdade de expressão e o direito à privacidade, muito cuidado é pouco. E que, se queremos que o Brasil avance nessa área, o simplismo não nos ajudará. O modo como a imprensa tem tratado o tema é despropositado. De repente, Chico, Milton, Djavan, Gil, Erasmo e eu somos chamados de censores porque nos aproximamos da posição de Roberto Carlos, querendo responder ao movimento liderado pela Anel (Associação Nacional dos Editores de Livros), que criou uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade) contra os artigos 20 e 21 do Código Civil, que protegem a intimidade de figuras públicas. Repórter da “Folha” cita trechos de algo dito por Paula Lavigne em outro contexto para responder a sua carta de leitor. Logo a “Folha”, que processou, por parodiá-la, o blog Falha de S.Paulo.
A sede com que os jornais foram ao pote terminou dando ao leitor a impressão de que meus colegas e eu desencadeamos uma ação, quando o que aconteceu foi que nos vimos no meio de uma ação deflagrada por editoras, à qual vimos que precisávamos responder com, no mínimo, um apelo à discussão. Censor, eu? Nem morta! Na verdade a avalanche de pitos, reprimendas e agressões só me estimula a combatividade.
Tenho dito a meus amigos que os autores de biografias não podem ser desrespeitados em seus direitos de informar e enriquecer a imagem que podemos ter da nossa sociedade. Pesquisam, trabalham e ganham bem menos do que nós (mas não nos esqueçamos das possibilidades do audiovisual). Não me sinto atraído pelo excesso de zelo com a vida privada e muito menos pela ideia de meus descendentes ficarem com a tarefa de manter meu nome “limpo”. Isso lhes oferece uma motivação de segunda classe para suas vidas. Também neguinho pode vir a ter um neto que seja muito careta e queira fazer dele o burguês respeitável que ele não foi nem quis ser. Mas diante dos editoriais candentes, das palavras pesadas e, sobretudo, das grosserias dirigidas a Paula Lavigne, minha empresária, ex-mulher e mãe de dois dos meus três filhos maravilhosos, tendo a ressaltar o que meu mestre Jorge Mautner sintetizou tão bem nos versos “Liberdade é bonita mas não é infinita /Me acredite: liberdade é a consciência do limite”. Mautner é pelo extremo zelo com a intimidade.
Autores americanos foram convocados para repisar a ferida do sub-vira-lata. Nada mais útil à campanha. (Americanos são vira-latas mas têm uma história revolucionária com a qual não nos demos o direito de competir.) Sou sim a favor de podermos ter biografias não autorizadas de Sarney ou Roberto Marinho. Mas as delicadezas do sofrimento de Gloria Perez e o perigo de proliferação de escândalos são tópicos sobre os quais o leitor deve refletir. A atitude de Roberto foi útil para nos trazer até aqui: creio que os termos do Código Civil merecem ser mudados, mas entre a chapa-branca e o risco marrom devem valer considerações como as de Francisco Bosco. Ex-roqueiros bolsonaros e matérias do GLOBO tipo olha-os-baderneiros para esconder a força que a luta dos professores ganhou na cidade me tiram a vontade de crer em opções fora da esquerda entalada. Me empobrecem. Ficaremos todos mais ricos se virmos que o direito à intimidade deve complicar o de livre expressão. E se avançarmos sem barretadas aos americanos. Ouve-se aqui minha voz individual. Quiçá perguntem: ué, os jornais deram espaço, pediram entrevistas: Tá chiando de quê? Pois é. Meu ritmo. Roberto, Chico, Milton e os outros estão mais firmes: nunca defenderam nada diferente. Esperei o Procure Saber buscar seu timbre, olhei em volta e deixei pra falar aqui.
A arte de emporcalhar - BELMIRO VALVERDE JOBIM CASTOR
GAZETA DO POVO - PR - 13/10
Curitiba é hoje uma cidade totalmente emporcalhada pelas pichações. Não há rua que não esteja tomada por garranchos, fachadas de prédios recém-pintados que não sejam imediatamente “brindadas” pela ação desse tipo de gente que encontra prazer em destruir o que outros fizeram, sujar o que era limpo. E ainda há quem veja esse emporcalhamento como demonstração de uma suposta “arte urbana, manifestação de uma incerta e discutível “contracultura”.
Não vou polemizar com esse tipo de gente, pois, em primeiro lugar, será pura e simplesmente perda de tempo. E segundo porque, quando se trata de beleza e de valor estético, os julgamentos são sempre pessoais e subjetivos. Acaba-se escorregando para os lugares comuns de que “a beleza está nos olhos de quem vê” ou de que “quem ama o feio, bonito lhe parece”. E, assim, acaba valendo qualquer coisa em nome dessa geleia geral a que se dá o nome de arte e de cultura.
No entanto, há algumas regras clássicas que colocam limites mínimos naquilo que é considerado belo. Uma delas é que o que é belo produz prazer aos sentidos. Não é necessário ser simétrico, ordenado de acordo com as regras geométricas para ser belo, mas é preciso que, até na assimetria e na aparente desordem, os sentidos sejam tocados. E, para ser sincero, ainda não encontrei uma pessoa que se diga emotivamente tocada pelas garatujas pintadas por spray, que alguns tolos já se apressaram a comparar à arte rupestre.
Além disso, a obra artística deve ter um mínimo de originalidade. Sem isso, onde está a presença do espírito criador? Ora, é necessário um estoque infinito de boa vontade para ver originalidade na repetição monocórdia de garranchos e de riscos. Picasso talvez não tenha tocado os sentidos de muita gente com as Senhoritas de Avignon, mas primou pela originalidade. E mais que isso: tendo demonstrado na Fase Azul e na Fase Rosa a maestria técnica, a capacidade de fazer o belo convencional, tinha todo o direito de deformar o rosto e o corpo das senhoritas de Avignon. Garranchos repetitivos não são arte inovadora; são demonstrações de pura e simples mediocridade destruidora.
Uma verdadeira obra de arte provoca orgulho em seu autor, cujo ego é elevado pelo reconhecimento público de sua técnica e de sua inspiração. Mas os “artistas” da pichação se escondem no anonimato que justificam pelo medo da polícia e da Justiça. Mas até essa desculpa é falsa e incompleta. Há tempos, a Gazeta do Povo publicou uma entrevista de um deles, que, quando perguntado se seu filho sabia de sua “produção”, declarou que não e que ocultava dele sua febril atividade artística. Mas por que ocultar do filho se – na sua visão – ele não estaria fazendo nada de errado, ao contrário, estaria contribuindo para a arte urbana? Seria receio de que seu filho também compartilhasse do desprezo que a maioria das pessoas dedica às pichações?
Meu neto Leonardo, que está na adolescência e na idade do sinal trocado (ou seja, tudo o que os adultos aprovam ele desaprova, e só gosta daquilo de que os mais velhos desgostam), discorda de meu radicalismo, mas reconhece que se pode ensinar um macaco a pintar, mas isso não fará dele um artista. No máximo, será um macaco capaz de pintar...
Enfim, acho que estou perdendo meu tempo e meu latim. A escatofagia, o gosto pelo consumo dos excrementos, não é uma patologia rara: há pessoas que preferem odores nauseabundos a perfumes sutís e sentem-se à vontade chafurdando em porcarias. Para esses, o cenário curitibano atual é um prato cheio.
Curitiba é hoje uma cidade totalmente emporcalhada pelas pichações. Não há rua que não esteja tomada por garranchos, fachadas de prédios recém-pintados que não sejam imediatamente “brindadas” pela ação desse tipo de gente que encontra prazer em destruir o que outros fizeram, sujar o que era limpo. E ainda há quem veja esse emporcalhamento como demonstração de uma suposta “arte urbana, manifestação de uma incerta e discutível “contracultura”.
Não vou polemizar com esse tipo de gente, pois, em primeiro lugar, será pura e simplesmente perda de tempo. E segundo porque, quando se trata de beleza e de valor estético, os julgamentos são sempre pessoais e subjetivos. Acaba-se escorregando para os lugares comuns de que “a beleza está nos olhos de quem vê” ou de que “quem ama o feio, bonito lhe parece”. E, assim, acaba valendo qualquer coisa em nome dessa geleia geral a que se dá o nome de arte e de cultura.
No entanto, há algumas regras clássicas que colocam limites mínimos naquilo que é considerado belo. Uma delas é que o que é belo produz prazer aos sentidos. Não é necessário ser simétrico, ordenado de acordo com as regras geométricas para ser belo, mas é preciso que, até na assimetria e na aparente desordem, os sentidos sejam tocados. E, para ser sincero, ainda não encontrei uma pessoa que se diga emotivamente tocada pelas garatujas pintadas por spray, que alguns tolos já se apressaram a comparar à arte rupestre.
Além disso, a obra artística deve ter um mínimo de originalidade. Sem isso, onde está a presença do espírito criador? Ora, é necessário um estoque infinito de boa vontade para ver originalidade na repetição monocórdia de garranchos e de riscos. Picasso talvez não tenha tocado os sentidos de muita gente com as Senhoritas de Avignon, mas primou pela originalidade. E mais que isso: tendo demonstrado na Fase Azul e na Fase Rosa a maestria técnica, a capacidade de fazer o belo convencional, tinha todo o direito de deformar o rosto e o corpo das senhoritas de Avignon. Garranchos repetitivos não são arte inovadora; são demonstrações de pura e simples mediocridade destruidora.
Uma verdadeira obra de arte provoca orgulho em seu autor, cujo ego é elevado pelo reconhecimento público de sua técnica e de sua inspiração. Mas os “artistas” da pichação se escondem no anonimato que justificam pelo medo da polícia e da Justiça. Mas até essa desculpa é falsa e incompleta. Há tempos, a Gazeta do Povo publicou uma entrevista de um deles, que, quando perguntado se seu filho sabia de sua “produção”, declarou que não e que ocultava dele sua febril atividade artística. Mas por que ocultar do filho se – na sua visão – ele não estaria fazendo nada de errado, ao contrário, estaria contribuindo para a arte urbana? Seria receio de que seu filho também compartilhasse do desprezo que a maioria das pessoas dedica às pichações?
Meu neto Leonardo, que está na adolescência e na idade do sinal trocado (ou seja, tudo o que os adultos aprovam ele desaprova, e só gosta daquilo de que os mais velhos desgostam), discorda de meu radicalismo, mas reconhece que se pode ensinar um macaco a pintar, mas isso não fará dele um artista. No máximo, será um macaco capaz de pintar...
Enfim, acho que estou perdendo meu tempo e meu latim. A escatofagia, o gosto pelo consumo dos excrementos, não é uma patologia rara: há pessoas que preferem odores nauseabundos a perfumes sutís e sentem-se à vontade chafurdando em porcarias. Para esses, o cenário curitibano atual é um prato cheio.
Frankfurt e Nazaré - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O GLOBO - 13/10
A Alemanha não é mais a mesma. Aqui no hotel onde estou, faltou água na segunda e na terça passadas
Receio que minha vinda aqui à feira do livro de Frankfurt não tenha causado grande impressão lá em Itaparica. Antes de vir para cá, dei uns telefonemas para um seleto grupo de conterrâneos e acho que o único resultado que obtive foi a confirmação da opinião do meu saudoso amigo Luiz Cuiuba, segundo a qual eu sempre tive uns problemas na ideia, como, aliás, também suspeitava dona Madalena, nossa professora primária. Não sei se já contei aqui que Cuiuba nem sequer me considerava escritor e fazia umas caretinhas de mofa, quando eu insistia que era. Ele tinha lá suas razões, porque uma vez, numa tertúlia realizada no Mercado, durante uma discussão para saber quem era capaz de citar mais nomes de peixe (marcas de peixe, como lá se diz), ele se envolveu numa discussão acalorada com Ioiô Saldanha, seu oponente na contenda. Depois de várias alegações, por ambos os debatedores, de que certos peixes já haviam sido citados antes, Cuiuba propôs uma solução.
— Este daqui — disse ele, me batendo a mão nas costas — é escritor. Então é só a gente pegar um papel e um lápis aqui na banca de Sete Ratos e ele aí vai escrevendo as marcas de peixe. Se repetir, é só conferir na lista.
— Você está maluco, Cuiuba, eu vou passar a manhã inteira aqui, escrevendo marcas de peixe para você e Ioiô?
— Ô, você não vive espalhando aí que é escritor? Eu mesmo lhe conheço desde menino, mas nunca vi você escrever nada, só escuto é muita conversa. Bom de gogó você sempre foi, porque saiu a seu avô, embora não chegue nem aos pés dele em matéria de discurso. Agora, escrever eu nunca vi foi nada e, na hora em que a gente chama para escrever uma besteira de uma lista de peixe, você tira o corpo fora. Bonito escritor esse, que nem uma lista de peixe acerta a escrever.
— Eu escrevo livro, artigo de jornal...
— Pra suas negas! Vá contar lorota no Rio de Janeiro, onde ninguém lhe conhece como o povo daqui, que já viu foi você roubando galinha do quintal de sua avó, junto com Bertinho Borba e Bertinho Penico! Um homem que acerta a escrever um livro não vai acertar a escrever uma lista de marca de peixe? Me venha com outra, meu compadre, porque com essa você não pega nem Nezinho Leso, que, aliás, deve ser seu primo, porque não sei qual dos dois é mais leso. Chega de enrolação, vai escrever a lista ou não vai?
— Não, não vou, claro que não vou.
— Então está provado, reprovado e treprovado, aqui na frente de todos, que essa conversa de escritor é para impressionar otário, mas a mim você não vai mais me tapear e, aliás, nunca tapeou. Professora Madalena sempre disse que você tinha um problema na ideia. Professora Madalena...
Creio que a passagem do tempo não melhorou muito minha situação. Quando consegui falar com Xepa, pude perceber bem isso. Contei a ele que estava de partida para a feira de Frankfurt e sua voz soou preocupada. Já tinha escutado essa notícia e, para ser sincero, ficara um pouco aflito. Não que desse inteira razão à professora Madalena, quanto a meu conhecido problema na ideia, mas aquele negócio de eu viajar para a Alemanha para fazer feira...
— Eu vou para a feira do livro, Xepa.
— Ah, diga isso, que alívio! Aqui a conversa era que você agora ia fazer feira na Alemanha. A pessoa normal daqui faz feira em Nazaré das Farinhas, na Alemanha nunca ouvi falar, só maluco mesmo. Mas aí está certo, agora eu compreendi. Ninguém compra seus livros aqui no Brasil e aí você resolveu montar sua barraquinha de vender livro na feira da Alemanha, está certo, cada qual procura suas melhoras. Aqui não está dando, o negócio é procurar um lugar onde o povo tenha mais dinheiro para gastar com bobagem, está certo, muito inteligente de sua parte, eu aprovo. Tomara que venda bastante. Manolo me disse que você ainda está com uma conta pendurada no Bar de Espanha e Beto Atlântico disse que estava marcando viagem para o Rio para lhe oferecer um adjutório e ver se não era caso de lhe internar, graças a Deus que é sua barraquinha de livros. Já tirou licença na prefeitura da Alemanha, está tudo regularizado? Lá tem de estar tudo nas pontas, tudo certinho, senão eles fuzilam, alemão não é graça, confira a papelada toda!
Bem, agora estou aqui e não trouxe a barraquinha, nem vou ter condição de fazer isso assim em cima da hora, até porque Xepa sabe das coisas e não quero ser fuzilado por falta do alvará. Mas seria uma grande ideia e espero que, na próxima feira de Frankfurt, eu possa compor uma cooperativa de escritores igualmente premidos pelo baixo faturamento do setor e estabelecer nossa barraquinha. Mas creio que livros não sejam a melhor mercadoria, porque, mesmo aqui na Alemanha, nestes tempos de crise econômica na Europa, não deve haver tanta gente assim, disposta a gastar dinheiro com bobagens. Fiz uma pesquisa rápida e não encontrei farinha de mandioca, rapadura, coentro fresco, jerimum, jabá da boa, cachaça, fumo de corda, azeite de dendê, camarão seco e diversos outros gêneros de primeira necessidade que — vejam como são as coisas — os alemães, um povo tão adiantado, não conhecem. Aliás, a verdade é que a Alemanha não é mais a mesma. Aqui no hotel onde estou, faltou água na segunda e na terça passadas. Um pouco embaraçada, a moça da recepção me explicou que a situação era passageira e que, caso os hóspedes necessitassem usar o banheiro, havia outro hotel por perto, onde nos dariam acesso a um banheiro. Achei meio chato talvez fazer fila na rua, estremunhado, de roupão e com a escova de dente na mão e preferi esperar que a água voltasse. Duvido que isso acontecesse em Nazaré.
A Alemanha não é mais a mesma. Aqui no hotel onde estou, faltou água na segunda e na terça passadas
Receio que minha vinda aqui à feira do livro de Frankfurt não tenha causado grande impressão lá em Itaparica. Antes de vir para cá, dei uns telefonemas para um seleto grupo de conterrâneos e acho que o único resultado que obtive foi a confirmação da opinião do meu saudoso amigo Luiz Cuiuba, segundo a qual eu sempre tive uns problemas na ideia, como, aliás, também suspeitava dona Madalena, nossa professora primária. Não sei se já contei aqui que Cuiuba nem sequer me considerava escritor e fazia umas caretinhas de mofa, quando eu insistia que era. Ele tinha lá suas razões, porque uma vez, numa tertúlia realizada no Mercado, durante uma discussão para saber quem era capaz de citar mais nomes de peixe (marcas de peixe, como lá se diz), ele se envolveu numa discussão acalorada com Ioiô Saldanha, seu oponente na contenda. Depois de várias alegações, por ambos os debatedores, de que certos peixes já haviam sido citados antes, Cuiuba propôs uma solução.
— Este daqui — disse ele, me batendo a mão nas costas — é escritor. Então é só a gente pegar um papel e um lápis aqui na banca de Sete Ratos e ele aí vai escrevendo as marcas de peixe. Se repetir, é só conferir na lista.
— Você está maluco, Cuiuba, eu vou passar a manhã inteira aqui, escrevendo marcas de peixe para você e Ioiô?
— Ô, você não vive espalhando aí que é escritor? Eu mesmo lhe conheço desde menino, mas nunca vi você escrever nada, só escuto é muita conversa. Bom de gogó você sempre foi, porque saiu a seu avô, embora não chegue nem aos pés dele em matéria de discurso. Agora, escrever eu nunca vi foi nada e, na hora em que a gente chama para escrever uma besteira de uma lista de peixe, você tira o corpo fora. Bonito escritor esse, que nem uma lista de peixe acerta a escrever.
— Eu escrevo livro, artigo de jornal...
— Pra suas negas! Vá contar lorota no Rio de Janeiro, onde ninguém lhe conhece como o povo daqui, que já viu foi você roubando galinha do quintal de sua avó, junto com Bertinho Borba e Bertinho Penico! Um homem que acerta a escrever um livro não vai acertar a escrever uma lista de marca de peixe? Me venha com outra, meu compadre, porque com essa você não pega nem Nezinho Leso, que, aliás, deve ser seu primo, porque não sei qual dos dois é mais leso. Chega de enrolação, vai escrever a lista ou não vai?
— Não, não vou, claro que não vou.
— Então está provado, reprovado e treprovado, aqui na frente de todos, que essa conversa de escritor é para impressionar otário, mas a mim você não vai mais me tapear e, aliás, nunca tapeou. Professora Madalena sempre disse que você tinha um problema na ideia. Professora Madalena...
Creio que a passagem do tempo não melhorou muito minha situação. Quando consegui falar com Xepa, pude perceber bem isso. Contei a ele que estava de partida para a feira de Frankfurt e sua voz soou preocupada. Já tinha escutado essa notícia e, para ser sincero, ficara um pouco aflito. Não que desse inteira razão à professora Madalena, quanto a meu conhecido problema na ideia, mas aquele negócio de eu viajar para a Alemanha para fazer feira...
— Eu vou para a feira do livro, Xepa.
— Ah, diga isso, que alívio! Aqui a conversa era que você agora ia fazer feira na Alemanha. A pessoa normal daqui faz feira em Nazaré das Farinhas, na Alemanha nunca ouvi falar, só maluco mesmo. Mas aí está certo, agora eu compreendi. Ninguém compra seus livros aqui no Brasil e aí você resolveu montar sua barraquinha de vender livro na feira da Alemanha, está certo, cada qual procura suas melhoras. Aqui não está dando, o negócio é procurar um lugar onde o povo tenha mais dinheiro para gastar com bobagem, está certo, muito inteligente de sua parte, eu aprovo. Tomara que venda bastante. Manolo me disse que você ainda está com uma conta pendurada no Bar de Espanha e Beto Atlântico disse que estava marcando viagem para o Rio para lhe oferecer um adjutório e ver se não era caso de lhe internar, graças a Deus que é sua barraquinha de livros. Já tirou licença na prefeitura da Alemanha, está tudo regularizado? Lá tem de estar tudo nas pontas, tudo certinho, senão eles fuzilam, alemão não é graça, confira a papelada toda!
Bem, agora estou aqui e não trouxe a barraquinha, nem vou ter condição de fazer isso assim em cima da hora, até porque Xepa sabe das coisas e não quero ser fuzilado por falta do alvará. Mas seria uma grande ideia e espero que, na próxima feira de Frankfurt, eu possa compor uma cooperativa de escritores igualmente premidos pelo baixo faturamento do setor e estabelecer nossa barraquinha. Mas creio que livros não sejam a melhor mercadoria, porque, mesmo aqui na Alemanha, nestes tempos de crise econômica na Europa, não deve haver tanta gente assim, disposta a gastar dinheiro com bobagens. Fiz uma pesquisa rápida e não encontrei farinha de mandioca, rapadura, coentro fresco, jerimum, jabá da boa, cachaça, fumo de corda, azeite de dendê, camarão seco e diversos outros gêneros de primeira necessidade que — vejam como são as coisas — os alemães, um povo tão adiantado, não conhecem. Aliás, a verdade é que a Alemanha não é mais a mesma. Aqui no hotel onde estou, faltou água na segunda e na terça passadas. Um pouco embaraçada, a moça da recepção me explicou que a situação era passageira e que, caso os hóspedes necessitassem usar o banheiro, havia outro hotel por perto, onde nos dariam acesso a um banheiro. Achei meio chato talvez fazer fila na rua, estremunhado, de roupão e com a escova de dente na mão e preferi esperar que a água voltasse. Duvido que isso acontecesse em Nazaré.
Ueba! Eike vai pro Bolsa Familiax! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 13/10
E o PSDB é o Benjamin Button que deu errado: nasceu velho e continua velho! É O NOVO!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Festival de Piadas Prontas! "Narcisa Tamborindeguy se filia ao partido errado". Ai, que ferradura! Confundiu o PSD com PSDB. Imagine na hora de votar!
Um cara no Twitter disse que a Narcisa devia entrar pro LSD! Porque ela parece um fliperama que deu "tilt"!
Ela tem mania de abrir a janela do apartamento e gritar: "Rio, eu te amo!". E todo mundo acha lindo. Se um corintiano abre a janela e grita, o vizinho chama a polícia! Rarará!
Outra piada pronta: "Enquanto confessa os pecados, mulher furta padre na catedral de Ribeirão Preto". A mulher furtou o iPhone 5 do padre. Mas roubar iPhone 5 não é pecado, é necessidade. Furto famélico.
Outra: "Menino entra no hospital para realizar cirurgia na língua e o médico opera a fimose, em Ponta Grossa". Isso que é falta de comunicação. E o médico não era cubano!
E essa: "Ideli Salvatti usa helicóptero do Samu para périplos em Santa Catarina".
É o IDELICÓPTERO! Tudo certo: como ela se chama Salvatti, usou o Samu! Samu salvatti a Ideli!
E diz que o Eike vai entrar pro Bolsa Família. BOLSA FAMILIAX! Rarará!
E essa dupla? Eduardo Marina. Marinardo e Eduina! A Marina parece o Vasco: tanto barulho pra ser vice no final!
A Marina se filiou ao PSB, que filiou dois socialistas convictos: Heráclito Fortes, do DEM, e Bornhausen, do DEM. Deu Em Merda!
O Partido Socialista Brasileiro filia qualquer um, contanto que não seja socialista!
Então estamos assim: o PT se junta ao Maluf e ao Sarney. Marina se filia ao PSB, que filiou Heráclito Fortes e Bornhausen.
E o PSDB é o Benjamin Button que deu errado: nasceu velho e continuou velho! É O NOVO!
E eu não entendo nada que a Marina fala. Fala grego, com legenda em curdo e dublado em sânscrito. Parece filme da Mostra! Rarará!
Marinardo e Eduina. Lua de mel do barulho. No segundo dia da lua de mel, a Marina teve uma crise alérgica. Por isso que o Campos tem aquele olho esbugalhado. "Tô com alergia". "JÁ?". E esbugalha o olho! Rarará!
O Campos tem um ovo frito de cada lado do nariz! Ovo verde! Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
E o PSDB é o Benjamin Button que deu errado: nasceu velho e continua velho! É O NOVO!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Festival de Piadas Prontas! "Narcisa Tamborindeguy se filia ao partido errado". Ai, que ferradura! Confundiu o PSD com PSDB. Imagine na hora de votar!
Um cara no Twitter disse que a Narcisa devia entrar pro LSD! Porque ela parece um fliperama que deu "tilt"!
Ela tem mania de abrir a janela do apartamento e gritar: "Rio, eu te amo!". E todo mundo acha lindo. Se um corintiano abre a janela e grita, o vizinho chama a polícia! Rarará!
Outra piada pronta: "Enquanto confessa os pecados, mulher furta padre na catedral de Ribeirão Preto". A mulher furtou o iPhone 5 do padre. Mas roubar iPhone 5 não é pecado, é necessidade. Furto famélico.
Outra: "Menino entra no hospital para realizar cirurgia na língua e o médico opera a fimose, em Ponta Grossa". Isso que é falta de comunicação. E o médico não era cubano!
E essa: "Ideli Salvatti usa helicóptero do Samu para périplos em Santa Catarina".
É o IDELICÓPTERO! Tudo certo: como ela se chama Salvatti, usou o Samu! Samu salvatti a Ideli!
E diz que o Eike vai entrar pro Bolsa Família. BOLSA FAMILIAX! Rarará!
E essa dupla? Eduardo Marina. Marinardo e Eduina! A Marina parece o Vasco: tanto barulho pra ser vice no final!
A Marina se filiou ao PSB, que filiou dois socialistas convictos: Heráclito Fortes, do DEM, e Bornhausen, do DEM. Deu Em Merda!
O Partido Socialista Brasileiro filia qualquer um, contanto que não seja socialista!
Então estamos assim: o PT se junta ao Maluf e ao Sarney. Marina se filia ao PSB, que filiou Heráclito Fortes e Bornhausen.
E o PSDB é o Benjamin Button que deu errado: nasceu velho e continuou velho! É O NOVO!
E eu não entendo nada que a Marina fala. Fala grego, com legenda em curdo e dublado em sânscrito. Parece filme da Mostra! Rarará!
Marinardo e Eduina. Lua de mel do barulho. No segundo dia da lua de mel, a Marina teve uma crise alérgica. Por isso que o Campos tem aquele olho esbugalhado. "Tô com alergia". "JÁ?". E esbugalha o olho! Rarará!
O Campos tem um ovo frito de cada lado do nariz! Ovo verde! Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
O compasso do atraso - ANA DUBUEX
CORREIO BRAZILIENSE - 13/10
Um passo à frente, dois para trás. A política brasileira não dança conforme toca a banda da democracia. Prefere seguir o ritmo de uma espécie de sinfonia da corrupção e do mau uso dos bens e recursos públicos, uma composição sem ponto final - a cada mandato, soma-se uma, duas ou mais notas que nos enchem de vergonha. Algumas recentes reportagens publicadas pelo Correio somam-se ao enfadonho repertório da política nacional. Duas delas, de autoria do repórter João Valadares, são a prova do descompasso total entre as atitudes dos políticos e o que a população espera deles.
Começamos a semana com a notícia de que a ministra de Relações Institucionais, Ideli Savaltti, usa - ou abusa - de um helicóptero da Polícia Rodoviária Federal de Santa Catarina, o único na região usado em operações de resgate, para visitar suas bases eleitorais. Sob o pretexto de representar o governo em missões oficiais, a ministra não se acanha em voar à custa do erário, por interesse pessoal e eleitoral, e ainda considera muito normal a prática. O Ministério Público Federal não achou tão óbvia assim a necessidade de uso da aeronave e pediu explicações. Vamos ver se alguma providência será tomada.
Na última quinta-feira, a editoria chefiada por Leonardo Cavalcanti mostrou outra história absurda. Um cartório eleitoral de Águas Claras registrou a ficha de apoio de uma pessoa morta, apresentada pelo Solidariedade. Não foi a primeira vez que o partido idealizado em 2012 pelo deputado Paulinho da Força tentou burlar as regras eleitorais. Na semana anterior, o Correio denunciou história semelhante, no cartório da Asa Norte. Com casos flagrantes de abusos como esses, o Solidariedade está sob investigação da Polícia Federal, a pedido do Ministério Público Eleitoral. Mas há uma pergunta que não se cala nunca no Brasil: e aí, vai dar em alguma coisa?
Tal pergunta é especialmente pertinente num momento em que voltamos a falar sobre um assunto que julgávamos superado: os salários extras no Congresso Nacional. A tentativa de impedir o recolhimento do imposto de renda sobre os benefícios a que nenhum outro trabalhador brasileiro tem direito parece que vingará. Com base na decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ligado ao Ministério da Fazenda, o Senado quer pedir a devolução dos valores pagos à Receita Federal, que passou a cobrá-los em 2012. O recurso que qualifica os 14º e 15º salários como ajuda de custo e não como salário é de autoria da ação de Ideli Salvatti, a ministra do helicóptero.
Atletas chumbados - DORRIT HARAZIM
O GLOBO - 13/10
Paul Oliver tinha 29 anos quando se matou com um tiro na cabeça, três semanas atrás.
Ray Easterling tinha 62 ao se suicidar em abril de 2012. Um mês depois, foi Junior Seau, de 43 anos, que despencou com seu Cadillac SUV de um barranco, sobreviveu, mas conseguiu tirar a própria vida com um tiro de fuzil, em casa. André Waters tinha só 44 anos quando se suicidou e Terry Long mal chegara aos 45 ao ingerir substância venenosa para não mais se atormentar.
Dave Duerson, de 50 anos, que se fuzilou dois anos atrás, teve o cuidado de atirar no peito para deixar a cabeça intacta. Despedira-se dos familiares através de uma mensagem SMS na qual pedia que seu cérebro fosse encaminhado a um centro de pesquisa específico da Escola de Medicina da Boston University.
Todos eram ex-jogadores profissionais de futebol americano, veteranos de um dos 32 times da National Football League (NFL), a poderosa e bilionária entidade que rege o esporte mais popular nos Estados Unidos. Todos sofriam de encefalopatia traumática crônica (ETC), doença neurodegenerativa progressiva causada por repetidos golpes na cabeça. Seus sintomas incluem mudança de personalidade, perda de memória, depressão, demência e comportamento errático.
As consequências dos impactos inerentes ao tipo de esporte de contato que é o futebol americano vêm sendo estudadas, apontadas e denunciadas há mais de uma década. E por mais de uma década a NFL tem conseguido protelar o pleno reconhecimento de que há uma relação de causa e efeito.
Mesmo quando aceitou pagar US$ 765 milhões de indenização aos 4.500 jogadores aposentados que moveram uma ação contra a entidade. Pelos termos do acordo, selado dois meses atrás, o pagamento de indenização não representa admissão de culpa por parte da NFL. Ele também exime a Liga de revelar o que sabia e desde quando sabia das consequências das concussões. Sobretudo, alivia a entidade processada por quase um quarto de seus ex-atletas de explicar por que nada fez para informar e alertálos dos riscos.
Um extraordinário documentário de duas horas, intitulado "League of Denial", exibido esta semana pela rede pública PBS (programa "Frontline"), retomou o tema de forma seminal.
E demonstrou a força do jornalismo investigativo à moda antiga. Baseado no livro homônimo dos irmãos Mark Fainaru-Wada e Steve Fainaru, ambos repórteres da ESPN, o programa exigiu dezoito meses de trabalho.
Nele, vê-se que Mike Webster, veterano do Pittsburgh Steelers, estava tão devastado pela demência no final da vida que tinha de ser imobilizado pela família com raios de pistola Taser para conseguir adormecer. Webster morreu em 2002, aos 50 anos. Foi o primeiro ex-atleta a ter o cérebro analisado por Bennet Omalu, pioneiro na pesquisa das sequelas neurodegenerativas relacionadas ao futebol americano, com diagnóstico póstumo de ETC.
À época, o patologista Omalu, nascido na Nigéria, foi prontamente acusado de praticar "medicina vodu" pela NFL. E uma comissão de investigação própria criada pela Liga, chefiada por um reumatologista, concluía que as lesões traumáticas sofridas no futebol americano não eram severas.
Também atestava não haver risco significativo de um segundo dano na mesma partida ou ao longo da temporada caso um atleta voltasse a campo após sofrer uma concussão. As duas afirmações de 2002 se revelaram desastrosas.
Foram necessários outros cinco anos de pressões e fatalidades até a Liga se assustar com o quadro e instituir um disque-denúncia caso um atleta seja obrigado a entrar em campo contra recomendação médica.
Mesmo assim, um banco de dados sobre concussões computou 160 jogadores vítimas de pancadas fortes na temporada 2012/2013, segundo relatórios oficiais dos times, o que significa um aumento de 12,7% em relação à temporada anterior. Pior: metade deles retornou a campo no jogo seguinte.
O Centro de Estudos de Encefalopatia Traumática da Boston University, para a qual o suicida Dave Duerson pedira que seu cérebro fosse enviado, encontrou a doença em 45 dos 56 cérebros de ex-jogadores da NFL estudados.
"Receio que todo atleta da Liga possa estar sofrendo de alguma sequela decorrente das sucessivas pancadas.
Me pergunto onde isso vai parar", conclui sombriamente a chefe da equipe, a neurologista Anne McKee.
Até recentemente a Liga podia argumentar que a pesquisa era viciada pois os estudiosos tiveram acesso apenas a cérebros de atletas que haviam sofrido deterioração física extrema.
E repisava problemas inerentes a diagnósticos póstumos.
Felizmente, desde janeiro deste ano, pesquisadores da Universidade da Califórnia (entre eles o "médico vodu" que já incomodava a NFL onze anos atrás) conseguiram pela primeira vez diagnosticar a ETC em pacientes vivos - cinco ex-jogadores da Liga, de idades entre 45 e 73 anos. Embora ainda em fase preliminar, o estudo piloto já é considerado uma espécie de Santo Graal para o futuro combate à doença.
Caso a NFL se dispusesse, ela poderia financiar este teste para todos os jogadores da Liga. Em valores de hoje, o custo global estimado de US$ 9,9 milhões seria equivalente a 0,1% de sua renda anual. Dinheiro nunca parece ser problema para a NFL. Vale lembrar que cada anúncio de 30 segundos no intervalo do Super Bowl, o jogo de final da temporada do ano, custa US$ 3,5 milhões. Trata-se da mais cobiçada vitrine publicitária do mundo.
Um diagnóstico em tempo real capaz de apontar a presença da proteína corrosiva causadora da ETC poderá ajudar atletas em atividade a decidir se querem parar para prevenir mais danos.
Ainda assim, para eles, será uma decisão a posteriori. É a garotada que inveja a saúde, a fama e a fortuna dos heróis da NFL que deveria assistir à "League of Denial". E seus pais também.
Ray Easterling tinha 62 ao se suicidar em abril de 2012. Um mês depois, foi Junior Seau, de 43 anos, que despencou com seu Cadillac SUV de um barranco, sobreviveu, mas conseguiu tirar a própria vida com um tiro de fuzil, em casa. André Waters tinha só 44 anos quando se suicidou e Terry Long mal chegara aos 45 ao ingerir substância venenosa para não mais se atormentar.
Dave Duerson, de 50 anos, que se fuzilou dois anos atrás, teve o cuidado de atirar no peito para deixar a cabeça intacta. Despedira-se dos familiares através de uma mensagem SMS na qual pedia que seu cérebro fosse encaminhado a um centro de pesquisa específico da Escola de Medicina da Boston University.
Todos eram ex-jogadores profissionais de futebol americano, veteranos de um dos 32 times da National Football League (NFL), a poderosa e bilionária entidade que rege o esporte mais popular nos Estados Unidos. Todos sofriam de encefalopatia traumática crônica (ETC), doença neurodegenerativa progressiva causada por repetidos golpes na cabeça. Seus sintomas incluem mudança de personalidade, perda de memória, depressão, demência e comportamento errático.
As consequências dos impactos inerentes ao tipo de esporte de contato que é o futebol americano vêm sendo estudadas, apontadas e denunciadas há mais de uma década. E por mais de uma década a NFL tem conseguido protelar o pleno reconhecimento de que há uma relação de causa e efeito.
Mesmo quando aceitou pagar US$ 765 milhões de indenização aos 4.500 jogadores aposentados que moveram uma ação contra a entidade. Pelos termos do acordo, selado dois meses atrás, o pagamento de indenização não representa admissão de culpa por parte da NFL. Ele também exime a Liga de revelar o que sabia e desde quando sabia das consequências das concussões. Sobretudo, alivia a entidade processada por quase um quarto de seus ex-atletas de explicar por que nada fez para informar e alertálos dos riscos.
Um extraordinário documentário de duas horas, intitulado "League of Denial", exibido esta semana pela rede pública PBS (programa "Frontline"), retomou o tema de forma seminal.
E demonstrou a força do jornalismo investigativo à moda antiga. Baseado no livro homônimo dos irmãos Mark Fainaru-Wada e Steve Fainaru, ambos repórteres da ESPN, o programa exigiu dezoito meses de trabalho.
Nele, vê-se que Mike Webster, veterano do Pittsburgh Steelers, estava tão devastado pela demência no final da vida que tinha de ser imobilizado pela família com raios de pistola Taser para conseguir adormecer. Webster morreu em 2002, aos 50 anos. Foi o primeiro ex-atleta a ter o cérebro analisado por Bennet Omalu, pioneiro na pesquisa das sequelas neurodegenerativas relacionadas ao futebol americano, com diagnóstico póstumo de ETC.
À época, o patologista Omalu, nascido na Nigéria, foi prontamente acusado de praticar "medicina vodu" pela NFL. E uma comissão de investigação própria criada pela Liga, chefiada por um reumatologista, concluía que as lesões traumáticas sofridas no futebol americano não eram severas.
Também atestava não haver risco significativo de um segundo dano na mesma partida ou ao longo da temporada caso um atleta voltasse a campo após sofrer uma concussão. As duas afirmações de 2002 se revelaram desastrosas.
Foram necessários outros cinco anos de pressões e fatalidades até a Liga se assustar com o quadro e instituir um disque-denúncia caso um atleta seja obrigado a entrar em campo contra recomendação médica.
Mesmo assim, um banco de dados sobre concussões computou 160 jogadores vítimas de pancadas fortes na temporada 2012/2013, segundo relatórios oficiais dos times, o que significa um aumento de 12,7% em relação à temporada anterior. Pior: metade deles retornou a campo no jogo seguinte.
O Centro de Estudos de Encefalopatia Traumática da Boston University, para a qual o suicida Dave Duerson pedira que seu cérebro fosse enviado, encontrou a doença em 45 dos 56 cérebros de ex-jogadores da NFL estudados.
"Receio que todo atleta da Liga possa estar sofrendo de alguma sequela decorrente das sucessivas pancadas.
Me pergunto onde isso vai parar", conclui sombriamente a chefe da equipe, a neurologista Anne McKee.
Até recentemente a Liga podia argumentar que a pesquisa era viciada pois os estudiosos tiveram acesso apenas a cérebros de atletas que haviam sofrido deterioração física extrema.
E repisava problemas inerentes a diagnósticos póstumos.
Felizmente, desde janeiro deste ano, pesquisadores da Universidade da Califórnia (entre eles o "médico vodu" que já incomodava a NFL onze anos atrás) conseguiram pela primeira vez diagnosticar a ETC em pacientes vivos - cinco ex-jogadores da Liga, de idades entre 45 e 73 anos. Embora ainda em fase preliminar, o estudo piloto já é considerado uma espécie de Santo Graal para o futuro combate à doença.
Caso a NFL se dispusesse, ela poderia financiar este teste para todos os jogadores da Liga. Em valores de hoje, o custo global estimado de US$ 9,9 milhões seria equivalente a 0,1% de sua renda anual. Dinheiro nunca parece ser problema para a NFL. Vale lembrar que cada anúncio de 30 segundos no intervalo do Super Bowl, o jogo de final da temporada do ano, custa US$ 3,5 milhões. Trata-se da mais cobiçada vitrine publicitária do mundo.
Um diagnóstico em tempo real capaz de apontar a presença da proteína corrosiva causadora da ETC poderá ajudar atletas em atividade a decidir se querem parar para prevenir mais danos.
Ainda assim, para eles, será uma decisão a posteriori. É a garotada que inveja a saúde, a fama e a fortuna dos heróis da NFL que deveria assistir à "League of Denial". E seus pais também.
O governo da insegurança jurídica - SACHA CALMON
CORREIO BRAZILIENSE - 13/10
Edmar Bacha com Pérsio Arida, Gustavo Franco, André Lara Resende, Francisco Lopes e outros economistas foram os idealizadores e detalhadores do Plano Real, quando Fernando Henrique Cardoso foi ministro da Fazenda de Itamar Franco. São merecedores da gratidão do povo brasileiro por extirparem a hiperinflação, dando ao país, apesar da oposição e da maledicência dos Lulas e Mercadantes, a estabilidade econômica que desde então passamos a ter e que tanto beneficiou os governos de Lula e Dilma, até mais que ao PSDB, batido por sucessivas crises mundiais e prejudicado pela âncora cambial exigida nos primeiros anos do real, para mantê-lo próximo do dólar, após o "milagre" da URV, que era indexada à moeda americana. Era uma moeda - ponte entre a velha e a nova, o atual real. Deu certo, pela primeira vez, na história brasileira, em "sua luta ferrenha contra a inflação" (Míriam Leitão).
Pois bem, a atual gestão, com seus gastos, incentivos ao consumo e mudança de regras, está deteriorando o país e impedindo os investimentos privados em infraestrutura, como já reconhecido pelo governo. Quem faz a assertiva é o consagrado economista a quem conheci na juventude, já brilhante e sagaz. Diz ele: "Os modelos de concessões e de parcerias público-privadas elaborados até o momento pelo governo federal na área de infraestrutura são "inadequados" e inibem a competitividade. No setor de petróleo, a adoção do regime de partilha para exploração do petróleo do pré-sal na Bacia de Santos promove "o encarecimento da exploração com requisitos excessivos de intervenção estatal e de conteúdo nacional"". O documento foi lido no fórum nacional promovido há semanas pelo ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, presidente do Instituto Nacional de Altos Estudos, instituição apartidária. "O mau desenho do primeiro leilão dos aeroportos propiciou um resultado que desagradou até o próprio governo", disse ainda, referindo-se ao realizado em fevereiro, que incluiu os aeroportos de Guarulhos (SP), Viracopos (SP) e Brasília. "Quanto às rodovias, nada fizeram durante oito anos. Agora mudaram as regras e vão tentar de novo. (.) Por enquanto, as realizações são desastrosas, mas as promessas de melhora continuam."
O ilustre economista, que preside o prestigiado Instituto de Estudos de Política Econômica-Casa das Garças, vem corroborar as observações que tenho feito sobre a incompetência do governo para lidar com as concessões. A incompetência é técnica e, ao mesmo tempo, ideológica. O governo é hostil à iniciativa privada por força do seu DNA político. Com efeito, ao idear os modelos de concessão, impelido pelo viés estatizante, amesquinha-os, afastando os investidores em razão das cláusulas regulatórias intervencionistas e restritivas do lucro, como se os investidores fossem obrigados a servir o Estado. Não é bem assim. Eles, além de pagar impostos, são donos do capital e do arrojo empreendedor, correndo o risco dos negócios. Quanto ao pré-sal, afirmou que, se explorado eficazmente, poderia, em breve, se unir à atual exploração dos minérios e à recente expansão da fronteira agrícola, para tornar o país uma potência na área de commodities. E tem inteira razão. Pelo contrato de partilha de produção, a propriedade do petróleo extraído é exclusiva do Estado. No caso de concessão, modelo seguido nas licitações anteriores, a propriedade do petróleo extraído em uma certa área, e por um certo período de tempo, é exclusiva do concessionário, em troca de uma compensação financeira, a atuar num mercado livre.
Significa que, no regime de partilha, as companhias de petróleo são meras "prestadoras de serviço", a receberem óleo em troca dos serviços, e ficam dependentes do humor do governo, a mesma coisa que o Evo Morales fez conosco ao "nacionalizar" as refinarias da Petrobras na Bolívia. Não gostamos nada da proposta e não a aceitamos. Além do mais, ao trocar o regime de concessão pelo de partilha, prejudicando o esforço das petroleiras, o modelo ideado pelo governo Lula-Dilma obrigou todo mundo a ter a Petrobras como sócia em 30%, graciosamente, logo ela que teve a sua nota recentemente rebaixada pela Agência Moods, graças à enorme dívida e a cada vez menor geração de caixa, pelo congelamento dos preços da gasolina, imposto pelo governo, prejudicando-a.
De fato, é muita confusão para poucos resultados. As quatro companhias mais poderosas do mundo resolveram não participar do leilão de Libra. Sabem que tem petróleo lá embaixo mas é caro tirá-lo, grande a ambição da Petrobras e muito pouco confiável o governo do Brasil. O ambiente de negócios no país padece de profunda insegurança jurídica. Até quando?
O alvo é São Paulo - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 13/10
A prioridade imediata do candidato Eduardo Campos é fincar os pés em São Paulo. Ele avalia que há espaço vazio. Pela primeira vez, desde a redemocratização, os paulistas não têm candidato ao Planalto. “São Paulo é o terceiro estado nordestino do Brasil. É mais fácil um gaúcho, um mineiro ou um nordestino entrar lá? diz. Eduardo espera ter o apoio de pedaço do PSDB paulista.
A aposta petista
Um petista explica por que o ex-presidente Lula não quer que Eduardo Campos e Marina Silva sejam tratados como inimigos. Isso não se deve apenas à crença de Lula de que a real disputa será contra o tucano Aécio Neves e que, num segundo turno, os eleitores do socialista tendem a migrar para a presidente Dilma. Mas também porque, apesar do pacto de convivência entre Eduardo e Aécio, crê ser inevitável um confronto entre eles para ver quem irá para o segundo turno. Quanto aos estados, em grandes colégios eleitorais, como São Paulo, Minas Gerais e Paraná, o PSB já está com os tucanos. No Rio e no Ceará, o partido foi destroçado; e, na Bahia, o PSB depende do PT.
“Precisamos resolver isso enquanto há tempo. Falam que está muito longe (das eleições), mas melhor muito longe do que tarde demais”
Eunício Oliveira
Líder do PMDB no Senado e candidato ao governo do Ceará
Mudança de plano
Há sinalização de que a presidente Dilma quer fazer o secretário-executivo da Previdência, Carlos Gabas, ministro da Casa Civil, no lugar de Gleisi Hoffmann. Aloizio Mercadante (Educação) sairá do governo para coordenar sua campanha.
Voto de silêncio
Socialistas respiram aliviados. Marina Silva deu sinais de que limitará seu veto ao deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO). Eles contam que ela não pretende hostilizar o presidente do PSB de Santa Catarina, Paulo Bornhausen, filho do ex-presidente do antigo PFL Jorge Bornhausen. Ele se filiou com o aval de Eduardo Campos.
Espionagem internacional
A presidente Dilma recebeu em audiência Neelie Kroes, uma das vices da União Europeia. Ela disse que “a presidente Dilma demonstrou sua forte crença na cooperação multilateral na governança da internet’ E sentenciou: “Apoio essa linha’
O programa
As prioridades do programa de governo do candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, segundo um dirigente tucano, são: “destravar a economia, combater a corrupção, estabelecer regras estáveis para o mercado e profissionalizar o funcionamento das agências reguladoras’. Não é conhecida ainda a abordagem para o social.
PSB na rede
O PSB estuda criar sistema de participação direta dos filiados, via internet, para que tenham peso e possam interferir nas votações do PSB na Câmara, Senado, Câmaras de Vereadores e Assembleias Legislativas. Já foi batizado de “PSB em rede’
Nova ponte
O ingresso da presidente da CNA e senadora Kátia Abreu ao PMDB foi bem recebido no Palácio do Planalto. Ela estabelece ponte com o setor do agronegócio. Historicamente, esses empresários resistem em apoiar o PT.
AGORA VAI. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) embarcou de mala e cuia na campanha presidencial do socialista Eduardo Campos (PE).
A prioridade imediata do candidato Eduardo Campos é fincar os pés em São Paulo. Ele avalia que há espaço vazio. Pela primeira vez, desde a redemocratização, os paulistas não têm candidato ao Planalto. “São Paulo é o terceiro estado nordestino do Brasil. É mais fácil um gaúcho, um mineiro ou um nordestino entrar lá? diz. Eduardo espera ter o apoio de pedaço do PSDB paulista.
A aposta petista
Um petista explica por que o ex-presidente Lula não quer que Eduardo Campos e Marina Silva sejam tratados como inimigos. Isso não se deve apenas à crença de Lula de que a real disputa será contra o tucano Aécio Neves e que, num segundo turno, os eleitores do socialista tendem a migrar para a presidente Dilma. Mas também porque, apesar do pacto de convivência entre Eduardo e Aécio, crê ser inevitável um confronto entre eles para ver quem irá para o segundo turno. Quanto aos estados, em grandes colégios eleitorais, como São Paulo, Minas Gerais e Paraná, o PSB já está com os tucanos. No Rio e no Ceará, o partido foi destroçado; e, na Bahia, o PSB depende do PT.
“Precisamos resolver isso enquanto há tempo. Falam que está muito longe (das eleições), mas melhor muito longe do que tarde demais”
Eunício Oliveira
Líder do PMDB no Senado e candidato ao governo do Ceará
Mudança de plano
Há sinalização de que a presidente Dilma quer fazer o secretário-executivo da Previdência, Carlos Gabas, ministro da Casa Civil, no lugar de Gleisi Hoffmann. Aloizio Mercadante (Educação) sairá do governo para coordenar sua campanha.
Voto de silêncio
Socialistas respiram aliviados. Marina Silva deu sinais de que limitará seu veto ao deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO). Eles contam que ela não pretende hostilizar o presidente do PSB de Santa Catarina, Paulo Bornhausen, filho do ex-presidente do antigo PFL Jorge Bornhausen. Ele se filiou com o aval de Eduardo Campos.
Espionagem internacional
A presidente Dilma recebeu em audiência Neelie Kroes, uma das vices da União Europeia. Ela disse que “a presidente Dilma demonstrou sua forte crença na cooperação multilateral na governança da internet’ E sentenciou: “Apoio essa linha’
O programa
As prioridades do programa de governo do candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, segundo um dirigente tucano, são: “destravar a economia, combater a corrupção, estabelecer regras estáveis para o mercado e profissionalizar o funcionamento das agências reguladoras’. Não é conhecida ainda a abordagem para o social.
PSB na rede
O PSB estuda criar sistema de participação direta dos filiados, via internet, para que tenham peso e possam interferir nas votações do PSB na Câmara, Senado, Câmaras de Vereadores e Assembleias Legislativas. Já foi batizado de “PSB em rede’
Nova ponte
O ingresso da presidente da CNA e senadora Kátia Abreu ao PMDB foi bem recebido no Palácio do Planalto. Ela estabelece ponte com o setor do agronegócio. Historicamente, esses empresários resistem em apoiar o PT.
AGORA VAI. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) embarcou de mala e cuia na campanha presidencial do socialista Eduardo Campos (PE).
'Faxina' virou pó - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 13/10
Apesar da recuperação na pesquisa Datafolha, Dilma Rousseff não retomou todo seu espaço no eleitorado de renda mais alta, que era refratário a Lula, mas que a presidente tinha conquistado nos primeiros anos de mandato. Em março, Dilma chegou a ter 51% das intenções de voto entre eleitores com renda superior a cinco salários mínimos. Despencou para 21% em junho e pontuou 31% agora. A erosão dá respaldo ao conselho de Lula para que a sucessora foque no eleitorado mais pobre.
Inflação Aécio Neves (PSDB) passou de 15% nas duas faixas mais altas de renda, em março, para 26%. Eduardo Campos (PSB) subiu de 5% para 17%. Marina Silva, que aparecia com 19% nesses grupos, hoje tem 35%.
Foco Após analisar a pesquisa, o governo vai intensificar as viagens de Dilma ao Nordeste para evitar o avanço de Campos e consolidar a vantagem da presidente na região, tradicional reduto do PT.
Menina dos olhos Uma das pontas de lança dessa operação será o Mais Médicos, concentrado em cidades do interior nordestino.
Hormônio O QG de Campos projetava na semana passada que o pernambucano só chegaria aos dois dígitos nas pesquisas em dezembro.
Que oposição? Eleitores críticos ao governo preferem Aécio a Campos, mas Marina é quem vai melhor nesse grupo. Entre quem julga Dilma ruim ou péssima, o tucano tem 33%, e o pessebista, 23%. Já Marina tem 43% desses votos, contra 27% de Aécio.
Fase de beijos Dilma tem melhor desempenho entre eleitores que não tomaram conhecimento sobre a aliança entre Marina e Campos. Ela tem 47% nesse grupo no cenário mais provável, contra 34% entre aqueles que se dizem "bem informados".
Marinou Já Campos tem seu melhor resultado no grupo de entrevistados bem informados sobre a coligação. Nesse extrato, ele empata tecnicamente com Aécio: vai a 24%, frente a 25% do mineiro.
Sem Lula Dilma voltou a crescer entre os eleitores que têm o PT como partido preferido. Depois de cair para 58% após os protestos, a presidente aparece com 71% no grupo.
Tela livre 1 Além de flexibilizar o entendimento sobre campanha antecipada na propaganda partidária, o vice-procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão, também acha que não cabe punição a políticos entrevistados em programas de TV, caso não peçam voto abertamente.
Tela livre 2 Pré-candidatos à Presidência fizeram périplo por programas populares nos últimos meses. Aécio foi alvo de representação de Sandra Cureau, antecessora de Aragão, por ter ido ao "Programa do Ratinho".
Alfarrábios Eduardo Campos anota todas as expressões de Marina que fogem ao seu "repertório", dizem aliados. Na última semana, tomou nota quando a ex-senadora falou que será necessário "metabolizar" a aliança e quando ela citou o psicanalista Jacques Lacan.
Voo... O PMDB na Câmara votou a favor da convocação do ministro da Aviação Civil na Comissão de Finanças e Tributação para explicar o leilão dos aeroportos.
... solo Há uma divisão no governo quanto a limitar a 15% a participação nos leilões de Galeão (RJ) e Confins (MG) de grupos que já possuem outras concessões.
Terminais A ala que é contra a barreira teme que concorrentes de peso sejam excluídos da disputa, com prejuízo para o governo. Franco defende o limite para evitar monopólio no setor.
tiroteio
"O problema da Marina com o agronegócio não é ideológico: é patológico. E Eduardo Campos parece que já foi contagiado."
DA SENADORA KÁTIA ABREU (PMDB-TO), presidente da CNA, sobre o veto de Marina Silva a Ronaldo Caiado (DEM-GO), que gerou protestos entre ruralistas.
contraponto
Melhor idade
Miguel Arraes era governador de Pernambuco quando aceitou convite de Márcio França (PSB) para participar de um evento de sua campanha para prefeito de São Vicente, em 1996. Conhecido por fumar cachimbo, o avô de Eduardo Campos, com quase 80 anos, acendeu um ao entrar no carro, com as janelas fechadas. O motorista começou a tossir, e Arraes perguntou ao correligionário:
--Você se importa se eu fumar aqui?
--Claro que não, doutor Arraes! --respondeu França.
--Que bom, porque estou velho demais para me preocupar com o que as pessoas gostam ou não...
Apesar da recuperação na pesquisa Datafolha, Dilma Rousseff não retomou todo seu espaço no eleitorado de renda mais alta, que era refratário a Lula, mas que a presidente tinha conquistado nos primeiros anos de mandato. Em março, Dilma chegou a ter 51% das intenções de voto entre eleitores com renda superior a cinco salários mínimos. Despencou para 21% em junho e pontuou 31% agora. A erosão dá respaldo ao conselho de Lula para que a sucessora foque no eleitorado mais pobre.
Inflação Aécio Neves (PSDB) passou de 15% nas duas faixas mais altas de renda, em março, para 26%. Eduardo Campos (PSB) subiu de 5% para 17%. Marina Silva, que aparecia com 19% nesses grupos, hoje tem 35%.
Foco Após analisar a pesquisa, o governo vai intensificar as viagens de Dilma ao Nordeste para evitar o avanço de Campos e consolidar a vantagem da presidente na região, tradicional reduto do PT.
Menina dos olhos Uma das pontas de lança dessa operação será o Mais Médicos, concentrado em cidades do interior nordestino.
Hormônio O QG de Campos projetava na semana passada que o pernambucano só chegaria aos dois dígitos nas pesquisas em dezembro.
Que oposição? Eleitores críticos ao governo preferem Aécio a Campos, mas Marina é quem vai melhor nesse grupo. Entre quem julga Dilma ruim ou péssima, o tucano tem 33%, e o pessebista, 23%. Já Marina tem 43% desses votos, contra 27% de Aécio.
Fase de beijos Dilma tem melhor desempenho entre eleitores que não tomaram conhecimento sobre a aliança entre Marina e Campos. Ela tem 47% nesse grupo no cenário mais provável, contra 34% entre aqueles que se dizem "bem informados".
Marinou Já Campos tem seu melhor resultado no grupo de entrevistados bem informados sobre a coligação. Nesse extrato, ele empata tecnicamente com Aécio: vai a 24%, frente a 25% do mineiro.
Sem Lula Dilma voltou a crescer entre os eleitores que têm o PT como partido preferido. Depois de cair para 58% após os protestos, a presidente aparece com 71% no grupo.
Tela livre 1 Além de flexibilizar o entendimento sobre campanha antecipada na propaganda partidária, o vice-procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão, também acha que não cabe punição a políticos entrevistados em programas de TV, caso não peçam voto abertamente.
Tela livre 2 Pré-candidatos à Presidência fizeram périplo por programas populares nos últimos meses. Aécio foi alvo de representação de Sandra Cureau, antecessora de Aragão, por ter ido ao "Programa do Ratinho".
Alfarrábios Eduardo Campos anota todas as expressões de Marina que fogem ao seu "repertório", dizem aliados. Na última semana, tomou nota quando a ex-senadora falou que será necessário "metabolizar" a aliança e quando ela citou o psicanalista Jacques Lacan.
Voo... O PMDB na Câmara votou a favor da convocação do ministro da Aviação Civil na Comissão de Finanças e Tributação para explicar o leilão dos aeroportos.
... solo Há uma divisão no governo quanto a limitar a 15% a participação nos leilões de Galeão (RJ) e Confins (MG) de grupos que já possuem outras concessões.
Terminais A ala que é contra a barreira teme que concorrentes de peso sejam excluídos da disputa, com prejuízo para o governo. Franco defende o limite para evitar monopólio no setor.
tiroteio
"O problema da Marina com o agronegócio não é ideológico: é patológico. E Eduardo Campos parece que já foi contagiado."
DA SENADORA KÁTIA ABREU (PMDB-TO), presidente da CNA, sobre o veto de Marina Silva a Ronaldo Caiado (DEM-GO), que gerou protestos entre ruralistas.
contraponto
Melhor idade
Miguel Arraes era governador de Pernambuco quando aceitou convite de Márcio França (PSB) para participar de um evento de sua campanha para prefeito de São Vicente, em 1996. Conhecido por fumar cachimbo, o avô de Eduardo Campos, com quase 80 anos, acendeu um ao entrar no carro, com as janelas fechadas. O motorista começou a tossir, e Arraes perguntou ao correligionário:
--Você se importa se eu fumar aqui?
--Claro que não, doutor Arraes! --respondeu França.
--Que bom, porque estou velho demais para me preocupar com o que as pessoas gostam ou não...
Cálculos de Mantega - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 13/10
O BNDES devolverá o dinheiro que lhe foi emprestado "dentro de alguns anos" garante o ministro Guido Mantega. Isso é a principal fonte da alta da dívida bruta, que está em 59% do PIB. Em dezembro de 2010, era 53%. Mantega concorda com a mudança na dívida dos municípios que está no Congresso. Admite que o benefício para a cidade de São Paulo é em tomo de R$ 24 bilhões.
O ministro afirmou que São Paulo não será a única cidade beneficiada com a mudança retroativa da dívida dos municípios e estados com a União. Quando perguntei qual era o valor total da redução da dívida com todas as cidades, incluindo São Paulo, Mantega falou que era aproximadamente R$ 30 bilhões.
; Ele discordou da coluna de sexta-feira. Na visão do ministro, não está sendo atingido o artigo 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal porque o que o Congresso propõe não é a renegociação da dívida, o que o artigo proíbe:
— Eu tenho um parecer que sustenta que eu poderia mudar o indexador até por decreto. Porque é apenas a retirada do IGP — que hoje é um índice desatualizado, que tiramos de todos os contratos federais — e sua troca pela Selic. Nos contratos com os municípios há a possibilidade de usar a Se-lic em caso de não haver pagamento. Quando foi feita a renegociação em 1999 e 2000 a Selic era violenta. Se já há a possibilidade de usá-la não estou mudando o contrato ao mudar o indexador.
O ponto defendido aqui é que trocar o indexador não é o problema, mas sim o fato de fazê-lo retroativamente, o que mudaria o passado e reduziria muito a dívida que as cidades, principalmente São Paulo, têm com a União.
— São Paulo, do ponto de vista da dívida, está inviável. Ela paga e no fim do ano a dívida não diminui. Essa operação não tem custo. É uma transferência para as cidades, mas não tem impacto concreto, nem se está mexendo com a Lei de Responsabilidade Fiscal — diz.
Tem sim um custo para o Tesouro. Se a dívida das cidades vai diminuir, os ativos da União vão ser reduzidos. Há, portanto, perda para o contribuinte federal.
— É a mesma coisa, contribuinte federal, estadual, municipal — pensa Mantega.
O maior devedor é o maior beneficiário, portanto, é transferência dos contribuintes de todo o país para a cidade mais rica. Mantega não concorda e defende a alteração na fórmula de cálculo da dívida. Admite que a dívida total dos estados e dos municípios tem caído, o que é contraditório com a ideia de que ela é impagável.
— A dívida líquida dos estados caiu de 17,5% do PIB em 2002 para 9,9% do PIB em agosto de 2013. A dos municípios caiu de 2,4% para 1,8% do PIB. Eles estão pagando. Quem não consegue pagar é São Paulo. A cidade paga os juros e a dívida só aumenta — diz.
O ministro da Fazenda garantiu que o BNDES nada perdeu com a crise do grupo X, que já espalhou prejuízos por todos os seus credores e acionistas:
— O BNDES não perdeu nada com o grupo X. Ele é obrigado a fazer contabilidade e pelas regras do Banco Central teria que fazer provisões caso houvesse perda. Não houve. Eles me disseram que estavam bem posicionados nos bons ativos, como a empresa de energia. Eles não tiveram resultado negativo nenhum. Além disso, o BNDES não registrou inadimplência.
No grupo X, o valor de todas as ações de todas as empresas despencaram e o grupo deixou de pagar dívida recentemente e houve episódios de reestruturação de dívida. Perguntei se, no caso das empresas de Eike Batista, que tiveram R$ 10 bilhões em crédito aprovado pelo BNDES, havia algum caso de título vencido e renegociado. Ou seja, o devedor não pode pagar e o credor aceita que ele pague mais adiante:
— Isso é prática de mercado e o que o BNDES faz é de acordo com as regras do Banco Central. O banco tem um índice ínfimo de inadimplência. Muito mais problemas teve o Itaú com sua carteira de automóveis, ou o Banco Votorantim. Nem no caso Rede houve perdas expressivas no BNDES.
O aumento da dívida bruta do governo é resultado do dinheiro que o Tesouro captou para transferir para o BNDES. Mantega garante que esses repasses vão diminuir. Segundo ele, este ano serão entre RS 35 bilhões e R$ 40 bilhões. Os empréstimos, que superam R$ 300 bilhões, serão pagos ao Tesouro, garante Mantega. Quando? "Dentro de alguns anos" quando houver menos necessidade de que o BNDES empreste.
O BNDES devolverá o dinheiro que lhe foi emprestado "dentro de alguns anos" garante o ministro Guido Mantega. Isso é a principal fonte da alta da dívida bruta, que está em 59% do PIB. Em dezembro de 2010, era 53%. Mantega concorda com a mudança na dívida dos municípios que está no Congresso. Admite que o benefício para a cidade de São Paulo é em tomo de R$ 24 bilhões.
O ministro afirmou que São Paulo não será a única cidade beneficiada com a mudança retroativa da dívida dos municípios e estados com a União. Quando perguntei qual era o valor total da redução da dívida com todas as cidades, incluindo São Paulo, Mantega falou que era aproximadamente R$ 30 bilhões.
; Ele discordou da coluna de sexta-feira. Na visão do ministro, não está sendo atingido o artigo 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal porque o que o Congresso propõe não é a renegociação da dívida, o que o artigo proíbe:
— Eu tenho um parecer que sustenta que eu poderia mudar o indexador até por decreto. Porque é apenas a retirada do IGP — que hoje é um índice desatualizado, que tiramos de todos os contratos federais — e sua troca pela Selic. Nos contratos com os municípios há a possibilidade de usar a Se-lic em caso de não haver pagamento. Quando foi feita a renegociação em 1999 e 2000 a Selic era violenta. Se já há a possibilidade de usá-la não estou mudando o contrato ao mudar o indexador.
O ponto defendido aqui é que trocar o indexador não é o problema, mas sim o fato de fazê-lo retroativamente, o que mudaria o passado e reduziria muito a dívida que as cidades, principalmente São Paulo, têm com a União.
— São Paulo, do ponto de vista da dívida, está inviável. Ela paga e no fim do ano a dívida não diminui. Essa operação não tem custo. É uma transferência para as cidades, mas não tem impacto concreto, nem se está mexendo com a Lei de Responsabilidade Fiscal — diz.
Tem sim um custo para o Tesouro. Se a dívida das cidades vai diminuir, os ativos da União vão ser reduzidos. Há, portanto, perda para o contribuinte federal.
— É a mesma coisa, contribuinte federal, estadual, municipal — pensa Mantega.
O maior devedor é o maior beneficiário, portanto, é transferência dos contribuintes de todo o país para a cidade mais rica. Mantega não concorda e defende a alteração na fórmula de cálculo da dívida. Admite que a dívida total dos estados e dos municípios tem caído, o que é contraditório com a ideia de que ela é impagável.
— A dívida líquida dos estados caiu de 17,5% do PIB em 2002 para 9,9% do PIB em agosto de 2013. A dos municípios caiu de 2,4% para 1,8% do PIB. Eles estão pagando. Quem não consegue pagar é São Paulo. A cidade paga os juros e a dívida só aumenta — diz.
O ministro da Fazenda garantiu que o BNDES nada perdeu com a crise do grupo X, que já espalhou prejuízos por todos os seus credores e acionistas:
— O BNDES não perdeu nada com o grupo X. Ele é obrigado a fazer contabilidade e pelas regras do Banco Central teria que fazer provisões caso houvesse perda. Não houve. Eles me disseram que estavam bem posicionados nos bons ativos, como a empresa de energia. Eles não tiveram resultado negativo nenhum. Além disso, o BNDES não registrou inadimplência.
No grupo X, o valor de todas as ações de todas as empresas despencaram e o grupo deixou de pagar dívida recentemente e houve episódios de reestruturação de dívida. Perguntei se, no caso das empresas de Eike Batista, que tiveram R$ 10 bilhões em crédito aprovado pelo BNDES, havia algum caso de título vencido e renegociado. Ou seja, o devedor não pode pagar e o credor aceita que ele pague mais adiante:
— Isso é prática de mercado e o que o BNDES faz é de acordo com as regras do Banco Central. O banco tem um índice ínfimo de inadimplência. Muito mais problemas teve o Itaú com sua carteira de automóveis, ou o Banco Votorantim. Nem no caso Rede houve perdas expressivas no BNDES.
O aumento da dívida bruta do governo é resultado do dinheiro que o Tesouro captou para transferir para o BNDES. Mantega garante que esses repasses vão diminuir. Segundo ele, este ano serão entre RS 35 bilhões e R$ 40 bilhões. Os empréstimos, que superam R$ 300 bilhões, serão pagos ao Tesouro, garante Mantega. Quando? "Dentro de alguns anos" quando houver menos necessidade de que o BNDES empreste.
"Empurrando com a barriga" - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 13/10
Decisão do BC dos EUA dá fôlego adicional para o governo brasileiro não arrumar a casa
Na quarta-feira da semana passada, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) divulgou a ata da mais recente reunião de seu comitê de política monetária, chamado de Fomc, em que decidiu adiar o início da redução do programa de compras de títulos de longo prazo.
Esse processo de redução do programa de compras de ativos ficou conhecido entre os especialistas pela palavra inglesa "tapering". O Fed compra títulos para elevar o seu preço, o que faz com que a rentabilidade até o resgate caia, reduzindo os juros de longo prazo.
O processo de normalização dos juros na economia americana terá duas etapas. Na primeira, o "tapering", o Fed reduzirá o ritmo de compra mensal de ativos de longo prazo, que hoje é de US$ 85 bilhões, até chegar a zero. Na segunda etapa, elevará a taxa de juros de curto prazo controlada pelo Fed, os "fed funds", de zero até 4% ao ano.
Toda a movimentação que houve do Fed desde maio, no sentido de iniciar a discussão sobre o "tapering", já promoveu ajuste nos juros longos americanos: subiram de 1,65% ao ano, em maio, para 2,65% agora.
O fato de que, na decisão de setembro, o Fed tenha surpreendido o mercado e não tenha iniciado o "tapering" arrefeceu um pouco a alta da taxa longa de juros --caíram de 2,85% a 2,65%. Essa redução contribuiu para reverter o processo de desvalorização do câmbio no Brasil.
A importância de acompanhar a política monetária americana é que a taxa de câmbio é um dos mecanismos que pode impor limites aos desajustes da atual política econômica brasileira. Uma desvalorização forçada e abrupta obrigaria a equipe econômica a "arrumar a casa". A estratégia do governo, entretanto, é empurrar com a barriga a atual situação --crescimento na casa de 2% ao ano, com inflação em torno de 6%, mas com desemprego baixo e renda real crescendo (mesmo que pouco)-- e deixar para depois da eleição o ajuste macroeconômico.
O sucesso da estratégia de empurrar com a barriga depende de o mundo ajudar. A decisão do Fed de setembro dá um fôlego adicional a esse caminho.
A ata do Fomc expõe com clareza os dilemas que o comitê tem enfrentado. Em cada parágrafo que assinala a melhora em algum indicador da economia, há uma qualificação na direção contrária.
Fica claro que pesaram na decisão os problemas fiscais enfrentados pelo presidente Obama na negociação com a bancada republicana da Câmara da elevação do limite de dívida do setor público. Também tiveram influência o fato de a redução da taxa de desemprego em 2013 ter sido majoritariamente fruto da elevação do desalento (o desemprego cai tanto quando alguém desiste de trabalhar, e sai da força de trabalho, como quando consegue um emprego) e o impacto da elevação do juro longo desde maio sobre o mercado de hipotecas.
A grande dificuldade de entender o movimento do Fed desde maio é que boa parte dos fatos mencionados acima já era conhecida desde aquele momento. Sendo assim, por que o Fed iniciou um movimento para preparar o mercado para o início do "tapering" em setembro?
Parece que uma soma de pequenos fatores explica a decisão. Primeiro os três fatos citados acima: problemas fiscais, cenário pouco animador do emprego e efeito da alta dos juros longos nas hipotecas.
Em segundo lugar, pode ter havido uma percepção por parte do Fomc de que o início do "tapering" pressionaria ainda mais os juros longos. Como apontado pelos membros do comitê que desejavam iniciar o processo, essa hipótese provavelmente foi equivocada, já que o mercado havia antecipado que o movimento iria iniciar em setembro (e os juros subiram antecipadamente, de acordo com essa expectativa, recuando um pouco depois).
O terceiro fator é um possível processo de convencimento por parte de membros do Fomc de que a política monetária ideal, quando os juros atingem o piso de zero, requer frouxidão monetária por mais tempo.
A indicação por Obama, na última quarta-feira, da vice-presidente do Fed, Janet Yellen, como nova presidente do Fed a partir de 2014, se confirmada pelo Senado, aumenta o peso dos membros do comitê que estão dispostos a correr risco de alguma aceleração inflacionária para aumentar a chance de recuperação mais rápida do mercado de trabalho.
E isso significará ainda mais fôlego para a estratégia de empurrar com a barriga no Brasil.
Decisão do BC dos EUA dá fôlego adicional para o governo brasileiro não arrumar a casa
Na quarta-feira da semana passada, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) divulgou a ata da mais recente reunião de seu comitê de política monetária, chamado de Fomc, em que decidiu adiar o início da redução do programa de compras de títulos de longo prazo.
Esse processo de redução do programa de compras de ativos ficou conhecido entre os especialistas pela palavra inglesa "tapering". O Fed compra títulos para elevar o seu preço, o que faz com que a rentabilidade até o resgate caia, reduzindo os juros de longo prazo.
O processo de normalização dos juros na economia americana terá duas etapas. Na primeira, o "tapering", o Fed reduzirá o ritmo de compra mensal de ativos de longo prazo, que hoje é de US$ 85 bilhões, até chegar a zero. Na segunda etapa, elevará a taxa de juros de curto prazo controlada pelo Fed, os "fed funds", de zero até 4% ao ano.
Toda a movimentação que houve do Fed desde maio, no sentido de iniciar a discussão sobre o "tapering", já promoveu ajuste nos juros longos americanos: subiram de 1,65% ao ano, em maio, para 2,65% agora.
O fato de que, na decisão de setembro, o Fed tenha surpreendido o mercado e não tenha iniciado o "tapering" arrefeceu um pouco a alta da taxa longa de juros --caíram de 2,85% a 2,65%. Essa redução contribuiu para reverter o processo de desvalorização do câmbio no Brasil.
A importância de acompanhar a política monetária americana é que a taxa de câmbio é um dos mecanismos que pode impor limites aos desajustes da atual política econômica brasileira. Uma desvalorização forçada e abrupta obrigaria a equipe econômica a "arrumar a casa". A estratégia do governo, entretanto, é empurrar com a barriga a atual situação --crescimento na casa de 2% ao ano, com inflação em torno de 6%, mas com desemprego baixo e renda real crescendo (mesmo que pouco)-- e deixar para depois da eleição o ajuste macroeconômico.
O sucesso da estratégia de empurrar com a barriga depende de o mundo ajudar. A decisão do Fed de setembro dá um fôlego adicional a esse caminho.
A ata do Fomc expõe com clareza os dilemas que o comitê tem enfrentado. Em cada parágrafo que assinala a melhora em algum indicador da economia, há uma qualificação na direção contrária.
Fica claro que pesaram na decisão os problemas fiscais enfrentados pelo presidente Obama na negociação com a bancada republicana da Câmara da elevação do limite de dívida do setor público. Também tiveram influência o fato de a redução da taxa de desemprego em 2013 ter sido majoritariamente fruto da elevação do desalento (o desemprego cai tanto quando alguém desiste de trabalhar, e sai da força de trabalho, como quando consegue um emprego) e o impacto da elevação do juro longo desde maio sobre o mercado de hipotecas.
A grande dificuldade de entender o movimento do Fed desde maio é que boa parte dos fatos mencionados acima já era conhecida desde aquele momento. Sendo assim, por que o Fed iniciou um movimento para preparar o mercado para o início do "tapering" em setembro?
Parece que uma soma de pequenos fatores explica a decisão. Primeiro os três fatos citados acima: problemas fiscais, cenário pouco animador do emprego e efeito da alta dos juros longos nas hipotecas.
Em segundo lugar, pode ter havido uma percepção por parte do Fomc de que o início do "tapering" pressionaria ainda mais os juros longos. Como apontado pelos membros do comitê que desejavam iniciar o processo, essa hipótese provavelmente foi equivocada, já que o mercado havia antecipado que o movimento iria iniciar em setembro (e os juros subiram antecipadamente, de acordo com essa expectativa, recuando um pouco depois).
O terceiro fator é um possível processo de convencimento por parte de membros do Fomc de que a política monetária ideal, quando os juros atingem o piso de zero, requer frouxidão monetária por mais tempo.
A indicação por Obama, na última quarta-feira, da vice-presidente do Fed, Janet Yellen, como nova presidente do Fed a partir de 2014, se confirmada pelo Senado, aumenta o peso dos membros do comitê que estão dispostos a correr risco de alguma aceleração inflacionária para aumentar a chance de recuperação mais rápida do mercado de trabalho.
E isso significará ainda mais fôlego para a estratégia de empurrar com a barriga no Brasil.
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