ESTADÃO/O GLOBO - 26/11
O papel-moeda está em vias de extinção e o Rio se dedica a criar empregos de cobrador
Há algo de podre no modo como o Brasil trata o desperdício de tempo.
Pouca gente se dá conta que, quando se mede a prosperidade nacional através do PIB, estamos falando de um fluxo de valor adicionado durante determinado período de tempo, geralmente um ano.
Sabemos que a renda per capita do brasileiro foi de R$ 30,4 mil no ano de 2016, o que equivale a cerca de 25% da renda per capita americana. Isso é o mesmo que dizer que, em média, um americano produz quatro vezes mais que um brasileiro durante um ano. O Brasil parece não se preocupar muito com o tempo perdido ou com a produtividade, a julgar pelo noticiário recente.
No município do Rio de Janeiro, por exemplo, a Assembleia aprovou o fim da dupla função do motorista de ônibus, com isso revivendo a figura do cobrador (isso foi aprovado com 40 votos a favor e um solitário voto contrário do vereador Leandro Lyra, do Partido Novo). Os autores do projeto estimam que 5 mil empregos serão criados pela medida.
O papel-moeda está em vias de extinção e o Rio de Janeiro se dedica a criar empregos de cobrador, o que é mais ou menos como proibir o Uber para atender aos taxistas, ou proteger indústrias que eram “nascentes” cinquenta anos atrás.
A lógica torta dessas medidas é semelhante à de uma ideia antiga e errada, pela qual a redução da jornada de trabalho faz aumentar o emprego (ou elevar o salário, via remuneração de horas extras). Na verdade, a redução na jornada funciona exatamente como uma redução de produtividade (um ano passa a ter menos horas trabalhadas, portanto, menos produção, como se tivéssemos mais feriados). E, se as horas são mantidas e apenas se tornam mais caras, é como se o governo criasse um imposto sobre o emprego, o que obviamente diminui a produção.
Nossa legislação trabalhista não tem como foco a produtividade, e por isso cria muitas distorções, que é preciso urgentemente rever. O tempo está passando, a China e a Coreia estão crescendo, e o Brasil está ficando para trás.
O tempo perdido também tomou conta da legislação tributária de forma devastadora. No ranking de ambiente de negócios feito pelo Banco Mundial, o Brasil ocupa a posição 125 em 190 países, um vexame. Pior ainda: em um dos quesitos dessa avaliação, o dos impostos, o Brasil está na posição 184 em 190 países e não é por que a carga tributária seja tão alta, mas por que uma empresa de 60 empregados gasta em média 1.958 horas (81,5 dias) anuais para pagar os tributos e cumprir as obrigações acessórias.
Não há nada parecido com isso em nenhuma parte do planeta. É a Copa do Mundo em matéria de tempo desperdiçado.
Para completar o quadro, o Banco Mundial publicou dias atrás um relatório histórico sobre um assunto que interessa a todos: o gasto público.
O relatório identifica inúmeras “ineficiências”, que alguns descreveriam como “absurdos”, a soma das quais ultrapassando 7% do PIB, podendo chegar a 8,5%. Em dinheiro de hoje estamos falando de R$ 400 bilhões de potenciais economias decorrentes de cortes e reformas associadas a essas ineficiências.
A cifra é assustadora, mas não surpreendente, pois é da mesma ordem de grandeza da deterioração no superávit primário ocorrida na vigência da “Nova Matriz”. O que me preocupa é o conselho do Banco Mundial, cauteloso como sói acontecer com organizações multilaterais, pelo qual essas economias devam ser buscadas gradualmente até 2026.
Da parte deles, esta exasperante falta de pressa, na verdade, é pura delicadeza. Nós é que devemos nos perguntar por que, afinal, devemos tomar 10 anos para acabar com R$ 400 bilhões mal gastos?
Os sentimentos nacionais com relação aos taxistas e cobradores, bem como para os detentores de privilégios e sinecuras identificados pelo Banco Mundial são muito confusos, incluindo o medo e a compaixão. Mas a principal razão de nossa apatia diante das dores do progresso parece mesmo ter a ver com um traço do caráter nacional que Machado de Assis atribuiu ao Conselheiro Aires: “Tinha o coração disposto a aceitar tudo, não por inclinação à harmonia, senão por tédio à controvérsia”.
EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS.
domingo, novembro 26, 2017
O que é o ‘novo' - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 26/10
Sociedade clama, na verdade, por lideranças públicas capazes de guiar a Nação tendo como Norte tão somente os já conhecidos – e muitas vezes maltratados – valores da República, da Liberdade, da Democracia
As pesquisas de opinião têm captado um forte anseio dos brasileiros por algo “novo” na política. Dois dos mais agudos sintomas deste desconforto da sociedade em relação ao modo de fazer política, tal como ela vem sendo feita, são correlatos: a descrença com que a maioria da população enxerga os políticos em geral – ora entremeada por indignação, ora por apatia – e a chamada crise de representatividade, um muro invisível, praticamente inexpugnável, que separaria eleitores e eleitos.
Esta desconexão entre uns e outros não é de agora. Entre os vários clamores que insuflaram a heterogênea, e por vezes contraditória, agenda das manifestações populares de junho de 2013, a expressão “não me representa”, no que concerne à ação dos mandatários políticos, foi uma das poucas insatisfações bradadas em uníssono por avenidas e praças País afora. Começava então o chamamento ao “novo”, ainda que indistinto e mal definido, por vozes que expressavam sentimentos como traição, raiva e desalento.
O tempo transcorrido desde junho de 2013 serviu apenas para aprofundar uma divisão que já era preocupante àquela época, vale dizer, a havida entre representantes e representados, e para afoguear os ânimos de gente disposta a explorar, nem sempre movida por boa-fé, as lacunas ainda abertas nos corações e mentes da sociedade, que continua sem saber precisamente o que – e quem – quer, canalizando todas as suas esperanças por um País melhor, mais decente e justo, na direção desse “novo” impreciso, um conceito tão vago que pode caber em qualquer um, do mais impoluto cidadão imbuído de espírito público ao mais irresponsável populista.
Na verdade, o que se convencionou chamar de “novo” na política brasileira nada mais é do que a mais estrita observância aos velhos valores republicanos que deveriam inspirar a ação de todos os detentores de mandatos políticos no País desde o final do século 19.
Mas a separação entre o público e o privado tem sido tão criminosamente negligenciada pelos maus políticos, e com tal frequência, que a desonestidade e a manipulação nociva da res publica parecem, à luz do imaginário coletivo, ser da própria natureza do fazer político no Brasil. Tanto é assim que, ao examinar mais detidamente o que se espera de “novo” na atividade política, se tem tão somente a ideia de um Estado moderno, eficiente e isonômico.
Ao clamar por “novidade” na política, a sociedade não está, necessariamente, pedindo socorro a uma figura inesperada e heroica, messiânica mesmo, que haveria de surgir como uma lufada de ar fresco para conduzir o País de volta à da qual jamais deveria ter sido desviado pelas práticas espúrias dos maus políticos.
O que se busca, na verdade, são lideranças públicas capazes de guiar a Nação tendo como Norte tão somente os já conhecidos – e muitas vezes maltratados – valores da República, da Liberdade, da Democracia.
O País precisa de líderes genuinamente imbuídos de espírito público e rigorosamente comprometidos com os valores liberais e democráticos, não necessariamente neófitos na atividade política, ainda que sejam absolutamente salutares – e necessários – a renovação do quadro de lideranças políticas e o arejamento de ideias e projetos.
Os candidatos a cargos eletivos em 2018 – sejam os majoritários ou os proporcionais – que conseguirem personificar esses valores republicanos e apresentar à Nação um projeto de desenvolvimento para o País que seja claro, responsável e exequível serão capazes de recuperar a confiança da sociedade não apenas em relação aos políticos, mas à própria política como o meio inescapável para a mediação dos múltiplos interesses públicos e a garantia da paz social.
Não é um desafio pequeno, assim como não devem ser os homens e as mulheres dispostos a enfrentá-lo, sejam ou não nomes conhecidos.
As eleições do ano que vem representarão uma encruzilhada para a Nação. A depender dos resultados advindos das urnas, problemas hoje muito graves poderão levar o País ao desastre. Ou prevalecerão a temperança e a racionalidade e, assim, a tranquilidade de um futuro melhor para esta e para as futuras gerações
Sociedade clama, na verdade, por lideranças públicas capazes de guiar a Nação tendo como Norte tão somente os já conhecidos – e muitas vezes maltratados – valores da República, da Liberdade, da Democracia
As pesquisas de opinião têm captado um forte anseio dos brasileiros por algo “novo” na política. Dois dos mais agudos sintomas deste desconforto da sociedade em relação ao modo de fazer política, tal como ela vem sendo feita, são correlatos: a descrença com que a maioria da população enxerga os políticos em geral – ora entremeada por indignação, ora por apatia – e a chamada crise de representatividade, um muro invisível, praticamente inexpugnável, que separaria eleitores e eleitos.
Esta desconexão entre uns e outros não é de agora. Entre os vários clamores que insuflaram a heterogênea, e por vezes contraditória, agenda das manifestações populares de junho de 2013, a expressão “não me representa”, no que concerne à ação dos mandatários políticos, foi uma das poucas insatisfações bradadas em uníssono por avenidas e praças País afora. Começava então o chamamento ao “novo”, ainda que indistinto e mal definido, por vozes que expressavam sentimentos como traição, raiva e desalento.
O tempo transcorrido desde junho de 2013 serviu apenas para aprofundar uma divisão que já era preocupante àquela época, vale dizer, a havida entre representantes e representados, e para afoguear os ânimos de gente disposta a explorar, nem sempre movida por boa-fé, as lacunas ainda abertas nos corações e mentes da sociedade, que continua sem saber precisamente o que – e quem – quer, canalizando todas as suas esperanças por um País melhor, mais decente e justo, na direção desse “novo” impreciso, um conceito tão vago que pode caber em qualquer um, do mais impoluto cidadão imbuído de espírito público ao mais irresponsável populista.
Na verdade, o que se convencionou chamar de “novo” na política brasileira nada mais é do que a mais estrita observância aos velhos valores republicanos que deveriam inspirar a ação de todos os detentores de mandatos políticos no País desde o final do século 19.
Mas a separação entre o público e o privado tem sido tão criminosamente negligenciada pelos maus políticos, e com tal frequência, que a desonestidade e a manipulação nociva da res publica parecem, à luz do imaginário coletivo, ser da própria natureza do fazer político no Brasil. Tanto é assim que, ao examinar mais detidamente o que se espera de “novo” na atividade política, se tem tão somente a ideia de um Estado moderno, eficiente e isonômico.
Ao clamar por “novidade” na política, a sociedade não está, necessariamente, pedindo socorro a uma figura inesperada e heroica, messiânica mesmo, que haveria de surgir como uma lufada de ar fresco para conduzir o País de volta à da qual jamais deveria ter sido desviado pelas práticas espúrias dos maus políticos.
O que se busca, na verdade, são lideranças públicas capazes de guiar a Nação tendo como Norte tão somente os já conhecidos – e muitas vezes maltratados – valores da República, da Liberdade, da Democracia.
O País precisa de líderes genuinamente imbuídos de espírito público e rigorosamente comprometidos com os valores liberais e democráticos, não necessariamente neófitos na atividade política, ainda que sejam absolutamente salutares – e necessários – a renovação do quadro de lideranças políticas e o arejamento de ideias e projetos.
Os candidatos a cargos eletivos em 2018 – sejam os majoritários ou os proporcionais – que conseguirem personificar esses valores republicanos e apresentar à Nação um projeto de desenvolvimento para o País que seja claro, responsável e exequível serão capazes de recuperar a confiança da sociedade não apenas em relação aos políticos, mas à própria política como o meio inescapável para a mediação dos múltiplos interesses públicos e a garantia da paz social.
Não é um desafio pequeno, assim como não devem ser os homens e as mulheres dispostos a enfrentá-lo, sejam ou não nomes conhecidos.
As eleições do ano que vem representarão uma encruzilhada para a Nação. A depender dos resultados advindos das urnas, problemas hoje muito graves poderão levar o País ao desastre. Ou prevalecerão a temperança e a racionalidade e, assim, a tranquilidade de um futuro melhor para esta e para as futuras gerações
Lewandowski tem razão - CARLOS ANDREAZZA
O Globo - 21/11
Ricardo Lewandowski acertou. Refirome à decisão de devolver à Procuradoria-Geral da República a delação premiada de Renato Pereira, o marqueteiro que esteve a serviço do PMDB do Rio de Janeiro. O movimento consiste na primeira freada de arrumação do pós- Janot e reage ao estado de frouxidão, chancelado por Edson Fachin, que permitiu que algo como o acordo da JBS fosse firmado, vergonhosa passagem em que o Supremo Tribunal Federal se comportou como despachante do Ministério Público.
Era tranco necessário, o de Lewandowski. Mas que não representa o mais mínimo desrespeito ao que fora definido, em junho, pelo plenário do STF. Naquela ocasião, o tribunal foi claro em estabelecer que os termos de um acordo decorrente de colaboração premiada poderiam ser revistos caso constatada alguma ilegalidade. E não é disso que se trata a demanda do ministro, de um juiz identificando irregularidades e pedindo que o contrato seja reformado para coincidir com a lei brasileira? Note o leitor que Lewandowski não descartou o acordo, que logo será homologado; mas tão somente exigiu reparos que o colocassem em linha com o disposto nos códigos.
Por que, então, toda essa histeria? Por que essa deturpação de leitura tal e qual tivesse o ministro jogado a delação de Pereira no lixo, em vez de simplesmente cobrar seu aprimoramento? Por que, se o que foi determinado pelo juiz outra coisa não faz que proteger o instrumento da delação premiada do achincalhe ao qual justiceiros o submetem? Por quê?
Respondo: porque o influente setor janotista do MP tem um projeto de poder e grita sempre que o vê contrariado. Essa turma conseguiu operar um transtorno de percepção na parte da sociedade que pauta opinião, de modo que de repente se tornou ataque à Lava- Jato — tudo é ataque à Lava Jato — o que não passa de defesa do estado de direito contra a sanha expansionista da facção jacobina dos procuradores.
Mas, afinal, em que consiste esse plano de autonomia do MP?
Numa frente, duela com a Polícia Federal pelo direito de investigar. Um perigo sob qualquer ângulo de análise, tanto porque significaria ainda mais poder a uma instituição que detém o monopólio da denúncia ( e, parece, também do vazamento de conteúdos sigilosos), e sobre a qual são vagos os mecanismos de controle ( como se viu no caso de Marcelo Miller, o braço- direito de Janot que atuou como dublê de procurador e advogado, e que não está preso), quanto porque tecnicamente incapaz de proceder a uma investigação sem deixar furos processuais ( como se observou na anarquia em que a pretensa capacidade investigativa do MP jogou a delação dos Batista, lá onde se fez avançar como base probatória uma gravação não periciada).
Em outra frente, testa os limites da República para se inscrever como um remake de poder moderador. Ou não terá Lewandowski se manifestado contra os pilares de um acordo em que a PGR não só tentou invadir atribuições do Judiciário, a quem exclusivamente cabe a definição de penas e o perdão judicial, como as do Legislativo, ao propor cláusulas não previstas nos códigos legais do Brasil.
Dúvida não há, portanto, de que o Supremo terá de retomar o debate sobre as regras para o estabelecimento de acordo de delação premiada no Brasil — e sobre o alcance da atividade do MP a respeito. Em junho, quando a questão foi apreciada pela corte, a profundidade da barbárie em que consistiu o pacto contratado com os donos da JBS ainda não era senão especulada, de forma que o colegiado, em nome da honestidade intelectual, precisará se lançar à autocrítica desdobrada do fato incontornável de que a posição passiva — equivalente à omissão, se adotada por um Poder — que escolheu para si é a mesma sob a qual a ferramenta da delação premiada chegou à beira do precipício do descrédito.
Fala- se que, nessa matéria, o Ministério Público não pode ser surpreendido por “ato desleal” do Judiciário; mas é precisamente o inverso o que ocorre, sendo, na prática, o MP o agente imprevisível a plantar minas contra o texto legal. A insegurança jurídica não deriva de que um magistrado reveja os fundamentos de um acordo à luz do que versa a lei, mas que não o faça e que deixe a coisa correr no ritmo do direito criativo.
Ao devolver à PGR — para ajustes — o acordo de delação proposto pelo MP, Lewandowski não atacou o mister do procurador relativo a esse tema, o de negociador; mas o destacou: a ele cabe exclusivamente negociar as linhas do contrato, a serem, no entanto, aprovadas ou não pelo Judiciário. E assim se educa um candidato a delator. Se tivermos esclarecidas as propriedades institucionais — cada um no seu quadrado — sobre as quais um cidadão pode colaborar com o Estado, teremos defendidas, em particular, a concessão de benefícios realistas ao delator, em consonância com o ordenamento jurídico brasileiro, e, no geral, a própria segurança jurídica.
Insisto, contra a mistificação: delator premiado é alguém que delinquiu e que acusa terceiros em troca de vantagens que diminuam sua pena, condição que prevê — obrigatoriamente — algum benefício. Podem ser todos aqueles negociados com o MP — ou menos, a depender do juiz. A alternativa é o nada — a integralidade da pena. Isso precisa ficar claro. A melhor garantia ao delator, pois, é a de que as vantagens — maiores ou menores — contratadas no acordo tenham lastro na lei. E quem duvidar que pergunte a Joesley Batista, que levou o tudo à margem da legalidade — e que, por isso, agora está na cadeia.
Ricardo Lewandowski acertou. Refirome à decisão de devolver à Procuradoria-Geral da República a delação premiada de Renato Pereira, o marqueteiro que esteve a serviço do PMDB do Rio de Janeiro. O movimento consiste na primeira freada de arrumação do pós- Janot e reage ao estado de frouxidão, chancelado por Edson Fachin, que permitiu que algo como o acordo da JBS fosse firmado, vergonhosa passagem em que o Supremo Tribunal Federal se comportou como despachante do Ministério Público.
Era tranco necessário, o de Lewandowski. Mas que não representa o mais mínimo desrespeito ao que fora definido, em junho, pelo plenário do STF. Naquela ocasião, o tribunal foi claro em estabelecer que os termos de um acordo decorrente de colaboração premiada poderiam ser revistos caso constatada alguma ilegalidade. E não é disso que se trata a demanda do ministro, de um juiz identificando irregularidades e pedindo que o contrato seja reformado para coincidir com a lei brasileira? Note o leitor que Lewandowski não descartou o acordo, que logo será homologado; mas tão somente exigiu reparos que o colocassem em linha com o disposto nos códigos.
Por que, então, toda essa histeria? Por que essa deturpação de leitura tal e qual tivesse o ministro jogado a delação de Pereira no lixo, em vez de simplesmente cobrar seu aprimoramento? Por que, se o que foi determinado pelo juiz outra coisa não faz que proteger o instrumento da delação premiada do achincalhe ao qual justiceiros o submetem? Por quê?
Respondo: porque o influente setor janotista do MP tem um projeto de poder e grita sempre que o vê contrariado. Essa turma conseguiu operar um transtorno de percepção na parte da sociedade que pauta opinião, de modo que de repente se tornou ataque à Lava- Jato — tudo é ataque à Lava Jato — o que não passa de defesa do estado de direito contra a sanha expansionista da facção jacobina dos procuradores.
Mas, afinal, em que consiste esse plano de autonomia do MP?
Numa frente, duela com a Polícia Federal pelo direito de investigar. Um perigo sob qualquer ângulo de análise, tanto porque significaria ainda mais poder a uma instituição que detém o monopólio da denúncia ( e, parece, também do vazamento de conteúdos sigilosos), e sobre a qual são vagos os mecanismos de controle ( como se viu no caso de Marcelo Miller, o braço- direito de Janot que atuou como dublê de procurador e advogado, e que não está preso), quanto porque tecnicamente incapaz de proceder a uma investigação sem deixar furos processuais ( como se observou na anarquia em que a pretensa capacidade investigativa do MP jogou a delação dos Batista, lá onde se fez avançar como base probatória uma gravação não periciada).
Em outra frente, testa os limites da República para se inscrever como um remake de poder moderador. Ou não terá Lewandowski se manifestado contra os pilares de um acordo em que a PGR não só tentou invadir atribuições do Judiciário, a quem exclusivamente cabe a definição de penas e o perdão judicial, como as do Legislativo, ao propor cláusulas não previstas nos códigos legais do Brasil.
Dúvida não há, portanto, de que o Supremo terá de retomar o debate sobre as regras para o estabelecimento de acordo de delação premiada no Brasil — e sobre o alcance da atividade do MP a respeito. Em junho, quando a questão foi apreciada pela corte, a profundidade da barbárie em que consistiu o pacto contratado com os donos da JBS ainda não era senão especulada, de forma que o colegiado, em nome da honestidade intelectual, precisará se lançar à autocrítica desdobrada do fato incontornável de que a posição passiva — equivalente à omissão, se adotada por um Poder — que escolheu para si é a mesma sob a qual a ferramenta da delação premiada chegou à beira do precipício do descrédito.
Fala- se que, nessa matéria, o Ministério Público não pode ser surpreendido por “ato desleal” do Judiciário; mas é precisamente o inverso o que ocorre, sendo, na prática, o MP o agente imprevisível a plantar minas contra o texto legal. A insegurança jurídica não deriva de que um magistrado reveja os fundamentos de um acordo à luz do que versa a lei, mas que não o faça e que deixe a coisa correr no ritmo do direito criativo.
Ao devolver à PGR — para ajustes — o acordo de delação proposto pelo MP, Lewandowski não atacou o mister do procurador relativo a esse tema, o de negociador; mas o destacou: a ele cabe exclusivamente negociar as linhas do contrato, a serem, no entanto, aprovadas ou não pelo Judiciário. E assim se educa um candidato a delator. Se tivermos esclarecidas as propriedades institucionais — cada um no seu quadrado — sobre as quais um cidadão pode colaborar com o Estado, teremos defendidas, em particular, a concessão de benefícios realistas ao delator, em consonância com o ordenamento jurídico brasileiro, e, no geral, a própria segurança jurídica.
Insisto, contra a mistificação: delator premiado é alguém que delinquiu e que acusa terceiros em troca de vantagens que diminuam sua pena, condição que prevê — obrigatoriamente — algum benefício. Podem ser todos aqueles negociados com o MP — ou menos, a depender do juiz. A alternativa é o nada — a integralidade da pena. Isso precisa ficar claro. A melhor garantia ao delator, pois, é a de que as vantagens — maiores ou menores — contratadas no acordo tenham lastro na lei. E quem duvidar que pergunte a Joesley Batista, que levou o tudo à margem da legalidade — e que, por isso, agora está na cadeia.
A Liga da Justiça a Jato - GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA
O novo despertar ético está operando o milagre de reabilitar eleitoralmente o PT
O novo despertar da ética no Brasil virou festa com a Operação Cadeia Velha, que prendeu o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A captura de Jorge Picciani e mais uma penca de aliados pela Polícia Federal espalhou o grito de Carnaval: estão atacando a corrupção do PMDB, esse antro de raposas velhas! Mas os éticos deram uma moderada no grito – para não acordar José Dirceu, que tinha sambado até de madrugada.
O Brasil é uma novela. Ou melhor: nem uma novela o Brasil é. Novelas têm complexidade, por mais novelesca que seja ela. O Brasil é um borrão unidimensional, cabe numa marchinha de Carnaval. Foi assim que os abutres de ontem – aqueles fantasiados com adereços politicamente corretos e purpurina roubada – simplesmente sumiram da cena. Quem foi Palocci mesmo? Ué, não era esse que outro dia estava contando tudo a Sergio Moro? Ou esse foi o Santana? Espera aí: que Santana? Não era Mantega?
Do Dirceu parece que todo mundo lembra. Não por ter montado o maior assalto governamental da história, mas porque apareceu outro dia sambando no pé. Uma graça.
O novo despertar ético está operando o milagre de reabilitar eleitoralmente o PT. Do PT você lembra? Isso, esse mesmo – o da senhora Rousseff, a regente do petrolão que hoje viaja o mundo contando história triste à custa do contribuinte. E que lidera pesquisas de intenção de voto para o Senado! O Brasil é uma mãe – e não é a mãe do PAC. Dessa você lembra? A que operou a negociata de Pasadena, isso. Que Pasadena? Ah, deixa para lá. Vamos falar do Picciani. Morte ao PMDB!
O governo Itamar Franco era do PMDB, mas não era. Foi sob um presidente fraco e cheio de compromissos fisiológicos que o Plano Real foi implantado. O governo Temer é do PMDB, mas não é. Assim como na era Itamar, foi nessa gestão pós-impeachmentque se abriu o espaço para a entrada de gente séria, técnica e não partidária disposta a retomar o Estado das mãos dos parasitas da política. É isso o que está acontecendo no Brasil após quase década e meia de pilhagem – e todos os indicadores confirmam o fato. Mas o brasileiro prefere a lenda.
A lenda quer dizer que todos os políticos são igualmente corruptos e agora você vai jogar tudo isso fora para votar numa Liga da Justiça Lava Jato. Se fosse a Lava Jato do Moro até poderia ser uma utopia interessante – mas o Moro já renunciou à candidatura a super-herói de gibi e declarou que pretende ficar onde está, isto é, apenas fazendo seu trabalho direito. Ou seja: é um exemplar de uma espécie em extinção no Brasil – essa dos que acham que o mais nobre objetivo pessoal é cumprir seu papel com integridade até o fim. As espécies que se multiplicam em abundância e sem risco são as dos que põem a cabeça de fora do anonimato e já querem cobri-la com um chapéu de Napoleão carnavalesco. Essa é a Liga da Justiça 2018 – a Lava Jato fake de Rodrigo Janot e seus conspiradores de botequim.
Personagens como o mosqueteiro Dartagnol Foratemer – um desses que após o cumprimento do dever foi à luta do seu chapéu de Napoleão – saíram por aí detonando os políticos para virar políticos. Dartagnol hoje é visto puxando o saco de celebridade petista e fazendo panfletagem digital desonesta – tipo “alertar” que o bando do PMDB capturado no Rio revela o modus operandi que domina Brasília, isto é, o governo federal. Mentira. Os técnicos de alto gabarito que estão trabalhando duro no Banco Central, no Tesouro, na Fazenda, na Petrobras e em outros postos-chaves do Estado nacional deveriam processar esse oportunista, mas estão ocupados demais consertando o desastre do PT – isto é, dos novos camaradas de Dartagnol.
A grita contra a Assembleia Legislativa do Rio quando ela chegou a revogar a prisão de Picciani e sua turma jamais foi ouvida, desta forma retumbante e justiceira, contra a Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Esta protege da prisão, há mais de ano, ninguém menos que o governador do estado, Fernando Pimentel, um dos principais investigados da Operação Lava Jato (a verdadeira).
Olhe para os últimos 15 anos, prezado leitor, e identifique quais foram os grandes protagonistas da vilania que empobreceu a todos nós. Pense bem, porque o Super-Homem é um fracasso de bilheteria e não vai te socorrer.
O novo despertar da ética no Brasil virou festa com a Operação Cadeia Velha, que prendeu o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A captura de Jorge Picciani e mais uma penca de aliados pela Polícia Federal espalhou o grito de Carnaval: estão atacando a corrupção do PMDB, esse antro de raposas velhas! Mas os éticos deram uma moderada no grito – para não acordar José Dirceu, que tinha sambado até de madrugada.
O Brasil é uma novela. Ou melhor: nem uma novela o Brasil é. Novelas têm complexidade, por mais novelesca que seja ela. O Brasil é um borrão unidimensional, cabe numa marchinha de Carnaval. Foi assim que os abutres de ontem – aqueles fantasiados com adereços politicamente corretos e purpurina roubada – simplesmente sumiram da cena. Quem foi Palocci mesmo? Ué, não era esse que outro dia estava contando tudo a Sergio Moro? Ou esse foi o Santana? Espera aí: que Santana? Não era Mantega?
Do Dirceu parece que todo mundo lembra. Não por ter montado o maior assalto governamental da história, mas porque apareceu outro dia sambando no pé. Uma graça.
O novo despertar ético está operando o milagre de reabilitar eleitoralmente o PT. Do PT você lembra? Isso, esse mesmo – o da senhora Rousseff, a regente do petrolão que hoje viaja o mundo contando história triste à custa do contribuinte. E que lidera pesquisas de intenção de voto para o Senado! O Brasil é uma mãe – e não é a mãe do PAC. Dessa você lembra? A que operou a negociata de Pasadena, isso. Que Pasadena? Ah, deixa para lá. Vamos falar do Picciani. Morte ao PMDB!
O governo Itamar Franco era do PMDB, mas não era. Foi sob um presidente fraco e cheio de compromissos fisiológicos que o Plano Real foi implantado. O governo Temer é do PMDB, mas não é. Assim como na era Itamar, foi nessa gestão pós-impeachmentque se abriu o espaço para a entrada de gente séria, técnica e não partidária disposta a retomar o Estado das mãos dos parasitas da política. É isso o que está acontecendo no Brasil após quase década e meia de pilhagem – e todos os indicadores confirmam o fato. Mas o brasileiro prefere a lenda.
A lenda quer dizer que todos os políticos são igualmente corruptos e agora você vai jogar tudo isso fora para votar numa Liga da Justiça Lava Jato. Se fosse a Lava Jato do Moro até poderia ser uma utopia interessante – mas o Moro já renunciou à candidatura a super-herói de gibi e declarou que pretende ficar onde está, isto é, apenas fazendo seu trabalho direito. Ou seja: é um exemplar de uma espécie em extinção no Brasil – essa dos que acham que o mais nobre objetivo pessoal é cumprir seu papel com integridade até o fim. As espécies que se multiplicam em abundância e sem risco são as dos que põem a cabeça de fora do anonimato e já querem cobri-la com um chapéu de Napoleão carnavalesco. Essa é a Liga da Justiça 2018 – a Lava Jato fake de Rodrigo Janot e seus conspiradores de botequim.
Personagens como o mosqueteiro Dartagnol Foratemer – um desses que após o cumprimento do dever foi à luta do seu chapéu de Napoleão – saíram por aí detonando os políticos para virar políticos. Dartagnol hoje é visto puxando o saco de celebridade petista e fazendo panfletagem digital desonesta – tipo “alertar” que o bando do PMDB capturado no Rio revela o modus operandi que domina Brasília, isto é, o governo federal. Mentira. Os técnicos de alto gabarito que estão trabalhando duro no Banco Central, no Tesouro, na Fazenda, na Petrobras e em outros postos-chaves do Estado nacional deveriam processar esse oportunista, mas estão ocupados demais consertando o desastre do PT – isto é, dos novos camaradas de Dartagnol.
A grita contra a Assembleia Legislativa do Rio quando ela chegou a revogar a prisão de Picciani e sua turma jamais foi ouvida, desta forma retumbante e justiceira, contra a Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Esta protege da prisão, há mais de ano, ninguém menos que o governador do estado, Fernando Pimentel, um dos principais investigados da Operação Lava Jato (a verdadeira).
Olhe para os últimos 15 anos, prezado leitor, e identifique quais foram os grandes protagonistas da vilania que empobreceu a todos nós. Pense bem, porque o Super-Homem é um fracasso de bilheteria e não vai te socorrer.
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