domingo, fevereiro 09, 2014

Delúbio para o Banco Central - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA 
O Brasil está preocupado à toa com a inflação estourando a meta, com os aumentos escorchantes das mensalidades escolares e de todos os preços não administrados, com a disparada do dólar, a subida dos juros e o crescimento pífio. Os brasileiros votam no PT há um tempão e, mesmo assim, ainda não aprenderam que, com os petistas no poder, não há risco de faltar dinheiro. Foi preciso uma demonstração de força dos mensaleiros presos para acalmar o mercado.
As estrelas encarceradas do PT, como se sabe, são muito influentes. Ao longo de todo o arrastado processo do mensalão, passando anos na condição de réu, e mesmo depois de denunciado por corrupção ativa e formação de quadrilha, José Dirceu levou vida normal. Ou melhor: levou vida anormal, para um réu acusado de crimes tão graves. Na penumbra ou à luz do dia, sua mão continuou a ser beijada por políticos em geral, aí inclusos governadores e ministros de Estado. Os aniversários de Dirceu nunca deixaram de ser uma alegre reunião de cúpula da república petista & associados.

O Brasil achou isso tudo normalíssimo. Por que governadores e ministros corriam o risco do desgaste de ir beijar a mão de Dirceu, um político proscrito, acusado de chefiar o maior esquema de corrupção da história da República? Não bastaria puxar o saco de Lula e de Dilma para cativar o lugar no Olimpo petista? Um mistério. Igualmente misteriosa foi a campanha para reintegrar Delúbio Soares ao PT. O ex-tesoureiro acusado de operar o mensalão com Marcos Valério tinha sido expulso do partido após o estouro do escândalo. Recebeu assim o carimbo de culpado dos próprios companheiros. Por que o PT inteiro se mobilizou para trazer de volta essa figura queimada, publicamente associada à ladroagem dos cofres públicos? Outro mistério.

Com o andar da carruagem e a desenvoltura dos condenados que cerram os punhos para o céu, esses mistérios deixam de parecer tão misteriosos. Por que o governo popular e o partido do Lula, ou vice-versa, não evitam os presidiários mensaleiros nem em véspera de eleição, com todo o desgaste que isso pode trazer? É simples. Porque os mensaleiros têm o dom de fazer aparecer dinheiro quando e onde os companheiros precisarem.

O ex-expulso Delúbio mostrou à nação o que é o verdadeiro poder econômico. Condenado a pagar uma multa de R$ 466.888 pelos crimes do mensalão, Delúbio arrecadou - em pouco mais de uma semana - a bagatela de R$ 1 milhão. Mais que o dobro do necessário, em tempo recorde, para mostrar, de uma vez por todas, que dinheiro não é problema neste país - pelo menos para quem tem estrela no peito e sabe poupar.

Antes de montar seu site para doações, Delúbio já começara a forrar seu caixa com um adiantamento oferecido pelo PT, extraído do que sobrara da arrecadação de mais de meio milhão de reais para pagar a multa de José Genoino. Como se vê, o dinheiro sobra. A formidável sobra de Delúbio será repassada aos caixas de José Dirceu e João Paulo Cunha, e assim por diante. As astronômicas multas do mensalão não fizeram nem cócegas nas finanças dos mensaleiros. É quase como se fossem bem-vindas, um estímulo a mais para os companheiros mostrarem que país rico é país sem pobreza - e partido rico é partido com o tesoureiro certo.

O dinheiro desviado pelo escândalo do mensalão - algo em torno de R$ 150 milhões, até onde o Ministério Público conseguiu enxergar ninguém sabe onde foi parar. Apesar do julgamento apoteótico no Supremo tribunal Federal, o processo revela apenas que R$ 32 milhões foi a quantia flagrada em distribuição para os companheiros leais. O resto da dinheirama lavrada pelo valerioduto nos cofres da nação, e entregue ao PT, sumiu.

O sucesso arrebatador da arrecadação de Delúbio e seus amigos vem comprovar mais um admirável equilíbrio da natureza: se há o dinheiro que some, há o dinheiro que aparece.

O Brasil está perdendo tempo em discussões intermináveis sobre política macroeconômica, terremoto cambial, drenagem de investimentos nos mercados emergentes -especialmente os emergentes que maquiam suas contas. Nada disso é problema. É hora de mandar às favas os escrúpulos de consciência e botar Delúbio Soares na presidência do Banco Central. Chega de intermediários.

As causas da inflação - RODRIGO CONSTANTINO

REVISTA VEJA

Em seu primeiro pronunciamento como ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante elogiou a equipe econômica liderada por Guido Mantega e destacou que o governo mantém "compromisso com o controle da inflação". Será verdade mesmo?

A esquerda costuma atribuir a inflação à ganância dos empresários ou então a fatores exógenos, como uma colheita ruim. Por isso, sempre demanda taxas de juros menores e gastos públicos maiores. Não compreende o que causa, de fato, a inflação.

A perda do poder de compra da moeda, ou seja, a desvalorização do dinheiro ao longo do tempo, depende da lei da oferta e demanda. Se é o governo que controla a oferta monetária, claro que o aumento da quantidade de dinheiro na economia é uma decisão política. Se um falsificador criasse dinheiro da noite para o dia, todos entenderiam quão prejudicial isso seria aos demais; quando é o governo que cria mais moeda, isso é visto como algo positivo.

Muitos confundem dinheiro com riqueza. Acabam defendendo a ilusão de que o governo pode aumentar a riqueza real expandindo a circulação de dinheiro e crédito. Se bastasse imprimir moeda, o Zimbábue e a Venezuela seriam países de Primeiro Mundo.

A política inflacionária costuma ser bastante popular no começo, quando seus efeitos perversos ainda não apareceram. Aqueles que demandam tal política estão focando apenas o seu lado da equação. O que desejam é um aumento na demanda e nos preços daqueles bens e serviços que vendem, enquanto gostariam de ver os demais preços inalterados. A ignorância do público é indispensável à política inflacionária. Mas não é possível enganar a todos o tempo todo. Quando muitos notam que o aumento dos preços é generalizado, então os planos inflacionários entram em colapso. Surge a indexação ou a fuga para outras moedas, como podemos ver agora na Argentina.

O poder de impressão de dinheiro nas mãos do governo sempre foi um enorme risco para a liberdade e a prosperidade dos povos. O recurso inflacionário garante ao governo os fundos que ele não conseguiria captar por meio de impostos diretos ou emissão de dívida, mecanismos mais visíveis e, portanto, impopulares. O aumento do gasto público acaba financiado pela emissão de moeda e crédito sem lastro, gerando inflação. Milton Friedman (1912-2006), prêmio Nobel de Economia, mostrou que a inflação é sempre um fenômeno monetário. Não se trata do resultado da ganância dos empresários, que é similar na Suíça e no Brasil. Tampouco é fruto de colheitas ruins, o que levaria apenas a uma mudança de preços relativos.

Quando todos os preços estão subindo juntos, é porque há moeda ou crédito demais na economia. Sendo o governo o responsável por controlar tais agregados, naturalmente a inflação é sua cria direta. Apenas para ilustrar, a Caixa tem expandido sua carteira em 40% ao ano e o BNDES em 20%. As barreiras ao livre mercado agravam o problema, por limitar a concorrência. Como instrumento de combate ao risco inflacionário, os países desenvolvidos criaram bancos centrais independentes, com a função de mirar em metas de inflação bem definidas.

O Brasil está bem atrasado nesse aspecto. Nosso Banco Central não é independente por lei nem goza de autonomia operacional na prática, principalmente sob o governo Dilma. A meta de inflação de 4,5%, elevada para padrões internacionais, é ignorada há anos. O governo alega que mantém a inflação dentro do limite de 6,5%, mas ignora que a banda existe para casos esporádicos. No fundo, a verdadeira meta é o topo da banda. Sem falar dos preços administrados pelo governo, que estão congelados de maneira insustentável. Analisando um ano isolado, pode parecer pouco. Mas, quando vemos o efeito composto no tempo, o estrago é enorme. Uma inflação de 6% ao ano representa uma perda acumulada de quase 80% em uma década.

Trata-se do pior tipo de "imposto" para os mais pobres. A perda de credibilidade do BC acaba jogando mais lenha na fogueira inflacionária, pois aumenta as expectativas futuras dos agentes, criando certa inércia e indexação. Trata-se de uma equivocada política do governo Dilma, que expande gastos e crédito, sem produzir crescimento econômico. É preciso cortar gastos públicos e instituir a independência do Banco Central urgentemente.

Pela fala de Mercadante, porém, vemos que o governo Dilma prefere negar a realidade e insistir no processo inflacionário. Perde o Brasil.


A cubana roda a baiana - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

Nenhum brasileiro assinaria um contrato como o imposto à médica cubana pelos irmãos Castro



"Rodar a baiana” é uma gíria brasileira. A médica Ramona Matos Rodríguez, que estava em Pacajá, no Pará, não deve conhecer essa expressão. Significa tirar a limpo uma situação, armar um barraco e tomar satisfação com alguém. A gíria nada tem a ver com os baianos, que costumam ser mais de ginga que de briga. A origem é o Carnaval carioca do passado, quando capoeiristas se fantasiavam de baianas, para reagir aos rapazes que beliscavam as moças nos blocos de rua.

Ramona era um dos mais de 7 mil médicos cubanos contratados pelo Brasil para uma missão louvável: atender as populações brasileiras totalmente desassistidas em municípios do interior. Ela desgarrou do bloco e rodou a baiana. Foi parar no barracão de Ronaldo Caiado, deputado federal do DEM. Péssima escolha de Ramona, já que Caiado é um dos símbolos da direita ruralista. Poderia ter-se abrigado no gabinete de Eduardo Suplicy. Ele perceberia como são violados os direitos humanos e trabalhistas de Ramona. Caiado a adotou como trunfo político. Ela pediu asilo porque se sente explorada – e também porque divergir do Estado cubano é crime passível de prisão.

A deserção de Ramona expõe fraturas inadmissíveis do Mais Médicos. Uma coisa é alguém ir como voluntário para um país em guerra, calamidade ou emergência. Você vai sem ganhar nada, movido pela solidariedade. Outra coisa é o profissional se mudar para o exterior num período sabático, com uma bolsa, para uma especialização. Sabe que ganhará menos. O caso do Mais Médicos é diferente. Em contrato de trabalho, o Brasil paga R$ 10 mil mensais a cada médico estrangeiro. Mas os cubanos só embolsam R$ 1.000. Do “resto”, cerca de R$ 1.500 são dados às famílias dos médicos em Cuba. E o “excedente”, R$ 7.500, vai para os donos dos passes: os irmãos Castro, eternizados no poder pela repressão e pela ausência de eleições.

Não dá para acreditar que Ramona ignorasse as restrições antes de vir para cá. Ela diz que não tinha internet e não sabia que ganharia menos que os outros médicos estrangeiros. Conta outra, Ramona. Mas, ao rodar a baiana, ela teve um mérito: exibiu o contrato entre Brasil e Cuba. Tornou públicas as irregularidades. Você engole? Estamos mal-acostumados com nossa liberdade, após a ditadura militar que produziu crimes horrendos como a morte do deputado Rubens Paiva? Queria ver um brasileiro, de qualquer ideologia, assinar um contrato com as cláusulas impostas pelo Estado cubano aos médicos.

Vamos só imaginar. O Brasil cederá médicos a um país africano que contrata estrangeiros. E aí, meu camarada, o negócio é o seguinte. Você só poderá tirar férias no Brasil, nada de viajar pela África, Europa, Ásia, esquece. Você será obrigado a relatar às autoridades brasileiras se receber visita de amigos ou parentes. Também não poderá se casar com estrangeiros, mesmo que eventualmente se apaixone. O Estado brasileiro ficará com 75% do salário que o país contratante pagar, tudo bem, companheiro? E você ganhará só 25%. Tem de se virar, afinal você é um profissional da Saúde e, por isso, um missionário. Ainda há um detalhe: mulher, marido, filhos não são autorizados a acompanhar você. Ficarão no Brasil. E não reclama lá fora não, porque estamos com sua família aqui, e você sabe que quem diverge do Estado brasileiro é de direita, contrarrevolucionário, reacionário e, por isso, um elemento antissocial, contra os pobres e carentes. Deve ser recolhido aos presídios. Imaginou?

Não faço ideia se Ramona conseguirá asilo no Brasil. Ou se continuará a trabalhar como médica. Conhecemos todos o destino dos boxeadores cubanos que buscaram asilo nos Jogos Pan-Americanos e foram mandados de volta para Havana por Lula, num avião da Venezuela de Chávez. Não sei se Ramona conseguirá asilo em Miami. Se eu precisasse me exilar em Miami, seria infeliz... Asilo, exílio, refúgio e deserção são gestos de desespero de cidadãos de uma ditadura, tolhidos nos direitos mais básicos, como a liberdade de expressão.

O episódio protagonizado por Ramona abriu fissuras num programa útil no sertão e nos confins do Brasil. O Mais Médicos não resolve as deficiências da Saúde, mas ajuda milhões de brasileiros a ter uma primeira avaliação ou diagnóstico. Se o pedido de refúgio de Ramona for imitado por seus colegas, aí Dilma, Lula e os irmãos Castro deverão se reunir, em torno de uma cachaça ou um rum envelhecidos, para reformular o Mais Médicos. E torná-lo justo e profissional.

Conversa por dedução - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 09/02

Sabe a.... a... aquela, você sabe....a loirinha.... prima da.... como é mesmo o nome... aquela que morava na rua atrás do clube... aquele clube que teu irmão jogava futebol com o... tsk, que futebol, o quê. Tênis, jogava tênis! Sabe?

Antes era só com minha mãe que eu conversava desse modo, tentando preencher os pontinhos deixados em branco. Mas hoje em dia tem sido com as amigas também. Entramos na fase da conversa por dedução. E dessa fase não sairemos mais. Não vivas.

Vocês já foram nesse restaurante novo que abriu? Esse que foi matéria ontem no... Vocês sabem, me ajudem, esse que foi superbem comentado pela... Ah, não importa, andam dizendo que é onde se come o melhor linguado ao molho de maracujá. Não: de manga. Linguado nada, eu quis dizer salmão. Salmão ao molho de manga. Isso. Já foram lá?

Completar uma frase tem sido tarefa de adivinhação. Não sei com você, mas eu não consigo mais lembrar o nome de artistas, de filmes, de lugares. Mal consigo dizer corretamente o nome das filhas, e são apena duas. Quem tem três – e acerta – vira meu herói.

É sabido que nosso cérebro está com lotação esgotada. É informação demais para processar, não há como manter o estoque, é preciso jogar no lixo o que não serve mais. Aquela atriz... aquela bonitona... me escapa o nome agora. Pois bem, em sua biografia, ela comenta que, quando esquecemos um nome, o melhor é deixar pra lá e seguir em frente, mais adiante a lembrança retorna espontaneamente. Muito bem. Assim tenho levado a vida, aguardando a volta de palavras que debandaram.

Sim, quero o CPF na nota. É 439136... não, 37... esquece, esse é meu RG. O CPF é 30055082... Calma, acabei de te dar o telefone do meu escritório.

Aguardo a volta dos números também.

Caduquice de velha? Olha: não é. Tenho visto muita criança de 30 anos que também está custando para levar uma frase até o final sem se perder nos “como é mesmo?”. A questão é que estamos sobrecarregados de tal forma que esquecer passou a ser mais comum do que lembrar. E os bate-papos agora são assim, um tentando adivinhar o que o outro está querendo dizer.

Estou indo para Ibiraquera, aluguei uma casa. Falei Ibiraquera? Perequê, Perequê! Fica ali pertinho de... de... Porto Belo, obrigada. Só voltaremos depois do Natal. Depois do Carnaval, isso. Muito tempo, né? Estou levando quatro livros... Esse novo da Fernanda Montenegro... Hein? Torres. Fernanda Torres. Um de um australiano, canadense, uma coisa assim. Um sobre a vida da Jane Fonda. E outro daquele cara que tu gosta, o Stephen... Philip Roth, esse aí. E um monte de palavras cruzadas, prescrição médica.

Jane Fonda, claro. Como é que pude esquecer?

Mudaria o Natal ou mudei eu? - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 09/02

O que resta daquele partido que nasceu para mudar o Brasil, uma vez que o jogo duplo continua?


Amanhã, dia 10 de fevereiro, o Partido dos Trabalhadores completa 34 anos de fundação. Esse fato me levou a perguntar se esse partido se manteve fiel aos princípios ideológicos que determinaram sua fundação e se, durante tantos anos no governo, realizou o que prometera a seus eleitores.

Antes de tentar responder a essas questões, devo advertir o leitor de que sei muito bem que as coisas mudam e é comum um partido político não cumprir com o que prometeu e desviar-se dos princípios que lhe deram origem. O que me interessa aqui é verificar o que mudou, se é que mudou, e por quê. Para chegarmos a isso, é imprescindível conhecer o documento de fundação do partido.

No caso do PT, esse documento é o manifesto de 21 de outubro de 1980, em que o novo partido se apresenta como porta-voz das "grandes maiorias que constroem a riqueza da Nação" e que querem agora "falar por si próprias".

Mas não apenas falar, elas pretendem, segundo o documento, criar "uma sociedade que responda aos interesses dos trabalhadores e dos demais setores explorados pelo capitalismo". Consequentemente, o PT "nasce da decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados". Esse sistema seria substituído por "uma nova forma de democracia", "onde não haja nem explorados nem exploradores".

Explicitado o que diz esse manifesto, o novo partido, que nascia então, tinha por objetivo criar uma sociedade dirigida pelos explorados (ou seja, pelo proletariado), e não pelos capitalistas, e assim constituir uma nova democracia, governada por um partido único, cujo objetivo seria a sociedade sem classes.

Trata-se, portanto, de uma versão dissimulada do manifesto comunista de 1848. O novo partido era, portanto, incompatível com o capitalismo, tanto assim que, em 1988, quando foi promulgada a nova constituição democrática, o PT se negou a assiná-la, alegando que ela não correspondia a seus objetivos políticos.

Essa atitude antidemocracia burguesa prevaleceu na pregação do PT até as eleições de 2002, quando, após sucessivas derrotas eleitorais, abaixou o tom e aliou-se a setores da burguesia para ganhar as eleições presidenciais que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva presidente da República.

No governo, Lula adotou o mesmo jogo duplo que nas eleições, ou melhor, aprofundou-o: enquanto dava Bolsa Família aos explorados, usava o BNDES para emprestar dinheiro público, a juros abaixo do mercado, aos exploradores capitalistas.

Mas, como não podia ignorar os compromissos assumidos em favor da "nova democracia" nem do projeto, implícito no manifesto, de nunca mais deixar o poder, passou a comprar os partidos da base parlamentar com dinheiro público, para não lhes conceder ministérios ou direção de empresas estatais. Essa compra de parlamentares virou um escândalo que ficou conhecido como mensalão. Lula, depois de admitir que aquilo era verdade, afirmou que se tratava de caixa dois, o que todos os partidos faziam. E assim, conforme as próprias palavras do seu líder, o PT se tornara um partido igual aos demais. Deixara de ser revolucionário, tornando-se corrupto como muitos outros.

Mas isso não ficou nas palavras de seu líder máximo, pois se tornou verdade por decisão da Suprema Corte de Justiça do país, que condenou algumas das principais figuras do PT por peculato, formação de quadrilha e outros crimes.

Lembram-se da campanha feita pelo PT contra a privatização da Telefônica? Pois é, isso fazia parte de seus princípios anticapitalistas e, por isso mesmo, Lula e Dilma tudo fizeram para não privatizar as rodovias, os portos e aeroportos. Agora, em face da crise que ameaça a economia do país, Dilma foi obrigada a se dobrar à realidade e violar o princípio ideológico do partido.

E a aliança com os partidos burgueses, ruralistas e evangélicos? Seria essa a nova democracia de que falava o manifesto de 1980? A pergunta, pois, é o que resta daquele partido que nasceu para mudar o Brasil, uma vez que o jogo duplo continua: Dilma foi a Davos para mostrar lealdade aos princípios que regem o capitalismo e, em seguida, a Cuba para limpar a barra.

Bafafá à mineira - HUMBERTO WERNECK

O Estado de S.Paulo - 09/02

Fico pensando como rolaria hoje essa história que em breve será velha de 70 anos. O bafafá, que na morosidade postal da época levou dias para se espalhar e tomar corpo, se alastraria instantaneamente. Em minutos, as redes sociais recolheriam gordos cardumes de manifestações. Escrita num tempo em que "curtir" era processar couro de bicho, a "Carta contra os escritores mineiros", de Vinicius de Moraes, haveria agora de ser pronta e profusamente "compartilhada". Nas Gerais, poderia atear nova Inconfidência, e desta vez, em lugar de ficarem tão ocupados em versejar e desenhar bandeira com inscrição em latim, os revoltosos se lembrariam de comprar uns bacamartes. Diante deles, de nada adiantaria ter o poetinha maneirado no subtítulo - "Por muito amar" - da carta que endereçou à mineirada da literatura.

Conhece a história? Em outubro de 1944, Vinicius, Otto Lara Resende e Fernando Sabino atravessaram madrugada bebendo e papeando no apartamento deste último, em Copacabana. Ao final, contará o poeta, os três amigos (31, 22 e 21 anos, respectivamente) haviam chegado à conclusão de que os escritores mineiros eram por demais contidos, encapsulados num bom comportamento que os impedia de se lambuzar de vida.

O que levou Vinicius a levantar essa bola foi a leitura, ali, de textos de um dos presentes (cujo nome a "Carta" não entrega), peças "belas e caprichosamente escritas", porém denunciadoras de alma retorcida e angustiada - sufocamento que a seu ver impregnava não só o autor como os escribas montanheses em geral. Em sua desabrida carioquice, o poeta foi tão convincente que os dois mineirinhos toparam embarcar num esforço para mudar o panorama. Ficou acertado que os três escreveriam sobre o tema.

Assim fez Vinicius, imediatamente, com a tal "Carta", extensa, em tom pomposo e recheada de cutucões retóricos. "A alma que tantas vezes vos fervilha, vós a prendeis num corpo por demais estático", denunciou Vinicius, e por aí foi. "Por que só olhais o mundo das janelas de vossas casas ou dos vossos escritórios?" (...). Precisais de água, a água do mar, a água da mulher, a água da criação. Temeis errar: errai. Temeis mostrar a vossa nudez: desnudai-vos. (...) Por que economizais e para quê: para comprar o vosso túmulo?"

Publicada primeiro em O Diário, de Belo Horizonte, depois em O Jornal, do Rio, a carta armou um temporal sobre a já então desguarnecida cabeça de Vinicius. Houve até, contou Sabino sem abrir o jogo, quem detectasse, naquela prosa enfeitada, manobras cavilosas do poeta para surrupiar mulher de escritor mineiro. "Houve fila feita nos jornais de Belo Horizonte para me espinafrar", contará Vinicius bem mais tarde. Tamanha foi a reação que ele, Sabino, também em O Jornal, saiu em defesa do amigo - e também levou bordoadas.

Quanto a Otto, vivendo ainda em Minas, escolheu a moita, silêncio que lhe valeu pito de Sabino: "Na nossa conversa com o Vinicius, você foi o primeiro a reconhecer os nossos erros mineiros e se dispor a corrigi-los". Na volta do correio, ironias de Otto: "Certamente sou ótima carne para vossas ferozes guilhotinas do mundo novo que virá e que se levantará sobre o sangue dos fracos e dos conciliadores".

Oito anos depois, Vinicius voltou ao bafafá e fez revelações. A "Carta", esclareceu, fora suscitada pela leitura de "uma página de prosa desse mineiro doce, inteligente e meio alucinado" - Otto Lara Resende. Temeroso de ferir uma tribo que amava, o poeta consultou mineiros ilustres do Rio - Drummond, Aníbal Machado e Rodrigo M. F. de Andrade, que lhe deram imprimatur.

"Venho hoje aqui retirar publicamente os termos da 'Carta' com relação a meu amigo Otto Lara Resende", escreveu Vinicius, recém-saído da leitura de O Lado Humano. "Me penitencio de não ter enxergado então nesse bicho do mato de São João del Rei esse lado humano, demasiado humano, que umedece, sob um estilo sem ipsilones, tão belas páginas de prosa. Que ninguém deixe de ler esse pequeno livro de contos, nove ao todo, alguns cruéis, sórdidos mesmo - mas dessa crueza tão da vida humana."

Taí, família e editores de Otto Lara Resende, que tal trazer de volta essa obra que encantou Vinicius e tantos outros bons leitores?

GOSTOSA


Liga da justiça - FABRÍCIO CARPINEJAR

ZERO HORA - 09/02

Os homens só confessam seus problemas aos amigos quando a casa caiu, quando o casamento desmoronou, quando o fim está sacramentado.

Nada mais pode ser feito, estão oficializando a notícia.

Os amigos são solicitados para socorrer a fossa, não como prevenção da dor; são requisitados para beber as mágoas: dividir o uísque da solidão, a cerveja do desamparo, o conhaque do ressentimento.

Muito distinto do ritmo feminino, que presta uma consultoria permanente às amigas durante os atritos do casamento.

O homem procura seu amigo para esquecer um amor rompido, a mulher procura sua amiga para salvar o amor em apuros.

Sim, por que você acha que sua mulher discute tão bem, tão senhora de si?

Ela está preparada para a DR, recapitulou o que precisava dizer e como dizer com suas amigas, levantou os pontos negativos e os positivos das exigências, assimilou o contraditório com a versão e experiência de suas confidentes.

Na refrega sentimental, ela antecipa suas respostas, não é verdade?

Ela desarma suas opiniões, não é verdade?

Não fica impressionado com o poder e a velocidade do raciocínio dela, o quanto é adulta e equilibrada, enquanto você, do outro lado, espuma raiva, infantilidade e insegurança?

É que ela teve a humildade de pedir opinião para suas colegas, com o objetivo de evitar injustiças. Formou um ibope das diferenças e das dificuldades e carrega as informações privilegiadas para dentro de sua casa.

Não é curioso que antes de uma conversa séria sua esposa ou namorada tenha saído com as melhores amigas na noite anterior?

Elas treinaram o discurso do qual seria vítima. Vírgula por vírgula. Ponto por ponto.

Sua cara-metade chega para o papo com uma oratória de Angela Merkel, uma firmeza de Oprah. É impossível contê-la.

Compreenda que uma mulher jamais toma alguma decisão sozinha. Ela é uma multidão. Ela é um conselho de leitor. Ela é uma reunião ministerial.

São três ou quatro mentalidades pensando ao mesmo tempo em sua cabeça. É como jogar xadrez com um computador. Não tem chance. O que ela fala é absolutamente lindo, honesto, real, comovente, por várias perspectivas. O que resta fazer é pedir desculpa, mesmo que desprovido de culpa.

Já fiquei abobado em várias DRs, exclamando para mim mesmo: – Como ela domina nosso relacionamento, como tem consciência de tudo!

Minha vontade era cumprimentá-la, elogiar o desempenho, assim como um time juvenil leva goleada de uma equipe profissional e ainda quer autógrafos ao final.

Hoje absorvi a lição. Nunca mais o amadorismo. Não brigo com a minha esposa sem antes consultar meus comparsas Éverton e José Klein. Formamos a Liga de Justiça. Meus improvisos são bem ensaiados.

Power - CAETANO VELOSO

O GLOBO - 09/02

Há anos deixo de ir à minha cidade natal no dia de Iemanjá, o que não quer dizer que perco de todo a festa


No 2 de fevereiro vi as duas festas importantes do dia: o presente de Iemanjá no Rio Vermelho e o encerramento da festa da Purificação em Santo Amaro. A de Iemanjá vi em sua inteireza, mas de longe. Minha casa é no Rio Vermelho, e da varanda dá para ver os barcos que se arrumam em frente à Igreja de Santana e partem para o local em alto-mar onde o presente será jogado, não sem antes virem margeando a costa para virarem em ângulo reto em direção ao horizonte. Digo que eles vêm porque é justamente à frente da minha varanda que eles mudam de rumo. Antigamente eram sobretudo velas que coalhavam o mar. Hoje são lanchas e escunas. Quase todas brancas, a exceção sendo a grande embarcação cinzenta da Capitania dos Portos. Fazendo espuma e deixando rastro, todas seguem o saveirinho que leva o presente. O povo que vi de longe se distribuía pelas rochas que pontuam a passagem da praia da Paciência para a de Santana. O Zárabe, aquele rio veloz de testosterona, fez ouvir, primeiro na madrugada, depois na tarde do presente, suas darbukas, seus pandeirões e sua pandeiretas, Carlinhos Brown à frente. A decisão de ir a Santo Amaro no início da noite me obrigou a admitir não ir até a areia ou o asfalto: duas festas de rua no mesmo dia é demais para um velho como eu.

Há anos deixo de ir à minha cidade natal no dia da padroeira. O que não quer dizer que perco de todo a festa. A partir do dia 23 de janeiro a Praça da Purificação se ilumina e se enche de gente. As novenas. Sem falar no domingo anterior ao 2 de fevereiro, quando se dá a Lavagem e a cidade é tomada por charangas e trios elétricos. Em geral, vou a uma ou duas noites de novena e sinto o gosto da festa. Reservo o dia 2 para Iemanjá em Salvador. Este ano precisei estar no Rio até o dia 31 de janeiro. Tentei me resignar a nada ver dos festejos em Santo Amaro. Até que me dei conta de que poderia assistir a Iemanjá, que é festa diurna (embora a celebração nas barracas de bebidas siga pela noite adentro), e participar da Purificação, que é noturna (embora a procissão comece de tarde). Deu certo.

Cheguei a Santo Amaro e fui logo à igreja da Purificação (eu temia que ela se fechasse). Gostei de ter entrado ali. Os azulejos, o teto tipo barroco, as pessoas religiosas do Recôncavo. Mas fiquei intoxicado de beleza foi na praça. O parque de diversões cheio de crianças, o chafariz rodeado de grupos de samba de roda, de burrinha, de bumba-meu-boi. Sobretudo as pessoas conversando nos bancos, nos passeios, na alamedas. Minha gente.

Os grupos de adolescentes cheios de energia expressa em vaidade ingênua. Minha vida. A maioria das pessoas é escura. Os graus de mestiçagem em cada grupo particular e na multidão em geral fazem pensar. Em sete amigas, três são pretas; duas, mulatas; e as duas restantes são uma morena de cabelo liso e uma branca. Num de seis, as seis são pretas. Num outro, de cinco, três são brancas (isto é: uma morena, uma alourada de cabelo quase crespo e uma caucasiana) e duas são pretas (uma seria mulata e a outra, negra retinta). Combinações semelhantes se dão entre grupos de rapazes, de senhoras idosas e de casais adultos. Essa observação estatística dos traços raciais se dá somente na minha cabeça escolada. Aparentemente, entre essas pessoas há apenas amizade, interesses comuns e erotismo. Digo aparentemente porque, embora eu tenha sido uma dessas pessoas que rodavam a praça com amigos de todas as cores sem contar quantos de cada cor compunham seu grupo ou o conjunto dos grupos que circulavam, eu me lembro de conhecer a consciência do quão rebaixado era, em tese, o negro. Os comentários de humor racista tampouco eram inexistentes. Mas a configuração que ainda posso ver na praça da Purificação — e a naturalidade não pensada em que ela é vivida — grita algo contra a simplificação que, desde os anos 1970, adotamos para pensar a questão racial no Brasil. Além da emoção indescritível que me causava a visão de cenas tão conhecidas para mim, impunha-se a constatação de que é difícil enfrentar o assunto com franqueza e justiça. Difícil significa que temos de atentar para muitas feições surpreendentes que o tema toma. A mera adoção do modelo incentivado pelos cinco olhos é simplesmente inaceitável. Tanto quanto manter a hipocrisia que tão ardentemente desejei ver superada. Vendo os cabelos de Lourdinha, filha de Dona Morena, ao natural, saída ela do banho e sem passar o ferro que os esticava, sonhei, criança, com a figura de Angela Davis. Observando a paz de Gil em 1963, desejei vê-lo problematizando a questão do negro entre nós. Ter vivido para ver cabelo black power e ouvir Gil falar sobre racismo é o que me dá esperança.

O demônio de Hoffman - LEE SIEGEL

O Estado de S.Paulo - 09/02

Ao saber da chocante notícia da morte de Philip Seymour Hoffman em decorrência de uma overdose de heroína, pensei num perfil que escrevi a respeito de outro grande ator, John Goodman, alguns meses atrás. Como Hoffman, Goodman lutou por bastante tempo contra o abuso de aditivos , tendo sido alcoólatra por 30 anos. Ele me disse que estava sóbrio havia sete anos. Deu-me a impressão de que manter-se longe da bebida é algo que exige muito esforço. Também como Hoffman, Goodman lutou contra o peso. Quando estrelava a série de TV Roseanne, ele ganhou fama, mas seu peso subiu para cerca de 180 quilos. É muito, mesmo para o quase 1,90 m de Goodman.

Pensei comigo: que será que torna os artistas, e os atores em especial, tão vulneráveis às drogas e ao álcool? Praticamente todos os atores famosos que conheci foram alcoólatras em algum momento de suas vidas, embora os homens pareçam ser mais afetados por isso que as mulheres. Era como se essas pessoas tivessem a sensação de não serem merecedoras da rara gratificação da fama e, com isso, transformassem o próprio sucesso numa espécie de castigo.

O nome que costumamos dar a essa condição na qual a pessoa não suporta fazer de si mesma uma imagem favorável é autodesprezo, e, após a morte de Hoffman, a mídia ficou repleta de comentaristas ansiosos para projetar esse traço em praticamente todos os personagens do ator. Mas a verdade é que, em sua maioria, os personagens interpretados por ele não odeiam a si mesmos. Lancaster Dodd, o guru de autoajuda com poderes sobre-humanos de autoconfiança do filme O Mestre, está longe de ser alguém angustiado por uma imagem desfavorável de si mesmo. O mesmo pode ser dito do notável retrato que Hoffman fez do lendário músico Lester Bangs em Quase Famosos, ou da vivacidade extraordinária do seu Truman Capote - um homem desprovido do mais remoto traço de insegurança - e tantas outras atuações imortais.

Não conheci Hoffman pessoalmente, embora conheça pessoas que o conheciam e amavam, mas me senti próximo dele depois de vê-lo interpretar Willy Loman dois anos atrás, nos palcos da Broadway, numa reencenação de A Morte do Caixeiro Viajante. Com frequência, Loman é interpretado equivocadamente por atores que o mostram como um homem deprimido e infeliz cujo suicídio final parece óbvio desde os primeiros momentos da peça. Mas Hoffman criou mais que um personagem tridimensional: ele deu a Loman quatro dimensões. Seu Willy Loman era exausto, derrubado, perdido ao mesmo em memórias de um passado mais feliz e fantasias de um presente diferente, miserável, mas determinado a ser alegre, até esperançoso em relação ao futuro. Todas essas ideias conflitantes de sua própria vida finalmente explodem quando Willy é confrontado pelo filho, Biff, e pai e filho caem brevemente nos braços um do outro.

Tive a sorte de ter ido ao teatro naquela noite com um amigo psicanalista, porque o espetáculo do Willy de Hoffman foi quase demais para mim. Abraçando o filho perdido, Willy estava desesperado, faminto, pesaroso, realizado, esperançoso, arruinado. Assim como podemos sentir quando um pianista é arrebatado pela cadenza de uma sonata de Beethoven como um barquinho sendo arrastado para o mar, era possível sentir que o ator tinha invadido o personagem ao mesmo tempo que satisfazia cada uma das possíveis nuances e matizes deste. Tinha-se a sensação de estar na presença da própria qualidade que fez de Hoffman o grande ator que era: uma impotência quase indisciplinada, uma absoluta vulnerabilidade diante da vida. No palco, ele suava como um maratonista.

Talvez um dos nomes do demônio de Hoffman seja autodesprezo, mas um homem que acreditava em si a ponto de acreditar que outras pessoas suspenderiam suas vidas para vê-lo atuar não poderia odiar a si mesmo com tal grau de intensidade obstrutiva. Em vez disso, me parece que pessoas como Hoffman e Goodman, e tantos outros artistas talentosos que se destruíram com drogas e álcool, gostavam e gostam de si, mas não conseguem suportar a virulência peculiar da adulação coletiva.

Afinal, a dádiva do artista é de natureza solitária, algo que beira uma espécie de leve sociopatia. Nenhuma vocação exige tanto recolhimento e introspecção quanto fazer arte - mesmo quando, na atuação, o ator mergulha em suas profundezas íntimas diante do público. Ser admirado pelas massas é como a perversa inversão da concentração quase ocultista necessária para que um ator habite plenamente uma outra pessoa imaginária enquanto está diante de luzes potentes, câmeras, um diretor, outros atores, pequenas multidões de técnicos e observadores curiosos.

O ponto de apoio do ator é a entrega de si. Um artista escapa para sua arte para satisfazer algum tipo de rara necessidade, que não é sentida por outras pessoas. Mas, quando a gratificação resultante do sucesso chega na forma de fama, riqueza, romance e admiração na maior das escalas, deve ser muito mais difícil retornar àquele estado anterior de necessidade - aquilo que Yeats chamou de "the foul rag and bone shop of the heart" (algo como a miséria, o lixo do coração). A incapacidade de recuperar esse estado de puro querer bem pode ser a causa do autodesprezo. Talvez apenas as drogas ou o álcool sejam poderosos o bastante para amortecer tanto as gratificações extremas da adulação geral quanto a alienação do artista em relação à própria arte que delas resulta.

Sou um mero mortal, e não me é dado conhecer o labirinto de feridas e diferentes cicatrizes que se desenrola na mente do gênio artístico. Mas, depois de assistir paralisado à interpretação de Hoffman em A Morte do Caixeiro Viajante com lágrimas nos olhos, fui a um bar com meu amigo psicanalista e bebi, bebi e bebi. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A mãe - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 09/02

Juliana convocou suas irmãs, Joyce e Janice, para uma reunião na sua casa. Assunto seríssimo. Urgentíssimo. Não, não poderia ser tratado pelo telefone. Joyce e Janice chegaram juntas na casa da Juliana. Que nem esperou elas se sentarem para anunciar: A mamãe voltou. Joyce e Janice se entreolharam. Como é? A mamãe voltou. Juliana disse Joyce nós enterramos a mamãe não faz uma semana...

Eu sei. Mas o fato é que ela está aqui. Como, está aqui? Acordei, hoje, com ela do lado da minha cama, perguntando se não era hora de eu levantar. Mas... era o quê? O espírito dela? A alma? Um fantasma? Não sei. Juliana, francamente começou a dizer Janice, rindo. Você está nos dizendo que... Mamãe! Janice tinha visto a mãe atravessar uma parede e entrar na sala. Vestida e maquiada como fora enterrada, e transparente. Mamãe disse Juliana. Você quer nos dar licença?

Estamos discutindo uma coisa importante...A mãe saiu da sala, atravessando uma porta fechada. Como ela explica ter voltado? Só disse que lá estava muito chato. Lá? Lá. E o que ela quer? Nada. Só quer me azucrinar, como fez toda a vida. E eu não vou poder aguentar. Fiquei com ela depois que o papai morreu, porque aqui tinha mais lugar. Mas já cuidei dela o bastante. Uma de vocês duas poderia ficar com ela desta vez... Eu não disse Joyce.

E as crianças? Vou botar uma assombração dentro de casa, com as crianças? Eu, nem pensar! disse Janice. Vocês sabem como ela e o Mauricio nunca se deram bem. Juliana insistiu: Ela não vai dar despesa nenhuma. Não precisa de comida. Não precisa mais de remédios. Não posso disse Joyce. Nem pensar repetiu Janice. Fazer o quê, então? Não havia o que fazer. A mãe ficaria com Juliana, a filha mais velha.

Uma semana depois, Joyce telefonou para Juliana. Queria saber como ia a mãe. Pior do que nunca disse Juliana. Não tem o que fazer, e fica se metendo nas coisas da casa. Dando palpite. Me criticando o tempo todo. Mas ela não faz tricô? Ela gostava de fazer tricô. Fantasmas não fazem nada! Ela fica perambulando pela casa, atravessando as paredes. No outro dia, quase matou a faxineira de susto porque estava andando no teto.

mesmo, vivo levando sustos.Joyce se apiedou da irmã. Combinaram fazer um revezamento. O fantasma ficaria uma semana com cada uma. Joyce encontraria uma maneira de explicar a avó gasosa para as crianças. E o Mauricio simplesmente teria que aprender a tolerar a sogra. Sabe o que eu penso? perguntou Juliana, um dia. Que não foi ela que se chateou lá e quis voltar. Lá é que não aguentaram ela e mandaram de volta!

As irmãs concordaram.

Calor! Quero geladeira ostentação! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 09/02

'A pane do metrô é de vândalos orquestrados', diz o secretário! Culpou a vítima pelo estupro!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Frente Frita! Test drive pro inferno! Sensação térmica é de garrafa térmica. Sensação térmica: brigadeiro derretido. E eu tenho a foto de um relógio marcando a temperatura no Rio: "FUDEX!" Rarará!

E um amigo meu comprou um iceberg usado no eBay! E o calor é tanto que até dá saudade daquele amigo que falava cuspindo. Rarará! E uma amiga encheu a geladeira de picolé, sacolé e pintou na porta: "Geladeira Ostentação!". Eu quero!

E essa: "Dilma anuncia Chioro na Saúde". Chioro na fila, chioro pra marcar consulta, chioro pra operar. Vai ser um Chiororô!

E a declaração da semana: "Quem nunca deu um murro na cara do outro?", pergunta o presidente da Gaviões da Fiel. EU! Ele fala como se fosse a coisa mais natural do mundo, já deu o seu soco hoje?

Campanha da Gaviões da Fiel: Já deu o seu soco hoje? Rarará.

E então a polícia pode dar um murro na cara dele? Por isso que eu chamo essas torcidas organizadas de trucidas. Trucidas organizadas!

E a outra declaração da semana: "A pane do metrô é de vândalos orquestrados", diz o secretário dos Transportes de SP! Culpou a vítima pelo estupro! Vândalos da Alstom!

E o tuiteiro elgroucho: "Vândalos orquestrados eu imagino um monte de vândalos de fraque e na frente um vândalo de fraque e batuta".

E amanhã, às sete da manhã, a estação Sé do Metrô vai estar lotada de vândalos orquestrados!

E essa: "fumaça obriga o Metrô a esvaziar o trem". Foram os vândalos orquestrados que fizeram uma fogueira! Rarará!

E o meu São Paulo quer o Pato! Galinheiro dos Bambis: Pato, Ganso, os frangos do Ceni e a cara de galo véio do Muricy!

E sabe qual a semelhança entre o Pato e o Ganso? Ambos estão bichados! Rarará. O Pato é desastrado como um ganso e o Ganso é mais lento que um pato.

O Brasil é Lúdico! Olha esse cartaz num restaurante por quilo em Abaeté, Minas: "Atenção! Proibido comer duas pessoas no mesmo prato". Pode comer duas pessoas, mas em pratos diferentes. Rarará!

E essa placa em Curitiba: "Vende-se um corchom de sortero, uma bisecleta, uma gelaidera e uma SAMFONA". Isso é tudo que uma pessoa precisa pra viver. Inclusive a SAMFONA! Rarará.

Nóis sofre, mas nóis goza.

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

É o calor - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 09/02

‘Alguém tem que assumir a culpa, minha filha! Sensação térmica de 51 graus, alguém tem que ser responsável’



Pode acontecer. A moça do tempo na TV entra no bar com um grupo de amigos. É recebida com óbvio desconforto pelos frequentadores do bar. Ouve-se um zum-zum-zum de desaprovação à sua presença. O grupo da moça ocupa uma mesa. Depois de algum tempo, um homem da mesa ao lado não se contém e pergunta:

— Você não é a moça do tempo, na TV?

A moça diz que é, sorrindo, mas o homem não sorri. Pergunta:

— Até quando vai esse calor?

— Pois é — diz a moça, ainda sorrindo. — Está difícil de prever. Tem uma zona de pressão na...

— Não — interrompe o homem. — Não me venha com zona de pressão. Chega de enrolação.

Uma mulher de outra mesa se manifesta:

— Há dias que você põe a culpa pelo calor nessa zona de pressão. E não toma providências.

— Minha senhora, eu...

Outros começam a gritar.

— Sensação térmica de 51 graus. Onde já se viu isso?

— Não dá mais para aguentar!

— Faça alguma coisa!

A moça do tempo na TV agora está em pânico.

— O que eu posso fazer? Eu só descrevo o tempo. Não tenho o poder de...

— Alguém tem que assumir a culpa, minha filha! Sensação térmica de 51 graus, alguém tem que ser responsável.

— A culpa é da Natureza!

— Rá. Natureza. Muito bonito. Muito conveniente. É como culpar a corrupção pela índole do brasileiro. Aqui ninguém tem culpa de ser corrupto, é a índole. A índole do tempo, num país tropical, é essa. E quem pode reclamar da índole? Ou da Natureza? De você nós podemos reclamar, querida.

— Mas a culpa não é minha!

— Estamos cansados do seu distanciamento enquanto mostra no mapa que o calor só vai aumentar. Seu ar superior, como se não tivesse nada a ver com aquilo. Chega!

A mesa da moça do tempo na TV está cercada. Caras raivosas. Ameaça de violência. A moça do tempo na TV se ergue e grita:

— Esta bem! Está bem! Amanhã eu faço chegar uma frente fria. Eu prometo!

As pessoas se acalmam. Todos voltam para as suas mesas. O garçom vem tirar o pedido do grupo da moça do tempo na TV e tenta explicar:

— É o calor... O pessoal fica meio louco.

Mudança - FÁBIO PORCHAT

O ESTADÃO - 09/02

Dia 1. Segunda-feira
Me mudei. Finalmente. Não acredito que encontrei o apartamento dos meus sonhos. Tamanho ótimo, arejado, sol da manhã, perfeito. Já consigo ver tudo mobiliado, eu, recebendo a família, os amigos. Tudo na minha vida agora faz sentido, por isso, comecei esse diário na casa nova!

Dia 2. Terça-feira
Hoje chega a minha cama. Vou dormir aqui pela primeira vez. Já comprei um vinho pra comemorar. Mal posso esperar.

Dia 3. Quarta-feira
Minha cama não chegou. Na verdade, chegou, mas eu não estava em casa. Estava trabalhando. Aí eles não puderam entregar e prometeram entregar hoje. Tirei essa semana de folga no trabalho para poder receber tudo.

São 19 h. Acabou o horário comercial e não entregaram minha cama. Liguei e eles disseram que a previsão é amanhã.

Dia 4. Quinta-feira
Entregaram a cama. Mas quem entrega não monta. Preciso pedir pra alguém vir montar porque se eu montar sozinho ela sai da garantia. Por que não me disseram isso na loja quando eu comprei? Liguei pro instalador que prometeu vir hoje.

Dia 5. Sexta-feira
Dormi no chão. O instalador não chegou ainda. Estou numa bagunça de caixas. Não posso desfazer nada porque não chegaram os armários. A geladeira ficou de aparecer hoje junto com o fogão. Chegou uma mesinha de centro que eu comprei. O que que eu vou fazer com essa mesinha?

Dia 6. Sábado
Instalaram a minha cama. Mas o colchão ainda não chegou. O caminhão que ia entregar ontem bateu na Dutra e meu colchão voltou pro estoque em São José. Disseram que chega até quarta. Ainda não chegou nada. Não saí de casa à espera da geladeira e do fogão, então estou sem contato visual com humanos há cinco dias.

Dia 7. Domingo
Tenho sede, tenho fome e comecei a delirar. Hoje, por não ser dia útil, pensei em descer para tomar um sol, mas o cara da NET garantiu que viria hoje, mesmo sendo domingo.

Dia 8. Segunda-feira
Faltei ao trabalho. Não chegou nada ainda. Mas, pelo menos, conversei com o porteiro. Ele me entregou umas contas e eu o abracei forte. Saudades da minha mãe.

Dia 9. Terça-feira
Chegou a geladeira. Mas ela não passa na porta. Tem que ser içada pela janela. Como isso não estava previsto, a geladeira voltou pra loja. Eles prometeram que amanhã entregam a geladeira de novo com o fogão. O cara da NET falou que hoje vem na parte da tarde.

Dia 10. Quarta-feira
Estou tendo alucinações. Sonhei que minha internet já estava instalada. Quando acordei, liguei pra NET e eles me deram a previsão de instalação em até três dias úteis. Acho que vi um vulto.

Dia 25. Algum dia
Perdi o emprego. Mas meu colchão chegou. A geladeira foi içada, mas a porta veio com um defeito de fábrica e não fecha. O fogão não veio ainda. A NET ficou de vir hoje. Estou com fome e com sede. Já perdi cerca de nove quilos. Minha barba atinge o tamanho de quatro dedos. Chegou o ar condicionado. Mas o homem que instala só pode vir semana que vem.

Dia 39. Algum dia em 2014
Estou vendendo meu apartamento com uma geladeira, uma cama com colchão e um ar condicionado e me mudando pra minha mãe. O interessado favor entrar em contato com a imobiliária. Grato.

Fevereiro e o poeta - ADRIANA CALCANHOTTO

O GLOBO - 09/02

Manco como um Ricardo III, lá vai o mês, fritando tudo o que pode


O poeta desce do táxi, os cabelos longos, brancos, esvoaçam revoltos. Ele bate a porta do carro e olha para cima, na direção das escadarias, que terá de subir para chegar até a capela 3. Está sendo velado o corpo do amigo, morto a facadas pelo filho, que, parece, sofre de esquizofrenia. O filho esfaqueou também um dos seios e o fígado da mãe, que conseguiu sobreviver. O pai está, ou não está mais, logo ali acima, entre pétalas, perplexidade, calor, suor, lágrimas, canções, “personagens”, flashes, óculos escuros, lenços de papel e sobrancelhas descontroladas.

O poeta parece ainda mais poeta com seus cabelos rodando para cima, encobrindo-lhe os olhos de vez em quando, de vez em quando deixando-lhe revelar o olhar. O ritmo de suas passadas é lento, parecendo que levou um choque elétrico e que aquilo tudo está acontecendo pela primeira vez. Ao mesmo tempo, na maneira de mexer o corpo, deixa transparecer certa intimidade com aquele caminho, o da perda. Está zonzo, mas é com cálculo que se esgueira por trás das colunas da entrada principal do cemitério, por trás dos homens que levam as câmeras de TV nos ombros e as hastes com as luzes. Para não precisar parar, para não precisar ser solicitado a dizer o indizível. Esgueira-se porque é da sua natureza a atração pelo contrafluxo, um dos seus lugares prediletos. Esgueira-se porque mantém um moleque maranhense dentro dele, tão livre quanto um gato, tão vivo quanto uma banana no pé. Esgueira-se andando meio de banda, como quem cuja camiseta diz “meu lance é outro”. Sem pressa alguma ele sobe, degrau por degrau, com semblante sisífico, as velhas escadas.

A inclemência do maçarico de um dos verões mais quentes dos últimos tempos no Rio de Janeiro parece endurecer ainda mais aquilo que o poeta não finge, e que não escancara. Mês de fevereiro, quando as flores não aguentam de calor e as coroas sempre chegam murchas aos velórios, cheirando um pouco demais, constrangendo a todos, fazendo-nos sempre lembrar que sim, são flores, mas estão mortas. As sombras no chão e a floração em torno não deixam dúvidas, é fevereiro quando o poeta surge sozinho de dentro do táxi. Fevereiro, mês que tem o mesmo destino das cigarras. Fevereiro sobre o qual o poeta que tem agora os cabelos ao vento escreveu o poema definitivo, “Verão”.

Em fevereiro de 1965, mais exatamente no dia 13, Maria Bethânia estreou no “Opinião” dividindo o palco com Zé Kéti e João do Vale, no lugar de Susana Moraes, pois Nara Leão já havia se afastado algumas semanas antes. Tempos depois, em 1989, no mesmo 13 de fevereiro, chegou ao Rio de Janeiro uma compositora nascida em 1965, vinda de Porto Alegre para fazer um primeiro, único, show na cidade, e daqui nunca mais quis voltar. Chegou à Zona Sul no 13 de fevereiro, que enfrentava uma frente frita, em um táxi, com uma mala azul e um violão. Já havia estado no Rio duas vezes antes, em férias com a família e uns anos depois em um carnaval onde as pessoas se locomoviam de caiaque pela cidade alagada, de modo que ficou trancafiada em um apartamento a temporada toda, escapando apenas uma noite para singrar as ruas de São Conrado até o Humaitá, onde Fernanda Montenegro se apresentava com um monólogo. A chegada mesmo, para (mesmo sem saber) ficar, no 13 de fevereiro de 1989, no táxi, no calor escaldante que faz com que as flores murchem combalidas e que as peras e as bananas estejam podres muito mais rápido, a compositora nunca conseguiu esquecer. À medida que ia naquele táxi, adentrando a cidade, pelo trânsito, de ônibus ferozes, em um tempo em que ninguém parava no sinal nem usava cinto de segurança, maior era o estranhamento com tantos contrastes, de todos os tipos.

Estranhamento e fascínio e susto e comoção e coragem e medo. Seu endereço de chegada era a Rua São João Batista, em Botafogo, em frente ao cemitério onde chega agora o poeta, saltando atônito de um carro amarelo com seus cabelos dançantes, enquanto resiste fevereiro, “mordendo o chão”. Provavelmente não vai conseguir escapar de ter que dizer algo, de “falar” da tragédia, de “falar” de seus sentimentos, sendo ele próprio pai de dois filhos com esquizofrenia. Os cabelos em desalinho são a única pista do que ele possa estar sentindo enquanto lança o olhar para a escada e segue em frente. As cigarras ao fundo entregam-se em seu canto a fevereiro, para a perpetuação desse mesmo canto. Gritam que é fevereiro “que vai morrer/ não quer morrer”. Manco como um Ricardo III, lá vai fevereiro, fritando tudo o que pode, enquanto é tempo, seu curto tempo, para enferrujar, para corroer, para queimar em memórias filmes que não desbotam jamais, tórrido, ávido, marcado para morrer. O poeta depara-se por trás de uma das colunas da entrada com a compositora, que também prefere os itinerários a contrapelo. Eles se abraçam. Ele vai em direção às escadas. Ela entra em um táxi com as narinas impregnadas da sua cheirosa camisa. Inebriada, diz ao motorista: “Fevereiro, por favor.” O motorista diz “senhora, oi?”. O motorista liga o ar-condicionado no talo. A compositora pensa: será que tendo o carro assim gelado ilude-se o motorista de que fevereiro está apavorando só lá fora? Ou só no presente? O poeta passa a mão pela cabeça em gesto característico e ajeita os cabelos antes de chegar à capela 3. O motorista liga o taxímetro.

Últimas dúvidas - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 09/02

As decisões intuitivas, repentinas, às vezes, dão mais certo que as planejadas, ensaiadas


Felipão e todos os treinadores de seleções que estarão na Copa fazem suas últimas escolhas. Apenas os medíocres e os onipotentes não têm dúvidas. Todos devem ter visto a vitória do Chelsea sobre o Manchester City, por 1 a 0. Pena que Fernandinho, contundido, não atuou. Ele estaria em minha lista de convocados, mesmo se todos da posição estiverem bem, no lugar de Lucas Leiva ou de Hernanes.

Interessante que Mourinho, ao escalar mais um marcador no meio-campo, tirou Oscar, e não Willian. Oscar é titular da Seleção. Willian merece também estar no Mundial. Ramires atuou pela direita, marcando e atacando. Se não for titular na Copa, poderá ser o primeiro reserva em mais de uma posição.

Ramires foi um dos jogadores que mais evoluíram nos últimos anos. Deixou de ser um armador confuso, que errava muitos passes, sem perder a velocidade para marcar e chegar à frente. Pena que ainda finaliza mal.

David Luiz jogou de volante. Nesta função, prefiro outros jogadores do Chelsea e da Seleção. Felipão não deu também nenhum sinal de que poderá escalar três zagueiros, como fez em muitos momentos na Copa de 2002, apesar de ser, às vezes, surpreendente.

Planejar é essencial, mas, em qualquer atividade, muitas decisões intuitivas, repentinas, são as mais brilhantes e eficientes, quando feitas por um bom observador, que não seja refém do que foi ensaiado.

O título da Copa das Confederações não pode ser o único critério para a escolha de titulares e reservas. Este foi um dos erros de Parreira e Dunga, nas Copas de 2006 e 2010. Muitas coisas mudam. Além disso, se o Brasil tivesse escalado alguns outros jogadores, no ano passado, teria também sucesso. As circunstâncias, dentro e fora de campo, eram favoráveis. Não há nenhuma certeza de que tudo se repetirá no Mundial.

Luiz Gustavo atuou bem na Copa das Confederações porque, além de marcar, mostrou que tem um bom passe na saída de bola da defesa. Fred, além de fazer gols, evoluiu, quando passou a se movimentar mais. Os dois estarão bem na Copa?

Há outras possibilidades. Volantes que chegam bem ao ataque, como Ramires e Fernandinho, podem se adaptar muito bem a uma posição mais recuada, sem perderem o talento ofensivo. Meias que entram muito na área e finalizam bem, como Oscar, Neymar e Hulk, também se adaptariam bem a uma função mais à frente. Só não entendo a opção de Robinho para uma eventual ausência de Fred. Robinho não está bem no Milan e finaliza mal.

Os treinadores de todo o mundo gostam de contrariar a preferência da imprensa. Muitas vezes, com razão. Basta um brilhareco para pedir fulano na Seleção. Quem influencia Felipão em suas decisões? Murtosa? Parreira? Não parece. Imagino que sejam seus companheiros de infância, reunidos para tomar chimarrão.

GOSTOSA


Energia e risco - JAIRO BOUER

O Estado de S.Paulo - 09/02

Novo estudo da Universidade de Michigan, publicado no jornal Daily Mail da última semana, traz um alerta para os pais de adolescentes: beber muito energético pode estar associado a um maior risco de os jovens fumarem, abusarem de álcool e experimentarem outras drogas.

A pesquisa Monitorando o Futuro, realizada com 22 mil adolescentes, aponta que beber energéticos com frequência nessa faixa etária pode, na verdade, indicar alguns traços de personalidade que trariam maior chance para o uso de outras substâncias. Assim, características como "buscar mais sensações" ou "correr mais riscos" fariam parte do arsenal psíquico desse grupo.

Segundo o trabalho, 30% dos adolescentes americanos bebem energéticos todos os dias e outros 40% ingerem refrigerantes diariamente. Uma lata de energético contém uma dose de cafeína semelhante à de duas ou três xícaras de café e pode ter uma quantidade equivalente a quase 15 colheres de açúcar. Doce e com efeito estimulante, ele é bastante tentador para muitos jovens.

Com o álcool, os energéticos são usados frequentemente para "mascarar", adoçar ou melhorar o sabor forte de alguns destilados, como cachaça, vodca e uísque. Vários trabalhos anteriores já indicaram que os jovens que fazem essa mistura tendem a beber mais e, portanto, se expor mais a riscos.

Ainda de acordo com a pesquisa, os garotos bebem mais energéticos do que as garotas, o uso é maior entre os filhos de pais separados e de famílias com menor nível de educação. Os adolescentes mais jovens bebem mais energéticos do que os mais velhos.

Esse tipo de análise trazida pela pesquisa, da associação de indicadores sociais com o uso de substâncias, pode revelar grupos de jovens que teriam, em potencial, um risco maior de beber, fumar e usar drogas e que, portanto, mereceriam mais atenção de pais, educadores e profissionais de saúde.

De forma semelhante, um projeto de pesquisa - Esse Jovem Brasileiro -, do Portal Educacional, que investiga há quase dez anos padrões e tendências de comportamento dos adolescentes de escolas particulares de todo o País, também mostra associações importantes entre alguns fatores de risco.

Independentemente da edição da pesquisa feita pelo portal, parece haver um grupo de jovens (que oscila de 10% a 15% deles) que apresenta características comuns - como viver com apenas um ou nenhum dos pais, ter uma relação muito ruim em casa, apresentar pior desempenho na escola, enfrentar dificuldades emocionais como insegurança, timidez, ansiedade e tristeza - que estão diretamente ligadas a um maior risco de beber em exagero, fumar, experimentar drogas e fazer sexo mais cedo e sem proteção.

Assim, é comum encontrar entre os jovens desse grupo essas características sociais e emocionais associadas. O difícil é definir, a distância, o que foi o desencadeante desse padrão. Nas edições anteriores, a investigação do uso de energéticos não foi feita.

A pesquisa americana conclui que, embora não seja possível dizer que os energéticos aumentem diretamente a chance de beber, fumar e usar drogas, os jovens que tomam essas bebidas com cafeína apresentam um risco de duas a três vezes maior de usar outras substâncias alteradoras do comportamento (álcool, tabaco e maconha, entre outras).

É bom lembrar que algumas mortes de jovens já foram associadas a um consumo excessivo de energéticos. Na maior parte das vezes, parecia haver uma condição cardíaca prévia, que era desconhecida e assintomática, mas que pode ter sido potencializada pelo uso excessivo da cafeína (que causa, por exemplo, algumas alterações do ritmo cardíaco). Como tudo na esfera da saúde e do comportamento, moderação e observação parecem ser importantes aliadas.

Um livro aberto na internet - YURI SAHIONE

O GLOBO - 09/02

Ao abrir e-mail e ver propagandas com seu perfil, usuário deveria suspeitar que privacidade está sendo quebrada



O conflito no mundo digital, particularmente nos Estados Unidos e na Europa, entre duas das gigantes da tecnologia no mundo, Google e Microsoft, revela não só a grande relevância do tema privacidade e proteção de dados pessoais na internet, mas também denuncia o desinteresse dos usuários brasileiros e a falta de tratamento legal no país. Denominada de scroogled (acrônimo da palavra inglesa screw, “ferrar-se”, com o nome da concorrente Google), a campanha de marketing da Microsoft tenta conscientizar os usuários da internet a fazerem a opção por serviços (correio eletrônico, sítios e redes sociais) que não coletem, nem armazenem dados de seus usuários.

A coleta de dados pessoais de usuários como dados de navegação, conteúdos de e-mails, rede de contatos, até as palavras digitadas emposts, dentre outras manifestações virtuais, permite que alguns desses prestadores de serviço possam criar um perfil de consumo personalizado, que facilite o direcionamento das propagandas que são vendidas por eles próprios.

Quando um usuário abre sua conta de webmail e verifica propagandas de produtos e serviço que são condizentes com o seu estilo de vida ou profissão, deveria suspeitar que sua privacidade está sendo quebrada e, muito provavelmente, suas mensagens estão sendo lidas pelo provedor de e-mails. A permissão para coleta irrestrita de informações, contudo, não deveria se limitar ao concordo ou não concordo das políticas de privacidade dos prestadores de serviços on-line e ser objeto de regulamentação legal. É por este motivo que o projeto do Marco Civil da internet traz diversas disposições sobre a guarda e proteção dos dados privados dos usuários.

Sem reafirmar apenas o óbvio, que as comunicações são invioláveis por força da Constituição Federal, o projeto regula o armazenamento de dados pelos prestadores de serviços e as formas de acesso destes pelo Poder Público, especialmente para facilitar investigações de crimes cibernéticos.

Mesmo com todo o avanço legislativo que o Marco Civil representará quando aprovado, não está claro que o usuário simplesmente possa fazer a opção de não autorizar a coleta de dados pessoais para fins diversos da investigação penal. Ao que parece, bastará o prestador informar que coletará os dados para que esta seja permitida, restando ao usuário a opção de se excluir digitalmente.

Com o recente ingresso da Mozzila, dona do navegador Firefox, na campanha contra a Google e enquanto a proteção legal da privacidade e de dados pessoais na internet não alcançar a dimensão necessária, esta será ponto de destaque das campanhas de marketing na briga pela preferência dos usuários.

Entre o possível e o provável - JOÃO BOSCO RABELLO

O Estado de S.Paulo - 09/02

O Planalto dispõe de uma pesquisa encomendada para consumo interno que registra um crescimento da presidente Dilma Rousseff tão discreto quanto a comemoração que gerou. Pelos números, a aprovação da presidente subiu para a casa dos 48%, o que se festeja menos pelo porcentual e mais por não ter havido queda.

O suspense entre as más notícias que marcaram as últimas semanas, e o resultado da pesquisa, transcende o mero exercício comparativo com a oposição. A variação do índice de aprovação é que condiciona a candidatura de Lula, ainda em 2014, situando-a entre o possível e o provável.

Nesse contexto se registra uma versão das aparências que enganam, com o PMDB no papel do pior vilão para Dilma, pela pressão por mais espaço no governo. Na verdade, porém, o PT representa hoje maior risco para a presidente, pela ameaça permanente de promover a volta de Lula.

O início real da campanha encontra Dilma com um índice ainda vulnerável para a reeleição, impondo-lhe um comportamento mais concessivo ao PT, do que é retrato a reforma ministerial, hostil ao PMDB e a perfis da equipe de governo não alinhados com o núcleo duro da campanha, casos da ex-ministra Helena Chagas e do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, entre outros.

Dilma está hoje em exercício diário de resistência à influência do PT nas decisões de governo, vulnerável à prioridade da campanha. Lula entra nesse cenário como o candidato de 2018 que, no meio do caminho, pode antecipar seu projeto, se as circunstâncias o "forçarem".

Precisará, porém, de um pretexto muito sólido para não caracterizar sua intervenção como um golpe do criador na criatura. Dilma não facilitará o desejo do PT, pois considera que o momento de uma eventual mudança passou, desde que obteve de Lula a declaração pública de que é a candidata.

O momento em que se poderá testar o limite da imposição da vontade do PT à presidente será o desfecho das negociações com o PMDB, que exige o sexto ministério. Dilma já deu todos os sinais de que não quer ceder, mas certamente torce o nariz para aplacar o PT, pois dificilmente poderá resistir ao assédio peemedebista.

Com o PMDB, o engajamento na campanha já está comprometido. O partido . recuou sua convenção nacional como forma de materializar a hostilidade e vaza números que revelam um racha em relação à preservação da aliança.

Por eles, 294 convencionais não estariam com Dilma - 202 contra a aliança e 92 indecisos. Não é suficiente para revogá-la, mas serve para demonstrar à presidente que ela precisa trabalhar pela unidade do partido, em seu favor. Ou seja, se quiser tê-lo suando a camisa na rua.

A São Petersburgo de Putin - DORRIT HARAZIM

O GLOBO - 09/02

Somos agora, inexoravelmente, os próximos da fila a sediar os chamados Grandes Eventos



Duas marcas já estavam asseguradas para Sochi antes mesmo da cerimônia de abertura da sexta-feira com que Vladimir Putin validou sua Rússia perante o mundo.

A 22ª edição dos Jogos de Inverno seria a mais polêmica desde as Olimpíadas “soviéticas” de 1980, em Moscou, realizadas sob boicote de 65 países anticomunistas liderados pelos Estados Unidos. Seria, também, a potencialmente mais tensa desde que oito terroristas encapuzados do Setembro Negro irromperam nos Jogos de 1972 em Munique e chacinaram 11 atletas israelenses.

Para o Brasil em vésperas de Copa do Mundo, e para o Rio em gestação das Olimpíadas de 2016, a realização dos Jogos em Sochi traz um friozinho maior na barriga: somos agora, inexoravelmente, os próximos da fila a sediar os chamados Grandes Eventos.

É sabido que Fifa e Comitê Olímpico Internacional (COI) têm DNA diferente; boa parte dos membros de suas respectivas entidades sequer frequenta as mesmas seções do noticiário. Ainda assim, o Brasil da Copa podia ter se espelhado nas Olimpíadas de Los Angeles se tivesse tido como meta a adequação do Mundial às necessidades do país a longo prazo.

Os Jogos de Los Angeles de 1984, que custaram 546 milhões de dólares (algo como US$ 1,2 bilhão em valores de hoje), foram os únicos a dar lucro. Eles tiveram uma singularidade em comum com o Mundial deste ano: a inexistência de qualquer concorrente. Foi a partir dessa posição de vantagem que os organizadores americanos ditaram as linhas gerais prevalecentes. Algo mais do que uma “conversa de presidente para presidente”, para usar o termo tão caro ao chefe da Fifa, Joseph Blatter, referindo-se à interlocução que sempre pleiteia ter com Dilma Rousseff.

O Brasil tampouco teve concorrentes que quisessem sediar a Copa. Perdeu portanto a chance de exigir o que devia enquanto bateu pé para obter o que não devia. Agora é torcer para a sangria não ser grande demais nas duas pontas.

Para o Rio 2016, uma comparação com os aspectos mais ensandecidos de Sochi pode trazer tanto suspiros de alívio como vontade de sumir: ninguém conseguirá superar a visão faraônica de Vladimir Putin.

Embutido no custo estratosférico de US$ 51 bilhões para a olimpíada russa de 17 dias (ou US$ 510 milhões, em média, para cada um dos 98 eventos disputados) está a realização de um projeto maior.

Algo que ninguém pediu, muito menos o alemão Thomas Bach, que faz em Sochi sua estreia olímpica como recém-empossado presidente do COI. E que alterou quase que por decreto o papel tradicionalmente reservado ao prefeito da cidade-sede de uma olimpíada.

Anatoly Pakhomov, o titular do cargo de burgomestre de Sochi, tratou de contentar-se disciplinadamente em ser deletado do palco principal. Depois de atuar como mestre de obras com dois PhDs na extraordinária transformação do cenário, dedica-se à função de enumerar o que foi realizado no espaço de sete anos.

O repórter do “New York Times” Steven Lee Myers conta não ter conseguido encaixar uma só pergunta antes de Pakhomov listar em alta velocidade um primeiro lote de realizações: “Construímos 438 subestações de transformadores, 17 centrais de distribuição de energia, duas centrais termelétricas, três usinas de purificação de água, mais de 22 túneis e 55 pontes, 13 estações de trem novas ou renovadas, cinco escolas, seis centros médicos, 49 hotéis com 24 mil quartos...” O segundo lote não era menos impactante.

Essa Sochi 2.0 erguida à maneira da São Petersburgo por Pedro, O Grande foi inteiramente concebida por Putin. Ele mesmo a defendera com fervor na Guatemala em 2007 perante a comissão avaliadora do COI como um renascer da Rússia das ruínas da União Soviética.

À época o país despontava com musculatura entre as nações emergentes, e a solidez do poder de Putin, que estava no segundo mandato, deve ter contribuído para o pêndulo dos votos olímpicos recair sobre Sochi.

É bem verdade que a conta apresentada pela candidatura russa, sete anos atrás, era substancialmente menor — meros US$ 12 bilhões. E que hoje o crescimento econômico do país de Putin é de apenas 1,3% — o mais baixo em uma década. Ao dar continuidade ao histórico soviético de megaprojetos decididos de cima para baixo, o presidente russo apenas retirou de Sochi o seu elemento mais ideológico. Os demais ingredientes para a sua sustentação no poder, contudo, são os mesmos que fizeram a glória e provocaram a queda do regime anterior.

Mas para quem, como Vladimir Putin, acha normal chegar 50 minutos atrasado ao primeiro encontro com o Papa Francisco e já deixou a rainha Elizabeth II esperando 14 minutos, não deve ser simples ter uma dimensão clara da sua estatura no mundo real.

Arnaldices - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 09/02

Arnaldo Antunes critica as manifestações e diz que não usa mais drogas, à exceção de cigarro e álcool, e que não se vende para a publicidade



O carro estacionado no quintal com jardim duas vezes maior que a vaga. Latidos. E Arnaldo Antunes, 53, aparece na janela. "Pode entrar, o portão tá aberto e os cachorros, presos." Assim o músico convida a repórter Ana Krepp para entrar na casa onde vive há mais de dez anos, no Alto de Pinheiros, em SP.

Arnaldo termina de dar uma entrevista para a divulgação de "Disco", lançado em outubro. No corredor que leva aos quartos, murais de fotos com filhos, irmãos, pais, avós, colegas de trabalhos. E muitas, muitas poses com a famosa cara de desconfiado.

Ele evita aprofundar respostas sobre a vida pessoal e explicar as letras de suas músicas. "Tá tudo dito. Ficar explicando muito estraga. Qualquer explicação vai reduzir o potencial que aquilo vai ter de despertar interpretações em cabeças diferentes."

Na casa térrea, o banheiro principal tem azulejos antigos, azuis e amarelos. Mesmo com uma banheira, é espaçoso. Na sala, objetos de decoração estão colocados sem a menor preocupação com estilo ou algum tipo de combinação. Cortinas mexicanas, um telefone analógico azul, um violão ao lado do sofá, uma porta vermelha que dá para o quintal e algumas obras de arte da namorada, a artista plástica Marcia Xavier.

Depois de dois casamentos, o cantor combinou com Marcia de morarem em casas separadas. Ele vive sozinho, mas sempre recebe visitas dos filhos: Rosa, 25, Celeste, 22, Brás, 16, e Tomé, 12.

É com eles e os músicos que o acompanham em shows e gravações que se mantém a par dos lançamentos e de artistas fora do circuito comercial. "Tem uma geração aí da pesada: Criolo, Emicida, Romulo Fróes. Se eu começar a citar os nomes, não vou parar mais. E eu tô conectado com a galera."

Diz que só não conseguiu entender as manifestações de junho do ano passado. "A censura, o gás lacrimogêneo, é tudo igual ao que tinha quando eu era jovem. Mas antigamente tinha um foco, hoje em dia não tem. Você não sabe o que estão querendo. Cada um quer uma coisa, é meio múltiplo demais."

O ex-Titãs faz questão de chegar ao camarim pelo menos uma hora antes de cada show. Mistura metade de uma latinha de cerveja gelada com outra metade de outra mantida fora da geladeira. E saboreia a bebida "na temperatura ideal, nada de estupidamente gelada".

Incenso, objetos esotéricos e purificador de ar com aroma de calêndula assentam boas vibrações. Arnaldo inicia o ritual pré-show. Joga incontáveis anéis no sofá e escolhe oito para pôr nos dedos. Veste pijama azul escuro.

O responsável pelo estilo do músico entra no camarim. "Justo hoje que você veio, saí de casa com o sapato errado, trocado. Olha que ridículo", diz, sobre os calçados diferentes em cada pé. Aponta a troca ao estilista Marcelo Sommer, que cuidou do seu figurino em seis turnês.

O filho do meio de sete irmãos descobriu relativamente cedo, aos 20 e poucos anos, o gosto da fama. Integrou os Titãs de 1982 a 1992. Desde que saiu do grupo, dedica-se à sua carreira solo na música, poesia e artes plásticas. Há anos, evita multidões. "Não vou nessas coisas porque tem que ficar parando, fazendo foto com as pessoas. Onde tem muita gente pra mim é aluguel." Quando integrou Os Tribalistas, ao lado de Marisa Monte e Carlinhos Brown, ganhou ainda mais exposição. O trio fez um sucesso estrondoso com o primeiro e único disco, e não planeja nenhum novo trabalho.

"Sempre que nos encontramos saem muitas músicas novas. A gente faz três numa noite. Uma fagulha que sempre é muito fértil. Mas agora a produção conjunta entra no disco solo de cada um", diz.

Não conseguiu assistir a nem um episódio sequer do reality show musical "The Voice Brasil" (Globo), em que o amigo Carlinhos Brown é um dos jurados. "Acho que faz totalmente sentido o Brown fazer, tem tudo a ver com aquela personalidade." Ele próprio, no entanto, diz não se vê num programa "como aquele".

"Essa sede por novidade e a rotatividade de informação são tão malucas que acabo de lançar um disco e já me perguntam qual é o próximo. É esse!" Ele, enfim, cede e fala sobre o que vem por aí.

Em março, vai lançar "Outros 40", uma compilação de ensaios sobre música, poesia e artes visuais que foram publicados em jornais, livros, revistas, catálogos e outros meios. A obra sairá pela editora Iluminuras.

Em agosto, vai expor na galeria Laura Marsiaj, no Rio de Janeiro. "A exposição será composta de peças feitas com monitores, mostrando simultaneamente animações feitas com fotos de placas e letreiros de rua que faço há muitos anos. Elas formam poemas visuais criados a partir de dizeres tirados do mundo, que se alternam em objetos dinâmicos."

Vai excursionar com o espetáculo "Disco", cujo processo de produção começou independente e foi adotado pelo programa Natura Musical aos 45 do segundo tempo.

Caso não recebesse o patrocínio, tiraria recursos do próprio bolso para viabilizar o projeto. "Investir no meu trabalho é o melhor que posso fazer. De alguma forma, isso um dia volta. Se tiver uma exposição ou então um livro sem editora e que eu precise bancar, faço de olhos fechados", afirma.

Os convites para campanhas publicitárias são sempre estudados criteriosamente. Diz não topar, por exemplo, vender sua imagem numa propaganda. "Nunca fiz comercial em que a minha cara aparecesse. Para usar a minha imagem, eu tenho um grilo." Mudar a letra de suas músicas, então, nem pensar.

"Agora mesmo chegou um convite para usar a música Leitinho', que gravei com o Pequeno Cidadão [banda com repertório infantil da qual fez parte entre 2008 e 2012]. Queriam mudar a letra e eu falei: Não, mudando a letra eu não aprovo'. Também não quero fazer versão de uma canção minha."

A história de Arnaldo com o público infantil começou com as composições de ninar que fazia para sua primogênita, Rosa, dormir quando ainda era um bebê. Compôs para o grupo Palavra Cantada e logo em seguida foi convidado pela TV Cultura para criar uma canção do "Castelo Rá-Tim-Bum". Surgiu "Lavar as Mãos", das mais conhecidas dos anos 1990.

"Já me inspirei muito neles [os filhos], até para coisas que não são para o público infantil. [A canção] Beija Eu', por exemplo, tem esse jeito de dizer que era o deles quando eram pequenos. Pega eu', leva eu', claro que transmitido para uma relação adulta amorosa, só que pegando um pouco a afetividade que vinha da sintaxe que eles usavam comumente."

Arnaldo diz que os quatro filhos são seus melhores amigos e até confidentes. "Numa certa idade, conto a cada um que fui preso, que foi a maior violência que sofri." Ele, que passou quase um mês detido, em 1985, por porte de heroína, aproveita o momento para engatar uma conversa franca sobre drogas.

"Falo que qualquer pessoa tem que ser livre e responsável para lidar com o que quiser. Não deveria ser assunto para legislar. Você pode experimentar qualquer coisa que vá mexer com a sua consciência, com seu corpo, com seu espírito, mas envolve perigo e responsabilidades. É um território perigoso. Mas eu acho que a decisão tem que partir de nós. Então falo dos perigos que existem, dos amigos, das minhas experiências pessoais."

"Hoje em dia, já não tomo mais droga nenhuma. Minha droga é o cigarro e o álcool", afirma o cantor.

Do cigarro, aliás, não desgruda. Durante a entrevista na sala de casa foram incontáveis as vezes em que fumou. "São dois meses fumando e outros dois abstêmio." Arnaldo diz se preocupar mais com a saúde desde que chegou aos 50. "Não consigo me assumir nem como ex-fumante nem como fumante. Eu tô num limbo", admite. "Algumas coisas da minha vida acabam sendo assim."

Caça aos sonegadores - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 09/02
A Receita Federal criou uma força-tarefa para investigar as empresas Google e Facebook. A devassa é feita por ordem da presidente Dilma.
Essas empresas estão no topo da lista dos maiores sonegadores de impostos do país. O Google é o segundo em faturamento de publicidade no Brasil. Essas firmas vendem aqui e recebem em paraísos fiscais. E lucram ao atuar fora da lei que rege os concorrentes.


O exemplo que vem da Europa 
A presidente Dilma tratou do assunto com os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Comunicações). A dura atuação dos países europeus contra essas corporações, sobretudo na França e na Alemanha, chamou a atenção da presidente. Informes produzidos pela área econômica estimam que a Google recebeu mais de R$ 3 bilhões em publicidade no Brasil, em 2013. A maior parte dos serviços prestados por essas empresas é paga com cartões internacionais e não aparece no balanço das subsidiárias brasileiras. A única receita é o IOF dos clientes.
Dilma quer também a adoção de legislação que as obrigue a pagar direitos autorais.



"É um casamento maluco.
O fracasso de um pode ser o fracasso do outro" 
Roberto Amaral Vice-presidente do PSB, sobre o pacto de convivência entre os candidatos à Presidência Eduardo Campos (PSB) e Aécio Neves (PSDB)



Na barganha 
No PSB não há dúvida alguma de que Marina Silva será a vice de Eduardo Campos. Avaliam que ela só não anuncia agora porque reduziria seu poder de pressão em torno de candidaturas próprias aos governos de São Paulo, Rio e Minas.


Alô? Presidente? 
O deputado Renan Filho (PMDB-AL) foi surpreendido por ligação do Planalto. "Renan? Vou passar a presidenta, ela está retornando sua ligação". O deputado não sabia o que fazer. "Alô? Oi Renan, como vai?" "Presidente, acho que a senhora está falando com o Renan errado, aqui é o deputado". Dilma riu, se desculpou, e ligou para Renan Calheiros.


Dando um gelo 
Os dirigentes do PMDB que se reúnem com o presidente do PT, Rui Falcão, para tratar de palanques estaduais não querem mais conversa.

Dizem que, depois de cada encontro, os petistas arranjam confusão em algum lugar.


Plataforma eleitoral 
A oposição acusa o governo Dilma de descontrole fiscal e teme pelos desdobramentos da crise mundial. Mas, de olho no empresariado, a visão da presidente Dilma se volta para o outro lado. Até junho, o governo lançará, com toda pompa, a terceira etapa do PAC e o Minha Casa Minha Vida III, cuja meta é contratar três milhões de casas.


Sabe com quem está falando? 
Em viagem aos EUA, o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, enfrentou uma saia justa. O hotel fez débitos irregulares, e o BB bloqueou o cartão. O gerente suspeitou de golpe, mas recuou quando soube com quem falava.


Pós-graduação 
O deputado Ronaldo Caiado (DEM) esteve em Miami durante o recesso, e conversou com a comunidade cubana sobre formas e instrumentos para estimular os médicos que estão no Brasil a pedir refúgio para não retornar a seu país.


O PRESIDENTE DO SDD, Paulo Pereira da Silva, vai à Europa em abril para encontro com o ex-premiê da Polônia, o sindicalista Lech Walesa.

Rede antigrampo - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 09/02


Meses depois da crise provocada pela revelação de que a agência norte-americana NSA espionou autoridades e cidadãos brasileiros, o governo federal acelerou o projeto de construção de um cabo submarino de fibra ótica entre Brasil e Europa. A ideia é defendida há tempos pela comunidade científica, mas virou prioridade depois que Edward Snowden denunciou que o governo Barack Obama monitora todas as informações que saem dos cabos submarinos brasileiros para os EUA.

Agenda 
O acordo para a construção pode ser assinado ainda neste mês em possível reunião entre Brasil e União Europeia, em Bruxelas.

No forno 
Os embargos infringentes de Delúbio Soares no mensalão estão prontos para análise do plenário do STF. Falta o relator, Luiz Fux, pedir para que eles sejam incluídos na pauta.

Peixe... 
Ideli Salvatti (Relações Institucionais) está tão escanteada da articulação política que, após a reunião em que o PMDB decidiu abrir mão de indicar novos ministros, ligou para um peemedebista da Esplanada para saber o que estava havendo.

...fora da água
Do outro lado, ela ouviu: "Ministra, está tudo nos jornais". Aloizio Mercadante, novo titular da Casa Civil, foi indicado pela presidente para assumir o comando das negociações com os aliados e deve conversar novamente com Michel Temer na terça-feira.

Oráculo 
Dilma Rousseff vai conversar com Lula na segunda-feira sobre o espaço do PMDB no primeiro escalão. Os peemedebistas, no entanto, atribuem ao ex-presidente a ideia de oferecer a Integração Nacional a Eunício Oliveira (PMDB-CE).

Calendas 
Quem acompanha a negociação com os partidos aliados, que desandandou na última semana, aposta que a presidente só resolverá a segunda parte da reforma na última semana do mês.

Cara... 
Rui Falcão e Anthony Garotinho (PR-RJ) têm encontro marcado na próxima quarta-feira, em Brasília. A cúpula petista tenta convencer o deputado a ajudar a candidatura de Dilma no Rio.

... e coroa 
Em conversas recentes, Garotinho disse a Falcão que só dará palanque à petista no Estado se o PT fizer uma manobra que leve o PC do B ou outra sigla da base a apoiar a candidatura do PR ao governo fluminense.

Em etapas 
Geraldo Alckmin (PSDB) decidiu que os diretores de empresas públicas que vão disputar as eleições não precisarão deixar os cargos na reforma do secretariado, prevista para este mês. Eles poderão ficar até o prazo legal, em 5 de abril.

Seca 1 
O Ministério do Meio Ambiente e o governo paulista decidiram adiar a discussão sobre a renovação da outorga do Sistema Cantareira devido à falta de água em São Paulo. O contrato atual vence em agosto.

Seca 2 
O governo federal e o Palácio dos Bandeirantes também decidiram criar um comitê gestor de recursos hídricos para monitorar o nível de água no Estado. O grupo vai trabalhar de forma integrada e permanente.

Escudo 
Prevendo novos ataques de Alexandre Padilha (PT) a Alckmin na área da segurança, o Palácio dos Bandeirantes compilou novos dados para defender o tucano. O governo vai enviar ao PSDB números que mostram queda dos homicídios no Estado nos últimos 20 anos.

Dominado 
A empresa de propaganda que registrou o site das caravanas de Padilha já reservou outros dois domínios que devem ser usados na campanha: seligasp.com.br e votepadilha13.com.br.

tiroteio
"Os generais tucanos ironizam a solidariedade dos petistas, mas abandonam sem pestanejar seus soldados feridos. Coitado do Azeredo."
DO DEPUTADO VICENTE CÂNDIDO (PT-SP), sobre o julgamento do mensalão mineiro e a reação do PSDB às acusações contra Eduardo Azeredo (MG).

contraponto


Vinde a mim as criancinhas

Na cerimônia de transmissão de cargo no Ministério da Educação, Aloizio Mercadante e seu sucessor, José Henrique Paim, trocaram diversos elogios.

-Paim é um exemplo de funcionário público -disse o novo titular da Casa Civil.
-Volte ao MEC quando quiser...Eu, pelo menos, vou visitar muito a Casa Civil -replicou Paim.
E completou, entregando a estratégia que usará com o ex-chefe para obter recursos para a pasta:
-Quando as coisas estão difíceis, a gente faz o apelo às crianças: isso libera os recursos e acelera o processo!

Lula e a reeleição - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 09/02

O ex-presidente tem dito nas reuniões dos “apóstolos”, aquele grupo encarregado de pensar o PT para o futuro, que esqueçam a hipótese de uma candidatura dele em 2018. A ordem é trabalhar gente nova. No topo da lista, permanece o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, o candidato a governador de São Paulo, Alexandre Padilha, e o governador da Bahia, Jaques Wagner. O que Lula quer mesmo, terminadas as eleições deste ano, é retomar aquele projeto antigo de cuidar da América Latina e da África.

Melhor de três
O ex-presidente Lula deu um ultimato ao governador do Ceará, Cid Gomes, e ao líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, pré-candidato ao governo estadual. Ou os dois se entendem, ou o PT terá candidato próprio.

Tema recorrente
O líder da Minoria, Domingos Sávio (PSDB-MG), retomará a briga pelo aumento das verbas para o setor de saúde além dos valores que o governo aceitou conceder dentro do Orçamento Impositivo. É tudo o que o PMDB deseja para criar mais um tumulto com o Planalto.

Ameaça frequente

No Planalto, entretanto, há quem diga que é melhor os congressistas pensarem duas vezes antes de brincar com o Orçamento Impositivo. É que uma mudança, agora, sempre pode servir de pretexto para que o governo não libere nada antes das eleições.

Quem cobre um santo...
Há quatro meses como ministro de Portos, Antônio Henrique Pinheiro Silveira terminou ganhando o respeito do setor. Agora, com a iminente troca de comando, a apreensão tomou conta do empresariado. Dilma agradará ao partido contemplado com o cargo e correrá o risco de descontentar os empresários do segmento. E, em ano eleitoral, sabe como é.

Em família
O deputado Fábio Faria (PSD-RN), futuro pai do neto do empresário Sílvio Santos, trabalha para fazer do pai Robinson Faria candidato ao governo do estado com o apoio do PT. É mais um estado onde o PMDB deve sobrar na chapa.

Convers@ de Domingo
O secretário-chefe da Casa Civil do Governo do Distrito Federal, Swedenberger Barbosa, ainda acredita na construção de pontes entre o PT e o PSB. Pelo menos, no DF. Confira na sessão de vídeos do site www.correiobraziliense.com.br.

CURTIDAS 


Chama a “patroa”/ O senador Wellington Dias (PT-PI) cogitou nos últimos dias lançar a mulher, Rejane, candidata ao governo. As más línguas dizem que é receio de terminar perdendo o governo do estado. As boas dizem que Dilma quer que ele permaneça no Congresso, para auxiliar o seu governo, em caso de reeleição.

Por falar em patroa.../ Dilma pode até resolver o futuro do PMDB nesta semana, mas a prioridade dela mesmo é o setor elétrico. Entre seus fiéis seguidores, há quem diga que ela suporta sem estresse críticas à forma como conduz as relações com o Congresso, mas vira uma onça quando alguém questiona sua capacidade de gestão.

Pronto para a guerra/ Todas as vezes em que o deputado Felipe Maia (foto), do DEM-RN, chega de gravata vermelha no plenário, os vice-líderes do PT se armam. Na semana passada, por exemplo, ele levou a reclamação dos prefeitos, irados com o fato de estarem indiretamente custeando o contrato entre o governo brasileiro e Cuba para o envio de profissionais ao Programa Mais Médicos.

Vianas em litígio/ O senador Jorge Viana (PT-AC) e seu irmão, o governador do estado, Tião Viana, divergem sobre a candidatura ao Senado. Enquanto o governador quer lançar apenas a candidatura da deputada Perpétua Almeida ao Senado, Viana considera melhor ter duas opções, Perpétua e Aníbal Diniz.

Férias/ Enquanto a política está na fase de “aquecimento” pré-carnavalesco, ainda é possível tirar uns dias para recarregar as energias. Volto com as águas de março!