quarta-feira, agosto 21, 2019

Jatinhos: história e histeria - GERALDO SAMOR E MARIANA BARBOSA

BRAZIL JOURNAL - 21/08

O subsídio dado pelo BNDES para a compra de jatos particulares – que hoje escandaliza tanta gente – fez parte de um gigantesco programa para estimular a economia brasileira em meio à catástrofe que se anunciava depois da crise de 2008.

O programa — chamado PSI — acabou se revelando um dos maiores desastres da política econômica dos governos petistas.

Quando começou, em 2009, o PSI fazia algum sentido: com o mundo afundando numa crise de proporções épicas, o Governo separou R$ 44 bilhões para fazer uma injeção de estímulo (contracíclica e transitória) na economia.

Mas em fevereiro de 2010, Brasília já não queria largar a cocaína: o Governo prorrogou e aumentou o programa, que se tornou uma espécie de ‘way of life’ de um Estado já perdulário e com a solvência em declínio.

Quando terminou, em dezembro de 2014, o PSI contabilizava R$ 400 bilhões emprestados pelo Tesouro ao BNDES. Deste total, os subsídios totalizavam R$ 252 bilhões.

A Embraer foi particularmente afetada pela crise global. A empresa tinha filas de cinco anos para entregas do jatinho Phenom até a crise estourar. Em seguida, viu sua produção mergulhar 30% com cancelamentos de pedidos.

O governo Lula ainda falava em marolinha quando a Embraer anunciou a demissão de mais de 4 mil funcionários – 20% do total – em fevereiro de 2009.

Foi aí que o governo se alarmou e decidiu implementar as medidas de estímulo industrial.

O BNDES tinha linhas de crédito para máquinas e equipamentos produzidos por empresas locais, entre elas a Embraer. Esta, por sua vez, fazia sua proposta comercial levando em conta a linha (assim como a Bombardier dava acesso a linhas do banco de fomento canadense).

A linha era oferecida a todos, num regime de absoluta impessoalidade. Não era direcionada para os “amigos".

Subsidiar a compra de jatinhos pode ser questionável como política pública – mas está longe de ser uma jabuticaba brasileira.

Enquanto no Brasil o Presidente Bolsonaro opta por constranger empresários que usaram uma linha de crédito criada por uma política de Estado para estimular a economia, nos EUA o presidente Donald Trump é só agrado para os donos de jatinhos.

Graças ao corte de impostos promovido por Trump, as empresas americanas agora podem abater do IR 100% do valor da compra de um jatinho. A medida vale para aviões novos ou usados, fabricados nos EUA ou importados. (Antes de Trump, o benefício fiscal lá era de "apenas" 50%.)

Os jatinhos 'escandalosos' representaram 0,5% dos desembolsos do PSI de 2009 a 2014 – a maior parte do programa foi para máquinas industriais, ônibus e caminhões, gerando distorções que, anos depois, causaram a greve dos caminhoneiros.

A sociedade tem direito de criticar a política pública – tanto que o partido responsável por ela caiu de podre e depois perdeu uma eleição.

Mas a criminalização de quem fez uso de uma linha de crédito oficial só faz sentido dentro de um contexto onde muita coisa já deixou de fazer sentido.

Por exemplo: o sigilo bancário.

Há dois anos, quando o BNDES começou a responder à pressão por mais transparência, o Banco Central chegou a questionar o banco se não havia risco de quebra de sigilo bancário -- na época, o BNDES estava prestes a publicar a lista de obras que financiou no exterior.

Agora, com a publicação da lista de quem comprou os jatinhos, pelo jeito o tal sigilo bancário foi pela janela. O que mais, no Estado de Direito, vai ser jogado fora?

O uso político do BNDES - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 21/08

Sob pretexto de divulgar a “caixa-preta” do BNDES, governo revelou dados para constranger adversários de Bolsonaro


Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro informou ter tomado conhecimento de que R$ 2 bilhões haviam sido usados pelo BNDES para financiar a compra de aviões particulares a uma taxa de 3% a 4% ao ano. “Parece que não foi legal”, comentou o presidente. Dias depois, o BNDES divulgou uma lista das aeronaves financiadas pelo banco no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que contou com equalização de taxa juros pelo Tesouro. Sob o pretexto de divulgar a “caixa-preta” do BNDES, o governo revelou dados protegidos por sigilo bancário para constranger adversários políticos de Bolsonaro.

Em primeiro lugar, é muito estranho que Bolsonaro tenha afirmado que esses financiamentos não pareciam ser legais. Em 2009, quando era deputado federal pelo Partido Progressista (PP), legenda que formava a base de apoio do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Jair Bolsonaro votou a favor do PSI. Nos anais da sessão do plenário da Câmara dos Deputados do dia 3 de novembro de 2009, consta o voto favorável do deputado Jair Bolsonaro à Medida Provisória (MP) 465/2009 – depois convertida na Lei 12.096/2009 –, que instituiu a política do PSI.

É plenamente cabível a discussão se o PSI foi uma política adequada de incentivo à economia. Segundo o BNDES, entre 2009 e 2014, foram financiadas 134 aeronaves da Embraer, no valor total emprestado de R$ 1,9 bilhão. Tendo em vista que o PSI ofereceu juros abaixo da taxa básica (Selic) para a compra das aeronaves, essas operações tiveram um custo para o Tesouro. De acordo com os cálculos do BNDES, tal subsídio custou R$ 693 milhões em valores corrigidos.

Mas o PSI não tem nada de “caixa-preta”. O plano foi uma política pública instituída por lei em 2009, segundo condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, como reconheceu o BNDES. A Lei 12.096/2009, no seu art. 1.º, § 4.º, diz: “Aplica-se o disposto neste artigo à produção ou à aquisição de aeronaves novas por sociedades nacionais e estrangeiras, com sede e administração no Brasil, em conformidade com a respectiva outorga de concessão e autorização para operar pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), nos casos de exploração de serviços públicos de transporte aéreo regular”.

Fica evidente, portanto, que as empresas que utilizaram a linha de crédito do PSI para a compra de aeronaves não praticaram nenhuma ilegalidade com a tomada desse crédito. Elas simplesmente aderiram a um programa público de subsídio para a compra de aviões – um programa que, repita-se, contou com o voto do então deputado Jair Bolsonaro.

O estranho nessa história não é que empresas tenham recorrido a crédito subsidiado para a compra de aviões. O estranho e preocupante é a publicação de informações, escolhidas a dedo e que estão protegidas pelo sigilo bancário, por parte do BNDES, sob o argumento de “se tornar cada vez mais transparente perante a sociedade brasileira”.

A lista de empresas e valores referentes à compra de aeronaves publicada pelo BNDES não traz nenhuma informação relevante para a discussão sobre os efeitos da política do PSI. O que se tem é mais um caso no governo de Jair Bolsonaro da manipulação de órgãos públicos para fins políticos.

Como já ocorreu em outras situações, Bolsonaro admitiu explicitamente o desvio de finalidade do ato do BNDES. Na semana passada, ao falar dos R$ 2 bilhões de financiamento para compra de aviões particulares, Bolsonaro anunciara que a medida tinha alvo certo. “Não fica não arrotando honestidade que o bicho vai pegar”, disse referindo-se ao apresentador Luciano Huck, que dias antes fizera críticas ao governo. “Ele falou que eu sou o último capítulo do caos. Se ele comprou jatinho, ele faz parte do caos”, declarou o presidente.

O uso da máquina pública para fins político-eleitorais foi um dos grandes motivos para a população rejeitar o PT nas urnas. Não faz nenhum sentido que aquele que prometia ser o mais antipetista de todos dê continuidade a essa nefasta prática.