Mano a mano
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo - 07/10/2010
Se o PT pode retirar o tema do aborto do programa aprovado pelo partido porque atrapalha a campanha eleitoral, com a mesma facilidade pode repor o assunto na agenda quando achar que não há mais obstáculos.
Esse tipo de gesto dificilmente convenceria alguém e poderia representar um grave risco para a candidata Dilma Rousseff: os grupos religiosos não ficariam satisfeitos, as pessoas que concordam com a descriminalização do aborto ficariam insatisfeitas e a campanha deixaria a impressão geral de que quis fazer todo mundo de bobo.
Conforme ficou demonstrado pelo resultado do primeiro turno, o brasileiro não está naquele estado de idiotia que se imaginou. Ainda sabe fazer umas contas, discerne razoavelmente umas coisas das outras e não se deixa levar pelo cabresto.
Por isso mesmo a maquiagem tem limite e, principalmente agora no segundo turno, os poderes do marketing também. Há controvérsia sobre o velho dito segundo o qual eleição do segundo turno é outra eleição.
Quem discorda fala da quase impossibilidade de primeiro e segundo colocados inverterem as posições. De fato, a virada não é a regra. Mas é um outro tipo de processo. Nele, há muito pouco espaço para enganação: o mano a mano põe os candidatos face a face numa luta sem segunda chance.
O horário eleitoral deve prender atenção do eleitorado muito mais: porque é mais curto - dez minutos para cada lado - e porque não tem mais aquele desfile de candidatos aos parlamentos.
São vinte e poucos dias de adrenalina. Nesse período conta muito menos a propaganda e muito mais a estratégia. Ou seja, a política, tudo o que faltou no primeiro turno.
Ambos os grupos adversários estarão com suas figuras de ponta eleitas e liberadas para cair na batalha. Há vantagens e desvantagens para Dilma Rousseff e José Serra.
Ela continua com duas imensas vantagens: o presidente Lula na chefia dos trabalhos e a dianteira de muitos milhões de votos.
Ele tem em seu favor o espaço de conquista de eleitores nos dois maiores colégios eleitorais, cujos governadores eleitos são do PSDB, e o ânimo renovado de militantes e eleitores pela possibilidade real de vitória, sentimento que tinha sido arquivado havia uns dois meses.
Dilma carrega passivos importantes: os ecos do escândalo Erenice Guerra, os temas polêmicos (aborto, imprensa, casamento gay, direito de propriedade) que o partido abraça e que o governo incorporou no Plano Nacional de Direitos Humanos 3, achando que a concessão à esquerda não renderia problemas e poderia dar até certo charme à candidata.
Serra vem de uma campanha horrível em que ele errou mais que todos, mas não errou sozinho. Achou que ganharia a eleição por gravidade, por sua bela formação, sua excelente trajetória. Esqueceu-se apenas de compartilhar essa maravilha com o País e de dar a ela uma forma política que pudesse construir na cabeça das pessoas uma representação de alternativa de poder.
O PSDB tem as próximas semanas para mostrar se tem unidade, vontade e inteligência para falar direito com o eleitor.
A grande vantagem do tucano é que a campanha não pode piorar.
Já os petistas que achavam que a campanha não precisava mudar nada, tiveram de se deparar com a dura realidade relatada pelos governadores na primeira reunião pós-primeiro turno. Aliás, realizada no Palácio da Alvorada, sob a égide da ilegalidade - para não perder o hábito.
O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, puxou o assunto e vários concordaram: Lula errou ao ser tão agressivo e o PT inteiro, candidata inclusive, ao se comportar como se a eleição estivesse ganha.
Consta que Lula prometeu ser elegante nos modos, que Dilma falará com Deus em público quando necessário e que os petistas serão humildes como discípulos de Francisco, o santo.
Isso com a colaboração de Ciro Gomes, que agora passa a integrar a coordenação de campanha, onde se prometeu também lugar de destaque para o PMDB.
Para quem? Para o partido que segundo Ciro pode ser definido como um "ajuntamento de assaltantes". Serão dias inesquecíveis.