quinta-feira, julho 19, 2012

Esquadrão antibomba - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 19/07


O PSDB aproveita o recesso para tentar desarmar a bomba que atende pelo nome de "Paulo Preto" na CPI do Cachoeira. O partido negocia com a base aliada o cancelamento do depoimento em troca da anulação das convocações de Fernando Cavendish, da Delta, e Luiz Pagot, ex-Dnit. Outra hipótese avaliada é que o ex-diretor da Dersa encaminhe esclarecimentos por escrito. Tudo para evitar justamente o que o PT deseja: que a oitiva prejudique a campanha de José Serra.

Paiol Já o PT rastreia no TCE e na Assembleia Legislativa documentos que comprometeriam o ex-dirigente da empresa responsável pelas obras viárias paulistas.

Quem? Paulo Vieira Souza, que tem dito a pessoas próximas que gostaria de ir à CPI, foi orientado a não responder caso seja chamado de "Paulo Preto", seu apelido.

Revoada Geraldo Alckmin manifesta a aliados preocupação com as seguidas desistências de candidatos a vereador do PSDB paulistano. Teme ser responsabilizado por deixar rolar o "chapão'' com PSD, PP e PR, que desagradou os tucanos.

Ensaio Enquanto a campanha na TV não começa, os candidatos se viram nas redes sociais. No dia em que Fernando Haddad (PT) "relançou" perfil no Twitter, Serra e Gabriel Chalita (PMDB) saudaram os 94 anos do sul-africano Nelson Mandela.

De PhD... O grupo de Herman Voorwald, secretário paulista de Educação, disputará com o reitor da USP, João Grandino Rodas, o comando do colegiado responsável por estabelecer todas as regras das redes pública e particular de ensino de São Paulo.

... para PhD Para enfrentar o linha-dura Rodas na eleição para o Conselho Estadual de Educação, que acontece em agosto, Voorwald, ex-reitor da Unesp, escalou seu adjunto na pasta, João Cardoso Palma. Ele será vice na chapa de Guiomar de Melo.

À mineira Além de recrutar o jornalista Eduardo Oinegue, que será coordenador-executivo da campanha de Patrus Ananias (PT), o marqueteiro João Santana vai mandar para Belo Horizonte a equipe que hoje está à frente da campanha em Angola, comandada pelo seu parceiro Eduardo Costa.

100%... Em reunião com Dilma Rousseff anteontem, no Planalto, o presidente do PDT, Carlos Lupi, quis saber se o Planalto avalizava a intenção do ministro Brizola Neto (Trabalho) de assumir o partido. Dilma respondeu que não, mas questionou o apoio do PDT a Márcio Lacerda (PSB), em Belo Horizonte.

...política Diante da cobrança da presidente, integrantes do PDT reclamam que o PT negou ao partido a vaga de vice em cidades importantes, como Salvador (BA), Uberlândia (MG) e a capital mineira. "Estamos sendo jogados para fora da base", reclama um dirigente.

Lobista Réu no mensalão, o ex-deputado João Magno virou sócio da Porte Consultoria, aberta em 2008. Sediada em Ipatinga (MG), a empresa foi contratada pela prefeitura petista de Betim (MG) neste ano pelo valor de R$ 74 mil, segundo dados do Portal da Transparência.

Corpo de baile A prefeita, Maria do Carmo, era colega de Magno na Câmara. Ela comemorou a absolvição do petista em 2006, ao lado da ex-deputada Angela Guadagnin (SP), que protagonizou a famosa "dança da pizza".

Outro lado A prefeitura diz que o contrato se deu por licitação para "elaboração de projetos de captação de recursos junto a outros entes federados" e termina no fim do ano. O PTB fez representação ao Ministério Público.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

"Depois do sucesso da clonagem genética, o PSDB introduziu na pauta do Congresso a clonagem legislativa de ideias do PT."

DO DEPUTADO PAULO TEIXEIRA (PT-SP), acusando os tucanos de copiar projeto petista na emenda à MP do Brasil Maior que dá isenção fiscal à cesta básica.

contraponto

Literatura anticrise

Em reunião com Geraldo Alckmin, o líder do PSDB na Assembleia paulista, Carlos Bezerra, argumentava sobre a necessidade de injeção de mais recursos do partido para os candidatos a vereador na capital. Alckmin, conhecido pão-duro, contemporizou:

-Campanha se faz com ideias, propostas...

Ao notar que o deputado tucano insistia, mencionando a pressão que sofre dos correligionários, o governador abriu sua gaveta e entregou a Bezerra um exemplar de livro de autoria de Ulysses Guimarães.

-Leia. Ele conseguia se eleger com pouca verba.

Contra o consumidor - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O Globo - 19/07


Quase todo mundo tem uma bronca com companhia telefônica. Celular que não pega, conta alta e ininteligível, instalação demorada e errada de internet - a lista é infinita.

É o fracasso da privatização, anima-se muita gente por aí. Desse ponto de vista, seria natural que brotasse um movimento pela reestatização das teles, mas não é o que se vê. A atitude dominante é reclamar, infernizar a vida das empresas com burocracias e impor prejuízos a elas.

Acham com isso que estão punindo as empresas, mas acertam no consumidor.

Considerem o caso recente de Porto Alegre, onde o Procon suspendeu a venda de novas linhas de celulares, por falhas no serviço atual. Os celulares não funcionam em certas áreas. Enquanto isso não for resolvido, as teles amargam a perda de vendas. Quem precisa de um celular, fica na fila.

Ora, celulares dependem de antenas e, pois, de torres. Quanto mais, melhor o sinal. Logo, parece lógico, as teles não podem mesmo vender linhas se não têm as torres.

Mas, no outro lado da história, os executivos das teles notam que as sete licenças necessárias para levantar uma torre em Porto Alegre não são concedidas em menos de seis meses, isso se a burocracia funcionar perfeitamente. Ou seja, leva muito mais. Além disso, mesmo quando saem as licenças, fica proibido colocar torres e antenas em tal número de locais que não há como evitar as "zonas de sombra".

Acrescente-se ao quadro que as empresas, ao vencerem licitações e receberem outorgas de frequência, são obrigadas a cumprir prazo para oferecer as linhas.

Resumo da ópera: o poder público concede, depois impõe regras que limitam a instalação de antenas e pune as teles por não entregar o serviço adequado.

Além das normas nacionais, há mais de 250 legislações estaduais e municipais, criando uma teia de entraves.

Tanto é problema que o Comitê Organizador da Copa fixou procedimento especial para as 12 cidades-sede. As licenças para instalação de torres têm de sair em no máximo 60 dias. Isso porque as teles estão obrigadas a instalar as redes de quarta geração (4G) até abril de 2013. E essa frequência exige um número maior de antenas. Porto Alegre é sede. Seu prefeito, José Fortunati, assinou o protocolo, mas a legislação restritiva continua em vigor. Resultado, estão todos lá tentando desfazer o embrulho.

No país, e mundo afora, as restrições baseiam-se em dois pontos. Um é urbanístico: as torres, obviamente, afetam o visual. Alguns dirão: estragam o cenário. Outros entenderão que armações com arquitetura avançada podem ser um ganho para a paisagem urbana. O outro ponto é ambiental e de saúde: uma preocupação com as consequências da emissão de raios. O que restringe, por exemplo, a colocação de antenas em áreas populosas, ali onde são mais necessárias.

Mas a Organização Mundial de Saúde já disse não haver evidências de que as antenas de celulares e os próprios causem danos às pessoas. Quanto à paisagem urbana, é decisão das populações.

Nada, portanto, que não se possa resolver com leis e regras simples e claras. Por que temos o contrário?

Pelo viés anticapitalista. Vamos reparar: a privatização das telecomunicações é um êxito espetacular. Em poucos anos, saímos da idade da pedra para o quinto mercado mundial de telefonia, com mais de 250 milhões de linhas.

Parte dos problemas vem dessa rapidez. Em um mercado muito competitivo e sob pressão para cumprir prazos da concessão, as teles mandaram ver. Parece claro que, não raro, faltaram equipamentos e mão de obra.

Mas está aí instalado e funcionando, de novo, o quinto sistema mundial de telefonia e internet, em constante processo de modernização. Por isso mesmo, nem os mais anticapitalistas pedem a reestatização. Mas sustentam o viés contra a empresa privada, especialmente a grande. É vista como predadora, ávida de lucros, para o que não hesita em esmagar os consumidores.

Logo, tem de ser regulada, controlada e taxada com impostos pesados, para que seus lucros sejam divididos com a sociedade, como dizem.

Tudo que conseguem é mandar a conta para o consumidor, de duas maneiras. Ou há barreiras à ampliação dos serviços, gerando ineficiência econômica, um custo para todos, ou o preço fica mais caro. Impostos, taxas e contribuições já formam a maior parte da conta.

Esse viés está espalhado dentro e fora do governo. Vai muito além das teles. Reparem a demora do governo em avançar nas concessões, mesmo depois de colocá-las como meta, e observem os termos e exigências dos editais. É como se dissessem aos concessionários: OK, vamos privatizar, não tem outro jeito, mas vocês vão ver só...

Ciência, tecnologia, inovação, vaca e leite - IVAN OLIVEIRA

FOLHA DE SP - 19/07


A tecnologia é 'efeito colateral' da ciência básica. Persistência e paciência são fundamentais no financiamento de universidades e institutos que fazem pesquisa


O físico austríaco Guido Beck (1903-1988), pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) de 1951 até a sua morte, dizia que "querer a tecnologia mas não querer a ciência é como querer o leite mas não querer a vaca".

Ao longo da história, há vários exemplos. Vejamos alguns poucos:

1) O escocês James Maxwell previu, com suas equações, em 1873, a existência e a propagação de ondas eletromagnéticas. As ondas de rádio foram produzidas pela primeira vez por Heinrich Hertz, em 1888, dando partida às comunicações por rádio;

2) Einstein, em 1905, descobriu a sua famosa fórmula: e=mc2. A energia nuclear só passou a ser explorada a partir da década de 1940. Mais uma dele: em 1916, publicou a relatividade geral, que substituiu a teoria da gravitação de Isaac Newton. Hoje, o GPS emprega a relatividade para funcionar corretamente;

3) A mecânica quântica, formulada no primeiro quarto do século 20, é a base de toda a ciência dos materiais: semicondutores (matéria-prima dos chips de computadores), metais, isolantes, materiais magnéticos e nanotecnologia. Só nos EUA, estima-se que cerca de 40% do PIB decorre de inovações diretamente ligadas às aplicações da mecânica quântica, utilizada para produzir, por exemplo, computadores, eletrodomésticos e carros;

4) O inglês Tim Berners-Lee, ao solucionar um problema de transferência de arquivos de dados científicos entre computadores no maior laboratório de física básica do mundo, o CERN, no início dos anos 1990, inventou a internet;

5) Cristais líquidos (usados em monitores de TV, computadores, tablets) foram descobertos em 1888 pelo botânico Friedrich Reinitzer, quando estudava, na Universidade de Praga, propriedades do... colesterol!

A relação entre ciência, tecnologia e inovação segue uma ordem de causa e efeito que não pode ser invertida. Não se retira uma vaca de um copo de leite. É um grave equívoco pensar que se pode separar a atividade científica básica das soluções tecnológicas. A tecnologia é um "efeito colateral" da ciência.

Apenas no Instituto Tecnológico de Massachusetts, MIT, o número de patentes obtidas em 2011 foi de 160, contra 572 pedidos do Brasil inteiro no mesmo ano -em geral, nem todos os pedidos resultam em patentes concedidas.

Ao leigo, pode dar a impressão de que os cientistas do MIT passam o dia pensando em novas invenções.

Essa noção desaparece quando verificamos que, entre os 27 prêmios Nobel de Física que passaram pelo MIT (em um total de 63 daquela instituição), encontram-se nomes como o de Richard Feynman (1965), Murray Gell-Mann (1969) e Steven Weinberg (1979), todos dedicados à compreensão de fenômenos físicos fundamentais, sem qualquer viés aplicativo imediato.

A fórmula para a geração de tecnologia e inovação é simples. Coloque em um mesmo lugar cientistas, engenheiros e estudantes, em bom número, pesquisando, juntos, fenômenos básicos da natureza, com laboratórios, oficinas e bibliotecas bem equipados.

Não existe outra forma. Não é rápido, não é barato. Não gera dividendos políticos imediatos, não dá resultados em um par de mandatos. Tem de haver consistência no financiamento, persistência na aplicação da fórmula e paciência. No Brasil, ciência básica é produzida nas universidades e nas unidades de pesquisa de vários ministérios.

Soluções mágicas, impostas por manobras burocráticas, podem matar a nossa vaca, que tem saúde frágil. E, como se sabe, vaca morta não dá leite.

O instinto animal - LYA LUFT

REVISTA VEJA


Alguns traduzem por "instinto animal" o que o economista inglês John Maynard Keynes na década de 30 descreveu como "animal spirit", isto é, espírito animal. A tradução do termo original não importa muito, importa o que significa, e significa várias coisas: o gosto ou a capacidade pelo risco ao investir, por exemplo, quando se fala em empresários e economia. Neste artigo tomo a expressão como nossa capacidade geral de sentir, pressentir algo, e agir conforme. Isso se refere não só a indivíduos, mas a grupos, instituições, estados, governos. Sendo intuição e audácia, ele melhora se misturado com alguma prudência e sabedoria, para que o bolo não desande.

Não me parece muito apurado o espírito animal que, nas palavras de uma autoridade, declara que empregar 7% do PIB em educação (e 10% em mais alguns anos) vai "quebrar o país". Educação não quebra nada: só constrói. Sendo bom esse instinto ou espírito, o fator educação terá de ser visto como o mais importante de todos. Aquele, sólido e ótimo, sem o qual não há crescimento, não há economia saudável, não há felicidade. Uso sem medo o termo "felicidade", pois não me refiro a uma cômoda alienação e ignorância dos problemas, mas ao mínimo de harmonia interna pessoal, e com o mundo que nos rodeia. Não precisar ter angústias extremas com relação ao essencial para a nossa dignidade: moradia, alimentação, saúde, trabalho. Como base para tudo isso, educação. Educação que pode consumir bem mais do que 7% do PIB sem quebrar coisa alguma, exceto a nossa miséria nascida da ignorância; nossas escolhas erradas nascidas da desinformação; nossa má qualidade de vida; e a falta de visão quanto àquilo que temos direito de receber ou de conquistar, com a plena consciência que nasce da educação.

A verdadeira democracia só floresce no terreno da boa educação e ótima informação de seu povo. Pois não será governo de todos o comando dos poucos que estudaram bem, os informados, levando pela argola do nariz de bicho domesticado milhões e milhões de seres humanos cegos, aflitos ou alienados, que não sabem; e que, se quiserem boa educação desde as bases na infância, correm o risco de ser acusados de querer quebrar o país.

Precisamos medir nossas palavras: cuidar do que dizemos, do que escrevemos, e também do que pensamos e não dizemos. Podem acusar quanto quiserem os empresários, os louros de olhos azuis, as elites, os ricos, os intelectuais, não importa: mas não acusem de querer o mal da nação aqueles que batalham pela mera sobrevivência ou por uma vida melhor, num orçamento que tenha a educação como prioridade. Pois não é certo que da treva sempre nasce a luz: dela brotam como flores fatídicas o sofrimento, a miséria, a subserviência. Na treva da ignorância nasce o atraso, de suas raízes se alimenta a pobreza em todos os sentidos, financeira, moral, intelectual. Uma educação bem cuidada e fomentada, com professores bem pagos, boas escolas desde a creche até a universidade, com orientação sadia e não ideológica, mas realmente cultural, aberta ao mundo e não isolacionista , grande e não rasa, promove crescimento, nos insere no chamado concerto das nações, e nos torna respeitados — nos faz incluídos consultados, procurados.

Dirão que continuo repetitiva a esse tema: sou, e serei, porque acredito nisso. Precisamos ter cuidados pelos que nos governam: se nas relações pessoais amar é cuidar, na vida do país cuidar é nutrir não só o corpo e fortalecer condições materiais de vida, mas iluminar a mente. Para que a gente possa ter esperanças fundamentadas, emprego digno, salário compensador, morando e trabalhando num ambiente saudável, aprendendo a administrar nossos sonhos, poucos ou abundantes. Para não estarmos entre os últimos nas listas de povos mais ou menos educados e saudáveis, mas plenamente inseridos no mundo civilizado.

Parece utopia, aceito isso. Mas batalharei, com muitos outros, para que ela se transforme na nossa mais fundamental realidade: simples assim

A vingança dos consumidores - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 19/07


BRASÍLIA - O crescimento econômico vai ser pífio, o grau de confiança dos empresários já andou melhor, os funcionários estão parando o trabalho e o trânsito em Brasília e os trabalhadores ameaçam greve. Mas Dilma Rousseff tem suas armas.

Depois de combater os juros altos, usar o Dia do Trabalho para atacar a "lógica perversa" dos bancos, suspender (via ANS) 268 planos de saúde e 37 operadoras, agora é a vez de Dilma guerrear com as companhias de telefones celulares. A Anatel decidiu bloquear, a partir da próxima segunda, a venda de chips da Tim, da Oi e da Claro em diferentes Estados, inclusive São Paulo.

Bancos, planos de saúde e operadoras de celular encabeçam as listas de reclamações dos órgãos de proteção aos consumidores. Quem tem conta em banco, plano de saúde e celular sabe bem por quê. Nem é preciso citar números.

É a ganância, mas não só. Impera também o despreparo, a ineficiência e o descaso com o cliente. Atire a primeira flor quem nunca teve problema com o celular. Quando você mais precisa, falta sinal ou a ligação cai no meio, uma, duas, três vezes. Há erros nas contas e o atendimento nas lojas e no 0800 é desesperador.

Mas, enfim, vamos esquecer o muro de lamentações para ver a coisa pelo lado político. Funcionários são só parte da população. Consumidores somos "a" população.

O que é mais importante para o país e pesa mais contra ou a favor da popularidade de Dilma? Servidores em confronto com policiais na Esplanada dos Ministérios, por aumentos que podem chegar a R$ 92 bilhões (metade de toda a atual folha de pagamento do serviço público federal)? Ou os consumidores se sentindo vingados?

Como a "faxina" já deu o que tinha de dar, a economia não é nenhuma vitrine e PIB até virou bobagem, o marqueteiro João Santana deve ter tido uma boa sacada. Dilma agora é "a vingadora dos consumidores".

PS - E as companhias aéreas?

LDO mal remendada - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 19/07


Pode-se fazer pelo menos um comentário positivo sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2013, aprovada na terça-feira pelo Congresso Nacional: é ruim, mas podia ser pior. A oposição conseguiu derrubar, na fase final de tramitação, alguns dispositivos perigosos, como a autorização para estatais firmarem contratos com preços acima das tabelas oficiais. Mas ainda ficaram brechas para a gastança e o desperdício de recursos públicos. O governo poderá, por exemplo, descontar do superávit primário - o dinheiro economizado para o serviço da dívida pública - os valores destinados a investimentos e programas sociais considerados prioritários. Sobraram, além disso, brechas para aumentos de gastos com pessoal, aposentados e pensionistas.

A LDO estabelece as linhas gerais do Orçamento federal, que deverão ser seguidas na proposta orçamentária que, todo ano, o governo envia ao Congresso até o fim de agosto. Deputados e senadores devem completar a votação do Orçamento até dezembro, antes do recesso de verão, mas de vez em quando a aprovação só ocorre no ano seguinte e o País é administrado durante alguns meses sem Orçamento. Quando isso ocorre, o Executivo é autorizado, normalmente, a pagar o pessoal e a realizar certas despesas consideradas indispensáveis.

Neste ano, assim como no ano passado, o governo incluiu na proposta da LDO uma permissão para executar os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) mesmo sem dispor de um Orçamento aprovado. Por acordo entre oposição e base governista, esse dispositivo foi mais uma vez derrubado. Com uma autorização desse tipo, o Executivo poderia executar a maior parte das políticas de seu interesse, no próximo ano, sem precisar de um Orçamento. Isso aumentaria o desequilíbrio entre Executivo e Legislativo, já considerável pelo menos em termos práticos.

Outro fato positivo foi a derrubada, em plenário, da proposta de autorização para as estatais realizarem licitações com preços acima daqueles indicados nas tabelas oficiais, tomadas como referência pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Essa proposta foi apresentada, por meio de emenda, pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR). Juntamente com o líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE), Jucá defendeu a inovação como forma de facilitar os investimentos da Petrobrás e reforçar a política de combate à crise. Embora governista, o relator da LDO, senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) rejeitou esses argumentos, mas a emenda foi aprovada por 17 votos a 11 na Comissão Mista de Orçamento. No plenário, a oposição ameaçou obstruir a tramitação do projeto e a emenda foi derrubada.

Com a eliminação desse dispositivo, foram neutralizadas, portanto, duas tentativas do Executivo de realizar despesas fora dos mecanismos normais de controle. Mas outras brechas foram abertas para os gastos.

Não se mexeu nos salários dos servidores, mas sobrou para o Executivo a tarefa de cuidar do assunto quando enviar ao Congresso a proposta orçamentária. Haverá sem dúvida pressões fortes por mais um aumento generoso. Além disso, o governo recebeu o encargo de fixar uma política de ganhos reais, isto é, acima da inflação, para aposentados e pensionistas com remuneração acima de um salário mínimo. Mais uma vez, portanto, as despesas da Previdência deverão crescer em termos reais, tornando mais complicada a gestão das finanças públicas.

Foi aprovada, além disso, uma autorização para o governo descontar do superávit primário até R$ 45,2 bilhões. Esse é o valor previsto para as despesas do PAC. Mas o governo poderá completar esse redutor também com outros itens considerados prioritários, como as ações do Plano Brasil sem Miséria. O governo terá o direito de ser menos austero se executar certos investimentos e alcançar certas metas sociais, como se esses itens fossem extraorçamentários. Não há nenhuma seriedade nesse critério.

Muitas questões ainda serão reabertas, porque um dos pressupostos da LDO é um crescimento econômico de 5,5% em 2013, calculado em cima de uma expansão de 4,5% neste ano. Será preciso abandonar essa fantasia e refazer as projeções.

Resistentes ao Alzheimer - FERNANDO REINACH


O ESTADÃO - 19/07


O envelhecimento não perdoa nenhum de nossos órgãos, e o cérebro não é exceção. No Ocidente, a demência atinge 5% das pessoas com 60 anos, sendo que dois terços dos casos são causados por Alzheimer.

A frequência de pessoas com essa doença praticamente dobra a cada cinco anos de idade. Assim, entre as pessoas com mais de 90 anos, a frequência do Alzheimer chega a 25%.

No cérebro das pessoas com Alzheimer vão se acumulando, aos poucos, placas amiloides. Esse acúmulo está relacionado à perda das funções mentais. Ainda há dúvidas se o acúmulo das placas é a causa da doença ou uma de suas consequências. O fato é que um número enorme de cientistas estuda o processo de acúmulo dessas placas e, ao mesmo tempo, tenta desenvolver drogas capazes de reverter, estancar ou retardar o acúmulo das placas amiloides no cérebro.

Há alguns anos foi descoberta uma mutação no gene que produz a proteína das placas amiloides. Essa mutação torna mais rápido e previsível o acúmulo das placas e o desenvolvimento da doença. O gene do precursor da beta-amiloide (APP, na sigla em inglês) produz uma proteína longa, que é cortada em dois pontos distintos por duas outras enzimas. Nas famílias portadoras dessa mutação, a proteína APP é cortada mais rapidamente, gerando mais cedo grandes quantidades da proteína beta-amiloide, que acumula e forma as placas. As poucas famílias portadores dessa mutação desenvolvem mais cedo, e com mais frequência, a doença de Alzheimer.

Resistência. A novidade é que foi descoberta uma segunda mutação no mesmo gene. Mas, nesse caso, as pessoas portadoras da mutação não desenvolvem Alzheimer e demoram mais para perder suas habilidades mentais. Na prática, essas pessoas são resistentes à doença.

Essa mutação foi descoberta quando os cientistas pesquisavam a diversidade de formas do gene APP. Como todos os genes, o da APP também ocorre de diversas formas, em diferentes populações humanas.

Inicialmente foram analisados os genomas de 1.795 habitantes da Islândia (pois é o único país onde o pedigree de cada um de seus habitantes é conhecido e onde quase todos doaram sangue para pesquisas genéticas). Com base nesse estudo inicial foram identificadas diversas novas formas do gene da APP.

No passo seguinte, pessoas idosas portadoras dessas mutações foram comparadas com outras da mesma idade, e o desenvolvimento da doença de Alzheimer foi analisado. Por meio desse processo foi identificada uma variante do gene da APP na qual uma única alteração na sua sequência (uma alanina havia sido substituída por uma treonina na posição 673) tornava seus portadores resistentes ao Alzheimer.

Essa mutação é extremamente rara, ocorrendo em aproximadamente 3 em cada 1 mil pessoas de origem nórdica e 1 em cada 10 mil pessoas na população dos EUA. Em um trabalho exaustivo, diversas famílias portadoras dessa mutação foram identificadas e as pessoas idosas portadoras da mutação foram estudadas. Os idosos com a mutação praticamente não desenvolvem Alzheimer antes dos 85 anos de idade e têm sua capacidade cognitiva mais bem preservada.

Casos extremos. Os cientistas acreditam que a grande maioria das formas da APP, presente em cada um de nós, nos leva a desenvolver Alzheimer mais cedo ou mais tarde. Essas duas mutações são casos extremos: um deles adianta muito o desenvolvimento da doença e o outro retarda de maneira significativa os sintomas.

O interessante é que a mutação que retarda o aparecimento da doença está localizada, na APP, ao lado do local onde proteína é cortada para produzir a beta-amiloide. Essa alteração torna mais difícil e lenta a produção da proteína que se acumula nas placas de amiloide presentes no cérebro das pessoas com Alzheimer. Esse é o aspecto mais importante da descoberta, pois sugere que, se for possível desenvolver uma droga capaz de inibir o corte da APP, isso poderia reduzir o acúmulo das placas de amiloide e, consequentemente, o desenvolvimento da doença.

Essa descoberta abre a possibilidade de uma droga capaz de inibir o corte da APP retardar o desenvolvimento do Alzheimer. Muitas drogas com essas características estão em desenvolvimento. Com esse novo resultado, tanto o ânimo dos cientistas, quanto o orçamento das empresas que desenvolvem esses medicamentos vai aumentar, e muito.

Esquadrilha da fumaça - CORA RÓNAI


O GLOBO - 19/07

Era assim: não havia lugar onde não se pudesse fumar. Médicos e pacientes fumavam nos consultórios, funcionários fumavam nas repartições públicas, professores e alunos fumavam nas salas de aula das universidades, e, nas mesas dos restaurantes, cinzeiros faziam conjunto com a pimenta e o sal -- que ainda tinha dignidade e não vinha nos pacotinhos absurdos aos quais foram hoje confinados. Apesar disso, havia fumantes que cultivavam o hábito repulsivo de apagar o cigarro na xícara de cafezinho. Em alguns bares e boates fumava-se tanto que o ar podia ser cortado com faca.

Nas redações todo mundo fumava, e praticamente não existia mesa que não tivesse as beiradinhas queimadas. Fumava-se nos ônibus e nos ônibus interestaduais, na barca de Niterói e nos aviões. Os bancos dos táxis ostentavam furinhos causados por brasas. Os cigarros permanentemente acessos dos personagens de "Mad men" não são licença poética ou caricatura do passado, mas perfeita reconstituição de época. Nesse mundo coberto de fumaça, o estranho no ninho era o não fumante, que estava em minoria e que, se tivesse a falta de juízo de reclamar do cigarro alheio, perigava ser visto como bicho do mato.

Afinal, fumar era uma atividade social. As pessoas fumavam juntas enquanto bebiam, enquanto conversavam e depois do jantar. O cigarro servia para começar uma conversa, passar uma cantada, fazer as pazes. Cada fumante tinha um isqueiro mais bonito do que o outro, e mesmo os que não usavam isqueiro, mas saíam com uma caixinha de fósforos boa para a batucada, mandavam um recado para os circunstantes. Por falar nisso, todos os hotéis, bares e restaurantes distribuíam caixas de fósforos, que muitas crianças (inclusive a vossa cronista) colecionavam.

Além disso, o que seria de Hollywood sem o cigarro? Mulheres fatais fumavam para realçar o charme; jovens fumavam para mostrar rebeldia; caubóis, gângsteres e heróis fumavam, e a maneira como o faziam sublinhava o seu comportamento e as suas aspirações (com ou sem trocadilho). Desde o começo do século, o cigarro era -- literalmente -- cantado em prosa e verso. Um dos exemplos máximos das letras fumegantes é "Fumando espero", tango dos anos 1920 de Viladomat Masanas e Félix Garzó, que fez tanto sucesso na voz de Carlos Gardel que acabou ganhando versões pelo mundo todo, inclusive Brasil, na voz de Dalva de Oliveira.

A letra, hoje, é quase surrealista. "Fumar es un placer, genial, sensual..." Difícil imaginar que tenha sido escrita sem patrocínio da indústria! "Fumando espero a la que tanto quiero, tras los cristales de alegres ventanales, y mientras fumo mi vida no consumo, porque flotando el humo me suelo adormecer." E o final, apoteótico: "Dame el humo de tu boca, dame que en mí, pasión provoca, corre que quiero enloquecer de placer, sintiendo ese calor del humo embriagador, que acaba por prender la llama ardiente del amor". A quem não conhece a música, recomendo uma busca no YouTube. Além de ser o retrato de uma época, o tango é uma beleza. Procurem também a interpretação preciosa de Sarita Montiel.

Suponho que o olfato de todos, fumantes e não fumantes, era um sentido prejudicado. Só isso explica como suportávamos o fedor universal que nos cercava. Às vezes, tínhamos uns breves momentos de revelação catinguenta. Os meus aconteciam quando voltava do jornal e entrava na minha casa cheirosinha. Em contraste, o cabelo e as roupas pareciam cinzeiros: até o interior das bolsas fedia, e eu precisava deixá-las ao sol para que não ficassem excessivamente ofensivas.

O jornalista italiano Giacomo Papi, autor de "Viver sem cigarro é possível, se você souber como" (Editora Objetiva, tradução de Joana Angélica d"Ávila Melo) sustenta que, num futuro não muito distante, historiadores tentarão definir o século XX à luz dos cigarros acesos: "Não há dúvida de que, na longa lista das invenções e descobertas que modelaram o século, os cigarros ocupam um lugar fundamental, ao lado da eletricidade, do telefone, da televisão, do cinema, da energia atômica e da penicilina. E de que, mais ainda, a influência deles foi até mais profunda, impregnados como estavam nos mínimos hábitos, nos gestos cotidianos, nas ações e reações aos fatos comuns da vida. Os dedos do século XX são todos amarelados."

Papi também prevê que, dentro de 50 anos, a memória do tabaco se perderá. Parecerá incrível, às pessoas de então, que tantas vidas tenham se perdido por causa do fumo, assim como hoje nos parece incrível que, antigamente, se usassem rapé e escarradeiras (eca!). A Humanidade sempre teve um grande talento para o ridículo, e os bastõezinhos brancos através dos quais encheu os pulmões de fumaça durante tanto tempo são apenas um capítulo a mais numa longa história.

"Viver sem cigarro é possível..." é um livro fininho e despretensioso, que peguei por acaso e sem muita fé. Não fumo, nunca fumei e, consequentemente, nunca tive qualquer dificuldade de viver sem cigarro -- muito antes pelo contrário. Mas, ao descrever as agruras dos fumantes, os párias do novo século, e contar como tentou abandonar o vício, Giacomo Papi acabou criando uma leitura leve, simpática e cheia de informações curiosas sobre o tabaco.

"Na Estrada" - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 19/07


Preferimos segurança ou aventura? Quanta aventura sacrificamos à nossa segurança? 

Assisti a "Na Estrada", de Walter Salles, na sexta passada, no Rio. E passei o fim de semana pensando na minha vida.
Li "Na Estrada", de Jack Kerouac, no fim dos anos 1960, provavelmente em Nova York -mas talvez em Houston. O texto que eu li era uma versão expurgada; isso, na época, eu não sabia. Não voltei ao texto em 2007, quando a Viking publicou o manuscrito original (em português pela L&PM). Mas o texto voltou em mim com força, na sexta-feira, quando assisti ao filme.
Nos anos 1960, eu era um hippie lendo um "beat". Na mesma época, "Almoço Nu", de William Burroughs, me seduzia, mas me assustava -longe demais de minha experiência (das drogas, do sexo e da vida). Também lia Allen Ginsberg e Gregory Corso, mas, aos dois, preferia Lawrence Ferlinghetti -outra escolha "bem comportada", dirá alguém.
O fato é que "Na Estrada" foi a parte da herança "beat" da qual eu me apropriei imediatamente. Por quê? As drogas, o álcool ou o sexo "livre" me pareciam secundários -apenas um jeito de dizer: "Não esperem que a gente viva como manda o figurino".
O essencial, para mim, era a junção da fome de aventura com uma raivosa vontade de escrever. A vida se confundia com um projeto literário que exigia os excessos: era preciso viver intensa e loucamente, de peito aberto, para que valesse a pena contar a história. Por isso, eu e outros podíamos, ao mesmo tempo, venerar Kerouac e Hemingway -os quais, álcool à parte, provavelmente, não se dariam.
Pensando bem, eu fui mais um "beat" atrasado do que um hippie. A procura por iluminações interiores e comunhões cósmicas da idade de Aquário, tudo isso me parecia pacotilha para "Hair", coisa da Broadway. Fiz minha peregrinação à Índia e ao Nepal, mas considerava com desconfiança o orientalismo que estava na moda: o budismo dos anos finais de Kerouac e Ginsberg não me parecia mais sério do que o hinduísmo dos Beatles.
O problema é que eu era um espécimen bastardo: "mezzo" hippie e "mezzo" maio-68 francês, "mezzo" descendente dos "beats" e "mezzo" filho marxista do pós-guerra europeu.
Kerouac não tinha simpatia pelo marxismo. Ele preferia o individualismo dos que procuram uma fronteira para desbravar -pouco a ver com um projeto de reforma social ou de revolução. Para os "beats", aliás, transformar a sociedade seria um problema. Certo, Neal Cassady e Gregory Corso passaram tempo na cadeia; e Burroughs, Kerouac e Ginsberg foram censurados. Mas, justamente, num mundo que não lhes resistisse, a vida dos "beats" perderia sua dimensão épica.
Ao longo dos anos 1970 e 1980, fazendo um balanço, eu teria dito que, em mim, a herança marxista europeia prevalecera sobre a herança "beat". Hoje, penso o contrário -não sei se por decepção política ou por maturidade. Mas não tenho muitas certezas: por exemplo, minha errância pelo mundo foi uma experiência da estrada ou uma versão "chique" do cosmopolitismo forçado dos trabalhadores modernos?
E será que vivi como um fogo de artifício? Ou então durar e continuar vivo se tornou, para mim, mais importante do que me arriscar na intensidade das experiências?
O filme de Salles está sendo a ocasião imperdível de um balanço -ainda não decidi se festivo ou melancólico. Cuidado, o balanço não interessa só minha geração. Cada um de nós pode se perguntar, um dia, como resolveu a eterna e impossível contradição entre segurança e aventura: quanta aventura ele sacrificou à sua segurança?
Essa conta deveria ser feita sem esquecer que 1) a segurança é sempre ilusória (todos acabamos morrendo) e 2) qualquer aventura não passa de uma ficção, um sonho suspenso entre a expectativa e a lembrança.
Que você tenha lido ou não o livro de Kerouac, e seja qual for sua geração, assista ao filme e se interrogue: se uma noite, inesperadamente, Neal Cassady tocar a campainha de sua casa, louco de aventuras para serem vividas e com o olhar fundo de quem dirige há horas e ainda quer se jogar na estrada, você saberia e poderia, sem fazer mala alguma, simplesmente ir embora com ele?
Nota.
Na semana passada, neste espaço, escrevi, como sempre, uma coluna (www.migre.me/9Ttsq). Aparentemente, Barbara Gancia leu outra. A essa outra coluna, que eu não escrevi, ela respondeu na sexta (www.migre.me/9TtFI). Não sei se um mal-entendido tamanho tem conserto ou interesse. Seja como for, hoje, comentar "Na Estrada" era decididamente mais importante, para mim.

A morte não terá domínio - LUIS FERNANDO VERISSIMO


O GLOBO - 19/07


Li que Samuel Beckett dizia que quem morria passava para outro tempo. Não queria dizer outro mundo, com um presumível outro clima. Referia-se ao tempo do verbo. Entre todas as mudanças provocadas pela morte havia essa: o morto passava irremediavelmente ao pretérito. Era bom pensar assim. A morte acontecia no mundo antisséptico das palavras e das regras gramaticais, nada a ver com a decomposição da carne. O "é" transformava-se em "era" e "foi", e pronto. A migração do morto, em vez de ser da vida para o nada, era só entre categorias verbais.

A vida vista como uma narrativa literária nos protege do horror incompreensível da morte. Podemos nos imaginar como protagonistas de uma trama, que mesmo quando não é clara indica alguma coerência, em algum lugar. O próprio Beckett só escreveu sobre isso: a busca de uma trama, qualquer trama, por trás do aparente absurdo da experiência humana. E um enredo, ou um sentido que faça sentido, só pode ser buscado na narrativa literária, no encadear de palavras que leva a uma revelação, mesmo que esta não explique nada, muito menos a morte. E se falar, falar, falar sem cessar, como fazem os personagens do Beckett na esperança de que aflore algum sentido não der resultado, pelo menos está-se fazendo barulho e mantendo a morte afastada. A literatura tem essa função, a de uma fogueira no meio da escuridão da qual a morte nos espreita. Ou de uma matraca contra o silêncio final. Vale tudo, mesmo a garrulice incoerente de um personagem do Becket, contra a escuridão e o silêncio.

Num poema que fez sobre seu pai moribundo Dylan Thomas o insta a reagir ferozmente contra o esvaecer da luz - "Rage, rage against the dying of the light" - e a não se entregar à morte sem uma briga. Não sei se o Beckett encontrou o consolo que procurava pelos seus mortos na ideia de que tinham apenas mudado de tempo de verbo mas imagino que, como Dylan Thomas na sua poesia inconformada, tenha recorrido à literatura como um meio de negar à morte o seu triunfo. Ninguém morre. Há apenas uma revisão na narrativa da sua vida para atualizar o tempo dos verbos. Outra vez Dylan Thomas: "And death shall have no dominion", e a morte não terá domínio.

Diz-se que quem morreu "já era", o que é o mesmo que dizia o Beckett com mais sensibilidade. Mas Beckett queria dizer mais. Os personagens de narrativas literárias mudam do tempo presente para o tempo passado mas continuam no mundo, mesmo que no mundo restrito dos livros e das estantes. Salvo, talvez, os cupins e as traças, nada ameaça a sua perenidade. "São" eternamente.

A chave egípcia - DEMÉTRIO MAGNOLI


O ESTADÃO - 19/07


O Egito tem, hoje, dois poderes. O presidente Mohammed Mursi, eleito pelo povo, representa a democracia, que é o poder novo. A cúpula das Forças Armadas, que dissolveu o Congresso e avoca para si prerrogativas legislativas e constituintes, representa o estamento militar, que é o poder velho. O confronto inevitável entre os poderes rivais moldará a evolução política do país. Como Mursi emanou da Irmandade Muçulmana, o confronto também deixará marcas profundas no mais antigo e influente partido islâmico do mundo árabe. De certo modo, no Egito se esculpe o futuro da Primavera Árabe.

A Irmandade Muçulmana e o estamento militar são os atores centrais da História do Egito moderno. A Revolução Nacional de 1952, conduzida por Gamal Abdel Nasser e seu grupo de oficiais militares, fundou um Estado nacionalista, pan-arabista e modernizante. O partido islâmico, criado em 1928, apoiou a revolução, mas logo se afastou de Nasser, que enxergava no Islã político um desafio à unidade do poder revolucionário. O conflito alcançou o ápice em 1964, quando Sayyd Qutb, líder da ala radical dos Irmãos, foi preso e executado sob falsa acusação. Os seguidores de Qutb exilaram-se, então, na Arábia Saudita, iniciando um longo intercâmbio ideológico com os teólogos da seita fundamentalista Wahab. Duas décadas mais tarde, desse caldo de cultura emergiria, no campo da jihad afegã, a organização terrorista Al-Qaeda.

De Nasser a Anuar Sadat, e daí a Hosni Mubarak, a revolução degenerou em ditadura militar corrupta e burocrática, enquanto a Irmandade, proscrita, se libertava da sombra de Qutb e se reformava lentamente. O levante popular do início de 2011 não decorreu de um chamado do partido islâmico, mas seguiu consignas laicas e democráticas. Na hora das eleições, porém, a força social dos Irmãos relegou as demais correntes oposicionistas a papéis secundários. O segundo turno da eleição presidencial foi um embate entre o partido islâmico e o estamento militar.

O novo presidente expressa, ao mesmo tempo, a raiz fundamentalista dos Irmãos e a vontade popular canalizada nas urnas. Mursi dá sinais de saber distinguir uma da outra, e dá prioridade à segunda sobre a primeira: vitorioso, anunciou sua desfiliação do partido islâmico e convidou figuras da oposição democrática a integrar o governo. A derrubada do antigo ditador, nas manifestações populares da Praça Tahir, foi apenas o primeiro ato de uma complexa transição política.

Durante a "era Mubarak", que durou três décadas, a cúpula das Forças Armadas assumiu o comando de empresas estatais monopolistas, convertendo-se numa "burguesia de Estado". Os chefes militares pretendem conservar os privilégios herdados moldando uma democracia de fachada e reservando a si mesmos as prerrogativas de um "poder moderador". Realista, a Irmandade Muçulmana tece compromissos táticos com a Junta Militar que, às vezes, enfurecem as lideranças laicas da Primavera Egípcia, mas revela uma clara consciência de que a difusão de sua própria influência depende da extensão da democracia - e, portanto, da progressiva subordinação das Forças Armadas ao poder civil.

Inspirados pela tese do "choque de civilizações", analistas ocidentais observam com pessimismo o desenvolvimento do drama egípcio. O mundo do Islã não se preparou historicamente para a democracia, dizem eles, e o triunfo eleitoral do partido fundamentalista seria a prova de que tudo se resumirá à substituição de uma ditadura militar pró-ocidental por uma ditadura teocrática hostil aos Estados Unidos, à Europa e, sobretudo, a Israel. As proclamações democráticas da Irmandade Muçulmana não passariam de um ardil destinado a iludir os incautos, na etapa intermediária da transição de poder. O Irã dos aiatolás, que também emanou da queda de um regime ligado ao Ocidente, prefiguraria o futuro do Egito.

Ninguém conhece o futuro - e, obviamente, uma revolução é sempre um enigma. Imaginar, contudo, que Mursi não seja mais que a máscara circunstancial de um Qutb eterno corresponde a um exercício radical de negação da História. Os Irmãos renunciaram ao terror há mais de quatro décadas e tentam, nem sempre com sucesso, moderar os impulsos do palestino Hamas, que nasceu de sua costela. Eles denunciaram a cooperação de Sadat e Mubarak com Israel, porém admitem uma solução de dois Estados na Palestina. Continuam a dizer que o Corão deve formar a base da vida egípcia, mas se declaram comprometidos com os princípios do pluralismo político e da liberdade de religião. Tudo isso forma um conjunto doutrinário incoerente, pleno de tensão, pontilhado por contradições. A História é assim mesmo: não cabe no molde das narrativas cartesianas.

Bernard Lewis, o autor original da tese do "choque de civilizações", sugeriu que a Turquia aponta o caminho da salvação do mundo muçulmano. Seu modelo era o regime de Mustafá Kemal Ataturk, fundador da República laica e autoritária, assentada sobre o "poder moderador" dos militares, que substituiu o Império Turco-Otomano. No fundo, ele queria dizer que o Islã se redimiria pela negação radical do Islã.

A História pregou uma peça em Lewis: a Turquia libertou-se há pouco do autoritarismo, sob o governo de um partido islâmico reformado que cortou suas próprias raízes fundamentalistas. A jovem democracia turca ainda não está isenta de tentações repressivas, mas evidencia que o Islã não é incompatível com as liberdades políticas. A Turquia atual, não o Irã dos aiatolás, parece ser a fonte de inspiração para o Egito de Mursi - e da Praça Tahir.

Uma evolução democrática do Egito deflagraria uma segunda etapa da Primavera Árabe. Nessa hipótese, a chave egípcia abriria os cadeados que prendem o mundo árabe no alçapão do fundamentalismo religioso.

OBA! Vou votar na Fátima Zumbi! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 19/07

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Mais um pra encher a nossa paciência: "TSE acata criação do Partido Ecológico Nacional, PEN". PENtelho! Rarará! Quem é do PT é petista, quem é do PMDB é pemedebista e, quem é do PEN é o quê? Pentelho mesmo. Pentelho, Pendurado, Penetra e Pen Drive! Rarará! E o número é 51! Cachaça orgânica!

Ereções 2012! Haddad, Maluf, Chalita, Kassab, Alckmin. A eleição é no Líbano? A apuração vai ser no Habib's? E o Russomano? O Russomano parece motoboy aposentado.

E o Chalita? O Chalita parece boneco de apartamento. E o Kassab tem cara de bobo da classe, aquele que roubam o lanche e estouram Nhá Benta na cara! Rarará!

E o PMDB tá lançando um aplicativo pra celular e anunciou no site: "Agora você pode levar o PMDB no seu bolso". Mas não era o contrário? Não era o PMDB que levava o seu bolso? Rarará!

E a Volta da Galera Medonha! A Turma da Tarja Preta! Tô adorando os candidatos de Teresina: Cobra Choca, Fátima Zumbi, Gabigabriela e Pela Égua! Fátima Zumbi não é nome de candidata, é nome de panicat. A Fátima Zumbi devia ser panicat. Rarará!

E os candidatos do Rio? Totti Alceudispor é o candidato que vai mudar o rumo de toda a história política brasileira: LULA DO PSDB! Rarará! Vai fazer aliança com o Serra!

E adorei entrar no Twitter do Hugo Chávez. Só tem Viva! "Viva la Patria!" "Viva los Soldados!" "Viva lo Exercito Bolivariano." E "Viva los Niños!". E viva até passarem a escritura da Venezuela pro nome dele. Rarará!

É mole? É mole, mas sobe! Ou como disse o outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!

O Brasil é Lúdico! Cartaz na estrada de Carapicuíba: "Vendo filhotes de LAVRADOR". O cara já tá vendendo os filhos? Rarará!

E em Ubatuba que tem a loja 25 de Marcio! Falsificaram a rua dos falsificados!

E uma amiga estava viajando por Alagoas quando, em São Miguel dos Milagres, viu um bar chamado Bar da Mijadera. Não deu pra fotografar porque o motorista da CVC passou reto. Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

HOMEM COM H - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 19/07

Ney Matogrosso fala sobre o passado de "homem, mulher, bicho, inseto, índio" na reportagem de capa da revista "Personnalité"; "Quando meu pai notou um movimento de mulher na minha vida, me disse: 'Isso que você está fazendo é errado, você tem que se definir'. Tenho que definir o quê? Eu não sou indefinido"

I LOVE BRAZIL
No dia 25, a presidente Dilma Rousseff lança, em Londres, a nova campanha de promoção turística do Brasil no exterior, de carona na Olimpíada. Com o mote "Brasil, país de grandes encontros", os anúncios vão ocupar mil espaços do mobiliário urbano da capital inglesa. Durante os Jogos, os tradicionais ônibus vermelhos de dois andares serão "envelopados" com imagens da campanha.

NA ÁGUA
Além de spots na TV e de anúncios em jornais e revistas, estão programadas projeções de imagens da campanha nas águas do rio Tâmisa. Em 2012, serão gastos R$ 20 milhões em promoção turística do país no exterior. Até 2014, o valor previsto em publicidade é de R$ 50 milhões, segundo o presidente da Embratur, Flávio Dino.

GENTE BRASILEIRA
O mote e o slogan da campanha deste ano foram definidos com base em pesquisa realizada entre os visitantes estrangeiros da Rio+20. Os gringos elegeram o povo brasileiro como o melhor do país. Trânsito e preços altos foram os pontos fracos.

PELE DE PÊSSEGO
Antes de embarcar para Londres, onde disputará a Olimpíada, Neymar iniciou tratamento contra a acne. Como não pode tomar medicação por conta de testes antidoping, o craque usou dois tipos de laser para limpar a pele, controlar a oleosidade e diminuir os poros. Quando deixou a clínica Volpe, no Jardim Paulista, após a segunda sessão, há alguns dias, foi cercado por fãs.

MALHAÇÃO
Após a angioplastia que o salvou de um infarto em abril, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), passou a caminhar todas as manhãs. Paramentado de boné, tênis e abrigo, aos 82 anos, ele caminha 40 minutos nos arredores de sua casa no Lago Sul, em Brasília. Sempre seguido por um segurança. Um fisioterapeuta o auxilia nos alongamentos.

ELEIÇÃO TEEN
O PSDB paulista tem 638 de seus 7.218 candidatos a vereador com menos de 30 anos. Nenhum na capital. Em 2008, eram cerca de 400, diz o presidente da juventude em São Paulo, Paulo Mathias. A caçula, Isadora Scacalossi, de Nova Luzitânia, tem 18 anos e é fã da saga "Crepúsculo" no Facebook.

COFRE
A Aventura Entretenimento foi autorizada pelo Ministério da Cultura a captar
R$ 10,6 milhões para produzir "Rock in Rio - O Musical". João Fonseca ("Tim Maia") assume a direção do espetáculo. Substitui Charles Möeller e Claudio Botelho, que romperam parceria com a produtora.

GLOBALIZAÇÃO
A crise de identidade do europeu diante da atual situação econômica é uma das inspirações da mostra "Predicament" (situação difícil), que será inaugurada dia 24, no Oi Futuro Flamengo do Rio. O francês Fabien Rigobert apresentará fotos e vídeos mostrando como os europeus estão "deslocados".

TURBINADO
Assinado por Jean Paul Gaultier, o sutiã preto e nude que Madonna usa em sua nova turnê virou objeto de desejo. A peça da grife italiana La Perla chega à loja da marca no shopping Cidade Jardim no final do mês por R$ 1.000. O bustiê em forma de cone, também criado por Gaultier para a turnê "Blond Ambition", de 1990, se tornou ícone fashion.

PASSARELA
A direção do desfile da Cia. Marítima, no sábado, no Mercedes-Benz Fashion Week Swim, em Miami, será de Lynne O'Neill. Ela é responsável por produções do tipo no filme "Sex and the City".

HOJE ANTEONTEM
O novo filme de Tata Amaral, "Hoje", estreou em São Paulo anteontem, no Memorial da América Latina, dentro do 7° Festival de Cinema Latino-Americano. Denise Fraga, o uruguaio César Troncoso e João Baldasserini estão no elenco. Na plateia, o candidato do PT à Prefeitura de SP, Fernando Haddad, acompanhado da mulher, Ana Estela, do filho Frederico e do vereador José Américo.

CURTO-CIRCUITO

A mostra Sesc de Artes começa hoje e vai até o dia 29, nas unidades de SP.

O artista Henrique Oliveira abre hoje a exposição "Realidade Líquida", na galeria Millan, às 20h.

Pedro Luís apresenta no domingo o show "Tempo de Menino", no Auditório Ibirapuera, às 19h. Livre.

A Rede Brasil de Festivais, que reúne 107 eventos, foi lançada ontem.

com LÍGIA MESQUITA (interina), ELIANE TRINDADE (colaboração), ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER e OLÍVIA FLORÊNCIA

Assad, "game over" (ou quase) - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 19/07


Iminência do fim de mais uma ditadura expõe a pusilanimidade da posição brasileira


Mudou dramaticamente o jogo na Síria. Até o fim de semana, a dúvida era saber quantos mortos mais a ditadura de Bashar Assad empilharia pelo país. Depois que a guerra chegou a Damasco e, particularmente, depois do atentado de ontem que matou três homens do círculo íntimo do regime, "a questão relevante não é mais saber se o regime vai cair, mas quando e, mais importante ainda, como", escreve Steven Heydemann, conselheiro do Instituto para Iniciativas de Paz no Oriente Médio dos Estados Unidos, no sítio da "Foreign Policy".

Reforça Rula Amin, que faz notável cobertura da região para a Al Jazeera: "Para muitos sírios, isto [o atentado de ontem] é o começo do fim". A jornalista prevê, ademais, que "mais e mais pessoas tentarão pular do que agora está parecendo mais e mais um barco que afunda".

Como é óbvio, ninguém está em condições de prever o momento em que a ditadura ruirá, mas, como assinala Heydemann, "há crescentes indicações de que governos que se opõem ao regime Assad, e mesmo aqueles que ainda o respaldam, estão crescentemente preocupados em como gerenciar o fim do jogo na Síria e proteger seus interesse na era pós-Assad".

O Brasil não parece estar entre esses governos, até porque sua pusilanimidade no caso sírio tende a deixá-lo agora como ator ainda mais marginal.

Antes de falar mais sobre a posição brasileira, uma aula básica de realismo dada por Rami Khouri, da Universidade Americana de Beirute, entrevistado pela Al Jazeera: "Os russos são uma grande potência. Vidas, dinheiro, alianças, respeito -tudo isso é negociável para eles, assim como o é para os norte-americanos".

Bingo. Para o Brasil, que não é grande potência, vidas e direitos humanos teriam que ser inegociáveis. Opor-se, portanto, dura e firmemente a quem matava sírios em quantidades industriais teria que ser o eixo de qualquer atuação coerente com a definição da presidente Dilma Rousseff de que direitos humanos estariam no centro de sua política externa.

O Brasil talvez não pudesse mesmo fazer grande coisa na Síria, mas poderia pelo menos seguir a Turquia, com a qual orgulha-se de ter contatos permanentes e uma razoável coordenação.

A Turquia não só pediu a saída de Assad, logo no início da revolta, como, depois, deu via livre à oposição síria para usar seu território como santuário.

Como o Brasil não poderia oferecer território, como é óbvio, a sua retórica, a única arma ao alcance de países remotos, não poderia ter esperado 17 mil cadáveres para endurecer com Assad.

A Turquia será seguramente um ator relevante no pós-Assad, cuja queda tende a alterar o xadrez em todo o grande Oriente Médio.

O Brasil, ao contrário, tende à irrelevância, para alegria dos que criticaram o que consideravam ativismo excessivo da diplomacia do presidente Lula. Como potência emergente -mais emergente que potência, por enquanto-, o Brasil deveria, sim, ter interesses no mundo todo, ainda mais que seu poder é "soft", sem os interesses negociáveis das grandes potências.

Grande risco - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 19/07


Nos quatro últimos dias, tanto o Fundo Monetário Internacional como Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), avisaram que entre os grandes riscos que corre a economia mundial está a falta de solução para os problemas da política orçamentária dos Estados Unidos.

É uma situação esdrúxula. Enquanto os grandes bancos centrais são fortemente convocados a imprimir moeda, para desempoçar o crédito e estimular a atividade econômica, o presidente do Fed adverte que são os políticos ou, no caso dos Estados Unidos, é o Congresso que tem de fazer sua parte.

O problema de fundo é que as despesas em 12 meses do governo dos Estados Unidos vêm sendo cerca de US$ 1,3 trilhão mais altas do que sua capacidade de arrecadação. A solução imediata implica expansão da atual capacidade de endividamento, hoje de US$ 15,2 trilhões. Se o Tesouro dos Estados Unidos não for autorizado a emitir mais títulos, a única saída passaria pela drástica contenção das despesas públicas, cuja principal consequência seria uma profunda recessão.

O maior obstáculo para essa solução é a recusa do Partido Republicano em aprovar tanto o aumento da dívida quanto o de impostos. Em agosto do ano passado, o Congresso dos Estados Unidos conseguiu aprovar, à décima primeira badalada, uma elevação da dívida pública de US$ 14,3 trilhões para US$ 15,2 trilhões. Outro aumento desse teto, para US$ 16,4 trilhões, só poderia acontecer com nova aprovação explícita do Congresso. Se o Tesouro dos Estados Unidos não puder emitir mais dívida, o governo terá duas opções: ou passará o calote em parte dos seus fornecedores ou será obrigado a cortar despesas unilateralmente, com os desdobramentos já apontados.

Nos seus dois pronunciamentos no Congresso dos Estados Unidos, na terça-feira e ontem, Bernanke advertiu que essa política fiscal é impraticável. Caso não seja dada prioridade para o controle do rombo orçamentário, ficará impossível garantir a virada da crise americana e mundial.

Na Europa, multiplicam-se críticas ao excesso de austeridade imposto aos países prostrados pelo excesso de dívidas e, ao mesmo tempo, exige-se que o Banco Central Europeu (BCE) tome o mesmo caminho do Fed: emita moeda e, com ela, recompre os títulos de países do euro - especialmente os de Espanha e Itália. O objetivo dessa manobra é criar mais demanda para os títulos, de maneira que os juros possam cair e, assim, mantenham o endividamento sustentável. O governo alemão vetou essa política, que implicaria o uso do BCE para levar todos os países do euro a pagar um pedaço da conta, que é só de espanhóis e italianos. Mas a falta de uma solução duradoura para a crise do euro talvez torne inevitável esse passo do BCE, que atualmente é considerado irresponsável.

A aprovação do Congresso americano para uma elevação do limite da dívida não é empreitada das mais fáceis. As eleições presidenciais serão somente em novembro. E o Partido Republicano entende que, se contribuir para aumentar as despesas do governo, estará favorecendo a candidatura do seu adversário político, o atual presidente Barack Obama.

Deixar pela metade é um risco - CÉSAR FELÍCIO


Valor Econômico - 19/07


No dia 8 de julho, o jornal "Clarín", que trava uma guerra contra a presidente argentina Cristina Kirchner, publicou uma notícia banal, pouco relevante dentro do manancial de textos invariavelmente negativos que faz contra o governo. Tratava-se de uma reportagem em que um empresário do setor imobiliário e dois operários se queixavam do desaquecimento econômico aprofundado por uma série de controles cambiais introduzidos no país.

O empresário, Jorge Toselli, relatou que seus negócios mensais caíram de 15 para dois depois das restrições às compras de dólar. Pelo twitter, Toselli socializou a publicação e se declarou "muito contente". Uma semana depois, em seu perfil no "Facebook", o corretor imobiliário divulgava orações. No decorrer deste tempo, Toselli havia se tornado um exemplo de como anda a política na Argentina atual.

Três dias depois da publicação no Clarín, em uma cadeia nacional de rádio e TV, Cristina usou quatro dos 37 minutos de seu discurso para destruir a reputação de Toselli. Depois de citar que buscou informações sobre a empresa no órgão da receita federal local, a AFIP, Cristina expôs ao país que o empresário crítico não apresentava declarações de renda há cinco anos. No dia seguinte, a imobiliária não existia mais: teve o seu equivalente ao CNPJ suspenso.

O monopólio da informação como arma do poder

Para que fique claro: do ponto de vista legal, a presidente argentina não cometeu crime algum. Divulgar que uma empresa não apresenta declarações não é uma violação do sigilo fiscal na Argentina, de acordo com o artigo 101 da lei 11.683, que trata do assunto. A mesma lei determina a suspensão do cadastro da pessoa jurídica depois de três anos sem prestar contas ao fisco.

Revelador no episódio foi o uso da informação como arma, no sentido quase literal da palavra, e a falta de limites em colocar o peso do Estado contra uma voz destoante. Nesta estratégia de intimidação, que leva dirigentes de entidades empresariais a conversarem com jornalistas somente depois de recolhidos gravadores e canetas, o kirchnerismo acusador também oculta.

Na Argentina, todas as normas para aquisição de divisas estrangeiras foram revolucionadas nos últimos meses. Um novo documento passou a ser exigido dos importadores e travou as compras externas do país, sem que qualquer funcionário tenha explicado as razões de seus atos seja à imprensa ou ao Congresso, a não ser em entrevistas ao chamado "jornalismo militante". As exceções à regra foram as mudanças que tiveram que passar pelo exame do legislativo, como a expropriação da petroleira YPF e o novo marco regulatório do Banco Central.

A mudança nos critérios de cálculo da inflação no INDEC, o IBGE local (faça-se justiça que é uma das raras autarquias que concede entrevistas a meios independentes) tornou a Argentina o paraíso dos consultores e comentaristas profissionais de economia e ergueu um universo paralelo: no país existe a inflação oficial e a extra-oficial, o crescimento do PIB anunciado pela Casa Rosada e o número consideravelmente menor com que trabalham os agentes econômicos, o índice de pobreza do governo e o das ONGs.

Com o passar do tempo, a escuridão se alastra. Desde 18 de dezembro de 2011, não é mais possível monitorar a execução orçamentária em dados desagregados. Ficou difícil saber, por exemplo, o resultado fiscal da Argentina.

"Nem mesmo ao Congresso é possível ter acesso a informações como qual o gasto público com determinado programa e como são alocados os recursos para os diversos municípios e províncias (estados). As licitações são públicas, mas as execuções dos contratos, vedadas a qualquer organismo que possa exercer controle", diz Luciana Diaz Frers, diretora de Política Fiscal do CIPPEC, uma ONG que tenta acompanhar os gastos públicos no país, e economista de tendência oposta ao kirchnerismo.

O monopólio da informação no país manieta a oposição, incapaz de elaborar propostas baseadas em dados consistentes. Torna-se, como diz Luciana, um trabalho às cegas. É o oposto do que ocorreu no país, quando o marido e antecessor de Cristina, Nestor Kirchner, chegou ao poder, em 2003. Na ocasião, Kirchner promulgou um decreto de acesso à informação e criou um escritório anticorrupção.

"Ele havia assumido a Presidência debilitado por uma votação muito baixa naquela eleição e necessitava se legitimar. O aumento da transparência lançou uma ponte com a sociedade civil", disse o deputado Manuel Garrido, que foi chefe do órgão anticorrupção do governo até março de 2009, quando passou para a oposição. Hoje pertence à União Cívica Radical (UCR).

A norma de 2003, ainda em vigor, permite a qualquer argentino ter acesso às declarações de renda de todos os funcionários públicos de carreiras exclusivas do Estado. Na Argentina, é um universo de 30 mil pessoas. Basta preencher um formulário on-line e retirar as declarações em uma repartição pública, assinando um termo de responsabilidade.

Cristina não ousou alterar esta regra. Por meio dela, tornou-se público que a presidente mantinha aplicações em moeda estrangeira de US$ 3,5 milhões, recentemente convertidas para pesos. Mas a regra vale apenas para os servidores do Executivo e a transparência parou por aí.

"Faltou garantir o acesso às informações dos outros poderes e fortalecer os mecanismos de controle sobre o Executivo. Tudo ficou no meio do caminho a partir do momento em que o kirchnerismo foi se fortalecendo", comenta Garrido.

O Brasil chegou muito mais tarde que a Argentina a um marco legal de transparência sobre os salários do funcionalismo, ainda que de uma forma mais ampla, ao incluir os três poderes. Seria interessante institucionalizá-lo rapidamente para evitar os retrocessos na transparência pública que marcaram os anos recentes do kirchnerismo.

O novo sócio - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 19/07


A Venezuela, que está entrando no Mercosul, exibe a lamentável situação política descrita no relatório do Human Rights Watch. Na economia, o PIB cresce este ano puxado, principalmente, pelo aumento do gasto público. A construção de casas populares está sendo turbinada por razões eleitorais. O país exporta petróleo, por isso, os grandes beneficiários da integração podem ser Brasil e Argentina, mas até quando?

Dado que a Venezuela não cumpre o requerimento político básico para entrar no bloco, a grande pergunta é: na economia será um bom negócio? Num primeiro momento, pode ser bom para Brasil e Argentina, na opinião do economista Pedro Palma, da consultoria Ecoanalítica e professor do Instituto de Estudos Superiores de Administração (IESA) de Caracas.

Ele baseia sua tese no argumento de que a Venezuela tem importado cada vez mais para suprir a redução da capacidade produtiva provocada por uma política econômica hostil às empresas. Com o dólar artificialmente baixo, o país consegue reduzir o preço das importações; com um forte controle de preços, tem atingido diretamente a capacidade de produção interna.

A Venezuela vive há muitos anos com inflação anual entre 25% e 30%, a maior da América Latina. Segundo o último dado divulgado, agora está em 21,3% e deve terminar o ano entre 22% e 23%, de acordo com as previsões. O controle de preços é para evitar piora desse problema.

- Podemos exportar muito pouco além do petróleo, devido ao ataque persistente do governo à atividade produtiva privada, que destruiu boa parte da estrutura de produção interna e desestimulou investimentos. As expropriações e estatizações fizeram com que a produção em diversas áreas se tornasse pouco eficiente. Isso é verdade na agricultura, agroindústria, atividade manufatureira básica, como cimento e aço. Isso restringiu a capacidade de geração de oferta interna. Paralelamente a isso, o governo aumentou muito o gasto público - diz Palma.

Os dados mostram essa disparada: no primeiro semestre, a elevação foi de 24% em termos reais, descontada a inflação, na comparação com igual período do ano passado.

Em 2012, o país está crescendo forte. Segundo a previsão do FMI, o PIB deve ter alta de 4,7% este ano - bem acima, por exemplo, da projeção feita para o Brasil (2,5%). No primeiro semestre, a expansão foi de 5,6% em relação ao mesmo período do ano passado. O PIB da construção civil cresceu quase 30%. As importações aumentaram 48% em valor e 38% em volume para atender à demanda criada pelo governo para construir um ambiente favorável nas eleições. E está conseguindo. Hugo Chávez, que tenta o terceiro mandato, continua em primeiro lugar nas pesquisas eleitorais, bem à frente do candidato da oposição, Henrique Capriles.

O quadro político é resultado daquele lento desmonte do arcabouço institucional descrito no relatório "Apertando o cerco: concentração e abuso de poder na Venezuela de Chávez", da Human Rights Watch.

Na economia, a receita tem sido aumentar os gastos públicos, atender a demandas sociais que, de fato, existem, mas que são atendidas como favores paternalistas, e não como direito e, assim, criar o ambiente favorável. A conta certamente virá em aumento da inflação. Se a desaceleração mundial derrubar o preço do petróleo, o país tem queda do crescimento. Esse tem sido o padrão recente e o ponto de preocupação dos analistas. Pedro Palma comenta que os últimos anos terminados em 3 foram de profunda crise na Venezuela. Ele teme que 2013 seja assim também.

- O ano pode ser muito adverso, devido à queda do preço do petróleo e aos profundos desequilíbrios presentes na economia. Uma piora da crise europeia e a desaceleração nas economias dos EUA e da China podem traduzir-se em severas limitações às possibilidades de exportar dos países emergentes, no aprofundamento da queda dos preços das commodities e em restrição e encarecimento do financiamento internacional - disse.

Apesar de a Venezuela estar com gordos números de crescimento a apresentar num ano difícil, já houve o oposto. Anos em que a América Latina inteira cresceu, menos a Venezuela. O país tem tido um crescimento errático, uma política econômica intervencionista, uma tolerância com níveis de inflação muito altos. Para manter sua popularidade, Chávez aumenta gastos públicos usando as receitas do petróleo e até o caixa da PDVSA, uma empresa que tem tido dificuldades de manter o investimento.

A Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, foi imaginada para ser um investimento conjunto, mas a parte da Venezuela foi sendo sucessivamente adiada. Mas como ela foi projetada para refinar o petróleo daquele país, que é mais pesado, não se pode mais voltar atrás. O Brasil terá que processar lá o produto a ser importado da Venezuela.

Os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior mostram como está o intercâmbio entre Brasil e Venezuela: em 2011, a corrente de comércio atingiu US$ 5,9 bilhões, o que representou um aumento de 25% sobre 2010. Entre janeiro e junho deste ano, já chegou a quase US$ 3 bi. Na lista dos principais produtos exportados pelo Brasil, há bovinos vivos, carne congelada, aquecedores, peças para veículos. Para a Venezuela, exportamos mais produtos manufaturados, o que não é a regra. Pelo menos, isso.

Dilma e suas circunstâncias - ROBERTO MACEDO


O ESTADÃO - 19/07


Ao argumentar que uma pessoa é ela e as circunstâncias, há quem recorra à filosofia. Mas no cotidiano essa percepção é quase óbvia. Por exemplo, numa partida de futebol, circunstancialmente com chuva forte e campo alagado, é mais difícil jogar com desenvoltura, o que prejudica os jogadores mais habilidosos. E, numa guerra, o avanço da infantaria morro acima, quando lá está o inimigo, é mais difícil do que em campo aberto. Há quem veja nas circunstâncias o tal fator sorte.

Ou azar. Como o da presidente Dilma, que enfrenta circunstâncias econômicas muito ruins, ao contrário de Lula, seu antecessor e eleitor-mor, que até hoje - aliás, com a complacência de uma oposição adormecida - se atribui todo o mérito pelo bom crescimento médio da economia nos seus dois mandatos. Lula surfou num mar de circunstâncias muito favoráveis, tanto ao usar uma prancha ajustada por seu antecessor, FHC, como pelas ondas que vieram da economia mundial, permitindo-lhe dar espetáculo aqui e internacionalmente.

Recorde-se que Lula, no seu primeiro ano de mandato (2003), enfrentou dificuldades na economia que ele mesmo causou, ao ameaçá-la com a tal "ruptura" que pregava antes de tomar juízo. Depois que passou a seguir o evangelho praticado por FHC, deixou de atrapalhar e se viu diante das boas ondas citadas. Elas beneficiaram o Brasil, estimulando maiores exportações, que dinamizaram o crescimento interno e permitiram a acumulação de grandes reservas de moedas fortes, afastando assim o fantasma das muitas crises cambiais do passado.

Esse impulso também levou ao aumento das receitas governamentais, que custearam programas socioeleitorais. Não satisfeito, para ampliá-los Lula voltou a atrapalhar, aumentando uma já insuportável carga tributária. E, do lado dos gastos, negligenciou investimentos públicos e privilegiou o aumento de gastos permanentes, de pessoal e de custeio, inclusive benefícios do INSS.

Os reflexos negativos desses movimentos são agora mais evidentes. O receituário econômico recomenda que em tempos de vacas gordas, como em geral na Presidência de Lula, um governo acumule reservas para a chegada das magras. Como as que vieram agora, mas encontram o governo com orçamento apertado para engordá-las.

Sob Lula, o papel das circunstâncias externas evidenciou-se também negativamente, mostrando sua relevância também nessa direção. Com a crise que assolou a economia mundial, a brasileira tropeçou no último trimestre de 2008 e seu PIB caiu em 2009. Apesar do forte tombo, Lula veio com a conversa da marolinha. As circunstâncias externas voltaram a favorecê-lo em 2010. Esse vaivém da economia brasileira, claramente associado a movimentos correspondentes da economia mundial, mostra a preponderância de circunstâncias relativamente à apregoada capacidade de gestão do ex-presidente.

De agosto de 2011 para cá, com a crise na eurozona e seus desdobramentos, a economia mundial voltou a pesar negativamente, já com a brasileira nas mãos da presidente. Tida como principal executiva de seu antecessor, enfrenta dificuldades que vêm de fora, mas agravadas por erros da gestão anterior, como os já apontados, e pelos quais, na poderosa função que então exercia, também foi responsável.

E continua na mesma linha. Dados novos, do primeiro semestre deste ano, justificadamente destacados na manchete principal deste jornal na terça-feira, mostram que os investimentos da administração federal continuam estagnados, enquanto os gastos de custeio, inclusive do INSS, tiveram forte impulso com o insólito aumento de 14,1% dado ao salário mínimo em janeiro. Levantados pelo economista Mansueto Almeida Jr., destacado analista das contas públicas federais, esses dados continuam a revelar um governo cronicamente incapaz de investir mais. Mas sem que ele e a economia como um todo venham a aumentar substancialmente os investimentos o PIB brasileiro continuará mostrando crescimento medíocre e fortemente dependente dos ventos de fora.

Mas seria o PIB tão importante? Mesmo economista, a presidente afirmou recentemente que "uma grande nação deve ser medida por aquilo que faz com as suas crianças e adolescentes. Não é o PIB, é a capacidade do País, do governo e da sociedade de proteger o que é o seu presente e o seu futuro, que são suas crianças e adolescentes".

Tirando o "não é PIB", pois a referida capacidade depende dele, só discordo dessa afirmação por ser incompleta. Prefiro a de um vice-presidente (1965-69) dos EUA, Hubert Humphrey (1911-78), um ícone do Partido Democrata, pelo qual foi também senador por 23 anos. Disse ele: "... o teste moral do governo é como ele trata quem está na alvorada da vida, as crianças; os que estão no entardecer dela, os idosos; e os que estão nas suas sombras, os doentes, os pobres e os deficientes".

O Brasil não se sai bem nesse teste principalmente porque não tem um PIB suficiente para suprir adequadamente todas essas carências. E também porque seu governo não atua equilibradamente nessa tarefa. Em particular, seu viés eleitoreiro e corporativo trata melhor aposentados e pensionistas, eleitores, principalmente os de corporações politicamente poderosas, como a elite do funcionalismo, do que as crianças, já que estas não votam.

Seria injusto cobrar da presidente que rapidamente solucionasse questões institucionais como essas. Mas, dado o que falou sobre as crianças e adolescentes, não jogo fora a esperança de que dê alguns passos nessa direção.

Quanto ao "não é o PIB", cabe outra frase de Humphrey: "O direito de ser ouvido não inclui automaticamente o direito de ser levado a sério". A fragilidade do PIB é muito séria e cabe à presidente agir para reerguê-lo e impulsioná-lo.

FMI, o risco é deflação - ALBERTO TAMER


O Estado de S.Paulo - 19/07


E quem diria! O Fundo Monetário Internacional (FMI) pediu ontem ao Banco Central Europeu (BCE) que crie mais euros, injete mais liquidez no sistema, compre mais títulos da dívida soberana da zona do euro porque o risco crescente não é a inflação, mas sim a deflação. Na linguagem do Fundo, que sejam adotadas medidas "não convencionais", rompendo barreiras da ortodoxia. Isso é não só importante, é urgente porque, diz o Fundo, "um aprofundamento do da crise na zona do euro teria substancial implicação na economia mundial".

No documento divulgado ontem, o FMI aumenta o tom e critica severamente a atitude dos governos do bloco. Chega a afirmar, textualmente que "a própria viabilidade da união europeia está em dúvida".

Por quê? Para o Fundo não é a zona do euro que está em crise, é a economia mundial que, prevê, pode crescer menos de 3,5%, mas pode ser menos ainda se a Europa continuar passiva, no caminho em que está e não reagir. E nada fez de efetivo no primeiro trimestre do ano. O Produto Interno Bruto (PIB) do bloco não deve crescer mais de 0,3% este ano, se tanto, mesmo porque alguns países devem entrar em recessão.

O Fundo dá a entender que não pode fazer mais além de alertar e sinalizar que não prevê mais ajuda financeira à zona do euro, porque tem menos em seu orçamento. Na verdade, o que o FMI lançou ontem não foi uma alerta apenas para a zona do euro, mas para o mundo.

É pouco. O Fundo só vê um caminho que pode dar resultado em curto prazo para evitar o pior: mais ousadia do Banco Central Europeu, mais incentivo à demanda.

O BCE já comprou 212 bilhões de títulos da dívida dos governos da zona do euro desde 2010, mas o Fundo diz que ainda é pouco. Precisa comprar talvez o dobro, mesmo rompendo as limitações impostas à aquisição direta de papéis. Pode e deve operar mais no mercado de títulos secundários, pode e deve emitir mais, pode e deve ser mais agressivo, atuante nessa área, além de oferecer financiamento aos bancos.

A inflação já era. Outra heresia saudável: não tenham medo da inflação. Os preços estão recuando mesmo porque há menos consumo e mais desemprego, o índice deve ficar abaixo de 2,0% no próximo ano. Na realidade, é o que Paul Krugman e outros prêmios Nobel têm pedido com insistência: mais inflação, senhores, mais injeção de ânimo na economia. O FMI afirma que as reformas estruturais são necessárias, elas podem ser ajudadas por um afrouxamento da política monetária, mas os resultados demoram e a prioridade é evitar a recessão e a deflação.

Brasil na linha. Nesse cenário mundial de alto risco, o Brasil segue o caminho de mais estímulo fiscal e monetário sem temer a retomada da inflação. Ela está o dobro da registrada nos Estados Unidos e na Europa, mas não só recua como não existem sinais de novas pressões. Os juros estão caindo, e o estímulo ao crédito continua aumentado e se estima que pelo menos R$ 65 bilhões saíram do compulsório e entraram no sistema. Na crise do Lehman Brothers, em 2008, quando houve falta de financiamento externo, o Banco Central liberou RS$ 100 bilhões.

O BC tem liberado recursos para o financiamento de veículos e para a safra agrícola, há espaço para mais ação, pois o depósito compulsório é ainda da ordem de R$ 450 bilhões.

Outro fato que contrasta com inércia da Europa e as limitações políticas de Obama nos Estados Unidos, é a decisão do governo de usar a política fiscal para estimular a demanda interna, agora sustentada pelo aumento da renda das famílias. Exemplo, antecipação de gastos e pagamentos com a devolução da restituição do imposto de renda e se prevê também antecipação do 13.º salário.

É pouco? Sim, porém é o que o Fundo Monetário Internacional sugere agora, alertando para uma forte desaceleração da economia mundial este ano. Mais, muito mais importante, mesmo que o PIB cresça apenas 2,0%, ou um pouco menos, as condições internas, fiscais, monetária e, principalmente, tributárias permitem que o governo faça o que a Europa se recusa a fazer e os Estados Unidos não podem fazer. O cenário externo se agrava a cada semana que passa, a China anuncia um crescimento de apenas 7,6% no trimestre, mas os analistas começam a duvidar dessa estimativa, pois o consumo de energia elétrica caiu mais de15%. Nos Estados Unidos, Ben Bernanke reafirma o que vem dizendo há meses: que o Fed pode agir, mas não age, adia, enrola, e só os países que ainda contam com a expansão do mercado de commodities sustentam algum crescimento.

O que o documento importantíssimo do FMI divulgado ontem e as previsões revelam é uma economia mundial afundando, o desemprego aumentando. Tudo o que foi feito este ano não deu certo. Os economistas falharam. Agora, insinua o Fundo, é mudar as regras, pôr de lado a política de austeridade fiscal. E, porque, diz o Fundo, se for preciso, aceitar mais inflação.

Onde? Nos Estados Unidos, na Europa, na China, no Japão, no mundo. É hora de revisitar os velhos fantasmas que, felizmente, não assustam mais o Brasil.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 19/07



Ministério vai permitir que indústria brasileira acompanhe obras da Copa

Abaladas por elevados deficits em suas balanças comercias, as indústrias brasileiras de máquinas e eletroeletrônicos vão entrar como observadoras do processo de implantação da infraestrutura da Copa para verificar o nível de nacionalização das obras.

O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, deve assinar com Abimaq, Sindmaq e Abinee um acordo para que essas entidades setoriais acompanhem os trabalhos de realização da Copa das Confederações, da Copa do Mundo e de jogos olímpicos e paraolímpicos.

Segundo o ministério, os representantes das indústrias poderão avaliar a participação brasileira e propor recomendações para elevar a presença das empresas nacionais nas obras.

"Elas vão acompanhar de perto a construção. No caso dos empréstimos que o BNDES concede para estádios já há condições sobre a nacionalização. Mas queremos também que as empresas participem para que se capacitem para futuros eventos fora do país", diz o ministro.

Pare ele, ampliar o grau de nacionalização "não depende só de lei e sim da capacidade das empresas de apresentarem produtos e preços".

Pelo acordo, as entidades analisarão a relação de obras e serviços e apresentarão relatórios bimestrais sobre a participação brasileira nas aquisições de máquinas e equipamentos e eletroeletrônicos. O termo vale até outubro de 2016.

O interesse da indústria de eletroeletrônicos está na construção da infraestrutura de comunicação. "Poderemos indicar para o governo a existência de produção nacional dos equipamentos", afirma Humberto Barbato, presidente da Abinee.

"Pretendemos acompanhar todas as concorrências e alertar o governo. Vamos ficar em cima para que as compras sejam feitas aqui. Se for só importado, vai gerar emprego lá fora", diz Luiz Aubert Neto, da Abimaq.

"As empresas brasileira vão acompanhar de perto a construção dos eventos esportivos. Terão acesso de perto à informação. Informalmente, isso servirá para fiscalizar"

ALDO REBELO
ministro do Esporte

Raízen investirá em programa para caminhoneiros

A Raízen investirá cerca de R$ 10 milhões para relançar em agosto um programa da Shell para caminhoneiros.

A companhia, que espera ter 100 mil inscritos na iniciativa até março de 2013, oferecerá sala de descanso, banheiros com água quente e internet. O programa, que já teve 400 mil sócios, começará com cinco postos modelo, dois em São Paulo e o restante em Goiás, Minas e Paraná.

A Ipiranga, que diz ter 1,3 milhão de caminhoneiros em seu programa de fidelidade, também oferece espaços para higiene pessoal e descontos em compras.

Campus... A Universidade Vila Velha vai construir seu primeiro campus fora da região da grande Vitória. Será em Itapemirim, litoral Sul do Espírito Santo.

...no litoral A intenção da instituição é oferecer, além de curso superior, um centro de capacitação profissional pra atender os setores de construção civil, portuário e petroleiro da região.

Avaliação A CNI reúne amanhã em SP representantes de 44 associações setoriais para fazer uma avaliação do Plano Brasil Maior. O resultado será levado ao governo.

Emergentes A Fundação Dom Cabral prepara um programa para executivos sobre a economia dos Brics. São quatro módulos, realizados no Brasil, na Rússia, na Índia e na China.

Fragrância... A Bottega Veneta lança no Brasil, em 3 de agosto, um perfume feminino com o próprio nome da grife italiana, conhecida por não ostentar com muita visibilidade seu logo nos artigos que produz.

...do Vêneto O preço do produto, porém, não será discreto. No frasco de Murano, custará R$ 5.035. Na versão de 75 ml, R$ 720. O perfume é inspirado na região do Vêneto.

Desinteresse pelo brasil

O mercado brasileiro é o menos interessante dos Brics para empresas da Irlanda, segundo pesquisa da EIU (Economist Intelligence Unit).

Apenas 4% dos executivos ouvidos pretendem ter o Brasil como principal mercado nos próximos cinco anos. China aparece na frente, seguida pela Índia, com 17% e 13%, respectivamente.

Entre os entrevistados, 5% querem que o Brasil seja seu mercado secundário. Índia (15%) e China (6%) ficam em primeiro e segundo lugares. A Polônia empata com o Brasil.

CADEIRA de etanol

A Giroflex-forma acaba de instalar no estádio do Morumbi as primeiras cadeiras produzidas apenas de matéria-prima renovável, com plástico derivado do etanol da cana-de-açúcar.

A companhia desenvolveu o projeto, que segue as regras da Fifa e da Associação Brasileira de Normas Técnicas, durante seis meses, em parceria com Braskem e Cromex.

"O preço é um pouco maior que das outras cadeiras, feitas de polipropileno, a partir de petróleo. Mas, para a Copa de 2014, igualaremos o preço", afirma Linaldo Vilar, diretor da Giroflex-forma.

A Braskem também fechou contrato para o fornecimento de matéria-prima para as cadeiras da Amsterdam Arena. "Trocaremos todos assentos paulatinamente", diz Marcelo Nunes, diretor da empresa.

Anatomia do chavismo - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 19/07


Em dezembro de 2009, a juíza venezuelana María Lourdes Afiuni concedeu liberdade condicional a um opositor do regime do caudilho Hugo Chávez, o banqueiro Eligio Cedeño, acusado de evasão de divisas e à espera de julgamento durante quase três anos. No mesmo dia, Chávez chamou a juíza de "bandida", acusou-a de ter aceito suborno do réu e exigiu que fosse condenada a 30 anos de prisão. Ainda no mesmo dia, a sua prisão preventiva foi decretada e cumprida. María Lourdes foi colocada na mesma cadeia onde cumpriam pena criminosos que ela havia condenado e que passaram a ameaçá-la de morte seguidas vezes. Depois de 14 meses do seu encarceramento, protestos internacionais, aos quais se juntou até o linguista Noam Chomsky, o porta-bandeira de Chávez nos meios acadêmicos nos Estados Unidos, obrigaram o autocrata a colocá-la em prisão domiciliar, onde permanece até agora, sem saber quando será julgada.

O caso de María Lourdes é exemplar. Até então, os juízes venezuelanos que ainda procuravam conservar a independência diante do Estado bolivariano sofriam pressões, eram ameaçados de ter suas carreiras travadas ou mesmo de perder o emprego. Depois do que se fez com a juíza - um nítido divisor de águas na crônica da demolição da ordem democrática no país -, muitos de seus colegas passaram a temer também a perda da liberdade. Ao longo do processo de asfixia das instituições, Chávez alternou o chicote e o afago para sujeitar o Judiciário à sua vontade incontrastável. A contar do primeiro mandato, o protoditador de Caracas aumentou de 20 para 32 o número de integrantes das 6 instâncias que compõem a Suprema Corte venezuelana, preencheu os cargos com gente de sua confiança e, por meio do Congresso em que detém a maioria, renovou o mandato prestes a terminar de 9 deles.

O resultado é que todos os membros do tribunal, responsável por decisões nas esferas constitucional, político-administrativa, eleitoral, penal, social e civil, rejeitam deslavadamente o princípio da separação dos poderes, comprometem-se com o avanço da agenda oficial e defendem a punição dos "inimigos" do Estado. Era o que diziam, a seu tempo, os juízes da Rússia de Stalin, da Alemanha de Hitler, da Itália de Mussolini - e de tantos outros regimes totalitários que infestaram o mundo no século passado. Esses ditadores, em vez de fechar o Judiciário, o povoaram de aliados não menos ferozes do que eles. Com isso, criaram a sua própria e hedionda "legalidade", acoplando-a ao controle absoluto dos meios de comunicação, das instâncias administrativas e da estrutura das Forças Armadas.

O esmagamento do Judiciário para assegurar a supremacia do Executivo é o aspecto mais crucial do drama venezuelano, exposto no recém-divulgado relatório sobre o país pela ONG americana Human Rights Watch. O documento Apertando o cerco: concentração e abuso de poder na Venezuela de Chávez tem 133 páginas e é o segundo produzido pela organização sobre o país. O anterior, de quatro anos atrás, fazia um balanço sobre uma década de chavismo - o que custou aos seus autores, José Miguel Vivanco e Daniel Wilkinson, a detenção, seguida de expulsão sumária do país. A pouco menos de três meses do pleito em que o caudilho desponta uma vez mais como favorito, o relatório é justificadamente mais pessimista que o anterior. A Venezuela de Chávez se parece cada vez mais com o Peru de Alberto Fujimori, entre 1990 e 2000, como sistema que conserva um semblante de aparato institucional democrático para servir, porém, à autocracia.

Ao mesmo tempo, o venezuelano garroteia a mídia de massa, mas, entre uma violência e outra - sempre respaldadas pelas togas serviçais - deixa circular um punhado de diários críticos ao regime, cujas tiragens, somadas, não chegam a 300 mil exemplares. O governo conta com seis canais nacionais de TV, 4 estações de rádio, 3 jornais e 280 rádios comunitárias. "As ações do governo enviam uma clara mensagem", resume o documento. "O presidente e seus seguidores estão prontos a punir quem desafiar ou obstruir os seus objetivos políticos."