O GLOBO - 13/10
Acreditei que às vésperas de 2014 o Galeão seria um aeroporto moderno, e não um labirinto com canos e fios aparentes como o cenário de um filme de terror
O país do futuro
O Brasil é um país pródigo em desilusões. No entanto, nós, brasileiros, nunca somos vistos — nem por nós mesmos — como um povo desiludido. O que é uma pena. Temos a aprender com a desilusão.
Ilusão
Os Guns N’ Roses lançaram na década de 1990 dois discos de muito sucesso e inspiração chamados “Use your illusion I e II”. O título, “Use sua ilusão”, remete à ideia de que a ilusão — erro de percepção ou de entendimento; engano dos sentidos ou da mente; interpretação errônea — pode ser usada de forma criativa e construtiva, já que a percepção “errada” de um fato pode revelar novos e surpreendentes ângulos desse mesmo fato. Quando nos divertimos e nos emocionamos com filmes como “Toy story” ou com livros como “A metamorfose”, estamos usando nossa ilusão.
A semântica não mente
Paradoxalmente, a desilusão nunca é compreendida como o avesso da ilusão, ou seja, uma maneira correta de entendimento. Desilusão expressa sempre descrença e perda de esperança. E isso não é mera semântica. Resistimos a nos desiludir e, mesmo quando nos desiludimos, demoramos a admitir. Por que temos vergonha de aceitar que estamos desiludidos? Por que encaramos a desilusão como uma derrota?
Use sua desilusão
Em 1968 James Brown lançou uma música que fez muito sucesso no mundo todo. Sua estrofe principal, um grito de guerra que é também o refrão e o nome da canção, diz assim:
“Say it loud
I’m black and I’m proud”
(“Diga com um grito
Sou preto e me orgulho disso”, numa tradução livre e descuidada).
O funk exuberante do Rei do Soul exorta negros oprimidos à insubmissão e à valorização de seu orgulho próprio. Não à toa tornou-se uma espécie de hino informal do movimento Black Power. Inspirado por James Brown e Guns N’ Roses, orgulhoso de minha desilusão, lanço um outro grito de guerra, destinado aos desiludidos anônimos do Brasil: Use sua desilusão!
O caminho da ilusão leva ao palácio da desilusão
Faço uma breve lista de algumas de minhas recentes ilusões. Sou um daqueles ingênuos — se preferir chamar de otário fique à vontade — que acreditaram, entre outras coisas, que a realização da Copa do Mundo no Brasil e das Olimpíadas no Rio trariam investimentos para o país e para a cidade, e que eles seriam revertidos em melhorias nos transportes, aeroportos, hotéis e infraestrutura em geral.
1- Acreditei que às vésperas de 2014 o Galeão seria um aeroporto moderno, e não um labirinto com canos e fios aparentes como o cenário de um filme de terror de baixo orçamento.
2- Acreditei que em 2014 eu iria até São Paulo num trem-bala contemplando pela janela as comunidades pacificadas.
3- Acreditei que o Santos poderia até, quem sabe, empatar com o Barcelona.
4- Acreditei que o Supremo Tribunal Federal tinha mudado os paradigmas e dado uma lição de democracia ao condenar os mensaleiros e que no dia de hoje eles estariam lendo O GLOBO na cadeia e não comendo pizza na casa do… como é mesmo o nome dele?
5- Acreditei que os policiais das UPPs eram diferenciados e que o Amarildo não desapareceria.
6- Acreditei que as manifestações de junho tinham despertado o povo brasileiro e nos ejetado da letargia bovina em que chafurdamos há séculos.
7- Acreditei que os black blocs eram apenas um grupo de manifestantes mais exaltados e que, com a ajuda deles — que são muito mais eficientes em meter medo nos políticos do que os manifestantes pacíficos — caminharíamos juntos “hasta la victoria”.
8- Acreditei que depois da ditadura militar nunca mais eu veria policiais descendo o cacete em professores.
9- Acreditei, acreditei, acreditei.
Bananão
Ivan Lessa, o grande cronista desterrado, chamava o Brasil de Bananão. Embora seja possível denotar algum carinho na definição, o sarcasmo agudo do apelido é inegável. Bananão, além de lembrar que nunca deixamos realmente de ser uma república das bananas em escala continental, alude também à acepção de “banana” como o sujeito covarde e sem iniciativa, o popular bundão. Ivan Lessa foi um dos muitos brasileiros que optaram pelo autoexílio mesmo depois de restaurada a democracia no país. Num de seus textos, revela um dos motivos que o levaram a deixar o Brasil: “Achava que, de uma maneira ou de outra, estava embromando ou sendo embromado por alguém.”
Não é assim que todos nos sentimos por aqui?
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