domingo, setembro 25, 2016

Psicodramas - FERNANDO GABEIRA

O Globo - 25/09

Grão Mogol, Minas — De novo na estrada, e o intenso trabalho ao ar livre é o antídoto para a tristeza de ver não só o momento econômico, mas também a longa agonia do sistema político brasileiro. Não são animadoras as notícias que vêm de esquerda, direita e centro. Em toda parte, os parâmetros políticos são subvertidos. Lula, por exemplo, fez um pronunciamento para anunciar que era candidato. Comparou-se a Jesus Cristo e insultou numa só frase todos os funcionários públicos concursados do Brasil.

Os admiradores fazem vista grossa. Os livros do século passado definem a classe operária como a eleita para transformar a História. Eles querem um presidente operário, ainda que delirando. Lula disse coisas que contrariam o mais elementar senso político. A única saída é colocá-lo à força no modelo marxista e, sobretudo, não levar em conta o que diz. No fundo é adotar a mesma tática que adotei quando disse que Lula tinha habeas língua. Buscar um sentido é perder tempo.

Num outro espaço, escrevi sobre o psicodrama da denúncia, parecido com aquele da condução coercitiva. As críticas se concentraram na coletiva da Lava-Jato e no PowerPoint. A denúncia tem em torno de 150 páginas. Sérgio Moro não ia aceitá-la ou rejeitá-la apenas vendo uma entrevista e o PowerPoint. É obrigado a ler atentamente. E aceitou. A denúncia foi apenas o segundo ato. O terceiro será a sentença, após um trabalho específico de coleta de dados e exame dos argumentos da defesa.

Mas, se o panorama é desolador à esquerda, o que dizer do restante do espectro? Rodrigo Maia, um jovem do DEM, foi aconselhado a não usar casa oficial ou avião da FAB. Maia recusou. Nesse último caso, então, o avião da FAB só para transportá-lo é um disparate econômico e ambiental. Acomodado no assento oficial de um avião vazio, sente-se, possivelmente, projetando mais poder. Mas está em franco conflito com a situação do país, inclusive com nosso compromisso internacional de reduzir emissões.

Um grupo de deputados tentou aprovar às pressas um projeto anistiando o caixa dois. Descobertos, pareciam um grupo de garotos travessos. De quem é o projeto que já estava na mesa do presidente? Ninguém sabia. O projeto não tem autor. Sua inclusão na pauta também é um mistério.

Uma semana depois do maior criador de jabutis, Eduardo Cunha, ser cassado, eles inventam um outro jabuti, desta vez destinado a proteger os investigados na Lava-Jato.

Dizem que Renan estava ciente e Maia também. Renan está em luta aberta contra a Lava-Jato. Pena que a recíproca não seja verdadeira. Apesar de tantos inquéritos, não foi incomodado. O interessante é pensarem que daria certo. Vão se recolher e preparar um novo truque. Possivelmente tão patético quanto esse.

As pessoas que fazem campanha eleitoral hoje contam que estão comendo o pão que o diabo amassou. As ruas estão frias, no limite da hostilidade. A indiferença era prevista. O inquietante é imaginar que vencedores vão emergir desse processo eleitoral tão atípico.

No psicodrama da denúncia contra Lula, ouvi alguns jornalistas dizendo: o Planalto acha que os promotores exageraram. Mas quem no Planalto? Temer, Geddel, Padilha ou Moreira? Quem está com sua espingardinha atrás da janela querendo atirar na Lava-Jato? Houve gente que se expôs, de um lado e de outro, e a discussão sobre os caminhos da Justiça é saudável, embora inexista quando os acusados são pessoas anônimas.

Foram 115 as conduções coercitivas antes de Lula. E centenas de denúncias antes da dele.

De psicodrama em psicodrama, avança o conhecimento do que se passou no Brasil, e aproxima-se o julgamento dos acusados.

Ainda não sabemos tudo porque o governo Temer é opaco, por escolha ou inépcia. É preciso usar a Lei da Transparência para descobrir o que resta.

Os homens no Palácio do Planalto, Temer à frente, estão no governo por um acidente constitucional. São parte de um sistema político em agonia, sócios menores do governo petista.

O Planalto com seus palpites, Renan e os deputados querendo anistiar o caixa dois, Lula defendendo-se da denúncia — todos de alguma forma reagem ao processo da Lava-Jato, que precipitou a ruína do sistema político. Rodrigo Maia sentado na poltrona do avião da FAB: apenas uma das várias maneiras de se apegar ao passado.

Na ausência de um olhar para o futuro, para um sistema reformado, o Brasil dá uma sensação de exilar a própria sociedade que pede mudanças desde 2013.

De costas para a parede, protegendo-se da LavaJato, os políticos de Brasília não almejam do futuro nada mais do que escapar de seu passado.


Um país onde a justiça varia não pode ser considerado democrático - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 25/09

Aquela foi uma semana marcada por importantes acontecimentos. Começou com a cassação do mandato de Eduardo Cunha por um escore arrasador, seguiu-se a posse de Cármen Lúcia na presidência do Supremo Tribunal Federal, depois as acusações contra Lula por procuradores da operação Lava Jato e finalmente a resposta do ex-presidente negando fundamento às acusações.

A maneira como aquelas acusações foram feitas não pegou bem, e pior é que, como este jornal divulgou, elas se apoiam numa delação que foi cancelada.

Quero me ater, no entanto, à significação que tem para o país a presença da ministra Cármen Lúcia na presidência do STF, conforme constatamos nas mais diversas manifestações de apoio e otimismo pelo acontecimento. E, se ele já valeu por si só, cabe ressaltar a significação da cerimônia de posse em si mesma.

Essa cerimônia se caracterizou pela presença de políticos de diversos partidos, além de personalidades como os ex-presidentes José Sarney e Luiz Inácio Lula da Silva, bem como intelectuais, advogados e artistas. Isso indicava, por um lado, o prestígio pessoal da nova presidente do STF, mas também o que significa essa instituição, no momento particularmente crítico da vida política nacional, o que ficou evidente nos discursos proferidos durante a cerimônia, expondo implicitamente essa realidade.

Nesse particular, deve-se ressaltar o discurso da ministra Cármen Lúcia que, não por acaso, fez questão de mostrar que as diversas instituições que expressam o poder do Estado brasileiro, a exemplo do Judiciário, são, de fato, instrumentos da manifestação do verdadeiro poder que emana do povo e em seu nome deve ser exercido. Foi quando ela disse:

"Inicio quebrando um pouco o protocolo ou, pelo menos, interpretando a norma protocolar diferente de como vem sendo interpretada e aplicada: determina se comecem os cumprimentos pela mais elevada autoridade presente. E e justo que assim seja. Principio, pois, meus cumprimentos dirigindo-me ao cidadão brasileiro, princípio e fim do Estado, senhor do poder da sociedade democrática, autoridade suprema sobre nós, servidores públicos, em função do qual se há de labutar cada um dos ocupantes dos cargos estatais".

Por isso mesmo, como diria ela, adiante, irá informar-se de todos os dados relativos aos gastos institucionais e trazê-los ao conhecimento da população, com toda a transparência, para deixar clara a posição que adotaria em face disso. Essa questão envolve o discutido aumento salarial para os ministros do Supremo, que, por sua vez, desencadearia aumentos salariais nos vários setores judiciais, agravando a situação financeira do país.

Outro ponto importante de seu discurso diz respeito à modernização e ao aperfeiçoamento do Judiciário brasileiro, que não atende às necessidades da população, particularmente dos mais pobres que constituem a maioria.

De fato, um país onde a aplicação da Justiça varia de acordo com a classe social a que pertence o cidadão não pode ser considerado efetivamente democrático.

Se o discurso da presidente Cármen Lúcia foi essencialmente institucional, o do ministro Celso de Mello, decano do STF, tocou o cerne do problema que hoje atinge, de maneira alarmante, a vida política nacional.

Para o constrangimento de alguns políticos e autoridades ali presentes, que são investigados pela Operação Lava Jato, ele se referiu aos "marginais da República" que, "por intermédio de organizações criminosas" obtêm "inadmissíveis vantagens e [...] benefícios de ordem pessoal, ou de caráter empresarial, ou, ainda, de natureza político-partidária".

Também o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, abordou o tema da corrupção, destacando a atuação do Ministério Público, que tem desempenhado um papel altamente positivo no combate à ação criminosa de políticos, empresários e altos funcionários de empresas estatais.

A posse da ministra Cármen Lúcia, se teve o significado que teve, deveu-se particularmente ao papel que a Justiça passou a desempenhar publicamente na vida nacional. E a razão disso não é outra senão o alastramento da corrupção exercida, como disse o ministro Celso de Mello, pelos "marginais da República".


O pano verde das delações premiadas - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 25/09

Em palestra na Academia Brasileira de Letras, Fernando Henrique Cardoso, após examinar as deficiências da democracia representativa, fez um apelo, sugerindo uma reavaliação do processo eleitoral tal como vem sendo aplicado no Brasil e em outros países, afastando, a priori, qualquer tentativa de ditadura e corrupção.

Impossível que, depois de séculos que tentaram organizar a sociedade, não surgissem alternativas para a democracia representativa, que se transformou numa roleta econômica em que o dinheiro e o suborno prevalecem. A cada pleito eleitoral, independentemente da situação política e econômica que o país atravessa, o que termina definindo a nova ordem social, o que prevalece são os interesses do poder e do dinheiro. As alianças são pensadas e medidas na base das campanhas, que cada vez custam mais caro.

Com as delações premiadas, ninguém fica livre de suspeitas e tramoias que determinarão programas e conchavos para saciar os apetites políticos e seus derivados. Nenhum seguimento nacional tem cacife suficiente para bancar uma eleição representativa. A solução é apelar para empresas interessadas em influir decisivamente na vida nacional.

Por menor que sejam, os partidos penduram-se nas contribuições das elites econômicas, com a finalidade de abocanhar um naco do poder, na esperança de conquistar uma hegemonia tal como o PT pretende.

FHC convocou a classe dirigente do país a repensar a democracia representativa tal como ela se apresenta. Impossível que não haja no Brasil um grupo de pensadores que possa não somente eliminar o pano verde em que os pleitos eleitorais se desenvolvem, mas criar alternativas que acabem com os escândalos que, pouco a pouco, estão colocando na cadeia alguns líderes, sem excetuar as vestais que vendem o que não têm e cobram o que pretendem ter.

Novo foco na corrupção - CELSO MING

ESTADÃO - 25/09

Brasileiro começa a encará-la como prática que produz perdas irreparáveis na prestação de serviços públicos



Há mudanças importantes tanto na percepção do brasileiro sobre corrupção quanto na maneira de lidar com ela.

Até recentemente, a população a via como inevitável e, mesmo, tolerável, que podia ser compensada com o dinamismo do administrador público. A novidade está em que começa a encará-la como prática que produz perdas irreparáveis na prestação de serviços públicos: “A saúde é essa precariedade porque a corrupção desviou dinheiro dos impostos. O mesmo acontece com a baixa qualidade da educação, dos transportes, da segurança e do saneamento”, observa a socióloga Fátima Pacheco Jordão. E essa mudança tem importantes consequências do ponto de vista eleitoral, como as pesquisas estão mostrando.

Corrupção é coisa antiga, como se sabe. Mas a maneira de encará-la muda com a história e com a cultura. Para não ir muito longe, convém recordar que a apropriação privada de bens e recursos públicos sob o regime patrimonialista era entendida como fato normal. Qualquer ministro de Estado ou funcionário entendia que não havia nada de especialmente errado em se enriquecer no serviço público.

Embora também antigos, os valores republicanos, que fazem rigorosa distinção entre patrimônio público e patrimônio privado, vêm sendo absorvidos meio aos trancos por aqui.

A população brasileira apenas episodicamente via a corrupção como questão moral. Mas se até recentemente a tratava com permissividade, agora a encara como perda. “Antes, era o rouba, mas faz. Agora, é rouba e me nega serviços que paguei a duras penas com impostos”, observa Fátima Jordão. A população está mais propensa a entender a corrupção como prática que reduz o número de creches, de postos de saúde e eleva o preço da condução.

Os políticos já entenderam que o eleitor já não tolera o desvio de recursos públicos, como antes. Mas não sabem ainda como lidar com isso. Estão apavorados com a força da Operação Lava Jato, mas já não podem nem manifestar-se nem reagir abertamente contra ela.

O PT, que se propôs a batalhar por ética na política, acabou aprisionado por suas contradições. De um lado, não pode negar os valores republicanos, mas, de outro, por conveniência, adotou práticas marxistas toscas em que convinha “desapropriar” o Estado burguês, praticante e defensor da mais-valia que explora o trabalhador, para garantir recursos com o objetivo de assegurar a tomada e a consolidação do seu projeto de poder. Logo se viu que muitos companheiros do partido foram além. Não só desviaram recursos públicos “em benefício da causa”, mas acabaram por tirar proveito próprio. Este não foi o único desvio de conduta adotado pelo PT. Seu extenso braço sindicalista, onde predomina a cultura patrimonialista, que não faz distinção entre os recursos do sindicato e o patrimônio de seus dirigentes, também não fazia muita questão de assumir a ética republicana, cada vez mais demandada pela opinião pública.

“Desse ponto de vista, o impacto da carga tributária é menos importante do que a qualidade dos serviços prestados pelo Estado”, diz Fátima Jordão. Por isso, também, ela aplaude a nova ferramenta colocada à disposição pelo site do Estadão, “De Real para Realidade” (www.derealpararealidade.com), que calcula as perdas da corrupção. Ela indica, por exemplo, que um desvio de R$ 52 milhões corresponde à perda de 433 mil vacinas H1N1, 632 ambulâncias ou, ainda, 0,176 km de metrô.

A nova maneira de ver a corrupção, que ajudou a impulsionar com mais de 2 milhões de assinaturas as Dez Medidas contra Corrupção em projeto que tramita no Congresso, passou a ter impacto eleitoral, entende Fátima.

No caso de São Paulo, por exemplo, o candidato a prefeito Celso Russomanno parou na ótica da defesa do consumidor; não consegue demonstrar como superar as perdas provocadas pela corrupção de quem utiliza os serviços públicos. Marta Suplicy, por sua vez, limita-se a falar dos CEUs e do que realizou no seu mandato de prefeita, sem enfatizar a eficácia com que os recursos do eleitor devem ser administrados. João Dória está obtendo sucesso nas pesquisas de intenção de voto não só porque passa a mensagem de que não tem passado que o condene, mas, também, porque promete ser bom gerente dos recursos do povo, explica Fátima Jordão, que é especialista em Opinião Pública.

Como diria Shakespeare, há mais coisas a considerar quando o assunto é corrupção do que sonha nossa vã filosofia.

Armadilha monetária - AMIR KHAIR

ESTADÃO - 25/09

O BC ignora que o maior causador do impacto fiscal na política monetária é ele



Enquanto o governo batalha junto ao Congresso para aprovar a Proposta de Emenda Constitucional PEC 241, que estabelece o congelamento por 20 anos das despesas primárias (que excluem juros), o impacto fiscal da política monetária vai aprofundando o déficit fiscal que pode ultrapassar R$ 670 bilhões (10,7% do PIB) neste ano!

Vale observar que o déficit público previsto para este ano não é de R$ 170 bilhões como afirma o governo, mas sim de R$ 670 bilhões, pois ele omite cerca de R$ 500 bilhões (!) que é o déficit causado pelos juros.

O impacto fiscal da política monetária ocorre basicamente pela: a) taxa básica de juros Selic; b) emissão de swaps cambiais e; c) manutenção de reservas internacionais.

As reservas internacionais custaram no primeiro semestre deste ano R$ 263,3 bilhões (!) ou 4,3% do PIB segundo o balanço do Banco Central (BC), que fez o cálculo diariamente pela diferença entre a taxa de rentabilidade das reservas, incluindo a variação cambial, e a taxa média de captação apurada pelo BC.

Em apenas seis meses o impacto fiscal das reservas internacionais supera em 54,8% (!) o déficit primário projetado de R$ 170 bilhões para este ano e, no entanto, é de se estranhar que a questão dessas reservas não esteja na ordem do dia do debate fiscal do País.

Felizmente, o Bradesco rompe essa letargia fiscal e apresenta competente estudo, no qual estima segundo seis critérios usualmente adotados, o nível ótimo de reservas que equilibra percepção de risco e custo, chegando à conclusão que o volume de reservas que atinge hoje US$ 377 bilhões, pode estar bem acima do nível ótimo. Acrescenta, ainda, que a métrica mais conservadora é do FMI, que sugere algo ao redor de US$ 190 bilhões.

Venho repetindo nesta coluna a urgente necessidade da venda gradual do excesso de reservas, que estimo em US$ 200 bilhões. Já passamos por uma grava crise internacional em 2008 e atravessamos aquela turbulência com reservas no nível de US$ 200 bilhões, sem problemas de risco cambial.

Os que se opõem à venda de reservas argumentam com o risco de solvência externa em situação de fragilidade fiscal. Ora, essa fragilidade é causada principalmente pelo impacto dos juros nas contas públicas e, parte considerável desse impacto é devido ao excesso de reservas. Esse excesso causa um custo da ordem de R$ 100 bilhões por ano.

Mas há outros excessos que impactam o déficit fiscal e decorrem, também, da Selic fora de lugar. Internacionalmente a taxa básica de juros se encontra desde a crise de 2008 ao redor da inflação. Se seguíssemos o exemplo internacional teríamos uma economia anual da ordem de R$ 200 bilhões.

Além disso, carece de sentido o Tesouro Nacional manter no BC um trilhão de reais sem remuneração. Considerando metade como excesso, a economia anual ao abater a dívida alcançaria R$ 70 bilhões.

Em síntese, a eliminação desses excessos permitiria uma economia anual com juros da ordem de R$ 370 bilhões (!) e redução da relação dívida/PIB dos atuais 68,5% para 49,2%.

O retorno da denominada bolsa empresário de R$ 521 bilhões do Tesouro emprestado ao BNDES, permitiria uma economia adicional anual de R$ 35 bilhões e levaria a relação dívida/PIB para 40,6%, em linha com a média dos emergentes.

O BC, na ata da última reunião do Copom, colocou como uma das condições para iniciar a redução da Selic a aprovação no Congresso da PEC 241 e da reforma previdenciária, consideradas essenciais para reduzir o impacto fiscal na política monetária. Enquanto isso, o BC parece ignorar que o maior causador do impacto fiscal na política monetária é ele próprio com os excessos aqui apontados.

Como vem crescendo as incertezas quanto a aprovação das propostas do governo neste Congresso pode ser de alto risco aguardar o movimento do BC para reduzir a Selic.

Assim, temo que se perca mais uma oportunidade de real mudança, ficando o País refém dessa autêntica armadilha monetária.

MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR. 

Próximos passos - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 25/09

São os fatos, e não o MP, que conspiram contra Lula.


Quando houve o mensalão, a maioria do país acreditou no que o então presidente Lula disse: que fora traído e de nada sabia. E assim ele se reelegeu. Na Lava-Jato, é impossível usar o mesmo ilusionismo, então Lula se transforma em vítima, não dos amigos e assessores, mas dos procuradores que “futucam”. A operação continuará em atividade, apesar das celeumas, porque há muitos campos de trabalho.

Lula continua um grande estrategista. Diz que ninguém o bate no Brasil, exceto Jesus Cristo, e assim seus interlocutores se esquecem que ele perdeu três eleições presidenciais. Ele se coloca como candidato em 2018 com dois propósitos. O primeiro é de se fazer vítima de perseguição política. O segundo é que ele sabe que o poder se alimenta do futuro do poder. Portanto, se houver uma chance de ele voltar a ser presidente, será olhado com mais reverência pelos que circulam em torno dos governos no Brasil.

Os fatos conspiram contra ele, e não o Ministério Público. Outras partes do mesmo processo trarão novas dores de cabeça para o ex-presidente, como o sítio em Atibaia. E pode ser usada a prova indireta, a mesma que condenou José Dirceu no mensalão, ou seja, de que é impossível que ele não soubesse e não autorizasse aquelas práticas. Não apenas pelo cargo que exercia, mas por todos os outros indícios, citações, o “conjunto probatório”.

Mas nem só de Lula vive a Lava-Jato. Os procuradores aguardam o atendimento do pedido de que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha desça para a primeira instância. Após a publicação do acórdão da 2ª turma, em Brasília, o que leva em média 30 dias, Eduardo Cunha será investigado por Curitiba. E há muitas frentes de trabalho quando o assunto é Cunha.

O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega terá de enfrentar os desdobramentos da ação da última quinta-feira, 22. O que foi revogado foi apenas a prisão e não a investigação em si. Até agora, todas as vezes em que houve busca e apreensão, o Ministério Público acabou apresentando a denúncia contra as pessoas envolvidas. Isso só não aconteceu em investigação na qual se espera a chegada de documentos vindos do exterior. É o que acontece no caso Pasadena.

Mantega continua sendo investigado a partir do testemunho dado ao Ministério Público Federal no Paraná pelo empresário Eike Batista, de que ele pediu dinheiro para pagar contas do partido. Eike fez um movimento estratégico, indo a Curitiba em vez de esperar que Curitiba batesse à sua porta, mas isso não o blinda contra o avanço de investigações. No caso de Mantega, há um debate sobre se o que ele fez é crime ou não. Pedir dinheiro para um partido é crime? Não. Mas se, em razão do cargo público, ou de contratos, a pessoa que pede tem o poder de decidir assuntos do interesse da pessoa que recebe o pedido, isso se configura crime, sim. O ex-ministro era presidente do Conselho de Administração da Petrobras, com a qual Eike tinha contratos. E ele decidia inúmeros assuntos que poderiam favorecer ou prejudicar Eike Batista. Todo o poder que ele tinha na época proibia que ele fizesse parte da atividade arrecadadora do Partido dos Trabalhadores.

O PT usou a máquina do partido para arrecadar como nenhum outro. De forma sistemática. É isso que levou à prisão os seus tesoureiros desde o mensalão. Só sendo mesmo uma política de partido, e com o apoio de quem estava no governo, para explicar o fato de que grandes empreiteiros aceitavam exigências feitas por João Vaccari. Um Paulo Roberto Costa, um Renato Duque tinham poder de fechar ou revogar contratos e por isso as empresas pagavam propina a eles. Mas de onde vinha o poder de João Vaccari? O que pode o tesoureiro de um partido contra uma grande empreiteira? Nada, exceto se o tesoureiro tiver poder para além do que seu cargo indica, ou seja, se ele estiver vinculado a autoridades do próprio governo, se a sua ação for respaldada por quem está dentro da máquina pública.

Sobre esses enigmas, dados e novos nomes é que se debruça a Lava-Jato neste segundo semestre de 2016. Quem pensava que a operação estava esgotada, ou poderia ser abafada, errou. Ela continua em plena atividade e já organizando os próximos passos.

Heterodoxos e curandeiros - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 25/09

Ortodoxos, como a denominação indica, escolhem as políticas mais tradicionalmente adotadas nos demais países.

Os heterodoxos propõem políticas alternativas que, caso se revelem eficazes, podem se tornar a nova ortodoxia.

Assim ocorreu, por exemplo, com o keynesianismo em meados do século 20. De proposta heterodoxa nos anos 1930, tornou-se a nova ortodoxia nas décadas seguintes.

Existe muita incerteza sobre as implicações da política econômica, dependente das condições particulares, ainda mais na macroeconômica em que a evidência empírica costuma ser parcimoniosa.

Exatamente porque a ciência é pequena e a incerteza é grande, espera-se cuidado redobrado com experimentos na política econômica, pois, nestes casos, há ainda menos evidências do que para as medidas usuais.

A boa heterodoxia passa pela estatística, dialoga com a ortodoxia e pode ser útil, sobretudo, para enfrentar momentos que fogem da normalidade econômica.

O inovador plano real foi precedido pelo equilíbrio das contas públicas, incluindo o Programa de Ação Imediata (PAI), em 1993, com diversas medidas de ajuste fiscal.

Reconhecer o sucesso de medidas inovadoras não significa salvo conduto para que tudo seja aceitável. O experimentalismo não deve ser irresponsável. Não se distribuem medicamentos sem testes preliminares, nem se inova na política econômica sem embasamento e a previsão de correção de rota em caso de frustração com os resultados.

O Brasil já experimentou as consequências de muita criatividade na condução da política econômica. Os fracassos foram demasiados, sobretudo entre 1975 e 1992. O segundo PND, a prefixação do câmbio e da correção monetária no começo do governo Figueiredo, a lei de informática e os planos econômicos dos anos 1980 marcaram 17 anos de uma política econômica tão criativa quanto incompetente, com graves danos econômicos e sociais.

Surpreende como os erros foram sistematicamente repetidos, como se quem tivesse que aprender fosse a realidade, não os gestores da política econômica.

Depois de 2009, vivemos um novo período de grande experimentalismo na economia. A política monetária reduziu significativamente as taxas de juros, intervenções setoriais foram utilizadas para controlar a inflação, subsídios foram distribuídos a roldão para estimular o investimento privado e a produção em diversos setores foi protegida da concorrência externa.

A criatividade à larga resultou em uma das piores recessões da nossa história desde 1900. Os curandeiros, transvestidos de heterodoxos, prometeram novidades e apenas repetiram os fracassos de décadas passadas.


Massacre do emprego formal continua, mas fica menos sangrento - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 25/09

É preciso raspar o tacho da esperança para encontrar números melhorzinhos de emprego. Sem forçar a barra, algo até se acha, tal como uma nota amassada de R$ 2 no fundo do bolso da calça jeans que se põe para lavar.

O massacre do trabalho parece menos sangrento. Março parece ter sido o pico da destruição de empregos formais, a julgar pelo Caged, o registro de admissões e demissões de trabalhadores com carteira assinada, do Ministério do Trabalho.

Ainda é horrível. Em março, o total de empregos ditos formais era 4,5% menor que um ano antes. Agora em agosto, 4,1% menor: 1,656 milhão de carteiras assinadas a menos que em agosto do ano passado. Desde abril, a perda mensal de postos de trabalho "CLT" é menor que em mês equivalente de 2015. Mas a despiora é lentíssima.

Um grão de areia de ânimo vem do fato de que o grosso da razia de postos de trabalho ocorre na categoria "emprego formal". Trocando em miúdos, uma despiora no emprego formal deve melhorar o quadro geral do mercado de trabalho.

Não é bem um grande consolo. É bem diminuto, aliás. São justamente os empregos melhores que mais estão sendo dizimados.

As estatísticas do IBGE ajudam a explicar melhor a situação. Trata-se da Pnad, uma estimativa (não um registro oficial) do estado das coisas no mercado de trabalho, entre elas a taxa de desemprego e os rendimentos.

O emprego com carteira assinada equivale a 38% dos postos de trabalho do país (excluídos dessa conta os trabalhadores domésticos). Mas a redução do número de pessoas ocupadas com "CLT" equivaleu a 82% da redução do total de ocupados nos últimos doze meses.

As pessoas estão se virando em empregos sem carteira e por conta própria. Ou voltando a trabalhar como domésticos, um enorme desgosto para as trabalhadoras, aliás, dados os tantos maus tratos em "casas de família". Até meados de 2014, caía o número de domésticos, que encontravam coisa melhor para fazer.

Nesses tipos de emprego "salve-se quem puder" (por conta, bico, sem carteira ou doméstico), a ocupação tem crescido nos últimos meses. Logo, uma contenção da desgraça no mercado formal de trabalho pode desanuviar a situação geral.

Em agosto, o saldo de empregos formais na indústria foi positivo pela primeira vez em 17 meses. Desde março de 2015 havia redução mensal do número de empregos industriais. Houve reação também no comércio. O maior massacre no emprego "CLT" ainda ocorre na construção civil, se vê pelos dados do Caged.

Note-se de passagem que, pelos dados do IBGE, o número de ocupados na construção cresce faz uns meses. Resumo da ópera: o emprego nas obras está sendo precarizado em massa.

Em suma, a situação geral do trabalho ainda piora. No balanço do país, de emprego formal ou de qualquer espécie, o número de ocupados diminuía ainda cada vez mais rápido pelo menos até julho. Os números de agosto do emprego com carteira assinada indicam, porém, um início de despiora, ainda que lenta e insegura.

Pelo andar atual da carruagem, estima-se que o número de empregos volte a crescer apenas em meados do ano que vem. Isso se governo e Congresso não fizerem mais besteira.

Conjunto de distorções explica poder de barganha de Clara, de 'Aquarius' - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 25/09

Clara, 65 anos, jornalista aposentada, viúva, três filhos criados é a personagem central desse filme. Mora em um apartamento no segundo andar de um edifício dos anos 50, defronte ao mar da praia de Boa Viagem, ponto nobre do Recife.

Foi lá que ela viveu boa parte de sua vida. Criou os filhos, enfrentou um câncer de mama e a viuvez. Vive rodeada de sua biblioteca e da farta coleção de discos de vinil, além do piano.

Todos os apartamentos do edifício foram adquiridos por um incorporador imobiliário que pretende erguer uma torre, provavelmente de gosto arquitetônico discutível.

Para Clara, sua memória não tem preço. Morrerá no edifício Aquarius.

Os filmes de Kleber Mendonça Filho escancaram as contradições da sociedade brasileira. Em "Aquarius" descreve com precisão minha classe social: os 5% mais ricos da sociedade que se consideram classe média.

Na maioria dos países, a aposentadoria é um período de ajustes e contenção, sobretudo para quem teve vida profissional mediana, afinal, não é comum aposentadoria com salário integral.

Por que Clara não vende seu apartamento aproveitando as condições favoráveis, podendo constituir reserva adicional para a velhice? Ainda mais, um apartamento de tamanho que já não é mais necessário, afinal os filhos já saíram do ninho.

Em países socialmente mais justos, uma pessoa com o histórico de vida de Clara venderia o apartamento por um bom preço ou o trocaria por um ou dois na nova torre.

Clara é aposentada, provavelmente no teto do INSS, e recebe a pensão do marido, que, imagino eu, é de professor titular da UFPE, ou algo equivalente. Nas regras brasileiras, exclusividade nossa, Clara pode acumular seu próprio benefício com o do marido.

Clara tem, além do imóvel no Aquarius, quatro outros apartamentos. Possivelmente herdou alguns e adquiriu um ou dois. A compra tanto dos herdados quanto dos por ela adquiridos deve ter sido financiada pelo finado Banco Nacional de Habitação (BNH). A hiperinflação brasileira reduziu significativamente o saldo devedor dos apartamentos e, pagou-se pelos imóveis muito menos do que custaram à sociedade. A ausência de correção da dívida foi cortesia de políticos demagogos. A diferença foi para a viúva na forma do Fundo de Compensações de Variações Salariais (FCVS), que até hoje pesa nas contas do Tesouro.

Assim, um conjunto imenso de distorções explica o poder de barganha de Clara.

Ela é capaz de enfrentar empresários gananciosos e barrar um empreendimento que geraria: aumento de apartamentos em Boa Viagem; renda para os empreendedores; renda para os ex-moradores do Aquarius que esperam o fim do negócio para receber parcela final da venda; e aumento significativo de IPTU para a prefeitura. Sem falar dos empregos e da renda durante a construção e vários depois dela.

Claro que a soma de nossas distorções –que resultam, entre outras, no gasto de 13% do PIB com aposentadoria e pensões, quando pela nossa estrutura demográfica deveríamos gastar 5%– é importante causa do baixo crescimento econômico. O setor público não tem recursos para financiar a construção da infraestrutura física e social do país, incluindo, entre outros tantos setores, o de saneamento básico.

O baixo crescimento econômico, por sua vez, torna o início da vida profissional das novas gerações muito difícil. Clara está sempre disposta a ajudar os filhos. Será que o Honda Fit da filha foi comprado com o dinheiro da mãe?

A responsabilidade fiscal venceu - GUSTAVO FRANCO

O GLOBO - 25/09

Ajuste fiscal era conhecido como remédio dolorido, a meio caminho entre dívida e pecado


A ideia de responsabilidade fiscal veio da Nova Zelândia, pouca gente sabe, através de uma lei de 1994.

Nesse mesmo ano, no Brasil, estávamos às voltas com outras coisas: a hiperinflação, a URV, que mudou de nome para real em julho, 16 dias antes da final da Copa, e em dezembro, já campeões do mundo, a inflação bateu 1,7% pelo IPCA, equivalentes a 22% em bases anuais. Era um extraordinário progresso, mas ainda tivemos muito trabalho para chegar em 1,6% para o ano inteiro de 1998.

Nos primeiros tempos, a expressão “responsabilidade fiscal” parecia mesmo uma importação sem similar nacional, um estrangeirismo desses que os comunistas locais repelem, mas logo ficou claro que se tratava de uma inovação revolucionária, uma espécie de Uber dos debates fiscais, começando pela linguagem.

Antes dessa extraordinária invenção, os economistas eram como os farmacêuticos de antigamente que vinham nas casas de família com uma imensa seringa não descartável numa caixa de metal e as crianças se escondiam apavoradas. Os senhores parlamentares escutavam falar de “ajuste fiscal” e pareciam ver o farmacêutico querendo lhes aplicar injeções.

Ninguém queria saber de “ajuste fiscal”, que não se entendia bem como conserto ou contrato, mas como remédio dolorido, a meio caminho entre a dívida e o pecado. E aqui temos um parentesco ancestral: Margareth Atwood lembra que “no aramaico, a língua semítica falada por Jesus, a palavra para “dívida” e a palavra para “pecado” era a mesma. Assim, é possível traduzir a passagem [DO PAI NOSSO]como “perdoai nossas dívidas/pecados”, ou até como “nossas dívidas pecaminosas” embora nenhum tradutor tenha escolhido fazê-lo, ainda.

O “ajuste fiscal” era frequentemente colocado na mesma cava do inferno onde está a “austeridade”, outra criatura ascética, coisa de anacoretas, uma espécie de jejum da vida e, por isso mesmo, durante muitos anos, os economistas pregaram no deserto.

Tudo mudou com essa feliz expressão neozelandesa à qual ninguém poderia se opor. Quem pode ser contra a responsabilidade fiscal? Ou a sustentabilidade? Seja ela ambiental, fiscal, financeira, empresarial?

O equilíbrio fiscal entrou, com isso, para o domínio do politicamente correto, esse o truque que sempre nos faltou.

A mágica das palavras é fundamental para as disputas retóricas, mas em 1994, a responsabilidade fiscal não era mais que isso, uma expressão bem achada. Era preciso praticar para experimentar e entender.

Em 1994, os Estados estavam todos quebrados e em atraso com as empresas federais de geração de energia, com os bancos federais e com seus bancos estaduais, e estes, por sua vez, também encrencados e sem solução.

Era o caos. Não era o ambiente mais acolhedor para se introduzir a responsabilidade fiscal e, por isso, mesmo se abandonou a ideia de uma emenda constitucional de orçamento equilibrado ou de teto de gastos, como a de hoje.

Mas o que veio a seguir deu significado bem claro ao conceito. Foram diversas rodadas de refinanciamento das dívidas estaduais que resolveram todos esses problemas. Foi essencial que houvesse uma garantia boa (tanto que, hoje, os Estados não conseguem deixar de pagar a União), que fossem extintos os bancos estaduais (tal como funcionavam), que os Estados dessem em pagamento ativos para a União privatizar e, por fim, que fechasse o guichê dos refinanciamentos para que não houvesse essa “doença do Refis”, ou a ideia de que sempre virá um novo refinanciamento.

Mais importante que tudo, no entanto, foi colocar o Tesouro Nacional (STN) na posição de FMI estabelecendo programas, limites e metas. Depois de tudo resolvido, inclusive de um programa semelhante atendendo 174 municípios, veio uma lei complementar em 2000 que trouxe toda essa experiência para o que se conhece hoje como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Foi uma epopeia, um feito extraordinário para uma secretaria (STN) criada 14 anos antes, a partir do nada. Mais extraordinário ainda foi, 15 anos depois, ver iniciado e concluído o impedimento da presidente da República principalmente por violações à LRF.

A responsabilidade fiscal é uma ideia vencedora e paradigmática, inclusive por que, finalmente, deslocou o desenvolvimentismo inflacionista do terreno da obsolescência, ou do cinismo, para o da ilegalidade.

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS

Ironias ideológicas - SUELY CALDAS

ESTADÃO - 25/09

Multiplicar, fortalecer estatais e investir na área social figuram com destaque no discurso político-ideológico do PT, mas as ações marcham no sentido inverso



Os governos Lula e Dilma castigaram a Petrobrás com suas políticas erradas e prejudiciais à empresa. A Eletrobrás tenta sair do fundo do poço, para onde a desastrada queda da tarifa de energia a empurrou em 2013. O dinheiro do BNDES privilegiou grandes grupos, os chamados campeões nacionais, e o S de Social da sigla foi completamente esquecido. Multiplicar, fortalecer estatais e investir na área social figuram com destaque no discurso político-ideológico do PT. Só que as ações marcham no sentido inverso. Seja por incompetência ou por ímpeto populista, a verdade é que as políticas sociais dos últimos 13 anos não se sustentaram e acabaram canceladas ou suspensas porque o dinheiro acabou. Exceção feita ao bem-sucedido Bolsa Família e ao Minha Casa, Minha Vida, que cambaleia.

É verdade que na gestão de Lula milhões de brasileiros saíram da miséria, mas é verdade também que dois anos de recessão econômica, desemprego e queda na arrecadação desmancharam muitos destes ganhos e a população pobre, mais vulnerável à crise, passou a enfrentar o caminho de volta para a miséria. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a desigualdade social piorou na gestão Dilma: a renda dos trabalhadores mais pobres, que recebem menos de um salário mínimo, caiu 9%, enquanto a renda média total do trabalho se reduziu em menos da metade (4,2%) e a da faixa mais rica aumentou 2,38%.

Na semana passada a Petrobrás divulgou seu plano de negócios para os próximos 5 anos. Entre itens importantes, como focar em exploração e produção de petróleo e gás e sair de outras áreas, uma surpresa: o plano reduziu de US$ 42,6 bilhões para US$ 19,5 bilhões a venda de ativos da estatal. Desmoronou o mito privatista da gestão pós-PT: a Petrobrás vai desestatizar menos da metade do que pretendia a equipe anterior do governo Dilma.

Também o BNDES anunciou seus planos: vai investir pesado em capital humano, atuando em parceria com governadores, abrindo créditos para saneamento, eficiência energética, iluminação pública e infraestrutura e gestão em educação, com ênfase no ensino médio. Acabaram os privilégios às empresas amigas, aos campeões nacionais, e o banco, enfim, dará sentido e conteúdo ao S do Social que carrega no nome.

Pedro Parente e Maria Silvia Bastos pertencem a um grupo de economistas de pensamento econômico liberal, que os petistas propagam só se preocupar com o mercado financeiro e desprezar o lado social da economia. No Ministério da Fazenda do governo FHC, Pedro Parente ajudou a formular as regras e comandou a maior renegociação das dívidas dos Estados com a União de que se tem notícia. Além disso, administrou com sucesso a saída da crise do apagão elétrico de 2001. Maria Silvia foi diretora do BNDES no governo Collor e, em breve passagem pela Secretaria da Fazenda da prefeitura do Rio de Janeiro (1993-1996), tirou as contas do atoleiro e deixou no caixa US$ 1 bilhão. Foi dirigir a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e, depois, ocupou cargos públicos e privados. Os dois têm perfil técnico, são movidos pelo desafio de vencer obstáculos sem preconceitos ideológicos e nunca pensaram em participar da política ou se candidatar em eleições.

No plano de negócios, Parente tenta corrigir os erros de Lula e de Dilma ao transformarem a Petrobrás num braço das políticas do governo ao congelar o preço dos combustíveis, obrigando-a a apresentar planos de investimentos pomposos e irreais, levando-a a um endividamento que rebaixou sua classificação de risco e reprimiu seu crescimento, a aceitar a absurda posição de única operadora do pré-sal e a comprar plataformas e embarcações da hoje fracassada indústria naval pelo dobro do preço externo. Enfim, arrasaram com a empresa. A saída imaginada por Dilma seria vender seus ativos fatiados, fazer o que o PT sempre acusou FHC de ter a intenção de fazer: privatizá-la.

O mensalão e a vasta corrupção na Petrobrás mostraram que o PT enganava o público ao se mostrar como único partido ético e honesto. Sua passagem pelo poder também vai revelando a farsa de seu discurso ideológico.


Keynes e a conjuntura brasileira - RUBEM DE FREITAS NOVAES

O GLOBO - 25/09

A limitação das despesas públicas e a reforma da Previdência são imprescindíveis para mostrar um horizonte fiscal seguro



Em 1936, em plena depressão mundial, era publicada a “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”. Keynes, seu autor, influenciado pelo dramático quadro vigente, revolucionava a macroeconomia, deslocando a atenção para a demanda agregada, que julgava insuficientemente estimulada para retirar a economia do pântano onde estava mergulhada.

Antes de Keynes, a macroeconomia clássica limitava-se aos ensinamentos da Teoria Quantitativa da Moeda e à crença, contida na Lei de Say, de que “a oferta cria a sua própria procura”, com o que pouco deveríamos nos preocupar com recessões e desemprego. A economia, deixada livre de intervenções estatais, saberia encontrar o seu equilíbrio, desde que flexíveis os preços e salários.

O estudo do mestre de Cambridge vinha para defender que nem sempre os mercados funcionam da forma prevista pelos economistas clássicos e que algum tipo de “empurrão” teria de vir das despesas públicas, já que, num quadro depressivo, a política monetária estaria prejudicada pela “armadilha da liquidez”, descrita de forma adequada pelo dito popular segundo o qual “podemos levar um cavalo ao bebedouro, mas não podemos obrigá-lo a beber”.

A verdade é que a “Teoria geral” pouco tinha de geral, posto que aplicável apenas a momentos de crise generalizada de confiança e grande ociosidade de fatores de produção. E que seu receituário de gastos públicos compensatórios poucas vezes deu bons resultados pela ineficiência inerente ao Estado. Mas é indiscutível que nos deixou lições importantes ao chamar atenção para o comportamento da demanda agregada e para os problemas decorrentes de sua possível insuficiência em ambientes recessivos. E aqui estamos prontos para ligar Keynes ao momento presente da economia brasileira, dando atenção à real situação dos diferentes agentes econômicos.

A demanda agregada keynesiana é um somatório do consumo privado, dos investimentos e dos diferentes gastos governamentais. Do lado do consumo privado, o que vemos é uma população já muito endividada, com altos índices de inadimplência, sofrendo desemprego em larga escala e receosa de dias piores adiante. Em relação aos gastos públicos, a realidade é a de um governo federal em crise fiscal e de inúmeros estados e municípios literalmente quebrados. Quanto aos investimentos, nossos principais investidores domésticos, empreiteiras, fundos de pensão e Petrobras, estão descapitalizados e envolvidos em investigações gravíssimas. O processo de ajustamento das contas destes diversos grupos tomará tempo, o que nos deixa apenas a alternativa de atrair capitais externos, principalmente para o investimento na infraestrutura, se quisermos ver algum alento imediato na demanda agregada.

Alguns economistas heterodoxos insistem no caminho dos maiores gastos públicos, esquecendo que a “dominância fiscal” de hoje, muito mais que neutralizar os efeitos da política monetária de combate à inflação, torna absolutamente irresponsável e contraproducente o uso de qualquer política fiscal anticíclica, pelos efeitos deletérios que esta teria sobre as expectativas e a difícil reconstrução da confiança.

Posto este quadro, paciência e perseverança na construção de um ambiente propício ao empreendedorismo devem ser as palavras de ordem. A limitação das despesas públicas e a reforma da previdência são imprescindíveis para mostrar um horizonte fiscal seguro. A confiança será retomada aos poucos, na medida em que medidas corretas forem sendo implementadas. Há também espaço para a redução dos juros, o que ajudará muito na reversão do ânimo empresarial. Por fim, a ociosidade de mão de obra e de capital físico jogará também a favor de uma retomada do crescimento, por baixar os custos de produção e investimento.

Em suma, face às dificuldades por que passam os diferentes agentes econômicos determinantes da demanda agregada keynesiana, não devemos esperar uma retomada substancial no horizonte de curto prazo, mas podemos ser surpreendidos por taxas de crescimento em crescente aceleração à medida que a confiança se espalhe na avaliação interna e externa de nossas potencialidades. Quem sobreviver verá!

Rubem de Freitas Novaes é economista

Fatiamento da crise - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 25/09

Dilma, Lula, PT, Mantega, Lava Jato, Temer, quem vai conseguir se salvar?



Por onde começar? São tantos escândalos, nomes, empresas, erros... Lula vai ser preso? Dilma caiu na rede? O PT tem ou não jeito? Moro e a Lava Jato estão botando os pés pelas mãos? E Temer, a quantas anda? Então, vamos por partes.

O ex-presidente Lula tornou-se réu pela segunda vez, agora nas mãos do juiz Sérgio Moro e arrastando com ele Marisa Letícia. De quebra, o juiz determinou o exame das peças que a família levou de Brasília para o depósito bancado pela OAS. São de Lula ou do acervo da Presidência?

Dilma Rousseff escorrega por mais de uma via para a Lava Jato. Como informa o repórter Fábio Fabrini, novo relatório do TCU pede o bloqueio de bens, entre outros, dela e de Antonio Palocci pela refinaria de Pasadena, que causou imensos prejuízos à Petrobrás e ao País. E o ministro Guido Mantega, do Conselho de Administração da Petrobrás, é acusado de pedir dinheiro a Eike Batista, que tinha contratos bilionários com a empresa, para pagar dívidas de campanha de Dilma.

</CW>Mantega diz que “nunca conversou” com Eike, mas a agenda dele diz o contrário: em primeiro de novembro de 2012, ele se encontrou com Dilma e, duas horas depois, recebeu o à época bilionário na Fazenda. Alguém está mentindo, ou o ministro ou a agenda.

O PT? Com presidente, seu grande líder, seus ícones e suas bandeiras alvejados, o partido vê seus troféus desabarem: o governo de Minas, pela operação Acrônimo, e a Prefeitura de São Paulo, pelas urnas. Sem luz no fim do túnel.

Sobre Moro: os excessos na entrevista dos procuradores sobre o “comandante máximo” abriram uma brecha por onde disparam críticas à prisão de Mantega e à sua soltura. E uma pessoa abandonar a mulher em pleno hospital para atender uma ordem de prisão, ainda por cima questionável, tem forte apelo emocional. Tudo isso reforça o marketing da “escalada do arbítrio”, para transformar Moro em “réu” e Lula em “vítima”.

Quanto a Temer: conseguiu atrair o olhar de investidores nos EUA e mostrar que foi assimilado pelo mundo (exceto pelo enclave bolivariano), mas o STF autorizou apuração inicial sobre pedido de doação para o candidato do PMDB em São Paulo em 2012. Temer não pode ser investigado por fatos anteriores ao mandato, mas a decisão tem efeito sobre a opinião pública, já tão ressabiada.

Conclusão: nunca antes neste país tudo pareceu tão conflagrado. E vai piorar.

Do ex-ministro Antonio Palocci: “Eliane Cantanhêde comete grave equívoco a meu respeito em seu artigo Operação Arquivo X. Faço aqui as correções necessárias. O apartamento a que ela se refere no seu texto foi adquirido com recursos provenientes de minha atividade empresarial, está devidamente registrado pela empresa da qual sou titular e foi pago mediante transferência eletrônica bancária emitida pela mesma. Estas informações são públicas e toda documentação a respeito foi disponibilizada aos órgãos de registro e fiscalização e comprováveis por uma simples checagem. É de se estranhar e mesmo de provocar indignação que informações tão acessíveis sejam desprezadas e substituídas por ofensas e prejulgamentos”.

Resposta: Depois das reportagens de Andreza Matais e José Ernesto Credendio, o então ministro Palocci nunca esclareceu publicamente quem eram seus clientes e nem mesmo o tipo de consultoria que a empresa Projeto prestava, assim como não explicou a compra de um apartamento à vista, por R$ 6,6 milhões à época. Ele caiu da Casa Civil e ainda hoje estão em curso dois procedimentos do MPF-DF, questionando “a normalidade das operações comerciais da empresa sob investigação (Projeto), apontando para possível ato de improbidade cometida pelo seu principal sócio (Palocci)”. Conforme já divulgado, o patrimônio do ex-ministro cresceu 20 vezes de 2006 a 2010, ano em que coordenou a campanha de Dilma.

Eleição fantasma - DORA KRAMER

ESTADÃO - 25/09

Situação do PT nos três maiores colégios eleitorais dá a medida de sua derrocada


Ano atípico este de 2016. Impeachment presidencial, cassação do mandato de um presidente da Câmara, prisões, delações, Lula acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução de Justiça, meio mundo político na mira da Lava Jato, suspeita de que ministro comandava a economia enquanto arrecadava fundos “por fora” para o PT. Com tudo isso e muito mais, a campanha eleitoral passou praticamente em branco no cenário nacional.

Quando a gente se dá conta de que a eleição de prefeitos e vereadores é daqui a uma semana, soa muito repentino. Já? Pois é. O rebuliço reinante na República atraiu todas as atenções e deixou em segundo plano a movimentação dos aspirantes a administradores do nosso cotidiano. Das decisões dos eleitos dependerá o maior ou menor grau de conforto ou desconforto na vida das cidades e de seus habitantes. Portanto, o voto de domingo próximo é crucial para o próprio bem (ou mal) do eleitor.

O resultado dessa situação de peculiar desinteresse, veremos daqui a uma semana. Dois indicadores políticos, no entanto, já se destacam nas pesquisas de opinião: a dispersão partidária entre os apontados como favoritos nas capitais e o desempenho sofrível, e já esperado, do PT nessas localidades. O partido lidera a disputa apenas em Rio Branco (AC).

Verdade que das grandes legendas nenhuma concentra quantidade expressiva de primeiros colocados. O PSDB está na frente em cinco (São Paulo, Manaus, Teresina, Belo Horizonte e Maceió), o PMDB em três (Goiânia, Porto Alegre e Florianópolis) e nas demais capitais há divisão entre pequenos e médios partidos. Das 26 (no Distrito Federal não há prefeitura), em 14 lideram candidatos do PRB, PMN, PSOL, Rede, DEM, PSD, PSB, SD, PCdoB e PDT, um retrato da fragmentação do quadro partidário.

A diferença é que o PT mandou – e desmandou – no País durante os últimos 13 anos e tinha o projeto, quando assumiu a Presidência da República em 2013, de conquistar a hegemonia nos governos dos Estados e na administração dos municípios, notadamente nas capitais.

Pois hoje, a uma semana da eleição, o partido perde para o PSOL, o PCdoB e o PDT na escala dos líderes nas pesquisas. Iguala-se aos nanicos do porte do PMN e só não fica no mesmo patamar do DEM porque a legenda que Lula jurou de morte política está em primeiro lugar em Salvador, o maior colégio eleitoral do Nordeste.

Nas três maiores capitais do País, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, o quadro é absolutamente desfavorável. No Rio, onde Lula e Dilma tiveram grandes votações para a Presidência, o PT nem sequer tem candidato. Marcelo Crivella consolidou-se na dianteira e políticos que aderiram à versão do “golpe” estão no grupo de sete candidatos que almejam uma vaga com índices que variam de 10% a 2% da preferência.

Tudo indica que o prefeito Eduardo Paes, com todo o sucesso da Olimpíada não conseguirá fazer de Pedro Paulo seu sucessor. Aí pode ter pesado menos a proximidade de Paes com Lula e mais a insistência do prefeito de manter a candidatura depois de seu escolhido ter sido acusado de agredir a ex-mulher.

Em Belo Horizonte, o petista Reginaldo Lopes está com 4% na pesquisa divulgada na última sexta-feira. Isso num Estado governado pelo PT e onde Aécio Neves perdeu para Dilma Rousseff em 2014.

A derrota mais anunciada, e nem por isso menos desastrosa, desenha-se em São Paulo, onde o prefeito Fernando Haddad olha de longe (10% das intenções) três adversários, João Doria, Marta Suplicy e Celso Russomanno brigarem pela liderança com índices entre 25% e 20%. Até ontem Lula não havia aparecido na cidade para ajudar seu correligionário, que, aliás, andou tirando o símbolo do partido do material de campanha.

Convenhamos, o quadro geral não corresponde à ideia de Lula de que, uma vez candidato em 2018, não teria para mais ninguém.


Direitos e deveres - MERVAL PEREIRA

O Globo - 25/09
O combate à corrupção no Brasil está entrando em uma fase delicada, em que a defesa de interesses escusos se mistura com a de garantias de direitos individuais e das empresas privadas, abrindo um debate que pode ser rico para o aperfeiçoamento de nossas instituições. Um mau sinal é que essas reações se avolumam à medida que a força da lei se aproxima da classe política.

A tentativa de legislar sobre o caixa 2 eleitoral para tipificá-lo como crime específico tinha, na verdade, a intenção, compartilhada pelos líderes dos maiores partidos no Congresso, de favorecer a interpretação de que o que aconteceu antes da nova lei não poderia ser classificado de crime, mas infração eleitoral sujeita a multas, e não a cadeia. Como candidamente afirmou um dos principais ministros de Temer, sem ser admoestado de maneira a não deixar dúvida de que o Palácio do Planalto nada tinha a ver com aquela conversa.

Denunciada a farsa, eis que dias atrás outro projeto, desta vez do senador Telmário Mota do PDT, pousa na mesa do Senado, com objetivos semelhantes. Como no projeto de lei abortado, a redação do projeto do Senado é similar a uma das medidas das 10 propostas do Ministério Público Federal contra a corrupção, com penas até mais pesadas em certos casos.

Segundo especialistas, porém, aprovando-se tal matéria agora, certamente seriam agraciados, pela retroação benéfica que a Constituição autoriza, aqueles investigados e processados pela Lava Jato.

Também no Supremo Tribunal Federal há incômodos diante de certas atitudes dos procuradores de Curitiba e do próprio juiz Sérgio Moro. Depois de ter aparecido de maneira insólita e despropositada como parte da delação premiada do empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS — o que gerou a anulação de todo o processo por parte do procurador-geral da República — o ministro Dias Toffolli já fez diversas advertências sobre os abusos que podem ser cometidos em nome do combate à corrupção, e o ministro Gilmar Mendes aumentou o tom das críticas aos procuradores, sempre ressalvando que a Operação Lava-Jato em si tem que ser preservada, inclusive dos exageros dos procuradores.

O ministro Marco Aurélio Mello está à frente de duas ações que podem limitar a ação dos procuradores e dos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU). Ao desbloquear os bens de empreiteiras defendendo a tese de que o TCU não tem jurisdição sobre empresas privadas, ele está em choque com a interpretação do tribunal e de muitos juristas, mas tem a seu favor outros tantos que consideram que o TCU está extrapolando suas funções.

Da mesma maneira, o STF vai retomar esta semana o debate sobre a prisão já na segunda instância, uma das 10 medidas contra a corrupção defendidas pelo MPF e que está em vigor, mas sem efeito obrigatório. Depende de cada juiz, hoje, acatar ou não a nova jurisprudência, e os próprios ministros do Supremo que são contra a medida já deram liminares a favor dos condenados, soltando-os.

O que se quer é que o assunto seja decidido em caráter vinculante pelo plenário do STF. O placar que foi de 7 a 4 a favor da mudança pode se alterar devido ao novo ambiente político, com mais ministros entendendo que é preciso dar um freio na ação dos procuradores, que estariam extrapolando sua autoridade.

Já foi uma derrota da nova presidente do STF, ministra Carmem Lucia, ter colocado na pauta o tema, que ela gostaria de ver postergado. O que indica que talvez já haja uma maioria, senão para voltar ao antigo entendimento de que a prisão só pode ser feita depois do trânsito em julgado, pelo menos para flexibilizar a decisão, criando-se uma instância intermediária antes da decretação da prisão, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Qualquer mudança, contudo, desestimulará muitas delações premiadas.

O episódio da prisão e soltura do ex-ministro Guido Mantega é exemplar dessa nova situação de pressões e contrapressões sobre os procuradores e o juiz Sérgio Moro. O recuo deixou a entender que não havia motivo para prendê-lo, e revelou também uma fragilidade diante das pressões políticas que vêm sofrendo.

Estamos diante de uma disputa de direitos e deveres que pode indicar novos caminhos, mas pode também representar um retrocesso se prevalecer a manutenção de um sistema judicial que favorece os privilegiados de sempre e protege corporações em vez de instituições.

Novo homem novo - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 25/09

A eleição para a Prefeitura de São Paulo consagrou um candidato que nunca havia sido testado nas urnas. Ele começou atrás nas pesquisas, mas decolou na carona da popularidade do padrinho. Depois de ser chamado de poste, deixou no escuro todos os políticos tradicionais que o esnobavam.

O enredo da vitória de Fernando Haddad em 2012 ensaia se repetir quatro anos depois. O poste da vez é o tucano João Doria, que acaba de assumir a liderança da corrida paulistana. Ele chegou a 25% das intenções de voto no Datafolha. Se mantiver a curva ascendente, deverá disputar o segundo turno contra Celso Russomanno ou Marta Suplicy.

Na campanha passada, a propaganda petista apresentou Haddad como o "homem novo". Ele se beneficiou do prestígio do ex-presidente Lula e do desejo do eleitor por mudanças. Na noite da vitória, ironizou os críticos e se comparou a Dilma Rousseff, que havia enfrentado a mesma desconfiança em 2010. "Vocês sabem que eu sou o segundo poste do Lula. Tão sabendo disso, né?"

Doria entrou na disputa de 2016 como o poste de Geraldo Alckmin. Há três dias, ao comemorar a escalada nas pesquisas, ele deixou claro a quem serve sua candidatura. "Venho para ajudar a consertar, junto com as pessoas de bem, como o governador Geraldo Alckmin. Que se Deus quiser, com a nossa força e a nossa vitória, vai ser conduzido, sim, à Presidência da República em 2018."

O candidato a novo homem novo aposta em dois sentimentos em alta na cidade: o antipetismo e a antipolítica. "Não sou político, sou empresário", martela. Ninguém sabe bem o que ele fará se for eleito, além de privatizar parques, corredores de ônibus e até cemitérios municipais.

Na última semana, adversários passaram a lembrar outros postes para levantar dúvidas sobre a capacidade de Doria. No debate Folha/SBT/UOL, Marta o comparou a Haddad, a Dilma e até a Celso Pitta, cuja luz se apagou antes do fim do mandato.

Será que vai dar praia? - MARCIO DA COSTA

O GLOBO - 25/09

Greves intermináveis com risco zero. Salário na conta e dois a três meses de trabalho a menos quase todos os anos recentes


Quinta, dia 22, algumas unidades da UFRJ suspenderam suas atividades em função de uma anunciada paralisação, convocada por entidades de funcionários. Na véspera, à tarde, instâncias oficiais já se adiantavam e oficializavam a suspensão do expediente. Não é inédito. Tornou-se natural com o passar dos anos. O que se segue é parte do que escrevi para meus pares.

É razoável que a instituição adote uma posição que, na prática, impõe uma greve a todos? Tem sido assim na UFRJ. Sindicatos adotam em seus fóruns uma paralisação. Quase instantaneamente, a burocracia responsável pela gestão da universidade incorpora tal decisão e antecipa seus efeitos decretando que os portões sejam cerrados. O Conselho Universitário já fez algo semelhante, suspendendo o calendário letivo. Assim, uma decisão de greve é convertida em estranho locaute, com a ação de autoridades que deveriam zelar pelo funcionamento institucional.

No caso da interrupção do calendário institucional, por mais de uma vez isso ocorreu em favor de movimentos que nem mesmo contavam com adesão expressiva, mas que foram tornados artificialmente “universais” por esse artifício de gestão. Na última greve isso assumiu um caráter mais severo, dado que, em unidades onde não havia adesão ao movimento, a manutenção do calendário foi proibida pelas autoridades universitárias.

A coisa funciona assim: uma assembleia de meia dúzia decide greve ou paralisação, a estrutura decisória transforma essa decisão quase clandestina em decreto institucional. Com isso, está assegurado o sucesso do movimento, “adesão” de 100%. Discursos revolucionários saúdam a coesão de classe, e a população paga pelas bravatas.

Frequentemente, quase ninguém sabe ao menos quais são as reivindicações do “movimento”. Eventualmente, em caso de grande adesão, o funcionamento poderia estar severamente comprometido, de tal forma que seria impossível ou pouco sensato manter as portas abertas. No entanto, nem se cogita testar.

Tal ocorre em meio à anomia que torna a lei, a separação público/privado, a preocupação com a coisa pública meras peças de retórica nesse universo paralelo em que vivemos nas universidades públicas. A predação do funcionamento institucional deriva de se haver aprendido na universidade que não há risco. Nenhum dos protagonistas paga o preço.

Como de hábito, a paralisação foi numa quinta-feira, convertendo-se em feriadão. O distinto público paga nosso salário, e vida segue, como se nada houvesse acontecido. A Viúva banca, e ninguém é chamado a prestar contas desses, digamos, feriados informais. Greves intermináveis ocorrem da mesma forma: risco zero. Salário na conta e dois a três meses de trabalho a menos quase todos os anos recentes.

Será esse um dos motivos porque parece crescer na população o sentimento de inveja/ódio pelo funcionalismo público? Aquele bando de gente que ganha mais, trabalha menos, não precisa prestar contas de nada e ainda vai lá quando quer? Quanto tempo durará essa festa? Alguém será responsabilizado?

Quinta feira deu praia.

Marcio da Costa é professor da Faculdade de Educação da UFRJ

Os fatos, os fatos - CARLOS AYRES BRITTO

ESTADÃO - 25/09

Não é no plano das normas que se assenta a feição imperial do nosso presidencialismo



Uma das mais importantes dicotomias da vida é a formada pelo mundo das normas e pelo mundo dos fatos. Normas que dispõem sobre fatos, fatos que ora se dão conforme sua previsão normativa, ora não. As normas como abstração ou vida pensada, os fatos como concreção ou vida vivida. Para os propósitos do presente artigo, normas jurídicas de um lado e, de outro, fatos que se põem como hipóteses de incidência delas. Fatos por ela regulados, portanto. Por ilustração, a norma penal que proíbe o fato do homicídio, a norma civil que permite o fato do casamento.

Muito bem. Ao menos no campo do Direito Constitucional brasileiro, há uma tradição ruinzinha à beça. A que põe os fatos acima das respectivas normas. Elas a perder de goleada para eles. Isto no sentido de que, se os fatos não se passam de acordo com o querer da sua moldura normativa, pior para ela. Eles vão prosseguir destorcidos e o seu molde normativo, ignorado. Ou, então, substituído por outro. Quando, na verdade, o problema de maior gravidade não costuma residir no molde, mas na aceitação do desvirtuamento dos fatos por ele regrados. Exemplos? Número de partidos políticos e provisão de recursos para a respectiva mantença, registro de candidaturas políticas, financiamento de campanhas eleitorais, formação de base parlamentar para o que se tem chamado de presidencialismo de coalizão, nomeação para cargos em comissão, princípios da publicidade e da impessoalidade, dever da probidade administrativa. As chamadas mazelas de um sistema presidencial que, em rigor, somente é imperial no plano dos fatos. Não propriamente no plano das normas.

Com efeito, um olhar mais atento para a Constituição evitaria tantas emendas a ela (mais de nove dezenas em apenas 27 anos), de parelha com leis também produzidas com fecundidade de hamster (cuja fêmea ovula a cada nove dias). Emendas e leis referentes a fatos que já tinham no sistema de normas então em vigor um tratamento de boa qualidade democrático-republicana. Além de racional e justo, em linhas gerais. Bastando lembrar coisas assim instantaneamente condutoras de seu entendimento lógico: “partido” é parte, parcela, fração de opinião ideológica de um povo. Logo, sua criação deve corresponder a uma destacada concepção quanto ao melhor modo de estruturar o governo da pólis. Pelo que sua mantença e seu crescimento devem se dar, substancialmente, pelo aporte de recursos dos seus próprios simpatizantes, filiados, dirigentes e candidatos eventualmente eleitos. Nada a ver com a gestação de siglas que, ideologicamente nulas, apenas se destinam a abocanhar nacos do Fundo Partidário e alugar seu tempo de rádio e televisão. Ou com a estratosférica fixação nominal desse mesmo fundo, ainda que legislativamente feita.

Nessa pegada constitucional, o vocábulo “candidato” significa, tecnicamente, cândido. Puro ou limpo, eticamente. Da mesma forma que o termo “candidatura” traduz a ideia de candura ou pureza ou limpeza ética. Nada compatível com pessoas de avultado passivo processual-penal, ou em face da chamada “lei de improbidade administrativa”. Daí por que a Constituição também fala de “vida pregressa” de tais candidatos. Dando-se que vida pregressa não é vida futura. É vida passada. Propósito de qualificar a representação política do povo, que responde, ainda na Constituição, pelo chega pra lá no poder econômico em tema de financiamento de campanhas eleitorais.

Paro por aqui no que toca ao sentido técnico de vocábulos e fraseados da Constituição. Termos e expressões que, se interpretados com rigor científico, “enquadrariam” os fatos constitutivos das principais mazelas políticas e até institucionais do cotidiano brasileiro. Limito-me, para encerrar estas reflexões, a falar do sistema presidencial do País. Presidencialismo destas bandas de cá, antecipei, somente imperial no plano dos fatos. Não no plano normativo-constitucional. É que, para cada tipologia de competência presidencial, a Constituição cerca o respectivo exercício de eficazes antídotos. Assim na chefia de Estado como de governo e até da administração pública. Vou às indicações normativas, a título exemplificativo.

Se o presidente da República é quem protagoniza as relações internacionais do Brasil, tem de submeter os respectivos atos a referendo do Congresso Nacional (incisos VIII do artigo 84 e I do artigo 49). Se edita medidas provisórias, quem dá a última palavra sobre elas é, de novo, o Parlamento brasileiro (caput do artigo 62). Se nomeia dignitários da envergadura de um ministro do Supremo Tribunal Federal, de um procurador-geral da República, de um ministro de tribunal superior e do Tribunal de Contas da União (TCU), tudo passa pelo crivo do Senado Federal (inciso III do artigo 52). Se dirige superiormente a administração pública federal, nela embutidas as empresas estatais, é fiscalizado e controlado por ambas as Casas do Congresso, com o auxílio do TCU, o que ainda alcança o julgamento de suas contas anuais (incisos IX e X do mesmo artigo 49). Se pode iniciar o processo de emenda à Constituição, fica privado do poder de sanção e veto (§ 3.º do artigo 60). Se pode prover cargos em comissão, tem de respeitar os limites mínimos que a lei fixar para os servidores de carreira (inciso V do artigo 37). Sem falar que é obrigado a oficiar debaixo dos explícitos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (artigo 37, cabeça).

Ora, bem, levando ainda em conta que a ordem constitucional brasileira turbina a cidadania (inciso II do artigo 1.º), plenifica a liberdade de imprensa (artigo 220), institui o mecanismo de impeachment (caput do artigo 85) e faz do Poder Judiciário o ponto de unidade dos outros dois Poderes da União, onde a feição monárquica do presidencialismo brasileiro? Nos fatos. Nos fatos, conforme esta sentença oracular de Carlos Drummond de Andrade: “Caiu a corte; não os cortesãos”.

 * EX-PRESIDENTE DO STF

MANTEGA, O HOMEM DA MALA, SABE TUDO - JORGE OLIVEIRA

DIÁRIO DO PODER - 25/09

Cascais, Portugal - A Lava Jato acertou na veia prendendo Guido Mantega, mas, infelizmente, movido por sentimento humanitário, o juiz Sergio Moro revogou a prisão do ex-ministro da Fazenda de Lula. É uma pena, pois Mantega, que ficou quase dez anos no cargo nos governos petistas, tem muita coisa para falar sobre a corrupção do partido e o dinheiro que ele desviou das empresas públicas para a candidatura dos ex-presidentes. Mantega, como se sabe, foi o responsável pela derrocada econômica do Brasil e um dos principais lobistas da indústria automobilística. Além disso, atuou diretamente no perdão das dívidas de bilhões de reais de grandes empresas sonegadoras da Receita Federal.

Eike Batista, ao depor para os procuradores da Lava Jato, não deixou dúvidas sobre a participação de Mantega nas mutretas petistas. Disse, com todas as letras, que Guido Mantega solicitou que ele colaborasse com 5 milhões de reais para a campanha da Dilma. Mais da metade dessa fortuna, segundo Eike, chegou às mãos do marqueteiro João Santana e da sua mulher Mônica, no exterior, a pedido do ex-ministro no período pós-eleitoral.

O depoimento de Eike levou Guido para a prisão, mas ele não chegou a testar o chão frio da cela nem dormir numa cama de cimento porque o juiz Sergio Moro compadeceu-se do fato da mulher dele está se submetendo ao tratamento de câncer no hospital Albert Einstein.

Mais uma vez, os ministros do STF divergiram quanto a prisão. Gilmar Mendes, o contestador, falou que o ato foi “constrangedor”. Já Celso Melo não viu exagero na decisão de Sergio Moro de pedir a prisão do ex-ministro. Segundo o decano do STF, um dos mais respeitados do tribunal, mandado de prisão não escolhe local ou hora para ser executado, portanto, nada foi ilegal, tudo constitucional, como reza a lei.

Apesar da divergência dos dois ministros do STF, o fato é que a prisão de Mantega já deveria ter acontecido há mais tempo, desde que a PF provou a sua participação na operação Zelotes que tinha como objetivo “anistiar” multas bilionárias de empresários sonegadores. Mantega e também Palocci foram ministros da Fazenda danosos à nação, irresponsáveis, incompetentes e intermediários de dinheiro sujo para as campanhas do Lula e da Dilma. Palocci, inclusive, foi denunciado por um caseiro por promover bacanais em uma casa de luxo em Brasília, alugada com dinheiro público. Nas duas vezes em que deixou o ministério foi por envolvimento em atos de corrupção.

Os petistas, mais uma vez, estão indignados com as decisões dos procuradores da Lava Jato. No caso da prisão de Mantega, o presidente do partido, o fundamentalista Rui Falcão, falou em um ato desumano, seguido por Lula que trilhou o mesmo caminho para condenar a prisão. Ora, sejamos menos hipócritas: ao decretar a prisão de Mantega ninguém sabia que a mulher dele no mesmo dia estaria fazendo exames pré-operatórios, portanto, nem os procuradores nem a Polícia Federal cometeram algum ato de truculência. E a reparação foi imediata: Moro, por compaixão cristã, revogou a prisão do marido quando soube da enfermidade da mulher.

A prisão de Mantega pode levar a Lava Jato a puxar o fio do novelo que falta para esclarecer a ligação de Lula com Eike. O ex-presidente virou lobista de luxo do empresário e foi visto várias vezes na companhia dele depois que largou o governo. Em uma dessas aparições, ele viajou no avião de Eike para vistoriar seus empreendimentos financiados com dinheiro subsidiados do BNDES. Lula também ajudou o bilionário a conseguir grandes obras da Petrobrás com contratos e licitações fraudulentas. No depoimento aos procuradores, Eike deixa claro que contribuiu para as campanhas do PT. Citou apenas os R$ 5 milhões. Falta revelar o montante das propinas distribuídas nos mais de dez anos para alimentar o PT no poder. Os procuradores esperam que o Eike abra o jogo se não quiser passar o resto dos dias na cadeia.

Agora, como evangélico, o empresário precisa confessar seus pecados se quiser alcançar o reino do céu.

Supremo sinaliza aval à reforma trabalhista EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 25/09

Em pelo menos duas decisões, ministros do STF consideraram válidos acordos feitos entre patrões e empregados, mesmo em sentido contrário à CLT


Estabelecido pelo governo que, entre as reformas, a criação do teto para as despesas públicas e a atualização da Previdência são prioritárias — a emenda do limite máximo anual dos gastos já tramita na Câmara —, a proposta de modernização das normas que regulam as relações de trabalho ficou para o ano que vem.

Empresários não gostaram, mas é mesmo urgente tomar medidas que comecem a dar garantia de que o Brasil conseguirá reverter a tendência de quebra do Tesouro, um processo de insolvência cujo avanço é medido pelo aumento do peso da dívida pública no PIB. Que deve chegar a perigosos 70% este ano, depois de ter sido 55% em 2006. E não para de subir.

Mas, felizmente, um item da agenda de mudanças, a ideia de que o melhor a fazer para oxigenar o mercado de trabalho é privilegiar o acordo entre patrões e empregados, por sobre a arcaica CLT, ganha apoio na sociedade e também dentro do Estado.

Na própria Justiça do Trabalho, guardiã da consolidação das leis trabalhistas, há simpáticos à formula. Entre eles, o presidente do Tribunal Superior (TST), Ives Gandra Martins Filho. A proposta sequer é apenas brasileira: o governo da França acaba de baixar por decreto a mesma benéfica alteração, diante da impossibilidade de qualquer entendimento com os sindicatos de trabalhadores.

Um fato positivo é que também o Supremo Tribunal Federal (STF) dá sinais de que entende ser preferível o acordo entre as partes do que a tentativa de aplicar uma legislação arcaica, da década de 40.

O jornal “Valor Econômico" detectou esta tendência da Corte. Já houve duas decisões nesta mesma direção. No ano passado, em veredicto com repercussão geral (a ser seguido por todos os tribunais), os ministros do STF validaram cláusula de um programa de demissão voluntária aberto pelo Banco do Brasil, depois de incorporar o Banco de Santa Catarina, que estabeleceu renúncia geral a direitos trabalhistas pelos participantes do programa. Uma heresia à luz da CLT, porém sancionada devido a um acordo prévio sobre o assunto

Há pouco, o ministro Teori Zavascki mandou publicar a decisão de aceitar o acordo coletivo a que se chegou numa usina de açúcar e álcool de Pernambuco, pelo qual os trabalhadores perderam o pagamento pelo tempo gasto nos deslocamentos, mas receberam outras vantagens em troca. O TST derrubou o acerto, mas o Supremo o restabeleceu, ao aceitar recurso da usina.

Zavascki reconheceu que o pagamento das horas gastas em deslocamento é garantido pela CLT. Porém, argumentou, a Constituição permite que acordos coletivos tratem de salário e de tamanho da jornada de trabalho.

Pode estar acendendo uma luz dentro do nevoeiro que envolve as reformas para tirar o país da debacle.


Urgência e relevância do ensino - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 25/09

Proposta de reforma do ensino médio contempla três importantes mudanças: a flexibilização do currículo escolar, o aumento do número de escolas em tempo integral e a ampliação da oferta de formação técnica profissional


É de justiça reconhecer que o governo de Michel Temer ousou ao comunicar, na quinta-feira passada, que a proposta de um novo ensino médio será feita por meio de Medida Provisória (MP). Se é certo que a fórmula de lançamento suscita questionamentos – educação é um tema que merece profundo estudo –, não menos certo é que se encontram presentes no caso os pressupostos constitucionais de urgência e relevância para a edição de uma MP.

É urgente a reversão da atual situação da educação no País. Há razoável consenso entre os educadores de que o ensino médio está estagnado num patamar muito baixo. “Os números desastrosos não permitem que adiemos a reforma”, disse o ministro da Educação, Mendonça Filho. Não é possível fechar os olhos para o fato de os jovens estarem passando pela escola sem aprender o que deveriam. Tem-se hoje um modelo disfuncional que, almejando abarcar tudo – filosofia e sociologia, por exemplo, são matérias obrigatórias do ensino médio –, acaba na prática oferecendo muito pouco ao aluno, que não raro sai do colégio sem saber matemática e português.

É preciso mudar e, diante de um Congresso que não mostra interesse em discutir a qualidade da educação – quando muito, debate verbas para a educação –, talvez a edição de uma MP seja de fato oportuna, forçando o Legislativo a se manifestar sobre tema tão relevante. Há tempos a educação não é uma prioridade do governo federal – em seu segundo mandato, a ex-presidente Dilma Rousseff transformou o tema em mero slogan –, e os resultados são padrões de atuação reconhecidamente ineficazes.

Falava-se muito em melhorar a qualidade da educação, mas o debate do tema estava se transformando em justificativa de uma falta de ação tremendamente injusta com tantos jovens, que não recebem na escola o mínimo de conhecimento necessário para seu desenvolvimento humano e profissional. Se a anunciada MP conseguir romper tal paralisia, será um importante passo.

A proposta de reforma do ensino médio contempla três importantes mudanças: a flexibilização do currículo escolar de acordo com o interesse do aluno, o aumento do número de escolas em tempo integral e a ampliação da oferta de formação técnica profissional.

Não haverá corte de nenhuma disciplina e a carga horária continuará sendo de 2.400 horas em três anos, com o limite máximo de 1.200 horas para a Base Nacional Curricular Comum. As outras 1.200 horas serão dedicadas ao currículo flexível.

Na prática, a proposta do governo fortalece o ensino de matemática, português e inglês, disciplinas que serão obrigatórias ao longo de todo o ensino médio. As outras dez matérias serão obrigatórias até o 1.º semestre do 2.º ano, já que, a partir da segunda metade do ensino médio, a grade se torna flexível, com a possibilidade de o aluno escolher um entre cinco percursos formativos – formação técnica profissional, linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas.

Em relação ao período integral, a meta é ter, em 2017, 257 mil alunos de ensino médio nesse regime, com pelo menos 7 horas/aulas por dia. Em 2018, a expectativa é chegar a 514 mil alunos em regime de período integral. A ampliação da jornada exigirá investimento de R$ 1,5 bilhão. A promessa é que a escola que oferecer regime integral receberá um incentivo anual de R$ 2 mil por aluno.

Além de estar em consonância com o Plano Nacional de Educação – aprovado em 2014, uma de suas metas é ter, até 2024, 25% de matrículas da educação básica em regime integral –, o esforço por aumentar as escolas nessa modalidade de regime se inspira na boa experiência do Estado de Pernambuco, que, com o regime de período integral, conseguiu saltar do 21.º lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2007 para o topo do ranking em 2015, além de ter diminuído em 90% a evasão escolar.

É longa – e mais que necessária – a batalha pela melhoria da qualidade do ensino ofertado no País. Que o anunciado novo ensino médio possa ser um primeiro passo.

O elevado custo da aposentadoria precoce - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 25/09

Estudo avalia que o custo anual da aposentadoria precoce sobre a produção é da ordem de R$ 26 bilhões, ou 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), a valores de 2014



Que o aumento da idade mínima para a aposentadoria deverá estar entre as propostas de uma reforma da Previdência em estudos no governo federal não há dúvida. Para amparar a ideia, um texto dos economistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Luis Henrique Paiva, Leonardo Alves Rangel e Marcelo Abi-Ramia Caetano (hoje secretário de Previdência do Ministério da Fazenda), posto em discussão há alguns dias, mostrou o elevado custo das aposentadorias precoces – assim consideradas as concedidas a homens com menos de 60 anos e a mulheres com idade inferior a 55 anos.

O estudo avalia que o custo anual da aposentadoria precoce sobre a produção é da ordem de R$ 26 bilhões, ou 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), a valores de 2014. Sem o benefício, 900 mil pessoas continuariam trabalhando com remuneração média mensal de R$ 2,4 mil e anual próxima de R$ 30 mil. Além disso, há um impacto sobre a produtividade, estimado em R$ 2,8 bilhões, ou 0,11% do PIB. Isso se deve a uma queda da produtividade após a aposentadoria.

As estimativas vão muito além da constatação de que é inviável atuarialmente o modelo previdenciário atual em que muitos beneficiários recebem o benefício durante um período quase tão dilatado como o daquele em que trabalharam. Para que esse modelo atual fosse viável, as contribuições teriam de ser muito superiores às vigentes.

O trabalho do Ipea foi baseado em premissas conservadoras, numa amostra com homens entre 53 e 59 anos e mulheres com 50 a 54 anos. Segundo os autores, “a estimativa deve ser entendida como uma primeira aproximação da redução da produção e da produtividade relacionada às aposentadorias precoces”. O cuidado é justificável. Os cálculos baseiam-se em modelos matemáticos e logísticos. Entre os objetivos está medir o quanto a aposentadoria precoce reduz a probabilidade de o beneficiário continuar ativo.

O Brasil se inclui entre o pequeno grupo de 13 países que permitem a aposentadoria por tempo de contribuição, sem a exigência de idade mínima. Os homens podem se aposentar após 35 anos de contribuição ao INSS e as mulheres, após 30 anos de contribuição.

O estudo reforça a premissa de que as regras do INSS devem ser ajustadas à expectativa de vida. Mas pode se repetir o ocorrido em outras tentativas de alterá-las: em 1995, muitos anteciparam a aposentadoria para fugir das novas regras.

Vícios arcaicos - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 25/09

É espantosa a resistência de certos vícios brasileiros. Tome-se, por exemplo, a indistinção entre o público e o privado, a partir da qual Sérgio Buarque de Holanda erigiu sua notória interpretação do país. O hábito daninho, originário do período colonial, perpassou séculos e adaptou-se a distintas configurações, cedendo pouco.

Levantamento desta Folha detectou provas desse arcaísmo político na campanha eleitoral de alguns Estados, nos quais candidatos a prefeito e vereador que são parentes de caciques partidários foram beneficiados por fatias bem generosas do Fundo Partidário.

Em Salvador, a campanha de Taisa Gama para a Câmara Municipal recebeu R$ 200 mil do PTB, mais que a soma destinada aos candidatos da sigla a prefeito em Porto Velho (RO) e Teresina (PI). Taisa disputa seu primeiro pleito, mas traz um trunfo do berço: é filha do deputado federal Benito Gama, vice-presidente nacional do PTB.

Em outro caso, atribui-se à influência do ministro da Saúde, o paranaense Ricardo Barros (PP), o vultoso aporte de recursos aos candidatos do Paraná (R$ 2,2 milhões), à frente de outros Estados pelos quais a sigla elegeu número maior de congressistas. A filha do ministro, Maria Victória, concorre à Prefeitura de Curitiba; o irmão, Silvio Barros, à de Maringá.

A prática sem dúvida não se restringe a esses dois Estados, citados apenas a título ilustrativo. O veto às doações empresariais, com efeito, fez do Fundo Partidário a principal fonte de financiamento dos candidatos. Nos últimos três anos, em meio a uma das piores recessões do país, a dotação da União aos partidos saltou de R$ 308 milhões para R$ 868 milhões.

Num cenário de escassez de verbas e de regras morais maleáveis ao sabor da ocasião, pode-se imaginar a volúpia com que muitos se valem do fundo em proveito próprio, de familiares ou amigos. Aos correligionários sem pedigree, em casos extremos, o sepultamento da candidatura será inevitável.

Decerto os partidos devem ter autonomia para priorizar as candidaturas que mais lhes convêm, mas o mínimo que se espera é a existência de limites mais rígidos e transparentes para o emprego do Fundo Partidário.

Não se trata somente de questionar a ausência de mecanismos democráticos nessas siglas. Apropriando de verbas públicas, os caciques perpetuam não apenas seus clãs, mas também um conjunto de práticas antirrepublicanas das quais há muito o país quer se livrar.