A reboque dos fatos
CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 28/11/10
Algumas vezes não passam de autoengano. Outras, de enganação pura e simples. O fato é que algumas das mais respeitadas autoridades europeias vão perdendo a credibilidade ou porque não dizem coisa com coisa ou porque dizem coisas que pioram tudo, em vez de contribuir para a superação da crise.
Sexta-feira, por exemplo, diante dos boatos de que a Espanha estava quebrada e da rejeição a que estavam sendo submetidos os títulos de dívida do seu país, o primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero fez enfáticas afirmações de que não existe "absolutamente" qualquer possibilidade de que a Espanha peça socorro à União Europeia. Não foi uma declaração diferente da que fizeram reiteradas vezes os chefes de Estado da Irlanda e da Grécia alguns dias antes de jogarem a toalha. Zapatero não convenceu. Enfim, chegamos ao clima do "acredite se quiser".
Quarta-feira, o presidente do Banco Central da Alemanha e segundo homem do Banco Central Europeu (BCE), Axel Weber, admitiu que o fundão de ? 750 bilhões será pequeno se for preciso acudir Espanha e Portugal.
É um reconhecimento com graves consequências e algumas burlas. Ao contrário do que disse depois Zapatero, Weber admitiu que a Espanha está à beira do precipício. Além disso, logo se viu que esse fundo faz parte de um jogo de faz de conta em que está envolvida toda a cúpula da União Europeia. Lançado em maio para apagar o incêndio provocado pela crise da Grécia, esse fundo foi apresentado como a salvação definitiva do euro. Agora se viu que, desses ? 750 bilhões, ? 250 bilhões teriam de ser liberados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), sob as condições já conhecidas e clima geral de "fora FMI". Outros ? 440 bilhões são compromissos apalavrados pelos países membros da União Monetária Europeia, mas cuja emissão não está nem um pouco garantida, porque a maioria deles vai mal das pernas. Na verdade, estão disponíveis apenas ? 60 bilhões (8%), insuficientes para as necessidades até mesmo da pequenina Irlanda.
Bastaram as declarações de Axel Weber para se entender que a salvação do euro está mais nas mãos de Deus do que nas provisões anunciadas.
Terça-feira, tanto o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, como a chanceler Angela Merkel já tinham avisado que o euro está perto do naufrágio e que os credores também deveriam ajudar a pagar a conta da crise. Enfim, sugeriram que os países devedores lhes passassem certo calote. Tudo o que conseguiram foi provocar uma rejeição ainda maior das dívidas e uma enorme alta dos prêmios de risco dos títulos das economias a perigo. Ou seja, a rolagem das dívidas desses países ficou ainda mais cara.
A maior enganação foram os "duríssimos" testes de estresse a que foram submetidos 91 bancos da União Europeia sob a coordenação do BCE em julho passado. Agora se sabe bem mais sobre as condições de saúde dos bancos da Irlanda, de Portugal e da Espanha. Mas o que dizer dos bancos da Alemanha que têm ? 150 bilhões em títulos da Irlanda e, fora da área do euro, dos bancos da Inglaterra que têm ? 160 bilhões em empréstimos aos bancos irlandeses?
É tanta contradição e tanto estrago provocado por declarações que às vezes fica a impressão de que as autoridades, sempre aturdidas, estão a reboque dos fatos e não sabem em que terreno pisam.
Aí está o tamanho da desvalorização das ações de alguns bancos da Espanha e de Portugal apenas na semana passada. Mostra que o investidor não confia no resultado dos testes de estresse aplicados nos principais bancos da Europa em julho.
Sair do euro?
Sair do euro, decretar o calote da dívida e recomeçar tudo com moeda desvalorizada seria tecnicamente a solução para a Irlanda e outros quebrados? Se não precisarem levantar novos empréstimos e se puderem enfrentar uma brutal inflação por um bom tempo, talvez seja.
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