Desarmado na luta cambial
Alberto Tamer
O Estado de S. Paulo - 07/10/2010
O IOF de 4% sobre os investimentos em renda fixado não causou surpresa no mercado internacional. É a repetição de mais do mesmo. Permanece a dúvida se poderá conter a valorização do real. Há alguma precipitação dos que negam sua eficiência, mesmo restrita. É cedo para dizer, afirma o diretor de Mercado de Capitais do FMI, José Viñals, mas todos concordam que é preciso abrir o leque de opções do governo. O ministro Guido Mantega concorda. Vamos esperar e agir, diz ele. Se não tivéssemos agido, o real teria se valorizado ainda mais. É um cenário difícil em que a ação do BC e do Tesouro enfrenta desafios externos, fora do seu controle.
O dólar recua no Brasil não só por causa de investimentos externos, mas porque também está caindo no mercado internacional. E está caindo porque o governo dos EUA já emitiu quase US$ 2 trilhões até agora para reanimar a economia e enfrentar a desvalorização do yuan. E já disse que vai continuar assim.
Sem eles. O Brasil não pode, portanto, contar com os EUA para conter a desvalorização do dólar. Para eles, quanto mais baixo os juros hoje e quanto mais o dólar recuar, melhor. O paradoxo é que, enquanto ele emitem, nós emitimos títulos para comprar os excedentes de dólares que entram no Brasil...
Doença que não doi. Sim, a crise cambial ainda é uma doença "benigna", que não provoca crise ou dor imediata. Precisa ser enfrentada, mas não é um drama. Por enquanto, só há feridos, algumas indústrias exportadoras, mas ninguém morreu. Ao contrário, a valorização do real tem sido eficaz para combater o inimigo imediato, a inflação, ao permitir que se importe a preços menores. Esta, sim, pode ser uma tragédia.
E aqui, a tragédia se desdobra em dois atos, nos quais o governo é o principal personagem. O primeiro, é a elevação dos juros internos para conter a demanda e os preços, que aumentam apesar do dólar desvalorizado; outro é o efeito provocado por esses mesmos juros que atraem mais investimentos. Juros de 10% aqui, e 3% lá fora...
O governo pode dobrar o IOF para 4%, mas mesmo assim investir em renda fixa no Brasil é uma festa. E até aumenta a receita. E isso sem contar os bons ganhos na bolsa, que também atraem investidores, e um mercado interno crescendo 10% ao ano.
Está tudo a favor e contra nós. A favor porque podemos conter a inflação, aumentar as reservas e administrar o déficit em conta corrente, em expansão, que preocupa. Contra porque isso aumenta a dívida pública com a emissão de títulos para impedir que esses dólares se transformem logo em reais e crie tensões inflacionárias... Só que esses títulos com juros vantajosos estão sendo comprados por investidores externos, esses mesmo que inundam o mercado com dólares. Entenderam?
O processo é mais complicado, mas, no fundo, para o leitor não especializado, é isso mesmo. Mas ele não sente, o que é bom porque o leva a não dar grande importância a essa "história" de real valorizado e continua a consumir. Quem sente é o governo, porque se endivida. Pode continuar emitindo títulos que vêm sendo comprados pelos investidores internos, mas externos também... O IOF de 4% reduz, mas não anula, os ganhos até três vezes maiores que podem obter aqui.
É uma guerra! O ministro Guido Mantega reafirma que há não apenas uma, mas duas guerras - cambial e comercial. Elas caminham juntas e se autoalimentam. O que há é uma batalha no campo das moedas. Todos admitem isso, não falando em guerra mas em "confronto" que nasceu na China e, após a crise financeira, se espalha pelo mundo.
O preocupante é que neste confronto ao Brasil está desarmado. A China tem mais de US$ 2 trilhões de reservas para conter o yuan, e os EUA podem emitir tantos dólares quanto quiserem. Uma briga entre eles na qual quem acaba apanhando somos nós. Mas, por enquanto, não doi. Dá para ir soprando...
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