domingo, novembro 28, 2010

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Deixa estar 
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/11/10

Entre os que acompanham de perto a montagem do primeiro escalão federal, há quem comece a achar que a equipe escolhida para entrar em campo em 1º de janeiro tem tudo para ser, ao menos em parte, uma espécie de ministério-tampão. O motivo é a multiplicidade de demandas com as quais Dilma Rousseff tem de lidar -dos desejos de Lula às reivindicações conflitantes dos 14 partidos que integraram a coalizão.
Quem conhece Dilma de longa data diz que o governo com a verdadeira feição da petista não é exatamente esse. E que sua marca aparecerá de forma gradual.

Continuidade De um PhD em Lula, indagado sobre possível volta em 2014: "Voltar? Ele não vai sair".

Precisa mais? Nos bastidores do PT, conta-se que um cardeal do partido, em recente conversa com Lula, observou que "ninguém" defende a permanência de Fernando Haddad no Ministério da Educação. "Eu defendo", teria cortado o presidente.

Efeito Meirelles O vazamento da conversa em que Antonio Palocci teria sondado Nelson Jobim sobre seu interesse em permanecer no cargo não fez bem ao ministro da Defesa. Mas, diferentemente do presidente do Banco Central, chamuscado por episódio semelhante, Jobim ainda conserva chances de ser convidado por Dilma.

Calendário 1 A presidente eleita pediu à sua assessoria que sejam iniciadas conversas com a diplomacia norte-americana para acertar as datas da viagem que ela fará aos EUA no primeiro semestre de 2011 e da que será feita por Barack Obama ao Brasil no mesmo período.

Calendário 2 Dilma, que declinou de convite para visitar Washington antes da posse, pois a data sugerida era muito próxima de sua diplomação e de um encontro do Mercosul, quer deixar claro seu interesse em estar com Obama assim que possível.

O céu.... Segundo levantamento a ser divulgado amanhã pelo TSE, as campanhas deste ano encerradas no primeiro turno declararam gastos num total de R$ 2,7 bilhões -média de R$ 20 por eleitor. A previsão inicial, calculada em discussões sobre a possibilidade de adoção do financiamento público de campanha, era de R$ 7.

...é o limite O custo global da campanha de 2010 ainda incluirá as despesas de Dilma, José Serra e 18 candidatos a governador no segundo turno. Especialistas criticam a ausência de teto para os gastos e o limite folgado estabelecido para os doadores (2% do faturamento de empresas e 10% da renda de pessoas físicas).
Profecia Em 2004, à espera de autorização do Congresso para o envio de tropas brasileiras ao Haiti, o general Américo Salvador afirmou que a atuação naquele país serviria de treinamento para enfrentar situações de repressão ao crime, como no Rio de Janeiro. Os paraquedistas do Exército que agora entraram em ação na cidade serviram no Haiti.

Redesenho 1 No organograma do futuro governo paulista, Geraldo Alckmin planeja que a supersecretaria de Governo e Gestão Pública abrigue a Comunicação, remodelada com o status de coordenadoria.

Redesenho 2 Uma tarefa prioritária da nova pasta será reconstruir o diálogo, desgastado na gestão Serra, com o funcionalismo público. O diagnóstico é consensual entre os tucanos, que enxergam hoje nos servidores um dos focos mais sérios de resistência ao PSDB.
com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI

tiroteio

"Agora que Dilma fechou a equipe econômica e o núcleo do Planalto, os partidos entraram todos em TPM: tensão pré-ministerial."DO DEPUTADO ANDRÉ VARGAS (PR), secretário de Comunicação do PT, sobre a ansiedade em torno da divisão dos principais cargos da Esplanada. Contraponto

Famoso quem?
Um dia depois do segundo turno, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) concedia entrevista ao vivo num estúdio móvel estacionado na praça dos Três Poderes. Na véspera, o local havia servido de cenário para gravação do "Pânico na TV!". Diante do novo agito, algumas pessoas puxaram o coro:
-Sabrina, Sabrina, Sabrina!
Alertado por assessores que pensaram ouvir "Padilha, Padilha!", o ministro chegou a sair do estúdio para conferir a súbita notoriedade, só então percebendo que a galera clamava pela exuberante apresentadora.

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Nada a esconder

João Ubaldo Ribeiro

O Estado de S.Paulo - 28/11/10


"Privacidade" é uma palavra recente na língua portuguesa. Quem a procurar num dicionário velho, aí de seus 30 ou 40 anos para cima, não vai encontrá-la. Antigamente se usava "intimidade", que, na minha opinião, quebrou bem o galho durante muito tempo. Não obstante, do mesmo jeito que muitas outras palavras nossas, "intimidade" teve todos os seus anos de bons serviços ignorados e foi amplamente substituída, via Estados Unidos, por uma inglesa de som e uso considerados chiques, como ocorre entre nós em relação a qualquer coisa em inglês. "Privacidade", aportuguesamento de "privacy", já foi naturalizada e correm bem longe os tempos em que seria xingada de anglicismo e, se usada numa prova escrita, baixaria a nota. A bem da verdade, ela não deixa de comportar-se como uma boa cidadã brasileira e talvez mereça a popularidade que obteve, talvez nós estivéssemos precisando dela mesmo.

Com a palavra, tudo bem, vida longa para ela, mas a condição que ela designa pertence cada vez mais ao passado. Ou melhor, já pertence ao passado, assim como a agora vingada "intimidade". Juntas, vão fazer parte das recordações de antigamente - o tempo em que existia um negócio chamado privacidade ou intimidade, o qual, suspeito eu, vai ter que ser explicado à geração que hoje é bebê. E, a julgar pelo que vejo em torno, muita gente, talvez a maioria, adere alegremente ao desprestígio crescente da privacidade e de sua colega intimidade. Não só não damos importância ao que fazem para violar nossa privacidade, como nos esforçamos para abdicar dela.

Há quem acredite que certas áreas, como a vida financeira e econômica de cada um, ainda são protegidas. Faz uns três dias, dei uma espiada na relação dos que têm (ou tinham, não vem ao caso, pois indica a experiência que voltarão a ter) acesso a dados dos contribuintes junto à Receita Federal e havia até estagiários. Não custa imaginar que estaria perto a autorização dos síndicos de edifícios de apartamentos, para fuçar a vida dos condôminos. Para não lembrar que já se falou em tudo quanto é tipo de vazamento na Receita Federal. Mas vamos continuar dando um crédito de confiança, que, aliás, é o único crédito nosso que podemos dar à Receita, porque o resto ela já tomou.

Até os bancos suíços, onde qualquer grande ladrão, traficante de droga ou governante corrupto tinha seu dinheiro imundo recebido com circunspecção, recato e maneiras finas, sem perguntas deseducadas e sem impostos penosos e, acima de tudo, sob sigilo impenetrável, até esses vêm sendo atacados. O venerável princípio segundo o qual a respeitabilidade de um homem é definida por quantos milhões de dólares ele tem está sofrendo golpes rudes, partidos notadamente, segundo leio aqui, dos americanos. O fisco americano, diz aqui, está torcendo o braço dos bancos suíços para que liberem dados de cidadãos sob sua jurisdição. Há ameaças de brecar as operações desses bancos nos Estados Unidos, se eles não atenderem aos pedidos de liberação. Verdade que rico ri à toa e que muitos espertos vão conseguir safar-se, mas o mundo não será mais o mesmo sem bancos suíços para higienizar, preservar e fazer render dinheiro sujo. Quanto a quem tem dinheiro aqui mesmo, sabe-se que a informação já está fartamente acessível, não só para os muitos que podem vê-la na Receita Federal, como em camelôs em São Paulo e no Rio, em CDs, ou, se se desejar gastar mais um pouco, documentos já impressos. Ou então se usa alguém de prestígio para mandar o banco quebrar o sigilo bancário do vizinho, do sogro, do marido ou do patrão. Dá para fazer numa boa, como já fez um ex-ministro cujo nome me escapa no momento, mas vocês hão de recordar.

Fora das finanças, acho que a coisa está bem mais aberta, porque a colaboração geral é entusiástica. Nas chamadas redes sociais na internet, milhões (ou bilhões, sei lá) de devotos acreditam que estão recebendo serviços de graça e que, por conseguinte, os donos dessas redes estão ganhando quaquilhões de dólares extraindo-os do ar e não dos bolsos da freguesia. Eles estão, claro, é faturando anúncios e, acima de tudo, coletando dados pessoais de toda espécie, que lhes proporcionam estratégias de mercado capazes não somente de vender a bagulhada que produzem ou a que se vinculam direta ou indiretamente, como também de criar necessidades antes inexistentes, para que se comerciem ainda mais bagulhos, num processo interminável. Não custa nada lembrar um axioma conhecido em cibernética: "Informação é controle."

Grande parte dessa massa manipulada quer ser manipulada, porque expõe, sua vida a torto e a direito, em proporções que não parecem conhecer limite. Não é apenas na internet que se divulgam intimidades antes preservadas, é em qualquer lugar. Já ouvi casais tendo a famosa discussão da relação, em celulares que, no modo viva-voz, faziam com que os circunstantes escutassem tudo. E senhoras e senhorinhas entrevistadas discorrem a leitores ou espectadores sobre posições sexuais, preferências de parceiros, higiene pessoal ou depilação púbica e perianal, quando não tomam parte em mesas-redondas de depoimentos pessoais íntimos - o que antes era confissão hoje é papo casual.

Segredos antigos desaparecem, velhos mistérios não são mais arcanos, não há mais inocências a proteger. Para evitar a exposição ao que se exibe em toda parte, só recolhendo o bebê a um mosteiro trapista, logo após o desmame, aos 6 meses de idade. Não se pode censurar livros recomendados a crianças ou adolescentes, pelo motivo descabido de que mostram aspectos de um mundo vivido por todos, inclusive por eles, que veem bem mais do que os adultos suspeitam. Não há como esconder mais nada. E, dessa forma, é preciso que eles também tenham a chance de ver este mundo através da sensibilidade literária. Principalmente porque isso os ajudará a compreender que há escolhas.

DANUZA LEÃO

 Liberou?
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/11/10

"Em condições específicas", disse o papa; e existe condição mais específica do que o desejo? E o amor?


TUDO PODE SER interpretado, veja-se o caso da escolha da nova equipe econômica. Segundo os que entendem de tudo, se para o Banco Central for A, significa que os juros vão subir, se for B, que a gastança vai continuar -ou o contrário. Se Palocci aparece mais -ou não aparece-, a interpretação vem logo: ele vai para a Casa Civil, ou não vai mais.
Como o ser humano adora interpretar, imagine o prato cheio que foi a declaração do papa, dizendo que em condições específicas -por exemplo, um profissional do sexo que seja soropositivo- o uso de preservativo é permitido. Ora, se para tudo na vida existem várias interpretações, imagina nesse assunto.
Para começar, foi uma surpresa saber que a Igreja Católica aceita que exista a prostituição. Se, para ela, o sexo é só para procriar, como admitir profissionais -homens e mulheres- do sexo?
Não vamos esquecer que houve uma pequena confusão na tradução das declarações do papa; teria ele dito "garotos de programa" ou "prostitutas"? Então a Santa Madre Igreja admite também a existência de "garotos de programa"? Moderna, não?
Agora, às interpretações. E se não for um/uma profissional do sexo, mas um empresário/a, contaminado, que saia para namorar. Nessas condições, a Igreja aceita? Mas devem existir casos em que a pessoa tem uma suspeita, mas não a certeza de ter o vírus; se for um/a profissional, pode usar camisinha. Se não for, não pode -claro, já que é pecado transar. Difícil, essa Igreja.
Li ontem que, no mundo, 15 pessoas são infectadas por dia pelo HIV. Fiquei pensando: se o IBGE fizesse perguntas sobre a vida sexual de todos os habitantes do mundo, seria possível saber quantas relações sexuais acontecem a cada 24 horas.
Sendo a população em torno de 6 bilhões, vamos fazer uma continha rápida. Digamos que 1/3 sejam crianças, 1/3 idosos; sobram 2 bilhões de adultos. Supondo que, desses 2 bilhões, 100 mil sejam sexualmente ativos -portanto, 50 mil casais -, e que esses casais transem uma vez por mês.
Seriam quase 2.000 transas diárias, o que nem é tanto assim, mas não acredito que todas tenham a intenção de procriar. E não acredito, mas não acredito mesmo, que por mais religiosas que sejam as pessoas, na hora do desejo elas se contenham, lembrando que é pecado. Lamento, mas não dá.
"Em condições específicas", disse o papa; e existe condição mais específica do que o desejo? E o amor? São as duas condições mais específicas que existem, e é triste ver como a Igreja ainda encara o sexo: ou é para ter um filho, ou para evitar a morte. Para ser mais alegre e mais feliz, nem pensar.
Então, a pedofilia dos padres deveria mandá-los não para o inferno, mas para mil infernos, se isso fosse possível. Porque além do crime da pedofilia, eles estão abusando do poder que têm, levando risco de infecção para o garoto e ferrando com a cabeça dele para o resto da vida.
Acho que Bento 16, com aquela cara de antigo, está sendo o papa mais moderno que a Igreja jamais teve. Ele não precisa liberar geral. Mas se liberar o sexo entre as pessoas que se amam, merece ter uma longa vida para ver a volta do rebanho à Igreja.

GOSTOSA

FERREIRA GULLAR

Morte com data certa
FERREIRA GULLAR 
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/11/10

Na cama, antes de dormir, lembrava-se dela, daquele sorriso, daqueles cabelos ruivos presos na nuca


ELE A viu, pela primeira vez, numa fotografia. No mezanino da escola, na parede oposta à dos janelões, havia uma série de fotos que documentavam alguns momentos memoráveis daquele estabelecimento formador de quadros políticos que teoricamente iriam mudar a face do mundo.
Não obstante, ali se realizavam reuniões festivas de que participavam diretores, professores, alunos e tradutores. Lina era uma tradutora e, sem sombra de dúvidas, a mais linda de todas.
Ela ocupava, em primeiro plano, o canto esquerdo da foto, os cabelos presos na nuca e um sorriso que lhe iluminava o rosto redondo de menina. Calçava botas de cano alto e uma saia justa que lhe deixava à mostra os joelhos.
Era como uma fada jovem, numa aparição de encanto, naquele universo político-ideológico. Suspirou, certo de que aquela mulher estava fora de seu alcance, fora do alcance mesmo de seus olhos. Seria, talvez, uma visitante, que ali aparecera como convidada em alguma das festas.
Viu a tal foto na primeira semana de sua chegada ao instituto, quando os cursos mal se iniciavam e as turmas ainda estavam incompletas. Poucos dias depois, as aulas começavam e foi aí que a viu em pessoa, lanchando na "stalovaia" da escola. Ela estava numa mesa próxima, tomando café e conversando com um grupo que falava espanhol.
Em determinado momento, seus olhos se cruzaram, mas ela logo se voltou para alguém, disse-lhe alguma coisa ao ouvido e riu discretamente. De noite, na cama, antes de dormir, lembrava-se dela, daquele sorriso, daqueles cabelos ruivos presos na nuca.
Soube depois que era tradutora encarregada dos coletivos de alunos de língua espanhola, todos latino-americanos. Como os brasileiros se enturmavam com estes, também se davam com ela e foi assim que, certa tarde, na mesma lanchonete, ela sentou-se na mesa em que ele estava com um casal carioca.
Foram apresentados e ela não pareceu dar maior importância ao fato, embora ele tivesse a impressão de que o seu olhar de algum modo a perturbava.
Por sorte, algumas semanas depois, houve uma festa promovida pelo coletivo argentino, com tangos e tudo o mais, e nessa noite ele a tirou para dançar. Disse-lhe ao ouvido que a achava linda ("ótin craciva") e ela empalideceu. Quando a festa acabou, ela, nervosa, sussurrou-lhe que a esperasse na estação do metrô. Pouco depois, tomavam o trem, desciam na estação perto da casa dela e, já de mãos dadas, penetravam num parque escuro e deserto àquela hora da noite.
Puxou-o pela mão, sentaram-se num banco e ela, sorrindo, soltou os cabelos ruivos que lhe caíram encantadoramente sobre o rosto. Tentou beijá-la, mas ela se esquivou, ergueu-se do banco e o levou pela mão até à porta do edifício onde morava. Ali, beijou-o na testa e, com um adeusinho, sumiu no portão. Ele, de volta a seu quarto na "abchejite", mal acreditava no que acabara de viver.
Ela era casada, vivia com o marido mas já não eram marido e mulher; é que, no socialismo, se o casal ganhara um apartamento, não tinha direito a outro, pouco importando se o casamento acabara ou não. Na primeira noite em que ela o levou à sua casa, o marido ainda não havia chegado. Serviu-lhe um jantar, na cozinha, e ele, não podendo conter-se, declarou-se apaixonado por ela. Foi então que Lina lhe ofereceu a boca para um beijo que jamais esqueceria.
O marido, Andrei, chegou lá pelas nove horas. Beberam vodca juntos e, como nevasse muito, aproveitou para dormir lá mesmo, no sofá da sala. De manhã, quando o marido se preparava para ir trabalhar, fingiu que ainda dormia e só se levantou depois que ele se foi. Aí entrou no quarto, jogou-se sobre Lina na cama e se amaram loucamente.
Mas aquele amor tinha data certa para acabar: terminaria o curso e ele teria de deixar o país. Na véspera da partida, foi para a casa dela e lá ficaram, os dois, de mãos dadas, beijando-se e chorando. Nem ele podia ficar nem ela podia mudar de país. Sem alternativa e para não perder o metrô, decidiu ir embora, sabendo que nunca mais a veria na vida. Mesmo assim, saiu e atravessou o parque, como um autômato.
Na manhã seguinte, como um autômato, foi para o aeroporto, entrou no avião e partiu. Faz 37 anos e seis meses. Nunca mais se viram.

ELIANE CANTANHÊDE

 De leviandades
ELIANE CANTANHÊDE 
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/11/10

BRASÍLIA - ""O dia em que sofri mais foi no acidente de avião da TAM em Congonhas. Nunca vi tanta leviandade."
A frase de Lula, para blogueiros no Planalto, seria muitíssimo mais apropriada aos pais, mães, filhos, filhas, maridos, mulheres, amores, amigos e colegas dos 199 mortos da explosão do TAM 3054.
O caos aéreo comia solto havia dez meses, desde a queda do Boeing da Gol que matou 154 pessoas e abriu inédito caos aéreo: controladores em pé de guerra, Infraero, Anac e Decea se engalfinhando, companhias cancelando e atrasando voos, pilotos e tripulações em níveis de estresse nunca vistos e passageiros jogados no chão dos aeroportos.
O acidente do Gol 1907 foi em 29/9/2006, e o do TAM 3054, em 17/7/2007. É justamente o período de pico do caos aéreo, e Lula não mexeu uma palha para resolver a crise. Achava que as coisas se resolveriam por gravidade. Mas a gravidade foi contra e veio a tragédia de Congonhas. Só aí ele agiu.
O Airbus explodiu no dia 17 e Lula trocou o ministro da Defesa no dia 25, num reconhecimento inequívoco de que os erros começavam no próprio governo. De Waldir Pires para Nelson Jobim, a cadeia de comando foi se restabelecendo aos poucos e o caos foi simultaneamente recuando. Coincidência?
Se Lula não lê a imprensa independente e tem dúvida sobre a responsabilidade do seu governo no acidente da TAM, deve ler o relatório do Cenipa (órgão da FAB que investiga acidentes). A culpa é da posição errada dos manetes, ok. Mas havia "o momento particular" da aviação, "o clima tenso" a bordo, os passageiros "estressados".
Logo, "é possível supor que o cenário no qual ocorreu o acidente (...) tenha contribuído para sua consumação, notadamente, sob a forma de uma permanente pressão psicológica sobre seus tripulantes".
Leviandade por leviandade, a pior é a de quem permitiu que a coisa chegasse a esse ponto.

GOSTOSAS

MERVAL PEREIRA

Um olhar sobre o Rio
 Merval Pereira
O GLOBO - 27/11/10

O economista e professor da UFRJ Mauro Osório, especialista em planejamento urbano e estudos sobre o Rio, tem a preocupação de sempre apontar as especificidades da situação local por considerar ser fundamental procurar "olhar e entender" o que levou o Rio de Janeiro a enfrentar situações como a desta semana.

Ele atribui o fato de ainda termos uma "reflexão regional reduzida" em relação às demais regiões brasileiras ao caráter nacional do pensamento local, abrindo mão das questões regionais.

"Os cariocas "mais provincianos" pensam o Brasil, e os "mais cosmopolitas" pensam o mundo", ironiza Osório.

Isso faz com que, segundo ele, mesmo após 50 anos da mudança da capital, "até hoje tenhamos uma rarefeita reflexão regional e, por conseguinte, incorremos em importantes equívocos no desenho de prioridades e estratégias".

A ausência de uma cultura e olhar regional tem nos levado a erros de diagnóstico e de estratégias, segundo ele. Especificamente na área de economia, ao contrário de São Paulo e Minas, que têm em seus programas de mestrado e Doutorado, na USP, Unicamp e Cedeplar/MG, linhas de pesquisa regionais, os programas de mestrado e doutorado em economia na Região Metropolitana do Rio de Janeiro não apresentam linha de pesquisa permanente em economia regional.

Osório destaca que, ao analisarmos as taxas de homicídio por 100 mil habitantes do Mapa de Violência de 2010, vemos que, em 2007, enquanto o estado de São Paulo apresentava 15 homicídios por 100 mil habitantes, o Estado do Rio de Janeiro apresentava 40,1 homicídios por 100 mil habitantes.

"Acredito que a partir de 2007 ocorreram importantes rupturas. Na área de segurança pública, acabaram-se nomeações politiqueiras e ocorreu a colocação de um correto profissional chefiando a segurança pública do estado. Isso, associado ao início da implantação das UPPs, que terá que ser universalizada, começou a gerar uma mudança de percepção da população carioca, principalmente nas áreas carentes, sobre as forças policiais".

Essa mudança, porém, é muito recente, lembra. "Em 2006, quando da vinda da Força Nacional para o Rio de Janeiro, visando preparar a cidade para o Panamericano de 2007, os policiais de outros estados, mesmo de regiões violentas como Pernambuco, declararam na imprensa, à época, estarem estupefatos com a rejeição da população em áreas carentes às forças policiais, e com o nível de armamento que verificavam em territórios paralelos, como o Alemão".

Osório tem a tese de que o Rio, a partir das cassações que atingiram pesadamente a cidade, da UDN à esquerda, e a assunção da liderança por Chagas Freitas, através da legenda da oposição, passou crescentemente por um processo de desestruturação, e, por isso, ele destaca as mudanças que vemos no momento na área de segurança pública como de fundamental importância.

"É interessante procurar olhar onde obtiveram votos todos os anteriores secretários de Segurança ou chefes da Polícia Civil, que assumiram esses cargos a partir dos anos 80 e saíram candidatos", comenta Osório, insinuando que a maioria desses votos, em vários casos, vem de áreas dominadas pelo tráfico ou pela milícia.

O caso mais evidente de conivência de autoridades policiais com a marginalidade é a prisão de Álvaro Lins, ex-chefe da Polícia Civil eleito deputado estadual.

Outra especificidade, segundo Osório, é que, de acordo com o Mapa da Violência de 2010, analisando as taxas de homicídios por 100 mil habitantes para os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Bahia e Pernambuco, e suas capitais, o Rio é a única região em que a taxa de homicídios por 100 mil habitantes, no total do estado, é maior do que na capital.

"Isto se deve não a uma maior violência no interior, mas, sim, a uma maior precarização das cidades periféricas da Região Metropolitana".

Um estudo de violência feito pelo Ipea no início desta década apontou que, entre os 11 municípios mais violentos do país, quatro eram da periferia do Rio de Janeiro, três de Pernambuco, três do Espírito Santo e um de São Paulo (Diadema), que já apresentou significativa melhoria desde então.

Para Osório, hoje o secretário José Mariano Beltrame tem reforçado a necessidade de termos ações estratégicas no Estado do Rio. "Acho que essa é uma preocupação que deve se generalizar para todas as áreas. Não obteremos sucesso na cidade do Rio sem construirmos uma institucionalidade, política e instrumentos para nossa metrópole", assinala.

Osório mostra a importância das mudanças também ocorridas na área fazendária, a partir de dados do Confaz

Enquanto entre 1999 e 2006 ocorreu um crescimento real da receita de ICMS no Estado do Rio de apenas 7,2%, contra um crescimento real no total do país de 32,4%, entre 2007 e 2009 o crescimento real da receita de ICMS no estado foi de 10%, contra um crescimento real no país de 9,7%.

"Acredito que a melhoria esteja relacionado ao fim das nomeações politiqueiras na área fazendárias; aos três concursos públicos já realizados, renovando o quadro de fiscais; à criação de regras claras de transparência e impessoalidade; e à cobrança de ICMS em setores como o de hipermercados e supermercados de forma absolutamente distinta ao que ocorria anteriormente".

Osório lembra que há alguns anos atrás o empresário Abílio Diniz havia declarado que era extremamente complicado competir no Rio, pois alguns supermercados aqui não tinham o hábito de pagar impostos.

"Acho interessante ainda pensar se existem correlações entre essa trajetória do Rio de Janeiro e as acusações de sonegações na área de combustíveis", analisa Osório, referindo-se às denúncias do GLOBO sobre o esquema montado na refinaria de Manguinhos.

"Quando analisamos os dados da evolução do volume de vendas de combustíveis no Estado do Rio de Janeiro, através da Pesquisa Mensal de Comércio do IBGE, vemos, entre 2000 e 2009, uma queda no estado de 21,3%, contra um crescimento no país de 1,5%".

Osório está convencido, não é de hoje, que os últimos anos mostraram uma reversão de expectativas com relação ao futuro do Rio de Janeiro, com o governo estadual assumindo como prioridade o combate à criminalidade, sem esquecer as reformas necessárias.

CLÓVIS ROSSI

O Exército e o ovo da serpente
Clóvis Rossi
FOLHA DE S. PAULO - 28/11/10

SÃO PAULO - Do subchefe operacional da Polícia Civil do Rio, Rodrigo Oliveira, na quinta-feira: "A comunidade [da Vila Cruzeiro] hoje pertence ao Estado".

Que bom. Mas é indispensável perguntar: não deveria ter sido sempre assim? E não só com a Vila Cruzeiro, mas com todas as comunidades espalhadas pelo Brasil.Por não ter sido sempre assim, fertilizou-se o campo para a criminalidade, a grossa e a miúda.

Cabe também perguntar -e talvez seja a pergunta-chave- por que demorou tanto tempo para recuperar a Vila Cruzeiro se, agora, todo mundo diz que se trata de um bastião do narcotráfico?

Por que foi preciso que a bandidagem praticasse, no asfalto, cenas de guerrilha explícita para que as autoridades reagissem?

O cotidiano de medo a que vivem submetidos os brasileiros, nas grandes e médias cidades, não bastou para requisitar o auxílio das Forças Armadas. Talvez porque o medo é individual, não oferece cenas coletivas de barbárie como as que se viram nos últimos dias no Rio (e, não convém esquecer, em São Paulo anos atrás).

A omissão, para dizer o menos, das autoridades incubou o ovo da serpente. Abortá-lo agora é infinitamente mais complicado, até porque o recurso ao Exército para ajudar na invasão do Complexo do Alemão é uma confissão tácita de que a polícia, por si só, não consegue ganhar a guerra.

Até entendo o horror que muitos, esta Folha inclusive, expressam ante a hipótese de as Forças Armadas serem chamadas em auxílio da polícia. Há argumentos fortes para rejeitar a ideia.

O problema é que a alternativa parece ser a de devolver a Vila Cruzeiro aos antigos "donos". Se eles toparem ficar quietos no morro, sem o fogaréu que acenderam no asfalto, acabará sendo a acomodação de sempre. E a serpente parirá um ovo muito mais robusto lá na frente.

GOSTOSA

MÍRIAM LEITÃO


O manto do silêncio
Míriam Leitão
O GLOBO - 28/11/10

Eu posso explicar atos extremos cometidos por jovens durante a ditadura. Os que, naquela época, tomaram o poder empurraram os jovens para corredores estreitos que não levavam a outro caminho que não a radicalização ou omissão. O que não posso entender é como hoje, quatro décadas depois, se queira impedir o acesso à informação sobre aquele passado sob que pretexto for.

Pessoas que jamais fariam o que fizeram foram sendo envolvidas na lógica da radicalização. Mesmo os que não pegaram em armas, não entraram nos grupos mais radicais de guerrilha urbana ou rural, sabem da engrenagem do absurdo. Uma ditadura faz isso. Ela fecha portas a quem quer participar da política e influir nos rumos nacionais. A maioria se abstém; uma parte não está convencida de que haja possibilidade de fazer alguma diferença, os mais convictos querem fazer algo e, dentre eles, os mais afoitos acabam cometendo atos que os jogam no meio de uma guerra. Eles nada disso fariam se o governo não estivesse dominado por um poder ilegítimo e repressor como o que tivemos aqui de 1964 a 1985.

Há uma diferença entre os que, na oposição, praticaram atos que, aos olhos de hoje, são condenáveis, e os que dentro do aparelho do Estado torturaram e mataram. Os primeiros são vítimas; os outros, algozes. Assim é e assim será, mesmo que haja casos de vítimas inocentes atingidas pelos dois lados. Nada justifica a ditadura. Nenhum argumento da época ou de hoje é sólido o suficiente para abonar atos condenáveis como as cassações políticas, perseguições, tortura e morte de opositores políticos. Como definiu Ulysses: "a sociedade foi Rubens Paiva e não os facínoras que o mataram."

A presidente eleita participou desse confronto em que de um lado havia o terror de Estado e do outro um grupo reduzido de jovens. Alguns deles foram mais longe, pegaram em armas, se militarizaram, entraram em confronto físico, morreram ou viram seus amigos morrer. Ela diz que se orgulha desse passado, não deve ter medo de discuti-lo e explicá-lo às novas gerações. É natural que o Brasil queira conhecer a história da presidente que nos vai governar por quatro anos. Interromper esse debate por ato de censura, como foi o do Superior Tribunal Militar, no período pré-eleitoral, ou agora, sob a acusação de que toda aquela informação é lixo, é entrar numa contradição insanável. Quem tem orgulho do seu passado, quem acha inclusive que merece ser indenizado por ele, não pode impedir que ele seja conhecido de forma objetiva e completa. Não pode impor um roteiro edulcorado do passado, sob pena de criar mitos, versões falsas, manipular os fatos.

Todos os que eram jovens naquela época gostam hoje de se creditar pelos riscos que apenas alguns correram. Uma das verdades é esta: foram poucos os que tiveram coragem e conhecimento do que realmente se passava no país. Era difícil até obter a informação que levava os jovens à ação - armada ou não - contra o regime. A falsificação sufocante e majoritária era de um "país que vai pra frente"; a cobrança comum era de que toda crítica ao governo era um ato impatriótico. O país crescia no milagre dos anos 1970. Era mais fácil acreditar apenas na informação onipresente de que o governo estava certo e o presidente era muito popular porque era torcedor de futebol. A bolsa subia, o país estava com pleno emprego, e os poucos que chegavam à universidade tinham enormes chances. Sobre a vasta exclusão não se falava nos órgãos de imprensa, ou por censura ou por decisão editorial. Esperto era ser individualista, ganhar dinheiro e esquecer aqueles fatos incômodos levantados por alguns poucos de que o país estava num caminho inaceitável.

Ficou no imaginário popular a beleza das manifestações de 1968. Mas aquilo foi por pouco tempo e no momento mais suave do regime. Depois, veio o Ato Institucional número 5. Em seguida, o terror de Estado. Quem subia em palanques para lutar com palavras foi empurrado para a radicalização. Quem foi o culpado pelo radicalismo? Ora, os comandantes militares e seus cúmplices civis que tinham o controle do Estado e usaram todas as instituições para sufocar qualquer contestação.

Esse era o contexto. Não se pode julgar os jovens militantes de esquerda daquele tempo com os olhos de hoje. Estou convencida de que se, diante das manifestações de 1968, o regime tivesse reagido dialogando não haveria o que houve.

Hoje, 40 anos depois, o país tem que olhar para esse passado sem vetos. Nunca peguei em armas, mas posso entender quem o fez, porque vi o contexto e sei para onde o terrorismo de Estado empurrava os que, em vez de pensar só em si e nas suas carreiras, tinham vontade de influenciar os destinos do país. Mesmo que estivessem errados em suas convicções, estavam certos na atitude de se opor à ditadura. E foram os mais corajosos.

As novas gerações têm que olhar e debater esse passado. Há quem se pergunte se informações retiradas sob tortura podem ser publicadas. É uma dúvida legítima. Mas a imprensa - como tem feito em algumas matérias - está ouvindo de novo as testemunhas dos fatos, e, quando elas hoje confirmam o que disseram, qual é a justificativa para não publicar? Manter a versão única de quem hoje detém o poder é aceitar de novo a censura.

Não há nada que justifique o manto do silêncio sobre o passado, como esse país fez tantas vezes com vários dos eventos históricos. Só a História resgatada e conhecida pode ensinar o país a não repetir os mesmos erros.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO



Mantega ataca de novo 

EDITORIAL

 O ESTADO DE S. PAULO - SP - 28/11/10

Perigo à vista: o ministro Guido Mantega teve mais uma ideia. Agora ele propõe uma trapalhada para o próximo governo - usar um índice especial de inflação para baixar os juros mais velozmente. Se essa lambança for executada, as metas oficiais serão desmoralizadas, como ocorreu na Argentina, o combate à inflação será relaxado e toda a estratégia dos próximos quatro anos poderá ser prejudicada. Convidado pela presidente eleita para permanecer no posto, o ministro deu uma entrevista coletiva e prometeu uma gestão séria, renegando implicitamente seu currículo. A mudança foi desmentida rapidamente por ele mesmo.

A ideia é adotar um IPCA sem combustíveis e sem alimentos para servir de referência para a meta de inflação e para a política de juros. Mas o Banco Central (BC), o mercado financeiro e muitas consultorias já dispõem de índices desse tipo. O expurgo do índice permite obter o chamado núcleo de inflação. A exclusão dos itens mais instáveis ou das variações extremas pode ajudar na avaliação da tendência geral dos preços.

A técnica é usada em muitos países. O BC leva em conta esse tipo de informação ao fixar os juros. Mas não se baseia só nesses dados, porque sua missão é atingir um alvo definido em termos do IPCA cheio, isto é, com todos os componentes. Pode-se corrigir qualquer erro de avaliação num prazo curto, porque a política é revista a cada 45 dias. Tem havido muito mais acertos do que erros.

No Brasil, a maior parte dos preços flutua livremente. Uma alta sazonal ou acidental é compensada num prazo razoável por uma queda. Mas é perigoso apostar, sempre, no recuo dos preços de alimentos e de combustíveis. Pode haver longos períodos de alta, não apenas em consequência de mudanças nas condições de produção e de consumo, mas também de alterações financeiras. Produtos agrícolas, petróleo e outras commodities são objetos do jogo financeiro tanto quanto ações, títulos de crédito e moedas.

Núcleos de inflação podem dar informações importantes, quando avaliados com discernimento. Mas concentrar a atenção em dados como esses pode levar a resultados desastrosos. O exemplo mais evidente é o erro cometido pelo Federal Reserve, o banco central americano, ao manter os juros muito baixos por muito tempo. Os condutores da política levaram em conta um número muito restrito de preços, quando deveriam ter dado importância à especulação nos mercados de commodities. Da mesma forma, deveriam ter estado atentos à formação da enorme bolha no setor imobiliário.

O ministro Mantega parece não ter percebido ou interpretado corretamente esses fatos. Para produzir uma boa política monetária e financeira é preciso levar em conta um número maior - e não menor - de informações. O núcleo de inflação só é útil porque é um dado a mais, isto é, porque propicia uma perspectiva adicional para o exame do índice cheio. Não é bom por apresentar menos informações, mas por enriquecer o conjunto. Além disso, as pessoas pagam os preços da inflação cheia, não da expurgada, e um persistente erro de avaliação pode causar muito mal, especialmente aos pobres.

O ministro Mantega tem um longo currículo de trapalhadas e de mágicas desastrosas. Ele tem exercido o seu talento principalmente na tentativa de maquiar as contas do governo e, de um modo especial, o endividamento público. Se cuidasse melhor da política fiscal, contendo a gastança e preservando o Tesouro de operações promíscuas de financiamento, a economia seria mais saudável e seria mais fácil baixar os juros. O caminho é esse. A presidente eleita não deve maquiar a política de preços e de juros, mas promover com urgência o expurgo das más ideias.

Também deve recomendar boas maneiras a seu pessoal. Segundo o ministro Mantega, o economista Alexandre Tombini, escolhido para presidir o BC, "não vai titubear" quando tiver de prejudicar o setor financeiro, por ser funcionário público de carreira. O atual presidente do BC, Henrique Meirelles, dirigiu um banco privado e seu desempenho no governo é muito superior ao do ministro da Fazenda. Essa diferença, reconhecida internacionalmente, talvez explique a descortesia do ministro. Mas não a justifica.

BRAZIU: O PUTEIRO

VINICIUS TORRES FREIRE

Uma história banal de inflação
VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/11/10


Alta de preços deve seguir até o início de 2011; governo deveria aproveitar o ano para gastar "maldades"


DUROU MAIS ou menos até setembro a história de que a inflação safra de 2010 era passageira. Em agosto, a inflação acumulada em 12 meses voltara à meta, de 4,5%. Parecia então que poderia ser verdade o argumento de que o repique dos preços no primeiro trimestre do ano seria transitório, tocado por uma alta casual dos alimentos. Poderia ser verdade, mas parece que não é.
Em outubro, o IPCA acumulado em 12 meses foi a 5,2%. Em si mesmo, apesar de acima da meta, o número não diz grande coisa. Uma breve olhada em suas entranhas abertas em outubro, porém, não propicia bons augúrios. O índice de inflação dos produtos ditos "não comercializáveis" foi a 7,1% (sempre no acumulado em 12 meses).
Os "não comercializáveis" são aqueles produtos cujos preços em geral não são influenciados pelo comércio exterior (bens que não são exportáveis ou cujos preços não estão sujeitos à influência direta de bens importáveis). Por exemplo, serviços como educação ou cortes de cabelo. A inflação dos "comercializáveis", que ia pela casa dos 3% em agosto, em outubro foi a 4,7%.
A inflação dos serviços subiu para 7,2% em outubro. Alimentos, a 7,5%. Despesas pessoais, a 7%.
Em suma, o que parece ocorrer é uma história banal. Os preços de "não comercializáveis" sobem devido ao aumento da renda, ao desemprego baixo e cadente e ao estoque de crédito subindo a 20% ao ano. Os preços de bens sujeitos à concorrência internacional e à pressão baixista do câmbio estão mais ou menos sob controle -o país importa cada vez mais, o deficit externo é crescente. Mas a "ajuda" do câmbio na contenção da inflação agora deve ser cada vez menor. O real não deve ficar muito mais forte, se ficar.
A inflação medida pelos núcleos também está estourada -nessas medidas, são expurgados alguns preços que se comportam de maneira exagerada e/ou apresentam variações casuais ou sazonais.
As medidas de utilização da capacidade ociosa da indústria também estão apertadas. O maior salto no uso da capacidade produtiva da indústria ocorreu justamente em alimentos. Alguns setores estão no limite: papel e papelão, material de construção e minerais não metálicos. Como o consumidor está animado, com renda e crédito, está mais fácil repassar aumentos.
O caldo da inflação ainda deve engrossar até o fim do primeiro trimestre de 2011. Trata-se de um período de remarcação de preços, de repasses de custos dos aumentos de salários das categorias que conseguiram aumentos no terço final deste ano e de reajustes fortes de despesas como educação.
De quebra, há o risco de aumento dos preços dos combustíveis, a depender de quão grande será o problema da entressafra do álcool. Ou seja, há um estoque de riscos para a inflação bastante para incomodar o Banco Central e atiçar os povos dos mercados até pelo menos meados de 2011.
O estrago parece mais ou menos feito. A não ser devido a milagres em preços voláteis (alimentos, combustíveis) ou paradas fortes na economia mundial, os juros vão subir.
A nova equipe econômica do governo Dilma Rousseff poderia aproveitar esse 2011 algo mais problemático para fazer "o mal" de uma vez só, cortando gastos públicos com gosto, arrumando a casa e, de quebra, criando condições para derrubar as taxas de juros em 2012.

JOSÉ SIMÃO

Buemba! O PAC das Periquitas! 
José Simão
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/11/10

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
E a minha nova seção "Os Procurados". Cartaz numa videolocadora da avenida 9 de Julho, em Sampa: "Procura-se moça virgem para ser estrela de filme pornô internacional. Corpo atlético, desinibida, boa dicção e que goste de natureza selvagem". Rarará.
Claro que tem que ser desinibida. Já imaginou chegar na filmagem e falar: "Ah, isso não faço, eu sou tímida". Rarará.
E boa dicção? Fundamental. Pra gemer ahn,uhn, aaahnnn, ai, ai. Se não tiver boa dicção vai ficar parecendo uma velha asmática!
E natureza selvagem? Vão filmar sacanagem no Amazonas. Marina, vão gozar na sua Amazônia. Rarará.
E essa outra que deu no "Globo": "Procura-se secretária médium que incorpore Exu Caveira. Salário a combinar". Já imaginou combinar salário com o Exu Caveira? Rarará!
E a Dilma? Mais uma mulher pro ministério. Ops, periquitério: Miriam Belchior. Nunca vi mais gorda. Rarará!
Ela é parente do Belchior? Ela também vai sumir pro "Fantástico" achar? Rarará.
Ela é coordenadora do PAC. Então ela tem que fazer o PAC das Periquitas: Peeling Aplicado na Coroa ou Programa de Adequação das Companheiras. Elas tão precisadas!
E o apelido dos assessores da Dilma? Os Três Porquinhos! O Planalto vai virar uma filial da Sadia!
E o Michel Temer vai mudar de nome pra Michel Tender. E a Dilma vai assar os Três Porquinhos pro Natal. Rarará.
Já imaginou o Palofi com uma maçã na boca? Rarará. Recheado de falofa de aveitona com pafas! Rarará!
E diz que depois do dia 31, o Lula não vai desaparecer. Vai virar assombração! Rarará!
E o novo diretor do Banco Central? Alexandre Tombini. Isso não é nome pra diretor de banco: Tombini. Melhor que o presidente do Bradesco que se chama Trabuco. Rarará! Dar um Tombini nos juros!
E o Meirelles? Escorregou no Mantega e levou um Tombini. Rarará! E o papa Sebento 16?
Papa admite camisinha em alguns casos. Formar balão em forma de animais. Chiclete de bola. Encher de água e tacar na cabeça do padre.
E sabe por que o papa deixa usar camisinha com prostitutas? Porque nem a Igreja aguenta mais tanto filho da puta. Rarará.
Nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar meu colírio alucinógeno!

GOSTOSA

DORA KRAMER

Agora é que são eles
DORA KRAMER 
O Estado de S.Paulo - 28/11/10

Fechada a equipe econômica, acertados os nomes dos chamados ministros da casa - com assento no Palácio do Planalto, junto à presidente - ainda neste fim de semana Dilma Rousseff começa a tratar com os partidos aliados da distribuição dos espaços na Esplanada dos Ministérios.

Pela expectativa do PMDB, o partido do vice-presidente Michel Temer será o primeiro. Os peemedebistas têm duas preocupações: assegurar posições "qualificadas" e encaminhar as negociações sem pressões ruidosas, a fim de se diferenciar das demais legendas e evitar comportamentos explicitamente fisiológicos.

E por que isso? Porque considera que, uma vez eleito na mesma chapa com Dilma, subiu de grau na hierarquia: não pode ser visto como adesista; deve se conduzir e ser tratado como legítimo partícipe digno de postos de elite.

O PT ocupa mais ministérios e faz parte do núcleo de poder? O PMDB diz que é justo, mas aponta que por isso mesmo os petistas não podem querer açambarcar o comando do Legislativo. A direção do partido assegura que até agora a presidente não enviou nada além de "sinais de prospecção". Não disse claramente o que pretende para o parceiro de chapa.

Já o PMDB acredita ter deixado bem entendido o que almeja: garantir a atual parte que lhe cabe no latifúndio de 37 ministérios. Mas só os efetivamente ocupados pelo partido. Contando com o Banco Central, hoje são sete as pastas dirigidas por filiados ao partido.

Mas a direção não considera que José Gomes Temporão, da Saúde, e Henrique Meirelles, do BC, sejam indicações partidárias. Nesses dois casos o PMDB diz que foi usado como "barriga de aluguel". Situação que não vai aceitar.

Excluídas as "barrigas", sobrariam cinco ministérios: Defesa, Comunicação, Integração Nacional, Minas e Energia e Agricultura.

Não se espera que Dilma mantenha necessariamente as mesmas pastas, mas que assegure a quantidade, não escale o partido para pastas periféricas e aceite as indicações dos nomes feitas por intermédio de Michel Temer sem questionar.

Em contrapartida, o PMDB se compromete a obedecer aos três critérios já postos pela presidente: densidade de apoio político, experiência na área específica e imunidade pessoal a possíveis escândalos.

Temer é o único interlocutor/negociador autorizado e, ao contrário do que ocorreu nos dois mandatos de Lula, os indicados terão o respaldo unitário e não das alas a, b ou c do partido. Daí a expectativa de que sejam aceitos.

Só serão indicados "homens do partido" e na seguinte proporção: dois para a Câmara, dois para o Senado e um para livre provimento do vice e presidente do PMDB, Michel Temer.

E se a presidente não concordar com nada disso?

O PMDB acha que Dilma Rousseff é sagaz o bastante para compreender o que não precisa ser dito por escrito.

Fora de cena. A presidente eleita desistiu de acompanhar Lula à reunião da Unasul, não aceitou convite de Barack Obama para ir aos EUA antes da posse, não apareceu no anúncio da equipe econômica.

É só reparar: Dilma tem se comunicado com o País por nota oficial. Na crise que atinge o Rio de Janeiro, soube-se que ela telefonou para o governador Sérgio Cabral, mas a presidente não apareceu em momento algum.

Aliás, Dilma Rousseff não aparece desde que acompanhou o presidente Lula à reunião do G-20. Na ocasião, foi mais assediada pela imprensa do que ele.

Esse fato associado ao "sumiço" faz supor que Dilma tem feito um afastamento estratégico exatamente para não roubar a cena de Lula nesses últimos momentos de mandato.

Se o fez por iniciativa própria ou a pedidos, não está claro.

Na primeira hipótese, um gesto de cortesia; na segunda, ato de obediência.

Cacoete. Em tese, ações integradas entre os diferentes níveis de poder, federal, estadual e municipal, não deveriam estar subordinadas a afinidades político-eleitorais, e sim ao bem estar do público pagante (de impostos).

CELSO MING

A reboque dos fatos
CELSO MING 
O Estado de S.Paulo - 28/11/10

Algumas vezes não passam de autoengano. Outras, de enganação pura e simples. O fato é que algumas das mais respeitadas autoridades europeias vão perdendo a credibilidade ou porque não dizem coisa com coisa ou porque dizem coisas que pioram tudo, em vez de contribuir para a superação da crise.

Sexta-feira, por exemplo, diante dos boatos de que a Espanha estava quebrada e da rejeição a que estavam sendo submetidos os títulos de dívida do seu país, o primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero fez enfáticas afirmações de que não existe "absolutamente" qualquer possibilidade de que a Espanha peça socorro à União Europeia. Não foi uma declaração diferente da que fizeram reiteradas vezes os chefes de Estado da Irlanda e da Grécia alguns dias antes de jogarem a toalha. Zapatero não convenceu. Enfim, chegamos ao clima do "acredite se quiser".

Quarta-feira, o presidente do Banco Central da Alemanha e segundo homem do Banco Central Europeu (BCE), Axel Weber, admitiu que o fundão de ? 750 bilhões será pequeno se for preciso acudir Espanha e Portugal.

É um reconhecimento com graves consequências e algumas burlas. Ao contrário do que disse depois Zapatero, Weber admitiu que a Espanha está à beira do precipício. Além disso, logo se viu que esse fundo faz parte de um jogo de faz de conta em que está envolvida toda a cúpula da União Europeia. Lançado em maio para apagar o incêndio provocado pela crise da Grécia, esse fundo foi apresentado como a salvação definitiva do euro. Agora se viu que, desses ? 750 bilhões, ? 250 bilhões teriam de ser liberados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), sob as condições já conhecidas e clima geral de "fora FMI". Outros ? 440 bilhões são compromissos apalavrados pelos países membros da União Monetária Europeia, mas cuja emissão não está nem um pouco garantida, porque a maioria deles vai mal das pernas. Na verdade, estão disponíveis apenas ? 60 bilhões (8%), insuficientes para as necessidades até mesmo da pequenina Irlanda.

Bastaram as declarações de Axel Weber para se entender que a salvação do euro está mais nas mãos de Deus do que nas provisões anunciadas.

Terça-feira, tanto o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, como a chanceler Angela Merkel já tinham avisado que o euro está perto do naufrágio e que os credores também deveriam ajudar a pagar a conta da crise. Enfim, sugeriram que os países devedores lhes passassem certo calote. Tudo o que conseguiram foi provocar uma rejeição ainda maior das dívidas e uma enorme alta dos prêmios de risco dos títulos das economias a perigo. Ou seja, a rolagem das dívidas desses países ficou ainda mais cara.

A maior enganação foram os "duríssimos" testes de estresse a que foram submetidos 91 bancos da União Europeia sob a coordenação do BCE em julho passado. Agora se sabe bem mais sobre as condições de saúde dos bancos da Irlanda, de Portugal e da Espanha. Mas o que dizer dos bancos da Alemanha que têm ? 150 bilhões em títulos da Irlanda e, fora da área do euro, dos bancos da Inglaterra que têm ? 160 bilhões em empréstimos aos bancos irlandeses?

É tanta contradição e tanto estrago provocado por declarações que às vezes fica a impressão de que as autoridades, sempre aturdidas, estão a reboque dos fatos e não sabem em que terreno pisam.

Aí está o tamanho da desvalorização das ações de alguns bancos da Espanha e de Portugal apenas na semana passada. Mostra que o investidor não confia no resultado dos testes de estresse aplicados nos principais bancos da Europa em julho.

Sair do euro?

Sair do euro, decretar o calote da dívida e recomeçar tudo com moeda desvalorizada seria tecnicamente a solução para a Irlanda e outros quebrados? Se não precisarem levantar novos empréstimos e se puderem enfrentar uma brutal inflação por um bom tempo, talvez seja.

BUUUUMMM

SUELY CALDAS

BC - autonomia pra valer?
SUELY CALDAS 
O Estado de S.Paulo - 28/11/10

Anunciada sua indicação para a presidência do Banco Central (BC), o economista Alexandre Tombini contou ter ouvido da presidente eleita que em relação ao BC "não há meia autonomia, mas autonomia total". Se há sinceridade na afirmação, o próximo passo de Dilma Rousseff deveria ser enviar ao Congresso projeto oficializando a autonomia operacional em lei. É caminho certeiro para tentar reduzir o juro real para 2%, como quer Dilma.

Com isso ela eliminaria dúvidas e suspeitas sobre a firme disposição de seu governo de não ceder a pressões políticas e não interferir em juros e outras decisões técnicas do BC. Ao mesmo tempo, esvaziaria munição de especuladores ávidos por propagar essas dúvidas, forçar oscilações no mercado financeiro e ganhar dinheiro fácil com o sobe e desce das cotações que tanto prejudica o desempenho econômico e atrasa a queda dos juros. As vantagens da autonomia em lei são inúmeras e quem mais ganha é a população.

É certo que a autonomia informal, respeitada por FHC e por Lula, teve o mérito de manter a inflação controlada e a economia estável durante os dois governos. Mas também gerou outro mérito: 16 anos de convivência de governantes, políticos, agentes do mercado e a população com um BC autônomo comprovaram ser o caminho certo e tornaram a ideia madura. Hoje o País está prontinho para dar o próximo passo de assegurar em lei a autonomia que Dilma Rousseff diz ser necessária.

E não só ela. Em 2002, na primeira campanha eleitoral vitoriosa de Lula, o economista Guido Mantega, hoje ministro da Fazenda, disse-me ser favorável a um modelo de independência para o BC ainda mais radical - o que vigora para o Federal Reserve, dos EUA, que define sozinho suas metas para a economia sem consultar o presidente da República. É certo que, no cargo de ministro, Mantega deu escorregões sérios, falou demais e tentou interferir em juros e câmbio. É certo, também, que tem recorrido a exercícios mágicos de maquiagem de números que tendem ao descrédito e desmoralização da contabilidade do governo (o mais recente é expurgar alimentos e combustíveis da inflação).

Mas, se a presidente quer ser respeitada, recuperar a seriedade em seu governo e evitar o caminho argentino de índices desmoralizados e desprezados, então que mostre coerência e prove que juras de "autonomia total" não são palavras soltas jogadas no ar para acalmar o mercado em momentos difíceis. Ninguém mais se deixa enganar com isso, muito menos os senhores especuladores do mercado financeiro.

Agora mesmo, no episódio de substituição na presidência do BC, o mercado futuro de juros foi abalado por boatos de perda de autonomia, enfraquecimento da diretoria do banco, interferência de Dilma na definição da taxa Selic, etc. O mercado só se acalmou depois de confirmado o nome de Tombini e de ele afirmar ter garantias da presidente de que o BC atuará com autonomia, sem interferência política. Foi mais uma entre tantas outras dúvidas que o mercado gosta de explorar. Em março, simultâneo ao País viver um repique inflacionário e Henrique Meirelles avaliar se sairia ou não candidato na eleição, o Copom decidiu não elevar a Selic. Foi o suficiente para surgirem suspeitas de que a decisão teria motivações políticas.

Mesmo em situações em que prevaleça o critério técnico, mas coincidam com desejos e pressões de políticos, logo há a suspeita de interferência. O problema é que, enquanto não houver uma lei assegurando autonomia ao BC e protegendo seus diretores de retaliações políticas, sempre haverá dúvidas do setor privado. E a maior delas - se o governo cede ou não à tentação de sacrificar a inflação no médio prazo para maximizar o crescimento no curto prazo - os últimos oito anos mostraram se encaixar bem nos perfis de Dilma e Mantega.

O custo pago pela população é alto, porque o BC vai sempre precisar aumentar juros além do necessário para provar ao mercado que não aceita pressões e cumpre sua missão de controlar a inflação. E juro alto é péssimo para o investimento, o crescimento e o emprego.

JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO

GAUDÊNCIO TORQUATO

Reforma política, por onde começar
GAUDÊNCIO TORQUATO

O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/11/10

O mantra volta a ser entoado: a "mãe de todas as reformas" será a bola da vez no jogo político de 2011, que terá no meio do campo o goleador Lula, com prestígio e tempo disponível de um ex-presidente da República para conseguir o gol que tanto se persegue. Dá para apostar na promessa? Em se tratando de reforma política, a distância entre discurso e prática equivale à que separa o Polo Norte do Polo Sul. Entre as razões para a descrença, aliás, as mesmas que justificam a tênue viabilidade de ampla reforma tributária, apontam-se as perdas dos atores envolvidos nos lances. A reforma não é feita porque ninguém quer perder. E por onde deve começar uma reforma política? Se for pela via do sistema de voto, a complicação comporta desde a definição de sua tipologia - distrital, puro ou misto - até o estatuto da cláusula de barreira, dique para sustar a avalanche de siglas. Alterar apenas o item que recebe maior consenso entre os atores, como o financiamento público de campanha, é um risco, eis que pode gerar polêmica e se transformar em bumerangue, ante a possibilidade de uma enxurrada de críticas sobre interesses específicos dos políticos.

Por que não começar a desembrulhar o pacote pela régua do equilíbrio entre os Poderes? Esta abordagem, apesar de não atrelada ao painel reformista, dele poderá fazer parte sob o entendimento de que parcela ponderável das mazelas no entorno da política se deve à interferência maléfica de um Poder sobre o outro, particularmente a invasão do Executivo sobre o terreno legislativo. Nesse caso, trata-se de administrar a índole avassaladora do presidencialismo, tornando-o menos voluntarista no plano das ações governamentais e ajustando-o ao molde concebido por Montesquieu na tripartição dos Poderes. A tese que se pretende esboçar é a de que a correção de rumos de nossa democracia representativa, antes de nova configuração dos organismos que a definem e a compõem - organização e funcionamento de partidos, escolha de candidatos, sistemas de voto, processo eleitoral, conduta dos agentes públicos em campanhas, etc. -, há de considerar um alinhamento no plano funcional dos Poderes. Se a relação entre eles tem rompido o fio constitucional da harmonia, independência e autonomia, por conta da apropriação de funções legislativas pelo Executivo, qualquer projeto de reforma política será capenga se não considerar tal fato.

De pronto, a pergunta emerge: o que e como fazer para amainar a fome pantagruélica do nosso presidencialismo? O primeiro passo foi dado pela interpretação sistêmica do presidente da Câmara, deputado Michel Temer, à questão das medidas provisórias. Nem todas trancam a pauta. Outra orientação: ajustar os buracos do cinturão econômico dos entes federativos, tornando-o mais compatível com suas demandas. O fator econômico ordena a disposição no tabuleiro da política. Quem tem mais cacife fala mais grosso e detém maior poder de barganha. Vamos ao dado fundamental: a União fica com 60% dos impostos arrecadados e apenas 16% vão para os municípios, enquanto os Estados embolsam 24%. A inferência é óbvia: se não houver repartição da fatia do bolo tributário, o Executivo continuará a encurtar e alongar (de acordo com suas conveniências) o cabresto dos "animais políticos" que procuram sua roça. A reforma fiscal apresenta-se como a primeira barreira para deter a força descomunal do presidencialismo. Se municípios e Estados forem menos dependentes do poder central, terão melhores condições de se livrar do grilhão do fisiologismo. Só assim o Poder Legislativo não seria tão refém do Executivo e este, por sua vez, atenuaria suas funções legislativas.

Tal modelagem, para ser viável, deverá estar à margem da reforma tributária, que exige maior complexidade. A redistribuição do bolo, atendendo a critérios de responsabilidade, encargos, justiça e equidade, contaria com ampla cobertura social e significativo apoio político. Neste ponto aparece mais uma resposta ao desafio de arrefecer o toque imperial da orquestra presidencialista: a organicidade social. Entidades multiplicam-se por todos os lados, a denotar a forte capacidade de organização da sociedade. A miríade de associações, sindicatos, federações e movimentos aponta para o desenvolvimento de novos polos de poder, na esteira da democracia participativa, em ciclo de expansão. Vale lembrar que o Projeto Ficha Limpa é típica manifestação do clamor coletivo. Pois bem, as 300 mil entidades organizadas no País deverão assumir papel de maior relevo nos horizontes do amanhã. Mais um sinal nessa direção é dado pelo índice que mostra a intenção dos cidadãos de participar do processo eleitoral mesmo se o voto fosse facultativo: 72% do eleitorado, segundo as pesquisas, compareceria às urnas. Há nessa disposição um reconhecimento das políticas públicas bem-sucedidas.

Nesse cenário, vislumbra-se o terceiro argumento para apostar no alinhamento entre os Poderes. Percebe-se uma corrente de racionalidade banhando vontades, inspirando atitudes, mobilizando grupos. A sociedade faz-se mais presente na cena política, bastando examinar os bancos de discussão nas redes sociais da internet ou as colunas de opinião de leitores de jornais e revistas. Deve-se registrar, ainda, o deslocamento para as laterais do mando do último dos nossos perfis carismáticos. Lula sai do centro do palco. Poderá até continuar afinando o tom da orquestra. Pesa sobre ele, porém, a lição de Heráclito de Éfeso: "Ninguém se pode banhar duas vezes nas mesmas águas do mesmo rio." O fluxo das águas tem o condão de mudar a história de cada pessoa. Sua nova vida, mesmo que ele detenha formidável poder pessoal, significará ajustes de foco na fisionomia institucional. Menor influência de um perfil carismático reduz riscos de desvios no percurso democrático.

Fica patente a ilação: um bom exercício para reformar a política começa com a redução da força do superpresidencialismo.

JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP, CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO

JAPA GOSTOSA

LUIS FERNANDO VERISSIMO

A repartição
LUIS FERNANDO VERISSIMO
O GLOBO - 28/11/10

Com quase 80 anos, Paul McCartney tem a cara lisa. Não sei como está a cara do Ringo, o outro Beatle vivo, mas supondo-se que ele também não aparente a idade, e comparando-se a cara dos dois com a dos Rolling Stones, pode-se especular que tenha havido um acordo entre as duas bandas. Em algum momento do final dos anos sessenta os Beatles e os Stones teriam se encontrado em segredo para dividir o mundo e decidir o destino de cada um. Caberia aos Beatles fazer as melhores melodias e sofisticar o rock com álbuns temáticos como o Sargent Pepper’s, aos Stones se manterem fiéis ao “backbeat” básico e serem a versão bandida dos Beatles. Também teriam escolhido o público que queriam e estabelecido qual seria a longevidade de parte a parte e o que caberia de tragédia e de glória a cada lado. Mas principalmente teriam feito a repartição das rugas. Os Stones ficariam com todas e em troca durariam mais. Os Beatles envelheceriam melhor ou, como no caso do John e do George, nem envelheceriam. De qualquer maneira, nunca teriam rugas. Em compensação durariam menos.
O dramaturgo inglês Tom Stoppard (que se parece um pouco com ele) contou que certa vez lhe disseram que Mick Jagger tinha aquelas rugas todas de tanto rir, ao que ele retrucou que nada poderia ser tão engraçado assim. Já as rugas do Keith Richards são claramente as marcas de uma vida vivida aos extremos. Richards provou de tudo, entre secos, molhados e com duas pernas. E sobreviveu para contar: sua autobiografia, chamada apenas Vida, acaba de sair. Num trecho reproduzido na resenha do livro recentemente publicada pela revista New Yorker ele conta que às vezes viajava nas drogas com o John Lennon mas que Lennon não conseguia acompanhá-lo. Depois de tomar e cheirar o que havia, muitas vezes durante dias, ele estava pronto para trabalhar enquanto o John invariavelmente acabava no banheiro, segundo ele, “abraçando a porcelana”.
Mas a quantidade de rugas na cara de Mick Jagger, Keith Richards e os outros Stones não se explica apenas pela passagem do tempo. Elas acumulam funções, são as rugas deles e as rugas que os Beatles não tiveram. Estava tudo combinado.

CLÁUDIO HUMBERTO

“Monopólio estatal é tão ruim quanto o privado, e tem risco maior”
FHC SOBRE AS AMEAÇAS À LIBERDADE DE IMPRENSA, A PRETEXTO DE “REGULAMENTÁ-LA”

DILMA DEVE SUBSTITUIR OS COMANDANTES MILITARES 
Na área militar está definida a substituição dos três comandantes militares. No Exército, um dos mais cotados é o general Antonio Gabriel Esper, atual comandante de Operações Terrestres. Para a Marinha, o mais citado é o almirante Marcos Martins Torres, que, como ministro do Superior Tribunal Militar, tentou impedir, na campanha presidencial, a divulgação do processo da prisão de Dilma Rousseff na ditadura.

A VEZ DE GODINHO 
Para chefiar a Aeronáutica, o nome mais forte, até agora, é o tenente brigadeiro Jorge Godinho. Ele foi o primeiro brigadeiro médico da FAB.

RETIRADA 
As representações dos comandos militares vão deixar os prédios que ocupam, na Espanada dos Ministérios. Só ficará o da Defesa.

PMDB, NÃO 
Com apoio do PT, Lula quer a permanência do ministro Nelson Jobim (Defesa), mas o PMDB se recusa a adotá-lo como da cota do partido.

CLUBE DA LULUZINHA 
Com a chegada de Dilma ao Planalto, haverá também mulheres ajudantes-de-ordem e não somente homens, como até agora. 

CARDOZO MINISTRO É SINAL DE AUTONOMIA DE DILMA 
Preterido por Lula para assumir o Ministério da Justiça após a saída do ex-ministro Tarso Genro, o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), apesar disso, será o que quiser no futuro governo. E ele quer ser ministro da Justiça. Desapontado, ele acabara de anunciar que abandonaria a vida pública quando a candidata Dilma, num sinal de 
autonomia, quase desafio a Lula, fez dele coordenador da campanha. 

NADA A VER 
Dilma tem feito ouvidos moucos à falácia de adversários de que Cardozo, como ministro da Justiça, não “controlaria” a Polícia Federal. 

ADMIRAÇÃO 
Dilma aprecia o desprendimento e a lealdade de José Eduardo Cardozo, um dos “três porquinhos” da sua campanha. 

FROTA S. BERNARDO 
A firma faz as contas dos caminhões que sairão do Torto e do Alvorada com a mudança de Lula: pelo menos cinco levarão garrafas vazias...

LULA MARCA O COLDRE?? 
Para quem afirmou que não indicaria ministros, e que nenhum dos atuais teria emprego garantido, Lula está se saindo bem. Já emplacou quatro e ainda quer outros dois. Se Dilma bobear, ele chegará a dez.

“TAMAL” 
Na sexta-feira (26), passageiros do vôo 3220 da TAM, de São Paulo (Congonhas) para Brasília, não puderam viajar porque... Não havia tripulação. E ainda tiveram de ouvir a ironia no sistema de som: “Se algum dos senhores se habilita a pilotar, (o avião) está à disposição...”. 

PÃO DE QUEIJO 
Tia, mãe, netinho, filha e genro deverão ser só início de uma fieira de hóspedes do Alvorada, se a presidenta eleita Dilma mantiver a tradição mineira de abrigar a parentada e respectivos agregados. É de lei, sô. 

FILA DE EMPREGO 
O ex-diretor da Anac Marcelo Guaranis articula sua volta à agência e, com um padrinho como Guido Mantega, quer a presidência. Mas tem concorrente de peso e cintura: Solange Vieira, presidenta atual.

SERRISTAS INSACIÁVEIS 
Os tucanos fiéis a Geraldo Alckmin comparam o apetite dos serristas, por secretarias no futuro governo de São Paulo, ao conhecido estilo do PMDB de garantir espaço nos governos que apoia. São insaciáveis.

DURO NA QUEDA 
O prefeito petista de São Bernardo (SP), Luiz Marinho, “cismou” com a cunhada do presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski: demitiu-a pela segunda vez. Ao tomar posse. Agora, no início do mês. 

A VOLTA DA GRILAGEM 
A paralisia do governo Rogério Rosso, no DF, deu espaço à grilagem de áreas públicas, invadidas para a criação de “condomínios”. Mais um surgiu na altura da QI 27 do Lago Sul: “Estância Quintas da Alvorada”. 

FIM DA SENHA BANCÁRIA 
A deputada tucana Maria Lúcia Amary (SP) ironizou a confirmação de Antonio Palocci para a Casa Civil de Dilma: “Ele vai acabar com a burocracia, e o brasileiro não precisará mais de senha nos bancos”.

PENSANDO BEM... 
...Os traficantes do Rio estão em ponto de bala para a prova de revezamento de morros nas Olimpíadas de 2016. 

PODER SEM PUDOR
CAPACETE AUTÊNTICO 
A visita ao Brasil do presidente do Vietnã, Tran Duc Luong, em 2004, teve um significado especial para o então ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, que visitou aquele país em 2003. De lá trouxe uma ótima recordação: certo dia, quis comprar uma réplica do capacete usado pelos vietnamitas na guerra que venceram contra os Estados Unidos. Mas o guia não deixou, emocionando Aldo com a oferta:
– O senhor merece um capacete autêntico. Lutei na guerra como oficial do exército e faço questão de oferecer-lhe o meu capacete.

BOTA FOGO

DOMINGO NOS JORNAIS

Globo: Prefeitura tem megaprojeto de reconstrução da Vila Cruzeiro

Folha: Tráfico tenta negociar antes de invasão policial

Estadão: Polícia amplia ação no Rio e prende família de traficantes

JB: O Rio em guerra: Hora da invasão

Correio: Cidade sob fogo cruzado

Estado de Minas: Anastasia só vai aceitar secretário ficha-limpa

Jornal do Commercio: Guerra no Rio: O ultimato