REVISTA VEJA
Alguns traduzem por "instinto animal" o que o economista inglês John Maynard Keynes na década de 30 descreveu como "animal spirit", isto é, espírito animal. A tradução do termo original não importa muito, importa o que significa, e significa várias coisas: o gosto ou a capacidade pelo risco ao investir, por exemplo, quando se fala em empresários e economia. Neste artigo tomo a expressão como nossa capacidade geral de sentir, pressentir algo, e agir conforme. Isso se refere não só a indivíduos, mas a grupos, instituições, estados, governos. Sendo intuição e audácia, ele melhora se misturado com alguma prudência e sabedoria, para que o bolo não desande.
Não me parece muito apurado o espírito animal que, nas palavras de uma autoridade, declara que empregar 7% do PIB em educação (e 10% em mais alguns anos) vai "quebrar o país". Educação não quebra nada: só constrói. Sendo bom esse instinto ou espírito, o fator educação terá de ser visto como o mais importante de todos. Aquele, sólido e ótimo, sem o qual não há crescimento, não há economia saudável, não há felicidade. Uso sem medo o termo "felicidade", pois não me refiro a uma cômoda alienação e ignorância dos problemas, mas ao mínimo de harmonia interna pessoal, e com o mundo que nos rodeia. Não precisar ter angústias extremas com relação ao essencial para a nossa dignidade: moradia, alimentação, saúde, trabalho. Como base para tudo isso, educação. Educação que pode consumir bem mais do que 7% do PIB sem quebrar coisa alguma, exceto a nossa miséria nascida da ignorância; nossas escolhas erradas nascidas da desinformação; nossa má qualidade de vida; e a falta de visão quanto àquilo que temos direito de receber ou de conquistar, com a plena consciência que nasce da educação.
A verdadeira democracia só floresce no terreno da boa educação e ótima informação de seu povo. Pois não será governo de todos o comando dos poucos que estudaram bem, os informados, levando pela argola do nariz de bicho domesticado milhões e milhões de seres humanos cegos, aflitos ou alienados, que não sabem; e que, se quiserem boa educação desde as bases na infância, correm o risco de ser acusados de querer quebrar o país.
Precisamos medir nossas palavras: cuidar do que dizemos, do que escrevemos, e também do que pensamos e não dizemos. Podem acusar quanto quiserem os empresários, os louros de olhos azuis, as elites, os ricos, os intelectuais, não importa: mas não acusem de querer o mal da nação aqueles que batalham pela mera sobrevivência ou por uma vida melhor, num orçamento que tenha a educação como prioridade. Pois não é certo que da treva sempre nasce a luz: dela brotam como flores fatídicas o sofrimento, a miséria, a subserviência. Na treva da ignorância nasce o atraso, de suas raízes se alimenta a pobreza em todos os sentidos, financeira, moral, intelectual. Uma educação bem cuidada e fomentada, com professores bem pagos, boas escolas desde a creche até a universidade, com orientação sadia e não ideológica, mas realmente cultural, aberta ao mundo e não isolacionista , grande e não rasa, promove crescimento, nos insere no chamado concerto das nações, e nos torna respeitados — nos faz incluídos consultados, procurados.
Dirão que continuo repetitiva a esse tema: sou, e serei, porque acredito nisso. Precisamos ter cuidados pelos que nos governam: se nas relações pessoais amar é cuidar, na vida do país cuidar é nutrir não só o corpo e fortalecer condições materiais de vida, mas iluminar a mente. Para que a gente possa ter esperanças fundamentadas, emprego digno, salário compensador, morando e trabalhando num ambiente saudável, aprendendo a administrar nossos sonhos, poucos ou abundantes. Para não estarmos entre os últimos nas listas de povos mais ou menos educados e saudáveis, mas plenamente inseridos no mundo civilizado.
Parece utopia, aceito isso. Mas batalharei, com muitos outros, para que ela se transforme na nossa mais fundamental realidade: simples assim
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