FOLHA DE SP - 04/09
O anúncio de que o acordo de delação premiada da JBS poderá ser revisto por omissões importantes é a maior derrota política do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em seu embate com o presidente Michel Temer (PMDB).
Às vésperas de entregar uma nova denúncia contra o peemedebista, o reconhecimento do problema na apuração é um desastre para o procurador-geral. Como ele mesmo disse, o que foi descoberto pode vir a anular privilégios dados aos irmãos Batista, mas não interferirá na validade das provas até aqui coletadas no caso que envolve não só Temer, mas nomes graúdos da elite política do país.
Isso pode ser verdade, juridicamente, embora certamente haverá contestações. Do ponto de vista político, contudo, fica reforçado o discurso do Planalto e de políticos aliados a Temer de que os Batista são "bandidos" que teriam ou manipulado os investigadores para obter benefícios ou coisa pior –como o que transpareceu até aqui na relação do procurador Marcelo Miller com a JBS insinua.
Na noite desta segunda (4), políticos governistas já trocavam mensagens por aplicativos comemorando o "fim de Janot". É claro que isso é um exagero, mas é evidente que a maré interna no Congresso tenderá a virar em favor do presidente na avaliação da nova denúncia.
Até aqui, deputados da base governista vinham pintando um cenário difícil para o peemedebista, que teve a primeira denúncia barrada em agosto na Câmara à custa do adiantamento de verbas de emendas parlamentares e promessas de cargos. Como parte da fatura não foi honrada, os parlamentares começaram a subir o preço do novo apoio em forma de ameaça ao Planalto.
O fato de que vai deixar o cargo no próximo dia 17 também atrapalha a vida de Janot. Em vez de concentrar-se exclusivamente no caso, terá de lidar com a agenda negativa e as implicações graves para o trabalho de investigação da Operação Lava Jato.
Depois, o problema será de Raquel Dodge, a nova procuradora-geral. Os olhos do mundo político estarão sobre ela e na forma com que conduzirá os esforços da Lava Jato. Quem a conhece aposta numa atuação mais discreta, mas tecnicamente rígida e imune a concessões.
A flechada no pé, para ficar na expressão imortalizada por Janot, coroa uma série de acusações de açodamento, talvez motivado por messianismo político, direcionadas ao procurador-geral, o que ele sempre negou.
Na vida pública, atos finais costumam ter peso maior do que o conjunto da obra na hora de avaliar uma carreira. Como dizem os chineses que receberam o antípoda Temer nos últimos dias, basta um pedaço de carne podre para estragar todo um cozido. Janot corre esse risco.
ESTADÃO - 04/09
'Reviravolta na desde o início controversa delação da JBS tem octanagem suficiente para causar estrago no instituto das colaborações judiciais'
E eis que a saideira que Rodrigo Janot preparava para ser épica pode se tornar melancólica para o procurador-geral da República, que de arqueiro se transforma em alvo. Mais grave que isso, a reviravolta na desde o início controversa delação da JBS, com o falastrão Joesley Batista à frente, tem octanagem suficiente para causar estrago no instituto das colaborações judiciais, instrumento essencial à Lava Jato e ao que parecia o fim da impunidade nos crimes envolvendo políticos e empresários no Brasil.
Ao que tudo indica por engano a defesa da própria JBS se encarregou de enviar ao Ministério Público Federal em que, sempre garganteando, Joesley trata com seu executivo Ricardo Saud de pormenores nada republicanos de figuras da República.
A conversa, que tem evidências de que foi travada em 17 de março, data em que foi deflagrada a Operação Carne Fraca - que tinha o grupo como um dos alvos - mostra os dois futuros delatores falando sobre informações repassadas pelo então procurador da República Marcelo Miller, um dos mais destacados integrantes do grupo de trabalho de Janot.
O diálogo pilhado no áudio é posterior, portanto, à visita noturna de Joesley a Michel Temer no Palácio da Alvorada, em que o ex-açougueiro gravou o presidente e tentou extrair dele o "aval" ao suposto pagamento a Eduardo Cunha.
Portanto, a suspeita "gravíssima" admitida pelo próprio Janot é de que o áudio que ensejou a colaboração não só de Joesley como de vários integrantes do grupo, em condições inéditas pelos benefícios concedidos, e que deflagrou a primeira ação controlada da Lava Jato foi obtido sob orientação de um procurador ainda no exercício das funções.
A exoneração de Miller é de 5 de abril. Logo depois ele foi atuar no escritório responsável pela leniência da JBS, o que já havia provocado enorme controvérsia, a ponto de o escritório deixar a causa.
Por mais que Janot diga que a eventual anulação da delação da JBS não compromete as provas obtidas, fica evidente que a conversa com Temer foi montada e orientada para obter os benefícios alcançados pelo grupo. Justamente por alguém que, no GT de Janot, tinha como "expertise" orientar delatores a gravar seus alvos.
É uma derrota avassaladora para Janot, em seus estertores. Não só um destacado integrante de sua equipe foi pego cometendo crime como todo o edifício construído por ele contra Temer ganha, mais do que nunca, contornos de uma obra arquitetada sem alicerces sólidos.
A reviravolta enfraquece sobremaneira o procurador para lançar mais qualquer flecha na direção de quem quer que seja. Não adianta Janot fazer perorações a favor da importância da delação: ao que tudo indica, ele acabou por, com sua flecha, atingir não só a própria perna como o coração do instituto.
O revés também colhe Edson Fachin, relator da Lava Jato, que referendou todas as decisões do PGR no caso JBS. Fachin fica "vendido" diante das novas revelações, e dificilmente vai homologar outra delação com endereço certo, a de Lucio Bolonha Funaro, diante da arapuca em que Janot acabou por enfiá-lo.