O Estado de S.Paulo - 13/10
Anote-se na agenda das mutações tupiniquins: a bomba da primavera de 2013 pode ser o traque do verão de 2014. A hipótese é bastante sustentável na esfera da política. Quem diria que a sonhática Maria Osmarina Silva de Lima, ex-seringueira e ex-senadora do Acre, se uniria em aliança política com o pragmático e garboso governador de Pernambuco, Eduardo Henrique Accioly Campos, comandante do PSB, para juntos lutarem pela cadeira presidencial?
O sonho de Marina Silva é depurar as práticas da velha política, banhando-as nas águas da ética, ou, em seus termos, "assumir responsabilidades com a sustentabilidade política, social, ambiental e cultural". O pragmatismo de Campos tem como ideia "aposentar um bocado de raposas que estão enchendo a paciência do povo brasileiro para o Brasil seguir em frente". A propósito, o governador, tempos atrás, já confessara a este escriba a meta de reunir no mesmo espaço "o grupo pós-64" (citando Aécio Neves, Gilberto Kassab, Ciro e Cid Gomes, entre outros), assumir o comando da Nação e dar adeus aos guerreiros da velha-guarda.
A fome moral da líder da Rede Sustentabilidade e a vontade do neto de Miguel Arraes de presidir a mesa dos comensais do poder produziram o artefato de maior repercussão neste ciclo pré-eleitoral. Como é costume no balcão de nossos produtos políticos, as dobraduras da engrenagem deixam de ser examinadas de forma a mostrar se estão ajustadas ou até se faltam parafusos para dar lugar ao "feito extraordinário" que, à primeira leitura, induz à convicção de que tal parceria abre um rombo nos costados da candidatura governista. Nem se atenta para o fato de que o elo entre Marina e Campos, à luz da racionalidade, não é tão resistente como aparenta. Basta lembrar a posição da bancada do PSB na votação do Código Florestal, alinhada em peso aos ruralistas. Nem o látex da seringueira que Marina extraía em sua adolescência é capaz de emprestar firmeza a essa liga. Que só se justifica em função das composições frankensteinianas que a política nestes trópicos é capaz de produzir.
Façamos uma leitura dos fatores - alguns de fundo sociocultural - que embasam as práticas eleitorais, a começar pela cultura de votação. O candidato prevalece sobre os partidos. Há casos em que as organizações predominam e avançam sobre os perfis pessoais. Isso ocorre nos espaços onde a polarização entre elas é muito aguda - PT e PSDB, por exemplo, em algumas regiões formam batalhões em seus campos de guerra. Ou com as siglas de caráter religioso (principalmente as patrocinadas por credos e igrejas) e as que ocupam as extremidades do arco ideológico, cujo discurso radical é seletivo, afastando as massas eleitorais (PCO, PSTU, etc.). Sob a ordem de um sistema cognitivo que tende a privilegiar perfis pessoais, transferir votos constitui operação dificilmente viável. Assim, a hipótese de Marina transferir seu patrimônio eleitoral para Campos é frágil. Nem se fossem irmãos siameses a transferência seria realizada. O individualismo é o vértice da política brasileira. Ideários formam apenas pequenas ilhas no arquipélago.
Mas as figuras diferentes de Marina e Campos não contêm uma raiz ideológica comum? É possível. A convivência por bom tempo no mesmo canto do espectro ideológico condiciona amigos de ontem e parceiros de hoje a usarem a mesma linguagem e, por conseguinte, a comporem discurso sintonizado. O parentesco doutrinário favorece a formação de um ideário comum e, nessa condição, os noivos se motivam a formar uma união estável com direito a lua de mel de algumas semanas. Ainda assim, a transferência de voto não se dá em grandes quantidades: pode-se calcular margem de 10% a 15%.
Ademais, por maior esforço que façam os nubentes, a união estará sujeita a trovoadas. E já se ouvem trovões. Marina pediu que Ronaldo Caiado, líder do DEM, conhecido guerreiro ruralista, buscasse a porta de saída do PSB. O deputado aceitou. Alfredo Sirkis, fundador da Rede e um dos principais aliados de Marina, defende "realinhamento" de forças com políticos de outros conjuntos. Marina é contra. Imagine-se, agora, um cabo de guerra puxado pela sonhática e pelo pragmático.
Se a passagem de votos de Marina para Campos não encher o bornal dele, quem acabará levando a melhor com a "jogada de mestre"? A própria Marina, em caso de inversão da chapa, ela encabeçando-a. Ou Dilma. A proximidade entre eles foi firmada no ciclo petista. O governador e a ex-senadora saíram dos espaços que o PT abriu, à esquerda. A Rede e o PSB tentam desfraldar, mesmo de maneira acanhada, a bandeira do socialismo. Logo, o parentesco com a presidente é patente.
Outras pedras do tabuleiro deverão ser jogadas quando os discursos começarem a jorrar das trombetas eleitorais. Os eixos centrais já foram apresentados. Campos tem intensificado a pregação com os verbetes "melhorar, fazer mais e melhor, qualificar serviços públicos". Não é oposicionista como Aécio, que defende um programa radical de "mudanças". As pesquisas mostram a contrariedade da população com os serviços públicos (o que combina com o discurso de Campos), mas não está insatisfeita com seu modo de vida. O bolso do consumidor continua bancando o suprimento cotidiano.
O estado social conduz a hipótese de que o conceito "melhorar" é mais palatável que o verbo "mudar", aquele expressando aperfeiçoamento, melhoria dos serviços públicos, este despertando o receio de uma virada de mesa. A resposta das urnas, como se sabe, será dada pela economia. A manutenção de índices elevados de satisfação, o controle da inflação e a garantia de empregos seriam os requisitos para a candidata à reeleição capturar parcela dos votos de Marina.
Sob essas espessas nuvens, a tão comentada bomba da primavera ameaça perder combustão e virar um traque no verão.
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