quinta-feira, março 31, 2016

Tem que passar a Lava- Jato - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 31/03

Os canais políticos tradicionais estão entupidos, não se comunicam com o pessoal das manifestações



Tem uma conversa esquisita rolando em meios empresariais e políticos. Envolve figuras conhecidas do mundo econômico — alguns diretamente apanhados na Lava-Jato, outros com medo e outros assustados com a paralisia do negócios. Conversam com lideranças políticas tradicionais.

O que querem?

Não sabem exatamente. Quer dizer, muitos sabem perfeitamente: dar um jeito de brecar ou pelo menos diminuir a velocidade e o alcance da Lava- Jato. O que não sabem é como articular isso parecendo que estão querendo outra coisa.

Assim, fala-se em um grande acordo nacional, um governo de união para superar a crise. Até algum tempo atrás, meses, muitos empresários e políticos achavam que tudo poderia começar com uma boa conversa entre FHC e Lula. Diziam que a crise era uma ameaça para “todo mundo”, de modo que era melhor que “todos” se entendessem antes.

Não podia dar certo. Não é “todo mundo” que está sob ameaça. Lula, Dilma, o PT e associados estão. Muitos grandes empresários também.

Mas FHC — e tudo o que representa, de autoridade política e moral — está fora disso.

Queriam, portanto, que FHC entrasse como o avalista, o garantidor desse grande acordo. Claro, o tucano não caiu nessa jogada.

Mas ainda há poucas semanas, a presidente Dilma achou que tinha uma chance. Mandou recados a FHC sugerindo uma conversa, ainda que reservada. O tucano declinou. A marcha do impeachment acelerava.

Convém lembrar que FHC foi contra quando saíram os primeiros movimentos pró-impeachment, lá no início do ano passado. Achava que seria um processo difícil e doloroso, de modo que lhe parecia mais apropriado que a história seguisse seu curso, e o governo petista fosse afastado nas eleições de 2018. Muita gente na oposição formal pensava assim.

Duas coisas mudaram o quadro: o aprofundamento da recessão e o avanço da Lava-Jato. A recessão liquidou com a popularidade do governo — 69% de ruim e péssimo, sendo espantosos 54% de péssimo contra ridículos 2% de ótimo, segundo o último Ibope. A Lava-Jato acabou com Lula, Dilma, PT e associados.

Não é que a oposição decidiu-se pelo impeachment. O processo tornou-se um ser autônomo, empurrado pela maioria da sociedade representada nas grandes manifestações.

Aliás, aquela inviável tentativa de um acordo nacional deixava de fora o principal ator do momento, o pessoal das manifestações.

Na outra ponta, Lula radicalizava para voltar às suas origens, as bases sindicais e os movimentos sociais organizados.

E a Lava-Jato pegando um por um.

Nesse quadro, os senhores estão propondo mesmo qual acordo? — foi o que os diversos interlocutores ouviram de FHC. Ou ainda: “Já combinaram com os russos?” Russos? É, os de Curitiba.

Então ficamos assim: o governo Dilma está acabado. Lula corre o risco efetivo de ser preso. Certamente, será condenado no mínimo pelo que já se sabe — o recebimento de vantagens indevidas —, no máximo pelo que a Lava-Jato já sabe e ainda não contou. Delações premiadas que estão por aparecer são demolidoras. A recessão avança, e tudo que o governo tenta fazer para escapar do impeachment, distribuindo dinheiro e empréstimos, só piora as coisas.

E os canais políticos tradicionais estão entupidos, não se comunicam com o pessoal das manifestações. Esse pessoal não é novo e não quer simplesmente o “Fora PT”.

Há muito tempo, andando pelo país, tenho encontrado uma geração de brasileiros que não quer mamar nas tetas do Estado; acha que o governo não cabe no país; acha que a iniciativa privada é que cria riquezas; e por aí vai. Podem chamar de agenda liberal, neoliberal, conservadora, o que seja. Mas esse pessoal entendeu que a Lava-Jato não está apenas apanhando um bando de ladrões. Está revelando as entranhas de um arranjo político que funcionou durante anos beneficiando uma turma que não é o povo.

Encontra-se esse pessoal novo tanto no Matopiba — se não sabem o que é, estão por fora — quanto em uma reunião de microempreendedores em Manaus ou em Maringá. É animador.

Mas antes temos o andamento da crise. Não tem “acordo nacional” antes que o ambiente seja depurado, antes que passe a Lava-Jato. Um futuro governo Temer terá que passar pelo teste.

Tem jeito?

Sempre tem. Não é verdade que “todo mundo” está na roubalheira, que são todos aproveitadores.

Também não é verdade que a crise seja insolúvel. Lembram-se do governo Itamar Franco? Teve três ministros da Fazenda nos primeiros sete meses. Só começou a sair do buraco quando Fernando Henrique Cardoso foi nomeado ministro da Fazenda em maio de 1993, passando a agir como primeiro-ministro de fato. Naquele ano, a inflação foi de 2.477,15% (notaram a precisão das duas casas depois da vírgula?). Em 94, FHC implantou o Real, e o país mudou para muito melhor.

Hoje, dos seus 85 anos, FHC conversa, sugere caminhos. Mas não pode voltar à cena principal. Quem seria o novo?

Nomeação ilegal - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 31/03

A solução proposta pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, aparentemente salomônica, permitindo que o ex-presidente Lula assuma a Chefia do Gabinete Civil do ministério de Dilma, mas sem foro privilegiado, permanecendo os processos contra ele na jurisdição do Juiz Sérgio Moro, é simplesmente ilegal segundo diversos juristas.
O deputado federal Raul Jungman, do PPS, entra hoje na Procuradoria-Geral da República com uma ação de prevaricação contra a presidente Dilma, baseado justamente na análise de Janot, que admite que a intenção da presidente era obstruir a Justiça.
Janot atribui ao ato um “desvio de finalidade” para “influenciar as investigações”. .De acordo com um especialista, o Ato Administrativo deve preencher os seguintes requisitos: Competência, Objeto, Finalidade, Forma e Motivo. Desses requisitos, três são vinculados (Competência, Finalidade e Forma) e os outros 2 são discricionários (objeto e Motivo).
Se o Ato Administrativo estiver viciado em algum de seus elementos obrigatórios (vinculados), ele é nulo de pleno direito. Quanto aos elementos discricionários, embora não sejam obrigatórios, se forem explicitados no ato, passam a vinculá-lo (Teoria dos Motivos Determinantes).
No caso da nomeação do Lula, a competência da Presidente da República é cristalina e o próprio Janot admite isso no Parecer. A forma também é inquestionável. Mas, quanto à finalidade, que também é elemento essencial do ato administrativo, Janot admite que houve desvio de finalidade, um vício insanável. Portanto, a conclusão é clara: a nomeação do Lula é nula.
Já o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Galba Velloso, autor do livro “Desvio de Poder”, da Editora Malheiros, afirma que o Procurador-Geral da República, ao admitir a possibilidade de Lula ser Ministro e continuar sob a jurisdição comum “está completamente equivocado”.
O ato da Presidente da República é nulo por desvio de poder, e não se pode fatiá-lo admitindo a nomeação e negando o foro. “Ele não pode ser Ministro em virtude do desvio de finalidade praticado e por isso não pode ter foro privilegiado”, ressalta o ministro Velloso.
Ele lembra que o excesso de poder tem duas formas, o abuso de autoridade, quando esta vai além de sua competência, e o desvio de finalidade, quando, embora dentro de sua competência, a autoridade declara um motivo de finalidade pública ocultando um objetivo diverso.
“A Presidente pode nomear o Ministro que quiser, dentro da lei. Mas não está dentro da lei nomear alguém Ministro para escapar do Juiz que teme e escolher quem deve julgá-lo”, ressalta Velloso
Tanto o abuso de poder, como faltar ao cumprimento do dever por interesse ou má-fé, são definições de prevaricação, que é a acusação que o deputado Raul Jungman fará contra a presidente da República.
O ministro Teori Zavascki está cuidando do caso no Supremo em duas instâncias: na parte cível, pediu informações ao Procurador-Geral para decidir sobre uma ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental) que visa suspender a nomeação de Lula. Como já existe uma liminar em mandado de segurança com o mesmo efeito, a questão será resolvida no mérito pelo plenário do STF.
Na parte criminal, o Juiz Sérgio Moro e o Procurador-Geral foram também consultados, para saber se há indícios de que a presidente Dilma tentou obstruir a Justiça ao nomear o ex-presidente para seu ministério. O Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo, disse que não há nada de ilegal na conversa, que considerou "republicana".
O Procurador-Geral já admitiu que houve, sim, essa tentativa de obstrução, e o Juiz Sérgio Moro, além de pedir desculpas pela polêmica que causou ao permitir a divulgação do áudio da conversa da presidente Dilma com o ex-presidente Lula, manteve sua convicção de que houve no caso pelo menos uma tentativa de obstrução da Justiça.
Disse que autorizou a divulgação “atendendo o requerimento do MPF, dar publicidade ao processo e especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e criminal do investigado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que podem eventualmente caracterizar obstrução à Justiça ou tentativas de obstrução à Justiça”.
Moro, embora cite objetivamente o ex-presidente Lula quando se refere à obstrução da Justiça, tenta se defender em relação à presidente, e insinua que ela também pode ter atuado nesse sentido, afirmando que “não parece que era tão óbvio assim que também poderia ser relevante juridicamente para a excelentíssima presidenta da República”.

Lembranças de 'Mani Pulite' - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 31/03

No começo dos anos 1990, na Itália, um grupo de magistrados milaneses (o mais popular foi Antonio di Pietro) tentou acabar com os esquemas de corrupção (antigos e tradicionais) que ligavam empresários, financistas e políticos.

Esse sistema viciado enchia os bolsos dos políticos (pessoas físicas) e financiava os partidos com comissões que as empresas pagavam para ganhar contratos públicos.

Anos antes, Sandro Pertini, presidente da República (honesto), declarara que um político deveria sempre ter as mãos limpas ("le mani pulite"). A expressão ficou e voltou em 1992, para batizar a "operação" dos magistrados milaneses.

Naquela década, eu vivia entre o Brasil e os EUA, mas visitava regularmente meus pais e meu irmão em Milão —por isso mesmo, minhas impressões daqueles anos são sobretudo o reflexo dos anseios e dos medos de meus familiares, que estavam lá, na Itália.

Já nos anos 1980 e antes (pela podridão do "milagre italiano", que reconstruiu o país depois da Segunda Guerra Mundial), havia uma tremenda desconfiança dos italianos diante da política tradicional.

Salvavam-se só os comunistas. Mas isso talvez fosse uma ilusão de óptica produzida pela minha própria história de militância. Ou pelo fato de que os comunistas ficaram quase sempre longe do poder executivo nacional.

O fato é que, para o italiano médio, qualquer governo roubava e roubaria. Os brasileiros não pensariam (não pensam) muito diferente: o grito "Roma ladra" poderia facilmente ser traduzido, ainda hoje, como "Brasília ladra".

A partir de "Mani Pulite", em 1992, ganharam espaço um movimento antimáfia e anticorrupção (fato curioso: ele se chamava "La Rete", a rede), e um movimento de direita do qual Bolsonaro, Feliciano e companhia gostariam (a Liga Norte).

De qualquer forma, a opinião pública estava, forte e unida, com o Ministério Público e com os juízes.

Pipocavam escritas nos muros de Milão: "Di Pietro, não volte atrás! Não perdoe!". De uma, em particular, me lembro bem —a que eu li estava num muro de tijolos, talvez na parte externa da Universidade de Milão: "Di Pietro, facci sognare" (Di Pietro, faça a gente sonhar).

Era isso mesmo, os italianos sabiam que aquilo seria, ao menos em parte, um sonho.

Os inimigos naturais de "Mani Pulite" se oporiam de todas as maneiras possíveis. De 1992 a 1996, políticos tradicionais e empresários desonestos lutaram para sujar os magistrados milaneses —foi sem muito efeito. No meio de 1992, os juízes Giovanni Falcone e Paulo Borsellino foram assassinados pela Máfia (a relação entre a Máfia e a classe política era o pano de fundo sombrio da corrupção).

Mesmo assim, aos poucos, na Itália, o jeito de fazer política mudou para sempre. Sumiram os partidos que tinham se tornado instituições fisiológicas. Imagine o que isso poderia significar hoje no Brasil.

A política italiana de hoje (a própria figura do primeiro-ministro Renzi) seria impensável sem "Mani Pulite". E ela é infinitamente melhor do que ela era no passado.

Há quem diga, aqui no Brasil, que o resultado de "Mani Pulite" foi Berlusconi. Isso é historicamente falso: ao contrário, Berlusconi se instalou no poder por uma década a partir de 2001, justamente quando os italianos se cansaram de "Mani Pulite".

Porque, de fato, eles se cansaram. De quê? Do fedor da lama? Do clima paranoico? Será que o mesmo cansaço nos espreita?

Não sei, mas o fato é que, em geral, quando a corrupção é o sistema de governo, é porque ela é também a forma dominante da vida social, pública e privada.

Você dá R$ 20 a um colega para que ele faça seu dever de casa. Isso é possível porque os políticos, lá em cima, são corruptos? Ou é o contrário: os políticos, lá em cima, se permitem ser corruptos porque sabem que a corrupção é a regra aqui em baixo, na nossa vida cotidiana?

O cidadão médio vive de pequenas corrupções: venda e compra de pontos na carteira, notas fiscais não emitidas, colas numa prova, pequenas sonegações e fraudes...

Ele pede transparência e honestidade até se dar conta de que muitas de suas ações são filhas da mesma confusão que ele denuncia no político: uma incapacidade de distinguir os interesses públicos dos interesses privados.

Não basta que uma boa faxina seja pelas calçadas e pelas praças; ela precisa acontecer em casa. Isso seria uma verdadeira mudança cultural...

Vou continuar sobre público e privado.

Tem leilão e xepa até abril - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de SP - 31/03
Vamos ter então uma quinzena de ofertas, até meados de abril, como era costume das antigas lojas de departamentos. O governo vai tentar adquirir apoios, por assim dizer, em leilões e xepas que devem durar até meados de abril, quando em tese se vota o impeachment na Câmara.

É verdade que cliente morto não paga. No entanto, se deputados e até partidos ainda negociam com o governo, é porque acreditam que vão receber. Em tese pode-se argumentar que Dilma teria meios de vencer a batalha da deposição na Câmara, sem perspectiva alguma, porém, de restabelecer alguma governança e rumo para a economia.

Por ora, trata-se de uma hipótese racional, apenas. No entanto, há zonas imensas de nebulosidade mesmo perto do rés do chão do inferno para onde desceu a nossa em geral já baixa política.

Por exemplo, ainda é misterioso o que estaria havendo com Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, que ontem e outra vez se fez de enigmático.

Calheiros ainda quer ir devagar com o andor, para que se preservem alguns santos de barro, não se sabe quais, como já se escreveu aqui na semana passada.

Note-se que, na semana passada, ainda restava alguma dúvida sobre o "rompimento" do PMDB com o governo. Ou melhor, na semana passada ainda havia dúvida sobre a cerimônia do adeus aos cargos desta terça-feira. Esse teatro ontem era outra vez farsa, pois meia dúzia de ministros do partido se agarrava desesperadamente às cadeiras.

Não era certo, porém, que os peemedebistas ficassem nos cargos, pois não se sabe quantos votos podem entregar na votação do impeachment. Um ministro de um PMDB lascado vale mais ou menos que o hipotético partido nanico PXPTO?

Enfim, a barafunda indica que estão cozinhando alguma coisa, não se sabe bem o quê, nem eles mesmos, no feirão político, parecem saber muito bem. O PMDB permanece o partido de todas as situações, seja ainda minoritariamente com Dilma Rousseff, seja com o vice quase presidente Michel Temer.

O que se sabe é que começou o leilão de deputados avulsos do PMDB. No caso do PP e do PR, trata-se ainda de negociações em lotes. Não houve o desembarque em massa e o golpe fatal contra Dilma Rousseff, esperados até anteontem.

Tanto PP como PR decidiram ontem que não vão decidir nada pelo menos até as vésperas da votação do impeachment na Câmara, a partir do dia 15 de abril.
Juntos PP e PR têm 89 votos (o PMDB tem 68, por exemplo). O PP ocupa o Ministério da Integração Nacional. O PR, o dos Transportes. O PP, convém recordar, é o partido mais enrolado com a Lava Jato em termos quantitativos (número de cabeças no bico do corvo).

Ainda que Dilma vença a batalha do impeachment de abril ou pelo menos adie a decapitação, a guerra continuará, talvez ainda mais suja. Na melhor das hipóteses alegre e loucamente otimistas, a presidente não teria meios de governar até pelo menos finda a eleição municipal, analisados seus resultados e inventado um discurso de "reconciliação": Carnaval do ano que vem.

A degradação do que resta da governança será imensa, em um ministério que é quase pura esculhambação ou coisa pior. Em vez de se estatelar em um fundo de poço no trimestre final do ano, a economia seria tragada por uma nova gorja do inferno.

Remando em direções opostas - BERNARDO MELLO FRANCO

Folha de SP - 31/03
Na tentativa de evitar o naufrágio do governo, Dilma Rousseff passou a remar em duas direções opostas. De um lado, a presidente ensaia uma guinada à esquerda para tentar mobilizar a militância petista em sua defesa. Ao mesmo tempo, oferece cargos e verbas para atrair partidos de centro-direita que definirão a votação do impeachment.
O primeiro movimento começou a dar resultado. Com ajuda de Lula, o Planalto voltou a ter canal direto com movimentos sociais e sindicatos próximos ao PT. Essas entidades haviam se afastado por discordar da política econômica adotada após a eleição de 2014. Agora voltaram a colorir as ruas de vermelho contra o que consideram um mal maior: um eventual governo Michel Temer.
As manifestações continuam menores que os atos pró-impeachment, mas cresceram em número e em frequência. Isso mostra que o petismo ainda tem uma base capaz de defender o mandato da presidente, o que Fernando Collor não teve em 1992. Nesta quarta (30) essa militância transformou uma solenidade no Planalto em comício contra o impeachment. Guilherme Boulos, do MTST, prometeu liderar atos "para resistir ao golpe".
Dilma também passou a receber apoio público de juristas, intelectuais e artistas identificados com a esquerda. Até outro dia, o retrato da classe artística na crise era a atriz Suzana Vieira com uma camiseta verde-amarela do "Morobloco". A adesão de celebridades como Wagner Moura é uma boa notícia para a presidente.
O problema do Planalto é que o PT e seus aliados que contam com a simpatia desses setores não somam mais de cem votos na Câmara. Por isso Dilma iniciou um leilão de cargos para partidos do chamado "centrão", como PP, PR e PSD. O loteamento deixará o governo mais entregue do clientelismo e mais distante dos ideais de esquerda que a presidente voltou a defender.
As próximas semanas vão mostrar se a tática de remar em direções opostas será capaz de salvar o barco. 

A médica que dispensou o filho da petista - DAVID COIMBRA

ZERO HORA - 31/03

Quando li a notícia sobre a médica que se recusou a atender uma criança porque a mãe dela era do PT, fiquei revoltado. ´E o Juramento de Hipócrates!´, pensei, olhando para o Leste, na direção de onde suponho que se esparramem as ilhas gregas. ´O que Esculápio, Hígia e Panaceia pensarão disso?´.

Pior: o presidente do Sindicato dos Médicos, Paulo de Argollo Mendes, disse que a médica estava certa em se negar a prestar atendimento. ´Por favor!´, ralhei, ainda pensando na ética da velha e sábia avó Grécia. ´Nem se Hitler estivesse precisando de atendimento, o médico poderia recusar!´.

Continuei com minhas exclamações, até que entrevistamos o presidente do Sindicato, ontem, no Timeline da Gaúcha.

Paulo de Argollo explicou que a médica não se negou a dar atendimento a uma emergência, nem veta petistas em geral, mas aquela em particular. O que ela fez foi solicitar aos pais da criança para que trocassem de pediatra, porque não aguentava mais a conversa deles durante as consultas.

Bem... Nesse ponto, comecei a entender a médica.

É que todo sectário é um porre, seja qual for o dogma. Eles estão sempre prontos para a briga, e gente sempre pronta para a briga é extremamente aborrecida.

Reparem no atual slogan dos petistas: ´Não vai ter golpe, vai ter luta´.

Luta?

Contra quem eles vão lutar? Será guerra civil, é isso? Vai haver distribuição de armas nos diretórios do PT? Ou será só o exército do Stédile que vai para a frente de batalha?

Luta, luta, eles estão sempre em luta. José Dirceu é o ´guerreiro do povo brasileiro´, André Vargas desafia o STF erguendo o punho fechado, eles se acham Espártaco enfrentando as legiões de Crasso em defesa da liberdade dos escravos, Zapata liderando os camponeses contra a tirania de Porfírio Diaz, Marx aconselhando os proletários do mundo a se unirem. O sonho deles é travar a luta de classes. Combater o bom combate, como disse Paulo.

Que babaquice.

Sim, existem explorados e exploradores, negros e brancos, ricos e pobres, empresários e proletários, sim, mas o mundo não está dividido apenas entre explorados e exploradores, negros e brancos, ricos e pobres, empresários e proletários. O mundo é mais sofisticado, a sociedade é mais complexa e o Brasil, felizmente, é mais variado e complicado do que qualquer fórmula maniqueísta.

Antes era mais fácil: você era contra a ditadura ou a favor da ditadura. Ponto.

Agora é preciso pensar um pouco. Quem é contra o governo do PT não é necessariamente tucano, nem simpático a Bolsonaro, nem entusiasta do futuro governo Temer. Quem considera o Bolsa Família um bom programa não é necessariamente petista. Quem é contra o aparelhamento do Estado pelo governo não é necessariamente a favor do Estado mínimo. E quem é petista não é necessariamente um chato. Mas, neste momento de ânimos espinhados, há de se reconhecer que os petistas transformaram-se em pessoas especialmente chatas.

Se você se afasta de uma pessoa de quem não gosta, você está sendo saudável; se você se aproxima, procurando o confronto, você está com problemas sérios.

Uma médica não querer atender um paciente por ele ser de determinado partido ou ter determinada opinião é totalmente reprovável. Uma médica não querer atender um paciente que a incomoda é totalmente compreensível. Importunos de todo o mundo: vade retro.

As ameaças de Dilma - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 31/03


Há 52 anos o país acordou em um pesadelo que permaneceu conosco por 21 anos. É este fantasma que o governo tenta usar para amedrontar os brasileiros. A presidente Dilma Rousseff, ao falar no Palácio do Planalto que se prepara um golpe, deu a senha para que a farsa fosse utilizada em defesa do governo até pelas estruturas do Estado brasileiro.

E Dilma passou a dizer isso toda vez que tem plateia espontânea ou convocada. Alguns defensores do governo usam por má fé a tese do golpe. Outros, sobretudo os mais jovens, acreditam estar vivendo tempos heroicos em que é preciso resistir aos “golpistas”. Diante do funcionamento das instituições e da inexistência de qualquer movimentação militar, a tese é totalmente falsa, mas é repetida por falta de argumentos. O efeito dessa declaração da mais alta autoridade brasileira é extremamente deletério. A presidente invoca seu passado de militante para assegurar aos mais jovens que é isso mesmo que se está vivendo no Brasil, quando o que ocorre é a falência do seu governo por inépcia.

Os dados trazidos ontem pela CNI-Ibope não deixam dúvida do alto grau de rejeição do seu governo. A grande piora na avaliação da presidente Dilma entre as famílias que tem renda de até um salário mínimo aconteceu logo após as eleições. Foi nos três primeiros meses que sua aprovação mergulhou numa queda livre. Isso sugere que eles perceberam uma diferença grande entre o cenário que foi veiculado pela propaganda petista e a realidade que o país enfrentou nos meses seguintes à reeleição. É o custo extra de uma propaganda que não se sabe até hoje a que preço foi contratada.

Se em dezembro de 2014 apenas 10% dos entrevistados nessa faixa de renda consideravam o governo péssimo e 7% o avaliavam como ruim, em março de 2015 o percentual de péssimo já havia subido para 47% e o de ruim para 13%. Ou seja, o grupo de pessoas com rendimento de até um salário mínimo que consideram o governo ruim ou péssimo saltou de 17% para 60% em apenas três meses e vem se mantendo nesse patamar até a pesquisa divulgada ontem. Nesse grupo, 76% desaprovam a forma de Dilma governar. Entre os entrevistados na região Nordeste, o percentual de ruim e péssimo está em 54%. Entre os que têm baixa escolaridade, 60% acham seu governo ruim e péssimo. A base da pirâmide social que ela alega estar defendendo a rejeita. Por que será?

É pela mesma razão que outras regiões e outras classes sociais a criticam. Dilma vendeu um país cenográfico na eleição, para esconder os sinais da ruína econômica que produziu; manipulou o preço da energia e deu um tarifaço logo após o fechamento das urnas; produziu a pior recessão da nossa história. Além disso, seu governo está envolvido num gravíssimo caso de corrupção.

O que a presidente argumenta é que não cometeu crime de responsabilidade, portanto não poderia estar respondendo a um processo de impeachment. Na verdade, as suas manobras fiscais que ficaram conhecidas pelo nome de “pedaladas” infringiram sim a Lei de Responsabilidade Fiscal. Para piorar o quadro, vieram as denúncias de dinheiro de origem não esclarecida em sua campanha ou delações como a do senador Delcídio, que até dezembro passado era o líder do seu governo.

A presidente pode e deve usar todo o amplo direito de defesa. Ela tem a seu favor o fato de que com uma minoria de deputados, de apenas 171, pode parar o processo. O Supremo Tribunal Federal estabeleceu o rito de impeachment e estará pronto a corrigir qualquer erro cometido. O que ela não pode é inventar um golpe inexistente e pôr em dúvida a democracia brasileira que foi tão dolorosamente conquistada.

Tentativa desesperada com o velho fisiologismo - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 31/03

Governo vai para a troca de cargos por votos, agora contra o impeachment, com o objetivo, que pode ser frustrado, de impedir novas debandadas

Consumada a formalização da saída do PMDB da base do governo, nos três minutos da reunião-relâmpago realizada anteontem no Congresso, o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, logo definiu o novo momento do Planalto como de “repactuação”. Quer dizer, de redistribuição dos postos desocupados pelo PMDB entre aliados, para que permaneçam apoiando a presidente Dilma.

Parece manobra fadada ao fracasso. Afinal, a constelação de pequenos partidos talvez não tenha condições de compensar, em plenário, a migração de votos que seguirão os peemedebistas para dar sustentação ao impeachment.

Atrás do PMDB, ou de parte dele — o partido, sabe-se, tem como característica fazer apostas múltiplas — já foi o PSB, o PP ameaça fazer o mesmo, e por aí se vai. É visível que hoje o poder de sedução de um possível governo Temer está na praça. Mesmo que amanhã não venha a ser aprovado o impeachment da presidente Dilma.

Ela, enquanto insiste no discurso vazio de que o processo de seu impedimento é “golpe”, já exercita o jogo do toma lá, dá cá do fisiologismo, a fim de manter aliados no Congresso e garantir o mínimo de 172 votos para impedir o impeachment e/ou ausências de deputados em plenário que impeçam a oposição de somar os 342 votos correspondentes a dois terços da Câmara, requeridos para a aprovação da demissão da presidente pela Casa.

Com a debandada do PMDB, estima-se entre 500 e 600 o número de cargos à disposição do Planalto para praticar esta rodada de fisiologismo. Há, nessa barganha, preciosos gabinetes de ministros, e isso deve dar um razoável poder de barganha ao Planalto.

A prática do fisiologismo não é novidade nos governos petistas. Trata-se de “tecnologia” dominada, desde o primeiro governo Lula, quando ministérios foram doados a partidos como capitanias hereditárias, ao mesmo tempo em que a máquina pública era aparelhada por companheiros. (Em 2014, com a Lava-Jato, começou-se a ter a dimensão dos estragos que esta política havia causado à Petrobras e ao país).

A própria Dilma tentou fazer uma faxina no Ministério, no seu primeiro governo, cuja equipe inicial foi escolhida com a assessoria do ex-presidente Lula. Logo mais adiante teve de voltar atrás e recolocar em ministérios esquemas políticos que havia afastado naquele surto de limpeza ética.

A presidente não é portanto neófita no ramo do fisiologismo. Infelizmente, o toma lá, dá cá — cargos em troca de votos contra o impeachment — degradará ainda mais a qualidade já baixa dos serviços públicos.

A Saúde é um exemplo, por ter sido entregue ao deputado peemedebista Marcelo Castro quando o país começava a ser atingido pelo surto de zika, motivo de preocupação mundial. Às favas com a população. É sempre este o lema que acompanha o fisiologismo.