O GLOBO - 25/09
A limitação das despesas públicas e a reforma da Previdência são imprescindíveis para mostrar um horizonte fiscal seguro
Em 1936, em plena depressão mundial, era publicada a “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”. Keynes, seu autor, influenciado pelo dramático quadro vigente, revolucionava a macroeconomia, deslocando a atenção para a demanda agregada, que julgava insuficientemente estimulada para retirar a economia do pântano onde estava mergulhada.
Antes de Keynes, a macroeconomia clássica limitava-se aos ensinamentos da Teoria Quantitativa da Moeda e à crença, contida na Lei de Say, de que “a oferta cria a sua própria procura”, com o que pouco deveríamos nos preocupar com recessões e desemprego. A economia, deixada livre de intervenções estatais, saberia encontrar o seu equilíbrio, desde que flexíveis os preços e salários.
O estudo do mestre de Cambridge vinha para defender que nem sempre os mercados funcionam da forma prevista pelos economistas clássicos e que algum tipo de “empurrão” teria de vir das despesas públicas, já que, num quadro depressivo, a política monetária estaria prejudicada pela “armadilha da liquidez”, descrita de forma adequada pelo dito popular segundo o qual “podemos levar um cavalo ao bebedouro, mas não podemos obrigá-lo a beber”.
A verdade é que a “Teoria geral” pouco tinha de geral, posto que aplicável apenas a momentos de crise generalizada de confiança e grande ociosidade de fatores de produção. E que seu receituário de gastos públicos compensatórios poucas vezes deu bons resultados pela ineficiência inerente ao Estado. Mas é indiscutível que nos deixou lições importantes ao chamar atenção para o comportamento da demanda agregada e para os problemas decorrentes de sua possível insuficiência em ambientes recessivos. E aqui estamos prontos para ligar Keynes ao momento presente da economia brasileira, dando atenção à real situação dos diferentes agentes econômicos.
A demanda agregada keynesiana é um somatório do consumo privado, dos investimentos e dos diferentes gastos governamentais. Do lado do consumo privado, o que vemos é uma população já muito endividada, com altos índices de inadimplência, sofrendo desemprego em larga escala e receosa de dias piores adiante. Em relação aos gastos públicos, a realidade é a de um governo federal em crise fiscal e de inúmeros estados e municípios literalmente quebrados. Quanto aos investimentos, nossos principais investidores domésticos, empreiteiras, fundos de pensão e Petrobras, estão descapitalizados e envolvidos em investigações gravíssimas. O processo de ajustamento das contas destes diversos grupos tomará tempo, o que nos deixa apenas a alternativa de atrair capitais externos, principalmente para o investimento na infraestrutura, se quisermos ver algum alento imediato na demanda agregada.
Alguns economistas heterodoxos insistem no caminho dos maiores gastos públicos, esquecendo que a “dominância fiscal” de hoje, muito mais que neutralizar os efeitos da política monetária de combate à inflação, torna absolutamente irresponsável e contraproducente o uso de qualquer política fiscal anticíclica, pelos efeitos deletérios que esta teria sobre as expectativas e a difícil reconstrução da confiança.
Posto este quadro, paciência e perseverança na construção de um ambiente propício ao empreendedorismo devem ser as palavras de ordem. A limitação das despesas públicas e a reforma da previdência são imprescindíveis para mostrar um horizonte fiscal seguro. A confiança será retomada aos poucos, na medida em que medidas corretas forem sendo implementadas. Há também espaço para a redução dos juros, o que ajudará muito na reversão do ânimo empresarial. Por fim, a ociosidade de mão de obra e de capital físico jogará também a favor de uma retomada do crescimento, por baixar os custos de produção e investimento.
Em suma, face às dificuldades por que passam os diferentes agentes econômicos determinantes da demanda agregada keynesiana, não devemos esperar uma retomada substancial no horizonte de curto prazo, mas podemos ser surpreendidos por taxas de crescimento em crescente aceleração à medida que a confiança se espalhe na avaliação interna e externa de nossas potencialidades. Quem sobreviver verá!
Rubem de Freitas Novaes é economista
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